David Arioch – Jornalismo Cultural

Jornalismo Cultural

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“Nossa, o seu carrinho é o mais lindo que já vi! Quanto verde, quanta cor”

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“Não tem quase coisas industrializadas”

Depois de levar meu irmão para fazer uma prova em Maringá, passei em um mercado para comprar algumas coisas. No caixa, a atendente fez uma observação:

— Nossa, o seu carrinho é o mais lindo que já vi! Quanto verde, quanta cor, e não tem quase coisas industrializadas. O que mais se vê por aqui são carrinhos cheios de carne, coisas prontas, enlatados e muita bobagens, essas coisas.

Fiquei lisonjeado, mas admito que essa observação me fez pensar depois: “Estamos imersos em uma cultura onde um ‘carrinho colorido’ chama a atenção porque não faz parte da realidade comum.”

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Written by David Arioch

August 20th, 2017 at 12:08 am

Um presente para a mamãe

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” Será que digo que sou jornalista? Provavelmente ela vai me expulsar da loja… ” (Foto: Luxury Safes)

Saí para comprar um presente para a minha mãe. Fui até uma joalheria, e enquanto eu olhava alguns brincos e colares, uma moça se aproximou e perguntou se eu precisava de ajuda.

— Por enquanto, não…

— Se precisar, estarei aqui ao lado, tudo bem?

— Ah sim. Muito obrigado!

Enquanto eu analisava um belo anel que parecia forjado por um nibelungo, uma mulher pediu que a vendedora me levasse até ela.

— Por gentileza, o senhor pode me acompanhar?

Mesmo sem entender nada, acenei positivamente com a cabeça. “O que será isso, hein?”, pensei.

Diante de um longo balcão acastanhado, uma mulher muito bonita, com pouca maquiagem, e em um longo vestido preto, sorriu e me cumprimentou.

— O senhor não precisa se contentar com as nossas peças mais baratas. Temos algo realmente especial.

— É? — falei, mas ponderei: “E por que eu não me contentaria com as peças mais baratas? E que para mim pareciam bem caras…”

— Sim. Temos uma sala especial para atender pessoas como você. “Não entendi. Pessoas como você? Que tipo de pessoa eu sou?”

— É?

— Sim…me acompanhe, por favor.

Percorremos um corredor à direita do caixa, ela acionou uma senha e uma porta blindada, que mais parecia um cofre, abriu. Entramos.

— Acredito que tudo esteja à sua altura.

— Como assim à minha altura? Será que essa mulher não está me confundindo com outra pessoa? — refleti.

A peça mais barata naquela sala era um par de brincos de R$ 22 mil. Mas ela fazia questão de me mostrar colares que custavam até R$ 120 mil. Talvez fossem feitos de alguma coisa mais valiosa do que vidas? Ela sorria copiosamente, como se acreditasse que eu não sairia de lá sem comprar nada.

— Será que digo que sou jornalista? Provavelmente ela vai me expulsar da loja… — inferi silenciosamente.

— A senhora tem peças realmente bonitas, o problema é que estou bem distante de comprar o par de brincos “mais barato”.

Pensei em quantas crianças famintas poderiam ser alimentadas com o dinheiro a ser pago por aqueles brincos, anéis e colares. Bom, não cabe a mim dizer o que cada um deve ou não fazer com o seu dinheiro. Além disso, a verdade é que estamos todos no mesmo lugar, mas nem por isso fazemos parte do mesmo mundo.

— Não seja modesto….sei que o senhor é rico.

— Como? Até parece. Não entendi.

— Conheci seu pai, parte da sua família…

— Acho que não, hein…

— Conheci sim…não seja assim…

— Certo. Agradeço a confiança em me trazer aqui, mas preciso ir embora…

— Rápido assim? Não vai levar nada? Nem uns fios de ouro para adornar a sua barba?

— Não tenho como levar nada desta sala, senhora. E me desculpe, mas sofro de claustrofobia. Devo dizer que este ambiente não ajuda.

Ela estava bloqueando a saída, e quando percebeu o meu estado de descontentamento, abriu passagem. Atravessei a loja rapidamente, e na saída um homem tocou em meu ombro e indagou:

— Você não é filho do Salim Murat Mesut?

 

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Written by David Arioch

May 14th, 2017 at 11:15 pm

A consciência de José

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“Lendo os ingredientes para ver se não encontra nada de origem animal, não é mesmo?”

Arte: Shawn Sheperd

No mercado, enquanto eu olhava os produtos na seção de cereais, um camarada, a quem vou chamar de José, passou por mim, me cumprimentou e disse: “Checando se não encontra nada de origem animal entre os ingredientes, não é mesmo?” Balancei a cabeça em concordância e sorri.

Ele continuou: “Cara, aqueles seus textos sobre veganismo mexem com a cabeça da gente. Tenho que reconhecer.” Gostei de saber disso e comentei que a ideia é justamente essa. José deu um sorriso amarelecido e partiu empurrando seu carrinho de rodinhas tortas que dificultavam uma movimentação mais rápida.

Depois de 10 a 15 minutos, na seção de farináceos, o vi na fila do açougue. Provavelmente ele estava aguardando a vez desde que trocamos algumas palavras. Assim que me viu, desviou os olhos. Empunhando uma longa faca recém-usada para fatiar parte de algum animal, o açougueiro ajeitou o boné branco com uma mão enluvada e perguntou o que ele desejava. Mesmo à distância, ouvi sua resposta: “Não desejo nada, meu senhor, nada! Muito obrigado! Tenha um bom dia!”, e se afastou, esfregando a mão sobre o topo da cabeça e empurrando o carrinho em sentido oposto.

Continuando as compras, na seção de hortifruti, fiquei feliz por encontrar brócolis e couve-flor orgânicos a preços acessíveis. Peguei dois de cada, coloquei no carrinho e olhei à minha direita. José, como se carregasse bebês nos braços, deitou duas bandejas de iogurte grego e uma garrafa de bebida láctea dentro do carrinho quando notou minha presença.

Ele corou e tirou todos os laticínios do carrinho, recolocando-os no expositor. Testemunhando a cena, uma idosa baixinha segurando uma caixinha de leite de arroz com as duas mãos falou: “Você fez bem, filho! Leite de bicho faz mal. Olhe como você está vermelho!” Só ouvi um não sonoro e desajeitado que afastou a boa senhora, mas não sem antes fazê-la agigantar os olhos e levar as duas mãos ao coração, sem entender o que aconteceu.

Quando me recordei que em casa não havia mais alho, me apressei até a banca e, coincidência ou não, vi José segurando duas bandejas de ovos de galinha. Ele parecia preocupado em ser visto por alguém, e movia a cabeça de um lado para o outro. Não notou que havia uma plaquinha amarela avisando que o piso estava escorregadio. Gritei seu nome em vão. José não ouviu e foi ao chão, caindo sentado e resfriando o traseiro. Não restou um ovo inteiro.

A raiva era tanta que ele grunhiu: “Nunca mais como ovo na minha vida! Nunca mais! Para os diabos com os ovos!” Sorte ou não, nenhum o atingiu. Me aproximei para ajudá-lo a levantar, só que ele recusou: “Estou bem, David. Me deixe, estou bem!” As pessoas o observavam sem entender o que se passava com José. Preocupado com as horas, caminhei até as seções de produtos de limpeza e higiene, o que me tomou um tempinho considerável.

Já no caixa, logo à minha frente, encontrei José esvaziando o carrinho e colocando as compras sobre o balcão. No fundo, restavam três bandejas de embutidos, um saquinho com carne moída e outro saquinho com bifes. Ele os posicionou sobre o balcão, mas quando me viu logo atrás, levou um susto e sorriu. Retribuí o sorriso e José chamou a atenção da moça do caixa: “Olhe, alguém deve ter colocado por engano esses embutidos e essas carnes no meu carrinho. Isso aqui não é meu. Vou deixar aqui do lado.”

Written by David Arioch

April 25th, 2017 at 1:35 pm

Haitianos pedem ajuda

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Sem dúvida, haitianos são confiáveis, honestos e trabalhadores

Haitianos são confiáveis, honestos e trabalhadores

Ultimamente tenho encontrado nos maiores mercados de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, alguns haitianos pedindo o mesmo favor. Eles se oferecem para pagar sua compra com os cartões deles e em troca pedem que você entregue a eles a quantia equivalente em dinheiro.

Se você for pagar a compra em dinheiro ou com cartão (mas tiver dinheiro), peço que não hesite em ajudá-los. Eles fazem isso porque precisam arcar com despesas que só podem ser pagas em dinheiro – e muitas vezes a cobrança surge antes do dia do pagamento. Podem confiar, são pessoas honestas e trabalhadoras.

Written by David Arioch

January 10th, 2016 at 2:01 pm

Uma atitude que pode fazer a diferença na vida de alguém

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Tenho certeza que a pessoa vai reconhecer esse seu gesto de boa vontade (Foto: Reprodução)

Tenho certeza que a pessoa vai reconhecer esse seu gesto de boa vontade (Foto: Reprodução)

Ontem, minha mãe foi ao Super Muffato, de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, e testemunhou uma situação que tenho certeza que todo mundo já presenciou – o que muda são apenas os personagens.

Uma senhorinha de aproximadamente 60 anos foi comprar alguns alimentos com três netinhas. Na hora de passar no caixa, ela não tinha dinheiro para pagar pelos pacotinhos de suco (e dos mais baratos) que as crianças pegaram. Constrangida, ela acabou devolvendo os produtos.

Com base nesse exemplo, que tal se sempre que encontrássemos alguém nessa situação nos oferecêssemos para pagar pelos produtos? Quem passa por esse tipo de situação normalmente precisa de pouco dinheiro para não deixar nada para trás. E se você não puder arcar com todo o restante, pode se oferecer para pagar por pelo menos um dos produtos. Tenho certeza que a pessoa vai reconhecer esse seu gesto de boa vontade.

Written by David Arioch

January 6th, 2016 at 10:09 pm

25 minutos na fila do hipermercado

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Na minha frente um homem jocoso de não mais que 40 anos aproveitava a lentidão

O garotinho apostou em duas mangas Tommy que o pai aceitou com um sorriso maroto

O garotinho apostou em duas mangas Tommy que o pai aceitou com um sorriso maroto

Em uma das minhas idas ao hipermercado, deixei o carro a quase 100 metros de distância da entrada. Tudo bem, afinal eram quase 18h de sábado. Ainda assim o estacionamento cheio já prenunciava uma curiosa exaustão de ânimos. Logo na entrada, um rapaz empurrando um carrinho em minha direção tentou disputar um estreito espaço entre dois carros com um senhor mais à frente. O resultado foi um choque de carrinhos que lançou ao chão pacotes, frascos, potes, sacolas e garrafas.

“Que isso, meu amigo! Pra que essa sangria desatada?”, questionou o homem de meia-idade. Por sorte, nada quebrou, mas nem por isso o jovem escapou de ouvir uma reprimenda daquelas que os pais dão nos filhos mais encapetados. Acuado pela vergonha, o rapaz abaixou a cabeça, levou as mãos ao rosto, se desculpou e ajudou o homem a recolher as compras e colocá-las no porta-malas.

No interior do hipermercado havia tanta gente entre algumas gôndolas que até hoje não sei se as pessoas se acotovelavam sem querer ou se queriam extravasar a raiva por causa dos preços nas etiquetas. Perto da seção de doces, uma criança risonha de não mais que sete anos aproveitou a distração dos pais para esconder um pacote de paçoca embaixo de um pacote de macarrão parafuso.

Depois que comprei tudo que precisava, caminhei até a seção de hortifruti, onde vi uma fila enorme para o caixa rápido à minha direita. Em forma de L, quase encostava na padaria. Ao longe se ouvia resmungos que pareciam zumbidos de abelha. “Isso aqui promete. Mas sem problema, é sábado mesmo”, pensei, mesmo ciente de que eu era uma exceção diante de uma maioria que interpretava aquilo como um desrespeito ao consumidor – e com razão.

Na minha frente um homem jocoso de não mais que 40 anos aproveitava a lentidão da fila e pedia ao filho de nove ou dez anos que buscasse alguns produtos. Numa dessas demandas, falou ao menino para ver o preço do limão-taiti a poucos metros de distância, à nossa esquerda. Perdido, o garoto não notou a placa diante de seus olhos e o pai disse: “Po, menino! Tá na sua frente aí o negócio! Olha pra cima!” Ainda confuso, o garoto de sorriso amarelo rodopiou e nada, atraindo risos abafados dos clientes. Até que se aproximou da placa e visualizou o valor.

“Pode trazer três desse aí”, avisou o pai após saber o preço. Com a demora e a fome, o garoto começou a percorrer as bancas com os olhos. Algumas frutas mais suculentas que outras instigavam sua imaginação. “Que delícia!”, dizia ele lambendo os beiços e admirando uma caixinha que trazia um modesto cachinho de uva niágara. Contente, se aproximou do pai, estendeu as mãos e mostrou o seu achado. “Pelo amor de Deus, você tá louco? 12 reais por um cachinho que dá pra engolir numa bocada? Nãããoooo, pode devolver!”, sentenciou. A reprovação do pai foi tão enfática que desvaneceu até a vontade de comer uva.

Então o garotinho apostou em duas mangas Tommy que o pai aceitou com um sorriso maroto quando soube que era dia de promoção. A criança também recebeu um olhar beneplácito ao depositar na cesta uma bandejinha de morango ao preço de R$ 2,99. “Agora esse menino tá aprendendo a viver e a não ser enganado”, suponho que refletiu o homem quando deu dois tapinhas no ombro do filho. Nos 25 minutos que fiquei na fila do caixa rápido, o pai que antes transportava uma cestinha já estava carregando duas. E assim a gerência do hipermercado agradece.

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