David Arioch – Jornalismo Cultural

Jornalismo Cultural

Um presente para a mamãe

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” Será que digo que sou jornalista? Provavelmente ela vai me expulsar da loja… ” (Foto: Luxury Safes)

Saí para comprar um presente para a minha mãe. Fui até uma joalheria, e enquanto eu olhava alguns brincos e colares, uma moça se aproximou e perguntou se eu precisava de ajuda.

— Por enquanto, não…

— Se precisar, estarei aqui ao lado, tudo bem?

— Ah sim. Muito obrigado!

Enquanto eu analisava um belo anel que parecia forjado por um nibelungo, uma mulher pediu que a vendedora me levasse até ela.

— Por gentileza, o senhor pode me acompanhar?

Mesmo sem entender nada, acenei positivamente com a cabeça. “O que será isso, hein?”, pensei.

Diante de um longo balcão acastanhado, uma mulher muito bonita, com pouca maquiagem, e em um longo vestido preto, sorriu e me cumprimentou.

— O senhor não precisa se contentar com as nossas peças mais baratas. Temos algo realmente especial.

— É? — falei, mas ponderei: “E por que eu não me contentaria com as peças mais baratas? E que para mim pareciam bem caras…”

— Sim. Temos uma sala especial para atender pessoas como você. “Não entendi. Pessoas como você? Que tipo de pessoa eu sou?”

— É?

— Sim…me acompanhe, por favor.

Percorremos um corredor à direita do caixa, ela acionou uma senha e uma porta blindada, que mais parecia um cofre, abriu. Entramos.

— Acredito que tudo esteja à sua altura.

— Como assim à minha altura? Será que essa mulher não está me confundindo com outra pessoa? — refleti.

A peça mais barata naquela sala era um par de brincos de R$ 22 mil. Mas ela fazia questão de me mostrar colares que custavam até R$ 120 mil. Talvez fossem feitos de alguma coisa mais valiosa do que vidas? Ela sorria copiosamente, como se acreditasse que eu não sairia de lá sem comprar nada.

— Será que digo que sou jornalista? Provavelmente ela vai me expulsar da loja… — inferi silenciosamente.

— A senhora tem peças realmente bonitas, o problema é que estou bem distante de comprar o par de brincos “mais barato”.

Pensei em quantas crianças famintas poderiam ser alimentadas com o dinheiro a ser pago por aqueles brincos, anéis e colares. Bom, não cabe a mim dizer o que cada um deve ou não fazer com o seu dinheiro. Além disso, a verdade é que estamos todos no mesmo lugar, mas nem por isso fazemos parte do mesmo mundo.

— Não seja modesto….sei que o senhor é rico.

— Como? Até parece. Não entendi.

— Conheci seu pai, parte da sua família…

— Acho que não, hein…

— Conheci sim…não seja assim…

— Certo. Agradeço a confiança em me trazer aqui, mas preciso ir embora…

— Rápido assim? Não vai levar nada? Nem uns fios de ouro para adornar a sua barba?

— Não tenho como levar nada desta sala, senhora. E me desculpe, mas sofro de claustrofobia. Devo dizer que este ambiente não ajuda.

Ela estava bloqueando a saída, e quando percebeu o meu estado de descontentamento, abriu passagem. Atravessei a loja rapidamente, e na saída um homem tocou em meu ombro e indagou:

— Você não é filho do Salim Murat Mesut?

 

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Written by David Arioch

May 14th, 2017 at 11:15 pm

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