David Arioch – Jornalismo Cultural

Jornalismo Cultural

Archive for the ‘Ponderação’ tag

A importância das opiniões contrárias

without comments

opinion2

Quem se julga sábio, dificilmente se abre para o conhecimento de forma isenta (Arte: Hype Orlando)

Pode parecer estranho, mas aprendi a gostar de opiniões contrárias às minhas na adolescência. E acredito que isso faz parte de um processo de constante amadurecimento, principalmente porque acho mais importante ter dúvidas do que certezas. Afinal, sou movido pelas dúvidas. Me provam que pouco sei sobre tantas coisas e isso é estimulante porque me permite evitar ser petulante, recair o mínimo possível em senso comum ou generalizações.

Quem se julga sábio, dificilmente se abre para o conhecimento de forma isenta de pré-conceitos ou preconceitos. Além disso, é através das diferenças que aprendo a ser mais paciente. Se calar para ouvir pode ser um desafio quando as palavras não nos agradam, mas é recompensador porque é a maior prova de que a essência humana não abandonou o ser.

Quem busca semelhanças o tempo todo corre o risco de se inclinar sobre si mesmo e não perceber que o outro na realidade é apenas o seu próprio reflexo imutável e pulverizado, como um ouroboros distorcido. A internet, por exemplo, é um ambiente muito bom para uma avaliação de autocontrole. Nesses mais de seis anos usando o Facebook me agrada o fato de eu jamais ter xingado alguém, mesmo diante de provocações e ofensas.

Mais reflexão e menos irritação

without comments

O que aconteceria se cada um se fechasse no seu mundo de preferências e desprezasse todo o resto?

Obra do pintor David Linn que retrata a importância da cooperação

Obra do pintor David Linn que retrata como a cooperação é tão bela quanto importante

Fiquei sabendo que um amigo foi ofendido com palavras de baixo calão no Facebook porque emitiu uma opinião respeitosa, embora contrária à da autora de uma enquete sobre política. Psicóloga, a senhora que fomentou o debate não poupou ofensas ao meu amigo apartidário que até então também era seu amigo. Sem dúvida, é uma situação que retrata um exemplo clássico da severa incapacidade em lidar com as diferenças, premissa básica do convívio social.

Tenho amigos que votam nos mais diferentes partidos políticos. Nem por isso me coloco no direito de ofender ou desrespeitar qualquer um deles. Discussões, críticas e piadas sempre surgem, mas sempre evitando extremismos ou apelações. O mesmo posso dizer sobre religião. Convivo com pessoas que amam atividades físicas e outros que simplesmente odeiam. Curto alimentação saudável, nem por isso perturbo quem não gosta, afinal, é uma questão de escolha. Não bebo, não fumo e tenho camaradas que bebem tanto quanto fumam, embora tenham pleno conhecimento das consequências desses hábitos. Poderia citar uma infinidade de outros exemplos, mas o meu objetivo é apenas respaldar uma ideia – a tolerância é o único caminho para assegurar a civilidade.

Diante de situações extremas de intolerância, sempre me pergunto: o que aconteceria com o mundo se cada um se fechasse no seu mundo de preferências e desprezasse todo o resto? Sem dúvida, nos tornaríamos bárbaros, e a julgar pelo avanço do mundo nessa fase definida como hipermodernidade, nos dividiríamos em hordas piores que aquelas que habitaram o mundo no século VI.

Digo pior porque hoje, mais do que nunca, temos recursos para ser cada vez melhores e não o contrário. Se me identifico com cinema “alternativo”, devo virar as costas para quem curte apenas cinema comercial? Se gosto de musculação, é justo me relacionar somente com quem pratica? Se aprecio heavy metal, preciso ignorar tudo que uma pessoa que não simpatiza com o gênero tem a oferecer? Não creio.

Em 2011, o estadunidense J.H. Kietzmann, um estudioso das redes sociais, publicou no jornal Business Horizons, da Universidade de Indiana, nos Estados Unidos, um trabalho bem interessante sobre o assunto. Em uma de suas citações, ele diz que mídias como o Facebook surgiram para permitir uma interação social baseada na criação colaborativa de informação. Veja bem, a afirmação foi baseada em um estudo ainda recente. Infelizmente, isso não resume o que vemos hoje nas redes sociais. O aspecto negativo cresce exponencialmente.

Na internet a intolerância tem motivado muita gente a odiar quem não conhece ou jamais viu. O desrespeito às diferenças tem desfeito amizades e também elevado o número de pessoas desprezando outras por um mero comentário em uma postagem de um amigo em comum. Muitos parecem encarar a falta de contato físico como um pretexto para ofender alguém, esquecendo que por trás da máquina há sempre um ser humano que também pensa e se emociona.

Todo mundo deve conhecer casos de pessoas que deixaram até mesmo de se cumprimentar na rua ou de se falar por uma divergência de opinião em uma publicação em mídias sociais. A impressão que fica é que há bastante gente despreparada em aceitar a preferência alheia. Isso deveria acontecer? Acho que não, a não ser que você tenha uma cabana no seio de uma área de mata nativa e opte por passar o resto de sua vida em ostracismo ou na plena misantropia.

No Facebook, qualquer pessoa com uma lista de contatos está sujeita a receber uma infinidade de informações ao longo do dia, então por que se incomodar com um camarada que se sente bem postando algo sobre um assunto que o agrada? Pode não ser do meu gosto, mas também não me faz mal. Por que não permitir uma opinião contrária a sua? Isso pode enriquecer o diálogo ou pelo menos estimular uma reflexão ou consideração.

Claro, desde que não seja um comentário arbitrário ou agressivo. A rede social também tem o poder de avaliar a nossa paciência, equilíbrio e capacidade em aprender até mesmo sobre coisas com as quais até então não nos importávamos. Não nego que estamos todos sujeitos a condenar determinadas atitudes e cometer excessos nas redes sociais. Porém, isso não significa inaptidão em aperfeiçoar as nossas habilidades de ponderação.

Written by David Arioch

March 24th, 2016 at 5:17 pm