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Seis meses vendendo crack e morando na zona
“Tinha cara que nem ia na zona pra transar. Só queria a mulherada em volta e fumando com ele”
Dantão conheceu a zona por causa de uma mulher. Ela chegou um dia na sua casa na Vila Alta, na periferia de Paranavaí, e o encontrou dormindo depois de cheirar meio litro de cola de sapateiro. Sem ocupação, sem dinheiro e vivendo na miséria, não pensou duas vezes antes de reunir os “trapos” dentro de uma sacola e partir para uma casa de prostituição que funcionava em uma chácara no Jardim São Jorge.Ainda “noiado”, não tinha certeza de onde estava ou o que faria. Apelidado de Monstrão, foi colocado para trabalhar na portaria do bordel. Ganhava R$ 25 por noite e se tornou o xodó da mulherada com seu jeito remansoso e paradoxalmente enérgico de impedir conflitos entre desordeiros. “Eu não era casado, nem nada. Me sentia em casa morando na zona com aquela mulherada avulsa. Se tivesse striptease, eu chegava junto pra não deixar os folgados tocarem nas moças”, conta.
A dona da casa gostou tanto de Dantão que permitiu que ele trouxesse o que quisesse da velha moradia. Depois da meia-noite “trombava” com advogados, juízes, promotores, políticos, médicos e empresários. “Era tudo da alta sociedade. Até dono de usina, agroindustrial. Eu começava às 19h e ia até 7h, 8h da manhã”, afirma. Em dia de grande movimentação, a casa disponibilizava de 25 a 30 moças com faixa etária de 18 a 30 anos. “A maioria dizia que vivia naquela vida porque não conhecia outra coisa. Uma me falou que não via a hora de arrumar um homem sério pra cuidar dela e dos filhos”, relata.
Algumas moças sofriam de depressão e choravam alegando que não aguentavam mais viver se prostituindo. “Dava dó. E eu entendia isso porque sei o que é não ter oportunidade. Quem vem de baixo normalmente passa a vida vendo os outros virando as costas pra você”, declara. Quando havia discussão por causa de mulher, o rapaz entrava no meio e discursava: “Quem tem mais dinheiro fica com a moça. O nome daqui é zona, então leva quem tem mais.”
Após dois meses no prostíbulo, Dantão foi abordado por um traficante. A princípio não quis se envolver, até que o homem o convidou para fumar crack e sugeriu que ele vendesse algumas pedras só para “sentir o gosto da coisa”. Depois de uma nova conversa foi convencido a entrar no negócio.
“A cada cinco pedras vendidas [ao custo de R$ 5 por unidade], o lucro de três pode ficar pra você”, prometeu. Empolgado, Dantão pegava 200 e até 300 pedras nos dias de grande demanda. “Eu só vivia lá dentro. Nunca saía pra nada. Rapidinho fiquei famoso entre os frequentadores da zona que buscavam mais do que sexo. Era tudo nego do dinheiro. Numa noite um dono de usina chegou com R$ 5 mil e foi embora liso”, narra.
No entanto, conforme as vendas aumentavam, a parcela de lucro de Dantão seguia na contramão, caindo. “Arrastava até três mil reais numa noite e o patrão ficava com quase tudo. Pra mim sobrava uns R$ 500, R$ 600. Mas é sempre assim. Patrão não se mata, quem se mata são os laranjas e os mulas. Ele só administra e manda. Quem se fode e corre risco é você”, desabafa.
Para piorar, Dantão conheceu uma loira e ex-detenta que veio de outra cidade para trabalhar na zona. Os dois se envolveram e o rapaz acabou viciado em crack. “Comecei a fumar pedra direto com ela, toda noite. Ela sempre queria fumar com os clientes, até que um dia foi embora e nunca mais a vi”, enfatiza.
Ao longo de oito meses morando na zona e seis meses comercializando crack, Dantão perdeu as contas de quantos homens chegaram pedindo 50 a 60 pedras de crack para fumarem nos quartos. “Tinha cara que nem ia na zona pra transar. Só queria a mulherada em volta e fumando com ele, até porque a pedra corta o tesão do homem. Lembro de um magnata aí pra quem servi 100 pedras numa noite. Ele fumou tudo com algumas moças. E elas não podiam recusar porque mulher na zona acaba tendo que se submeter a tudo”, revela o rapaz que se afastou das drogas e hoje trabalha como servente de pedreiro.
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“Sou prostituta sim, acompanhante não”
Mar, uma profissional do sexo sem falsos pudores
Nas imediações do Terminal Rodoviário Urbano de Paranavaí, no Noroeste Paranaense, é possível encontrar muitos personagens marginalizados que fazem parte da história underground da cidade. Enquanto alguns têm pouco a dizer, outros têm muito. Um exemplo é a mulher que prefere ser identificada apenas como Mar.
Há quase 20 anos atuando como profissional do sexo, Mar conta que perdeu as contas de quantos clientes atendeu. “A gente tenta registrar tudo no começo, cheguei até a ter uma caderneta. Depois se perde o interesse e o sexo mais do que nunca se torna apenas uma parte da rotina”, comenta enquanto retoca o batom vermelho no canto da boca.
Mar não esconde a vaidade. Mantém os cabelos escovados, a postura altiva, o entorno dos olhos bem pintados e admite que se veste como se se preparasse para um encontro. “Me sinto bem assim. Não faço pelos clientes porque já passei dessa fase. Preciso me sentir bem comigo mesma”, confidencia.
O expediente de Mar, que já trabalhou em inúmeras “casas de mulheres” e hoje tem um local próprio de atendimento, começa no final da tarde, mesmo com muita claridade. A jornada de trabalho oscila muito, mas reconhece que já atendeu até sete clientes em um dia. “Não aceito mais de um por vez. Teve época que eu ainda aceitava casais, agora não”, diz a mulher que já fez programas com homens dos mais diversos perfis, classes sociais e faixas etárias.
Com 35 anos e muita experiência, Mar explica que nunca entendeu porque tantas profissionais do sexo não toleram o termo prostituta. “Deveriam ser vistas como acompanhantes se realmente fossem contratadas para acompanhar alguém, mas eu nunca vi nenhuma mulher ganhar apenas pra isso. Então eu digo que sou prostituta sim, acompanhante não”, destaca em tom de voz acalorado.
Dos clientes que já atendeu, se recorda de alguns que tinham desejos incomuns. Houve um podólatra que pediu para roer os dedos dos pés de Mar enquanto ele movimentava o corpo no chão, como um réptil. “Falou que isso o excitava muito. Também teve um cara que trouxe pedaços de elástico pra eu prender seus testículos”, exemplifica. Segundo Mar, só quem trabalha nesse ramo sabe que há muita gente aparentemente normal velando seus anseios pela perversão sexual.
“Você não tem ideia de como existem homens que gostam de apanhar. Há pouco tempo, atendi um senhor que me trouxe um daqueles rolos antigos de massa de macarrão. O sujeito pediu que eu batesse em sua bunda com aquilo porque lhe trazia lembranças da infância”, revela com um sorriso enviesado. Os pedidos mais bizarros partem de quem ocupa posição social mais elevada.
Aparentemente, são pessoas infelizes na vida pessoal que a procuram na tentativa de se desvincular da realidade e criar uma nova identidade, nem que seja por tempo bem curto. “Mesmo quando revelam o nome verdadeiro, eles preferem que sejam chamados por outro nome ou apelido”, confidencia. Mar jamais foi desrespeitada pelos clientes, embora alguns tenham sido um pouco agressivos e demonstrado certa inabilidade social.
A mulher relata que apesar do estilo de vida nem sempre estável, não se arrepende da sua trajetória. Garante que como prostituta lucra mais que muitos profissionais despejados no mercado de trabalho pelas universidades. “Sou graduada em pedagogia, mas optei por não atuar na área porque na época eu ganhava muito mais do que uma profissional do ramo”, justifica. Sem filhos e vícios, Mar não gosta nem do cheiro de álcool e fumo. Ao longo dos anos, conseguiu comprar uma casa em um bairro nobre, carro e ainda guardar dinheiro em uma conta poupança, investir no visual e fazer até cinco viagens nacionais e internacionais por ano.
Criada em uma família desestruturada, Mar é filha única de um alcoólatra e uma viciada em medicamentos e jogatina. “Se endividavam e vendiam até móveis e roupas para alimentar o vício. Era raro o dia que o meu pai não me batia. Me espancava com qualquer coisa que estivesse ao alcance da mão. Tinha tanto medo dele que às vezes fazia xixi nas calças só de ouvir seus passos”, lembra.
Mar fugiu de casa aos 12 anos. Morou na rua alguns meses e foi localizada por uma tia que lhe deu abrigo até os 16 anos, quando a mulher faleceu em decorrência de um câncer no estômago. Sozinha, Mar tinhas duas opções: voltar para casa ou morar na rua. “Foi aí que uma amiga me falou que estava se prostituindo para sobreviver. Relutei muito no começo, mas acabei cedendo e hoje estou aqui”, enfatiza.
Sobre o amor, Mar nunca nutriu esperanças em demasia. Prefere ser prática, mas não radicalmente pragmática. “Sim, já tive alguns bons relacionamentos durante a vida, mas sempre busquei um certo equilíbrio. Nunca menti sobre a minha profissão. Não tenho motivo pra isso. Sou quem sou, me aceitei há muito tempo e isso me basta para ser feliz do meu jeito”, assegura.