Um papo com um pecuarista
Na casa de um amigo já idoso, chegou um senhor com um chapéu de couro sobre a cabeça. Nos cumprimentamos e ele começou a reclamar com o anfitrião.
— Como vai o senhor? — perguntou o amigo.
— O senhor fique sabendo que gado hoje em dia não dá dinheiro como antigamente — respondeu coçando a cabeça.
— Pra mim o manejo do gado tá saindo muito caro, sempre sobra pouco depois da venda do rebanho. Isso não é certo. A indústria tá levando a melhor.
— É, não é fácil.
— Esse menino aqui não come carne, não come nada de origem animal — comentou o amigo apontando para mim.
— Por que não, rapaz?
— Não vejo necessidade, é desnecessário.
— Como assim desnecessário?
— Olhando pra mim, o senhor acha que eu pareço alguém que precisa de carne ou algo de origem animal?
— Não. Mas o que tem de errado em comer carne?
— O que tem de errado em não comer carne?
Silêncio.
— Bom, vou ser honesto com o senhor. Não acho correto matar animais para reduzi-los à comida. Será que a morte vale a pena? Qual seria a expectativa de vida desses animais se eles não fossem enviados para o matadouro?
— Ih, rapaz. Nem sei, se não desse dinheiro, eu nem criaria. Quando a gente faz isso a vida toda não pensa nessas coisas não — comentou sorrindo.
— Mas o senhor já considerou isso?
— Talvez, quando era criança, mas a vida endurece o homem.
— O senhor tem razão, mas acredito que a vida só endurece o homem quando ele fecha os olhos para coisas que em algum nível já o incomodaram.
— Sim, mas a vida é desse jeito mesmo, realidade pura e cada um cuidando do seu.
— O senhor tem filhos, netos, não?
— Sim…
— Eles brincam com os animais que o senhor cria?
— Meus netos, às vezes, mas só com bicho manso, né?
— E o que isso significa?
— Não sei, me diga você.
— Um animal que brinca com um ser humano normalmente reage a um estímulo, e esse estímulo é baseado em como ele se sente diante do outro. Quero dizer, enquanto reação natural esse comportamento revela emoção, sentimento. O senhor concorda?
— Pode ser.
— Na realidade, até quando o gado é bravo, ele revela emoção e sentimento, já que isso significa que ele resiste a ser subjugado.
— Não tem problema, dá-se um jeito.
— Como seus netos brincam com o gado manso, por exemplo?
— Passam a mão na cabeça, afagam o pelo.
— Como o gado reage?
— Fecham os olhos. Temos um novilho que deita no chão e esfrega as costas no pasto, parece cachorro — respondeu rindo.
— E ele vai ser enviado para o matadouro?
— Sim…claro, criamos pra isso.
— Me desculpe a pergunta, mas como o senhor se sentiria se um amigo o abraçasse, o tratasse com carinho e no dia seguinte preparasse uma emboscada para matá-lo?
— Claro que ficaria bravo e decepcionado. O que isso tem a ver com a conversa?
— Não é esse o tratamento dado ao gado?
— Gado não é gente, meu rapaz.
— Sim, o senhor tem razão. Mas a questão não é coloca-los no nível dos seres humanos. Se eles brincam, demonstram emoções, será que não são capazes de sentirem-se traídos?
— Não tenho a mínima ideia.
— Não é uma forma de dissimulação ou traição evitar que o gado reconheça o seu destino? Quero dizer, não é padrão um boi testemunhar outro sendo morto. Provavelmente, porque ele vai querer fugir. Afinal, não é isso que ele quer para a vida dele, não é mesmo?
— Não sei. A gente só recebe de volta o que foi investido no animal.
— O senhor, nunca se sentiu como se estivesse traindo esses animais? Imagino que também já acariciou bois, vacas…
Silêncio.
— Essa conversa tá estranha, rapaz.
— Tudo bem.
— O senhor comentou há pouco que a criação de gado não está dando dinheiro. Há culturas hoje em dia com boa demanda e pouca oferta, como chia orgânica e feijão orgânico. Talvez seja algo que o senhor possa considerar. Tenho um amigo que é engenheiro agrônomo e já transformou áreas de pastagens, inclusive degradadas, em lavouras de chia e feijão aqui no Norte do Paraná.
— Se dá dinheiro, me interessa. Peça pra ele falar comigo.
— Ok.