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Um bom presente para a Terra no Dia da Terra
Depois de degradar espaços naturais, matamos até 72 bilhões de animais terrestres por ano e somente nos matadouros, ou seja, para consumir suas carnes (dados da PETA).
Matamos 790 bilhões de peixes em seus próprios habitats (de forma intencional ou “acidental”) e o total pode chegar a 2,3 trilhões por ano – sem contabilizar os criados em cativeiro (dados da Fish Count UK).
A pesca comercial fere gravemente e mata mais de 650 mil mamíferos marinhos por ano (dados da Animal Matters).
Matamos mais de 100 milhões de animais (incluindo camundongos, sapos, coelhos, porquinhos-da-índia, porcos, primatas e pássaros) em testes de produtos, vivissecção e outros experimentos a cada ano (dados da PETA, Cruelty Free International e HSI).
Matamos mais de 10 milhões de animais silvestres por ano apenas para arrancar seus couros e utilizar na indústria da moda (dados da Last Chance for Animals).
Mais de 40% dos anfíbios do planeta estão ameaçados de extinção, assim como um terço de todos os mamíferos marinhos. A humanidade já afetou negativamente 75% das terras do planeta e 55% dos ecossistemas marinhos (dados da Plataforma Intergovernamental de Políticas Científicas em Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos).
Nos últimos 20 anos, matamos mais de um milhão de pangolins, animal que já estava aqui milhões de anos antes da chegada da humanidade (dados da African Wildlife Foundation), e que hoje tem seu nome associado ao coronavírus graças a nós.
Atualmente, 105.732 espécies conhecidas de animais estão ameaçadas de extinção no mundo todo (dados da União Internacional para a Conservação da Natureza).
Só no Brasil, e como consequência da destruição de espaços naturais, matamos por ano 475 milhões de animais atropelados nas rodovias brasileiras. São 15 animais silvestres mortos por segundo (dados do Centro Brasileiro de Estudos em Ecologia de Estradas).
Um bom presente para a Terra neste Dia da Terra seria deixar de matar também seus filhos não humanos.
Os perigos do projeto de lei do deputado Valdir Colatto que quer liberar a caça e o comércio de animais silvestres no Brasil
Em 2016, o deputado federal Valdir Colatto (PMDB-SC), da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), também conhecida como bancada ruralista, apresentou o projeto de lei nº 6.268, que dispõe sobre a política nacional de fauna. Em síntese, o projeto, que já foi rejeitado pelo relator e presidente da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS), deputado federal Nilto Tatto (PT-SP), ainda busca relaxamento das leis ambientais brasileiras.
Sem dúvida, a tentativa de flexibilização representa um claro retrocesso se considerarmos que prevê até mesmo a alteração no Código de Caça brasileiro, editado em 1967, proibindo a caça em todo o território nacional por entender que a realidade brasileira não perpassa pela necessidade de caça de animais silvestres. Porém, Colatto alega que hoje em dia a proximidade de animais silvestres com o meio rural coloca em risco pessoas, propriedades e rebanhos, o que na sua perspectiva justifica a liberação da caça.
Talvez seja válido perguntar, como em 2018 os animais silvestres podem ser vistos como uma ameaça que já não representavam em 1967? Principalmente se considerarmos que da década de 1960 até a atualidade houve uma redução, não um aumento da fauna brasileira. Segundo o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), o Brasil conta com 1051 espécies da fauna avaliadas como ameaçadas de extinção.
Outro fato a se ponderar é que animais silvestres, apontados como uma ameaça pelo deputado federal Valdir Colatto, normalmente só invadem propriedades por dois fatores – perda de habitat e fome, e tanto a perda de habitat quanto a fome estão associadas ao desmatamento. Afinal, nenhum animal deixa a natureza selvagem por espontânea vontade. Logo se os animais silvestres se tornam uma ameaça, isto acontece simplesmente em decorrência da má intervenção humana visando a lucratividade.
Um exemplo dessa má intervenção foi denunciado pelo vídeo “Eu Sou Mudança – Consumo Consciente”, lançado pelo Google em julho do ano passado, revelando que mais de 750 mil quilômetros quadrados de floresta foram destruídos somente na Amazônia e, desse total, dois terços transformados em pasto, o equivalente ao tamanho da Espanha.
Mas então Colatto e seus asseclas podem alegar que a liberação da caça atende aos interesses ambientais de conservacionismo, ou seja, manutenção da vida selvagem. Tudo bem. Vamos considerar que a proposta realmente seja essa. Em um país como o Brasil, onde a fiscalização da fauna e da flora sempre foi crítica, limitada e excludente, como isso funcionaria na prática? Quais os instrumentos que seriam usados para coibir, por exemplo, o tráfico de animais silvestres em um país com a caça liberada e marcado por corrupção e flexibilização legal baseada no pagamento de propinas? O projeto, que já é inconsistente em essência, não apresenta nenhum tipo de solução para questões como essa.
No tocante ao chamado “plano de manejo”, o PL é permissivo em relação à comercialização de animais caçados e capturados na natureza. Também abre um precedente para que animais selvagens sejam mortos em unidades de conservação de proteção integral, mas remanejados para outras áreas e comercializados com documentações que omitem informações sobre a verdadeira origem dos animais – assim não se enquadrando como crime, já que animais poderão ser mortos livremente dependendo da declaração de origem. Afinal, qual órgão será capaz de coibir isso em tempo hábil? Com quais recursos? Já que o projeto tem abrangência nacional.
O biólogo João de Deus Medeiros, doutor em botânica, professor e chefe do Departamento de Botânica da Universidade Federal de Santa Cantarina (UFSC), aponta que o projeto de lei de Colatto concede licença para utilização, perseguição, aprisionamento, manutenção, caça, abate, pesca, captura, coleta, exposição, transporte e comércio de animais da fauna silvestre, além de permitir modificar, danificar ou destruir ninhos, abrigos ou criadouros naturais, ou realizar qualquer atividade que impeça a reprodução de animais da fauna silvestre. Além disso, propõe o uso de cães para caçar em Unidades de Conservação (UCs). Ou seja, locais que por excelência deveriam garantir a segurança e o bem-estar desses animais.
Para muito além da questão “conservacionista”, e de “proteção à vida e à propriedade”, Colatto também defende que a caça pode se tornar uma fonte de renda, o que coloca os animais silvestres em uma situação ainda mais crítica de vulnerabilidade e incentivo à violência contra outras espécies de animais. O IBGE condena tal prática, informando que a diversidade da fauna brasileira tem levado à falsa ideia de abundância, o que costuma levar à destruição. O órgão argumenta que entre as principais causas da redução da fauna brasileira estão a perseguição de espécies de animais para fins comerciais (ornamento, lazer e consumo); destruição do habitat provocado pelo crescimento desordenado do país; poluição do ar e dos rios pelo uso de defensivos agrícolas e outras substâncias químicas; e, claro, o desmatamento.
Para quem não conhece o projeto de lei nº 6.268/2016, é importante saber que o texto discorre sobre a implantação de criadouros comerciais, áreas dotadas de instalações para o manejo e a criação de espécies da fauna silvestre com fins econômicos e industriais. De acordo com o IBGE, diariamente o Brasil mata mais de 16 milhões de frangos, mais de 118 mil porcos e mais de 84 mil bovinos. Será que já não matamos animais demais? E isso apenas citando três espécies de animais domesticados e criados com fins comerciais. O projeto ainda permite a instalação de criadouros científicos, ou seja, a exploração de animais silvestres em pesquisas científicas em universidades e centros de pesquisa. Essa é outra medida que é vista como um retrocesso, levando em conta que hoje em dia discute-se no mundo todo o banimento do uso de animais em pesquisas, já que além de ser uma prática desnecessária, considerando outros meios de obter inclusive melhores resultados sem usar animais, é evidentemente cruel.
Em síntese, o PL defende que a caça de animais silvestres pode ser colocada em prática com diversas finalidades, como alimentação, entretenimento, defesa e fins comercias. Também visa autorizar importação e exportação de animais, e permite que zoológicos possam comercializá-los. Ademais, o projeto defende a anulação do agravamento de até o triplo da pena de detenção de seis meses a um ano para quem matar, perseguir, caçar, apanhar ou utilizar animais sem licença, o que impacta diretamente na lei 9.605/98, que versa sobre crimes ambientais.
Autor do projeto que pode acarretar graves e trágicas consequências para os animais silvestres, o deputado federal Valdir Colatto (PMDB-SC), ligado à Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), é autor de oito projetos contra os direitos indígenas, segundo a República dos Ruralistas, além de apoiar pautas de outros parlamentares que convergem para a redução desses direitos. “É um dos autores da PLP 227/2012 [demarcação de terras indígenas], membro da comissão especial da PEC 215/2000 [demarcação de terras indígenas] e votou a favor da alteração do Código Florestal [favorecendo o desmatamento]”, informa a República dos Ruralistas. No ano passado, Colatto ganhou os holofotes por cobrar do presidente Michel Temer a liberação de plantio em terras indígenas.
O biólogo João de Deus Medeiros, doutor em botânica, professor e chefe do Departamento de Botânica da Universidade Federal de Santa Cantarina (UFSC), critica que Valdir Colatto, que é técnico agrícola, engenheiro agrônomo e coordenador da Comissão de Direitos de Propriedade, se intitula um defensor da natureza, mas sempre coloca os interesses do homem em primeiro lugar; e uma prova disso é esse projeto que impacta negativamente na vida selvagem.
Em 2015, três etnias indígenas de Santa Catarina, os Xokleng Laklãnõ, Kaigang e Guarani, repudiaram as declarações de Colatto afirmando que os índios catarinenses eram favoráveis à PEC 215. “Isso é uma mentira! Esse senhor não representa a nenhum de nós”, registraram os índios em uma carta aberta publicada no site da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Mesmo com a contrariedade, o projeto de demarcação de terras indígenas defendido por Colatto e pela bancada ruralista foi aprovado.
Em relação à vulnerabilidade de animais silvestres diante de um projeto que visa ampliar a objetificação ou a coisificação animal, talvez seja válida uma reflexão compartilhada pelo professor de história israelense Yuval Noah Harari no artigo “Industrial farming is one of the worst crimes in history” no jornal britânico The Guardian. Harari é autor do best-seller “Sapiens: Uma Breve História da Humanidade”, lançado oficialmente em 2014:
“A marcha do progresso humano está repleta de animais mortos. Há dezenas de milhares de anos, nossos antepassados da idade da pedra já eram responsáveis por uma série de desastres ecológicos. Quando os primeiros humanos chegaram à Austrália há cerca de 45 mil anos, eles rapidamente promoveram a extinção de 90% dos grandes animais. Esse foi o primeiro impacto significativo que o Homo sapiens teve no ecossistema do planeta. E não foi o último. Cerca de 15 mil anos atrás os humanos colonizaram a América, eliminando cerca de 75% dos mamíferos. Numerosas outras espécies desapareceram da África, da Eurásia e das miríades de ilhas ao redor de suas costas.”
Mortos na estrada
No caminho, encontramos animais silvestres mortos na estrada, o que me parecia sempre trágico, principalmente quando os filhotes cercavam o pai ou a mãe que nunca mais veriam, emitindo gemidos vigorosos ou fragilizados. O som não transformava nada ao seu redor. Sequer parecia mover a tiririca que brotava no canto do asfalto tórrido. Ainda assim a iteração da cena não a tornava menos adventícia. Talvez fosse reles para tantos outros, não para mim que via cada morte animal como um exemplo da nossa displicência e efemeridade existencial.
Quando “dois olhos de fogo” brilharam na escuridão
O dia em que quatro missionários alemães se perderam nas matas virgens de Paranavaí
Em outubro de 1954, um artigo intitulado “Noch Ein Missionberich”, do frei alemão Alberto Foerst, da Ordem dos Carmelitas, foi publicado na edição número 10, ano 21, da revista alemã Karmel-Stimmen, de Bamberg, no estado da Baviera. Ao longo de quatro páginas, o missionário relata algumas experiências nas matas virgens de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, onde dividiu bons e maus momentos ao lado dos freis Henrique Wunderlich, Burcardo Lippert e Adalberto Deckert.
No texto, Foerst conta que viajar por uma região em processo de colonização era muito complicado. Os mapas eram imprecisos e os menos precavidos podiam perder-se na mata por dias. “Costumávamos nos orientar pela bússola, mas nem sempre era possível evitar o erro. A nossa sorte é que de vez em quando encontrávamos um caminho já trilhado, facilitando o nosso trajeto”, explica.
Porém, certo dia, os freis Alberto, Henrique, Burcardo e Adalberto, como eram mais conhecidos em Paranavaí, ficaram com o jipe atolado em meio a uma floresta densa, habitada somente por uma rica fauna silvestre. Embora viajassem com picaretas, pás e outras ferramentas que auxiliavam em situações difíceis, de nada adiantou. Horas depois, veio a escuridão e tiveram de passar a noite na mata. “Não podíamos seguir a pé porque era uma área muito isolada e distante”, justifica.
Mesmo com uma espingarda ao alcance das mãos, os missionários não conseguiam se distrair da “noite tenebrosa” e especialmente escura, acompanhada de um “silêncio sinistro” que os mantinha em alerta. “Apesar de tudo, como o dia foi estafante, chegou um momento em que cochilamos. Só acordamos quando ouvimos as cobras fazendo ruídos nas ramagens e madeiras apodrecidas da floresta”, conta frei Alberto no artigo “Noch Ein Missionberich”, de 1954.
Não demorou muito e um grupo de macacos começou a gritar bem alto. Daquela escuridão, “dois olhos de fogo” brilharam em direção aos quatro missionários. Foi quando perceberam que estavam cercados por uma onça. “Ficamos assustados e os nossos corações dispararam. O medo era tão grande que podiam tirar nossa pulsação pelo dedinho do pé. A onça nos farejou e circulou o jipe por algum tempo”, relata.
Com dificuldades de raciocínio, se entreolhavam, crentes de que a espingardinha de chumbo fino seria inofensiva contra o selvagem animal. “Ela só riria de nós. Então decidimos ficar quietos, sem se mexer ou respirar alto”, continua. Aguardando a iminência de uma tragédia, os missionários foram salvos por uma eventualidade. Um macaco, debandado de seu grupo, saltou sobre uma imensa árvore que estava acima do jipe, chamando a atenção da onça.
“Ela saiu no encalço dele e respiramos aliviados. Se bem que não dormimos mais naquela noite e ficamos muito felizes quando amanheceu. É uma pena que não haja fotos do episódio”, lamenta. Pela manhã, os quatro aventureiros procuraram as chamadas “árvores elétricas” que ofereciam energia para equipamentos elétricos. A voltagem mais alta ficava nas copas e a mais baixa nas raízes. “Para conseguir uma boa voltagem era preciso pendurar nos galhos. A força da energia estava subordinada ao atrito provocado pelo vento no meio das folhas”, destaca Alberto Foerst.
Depois de usarem os barbeadores elétricos, os missionários se perguntaram o que fariam para sair daquela região desconhecida, pois tinham o compromisso de abençoar uma nova escola. Então Henrique Wunderlich pegou a sua gaita de boca e começou a tocar. “Logo apareceram índios [de etnia caiuá] de todos os lados, atraídos por aquela mágica melodia. O frei Henrique ainda tocou mais algumas músicas e pedimos que os nativos nos ajudassem. Deram a direção certa e conseguimos chegar ao nosso destino”, acrescenta.
No mesmo dia, foram convidados para conhecer uma interessante granja de galinhas. Em torno do aviário, havia uma grande e bela roça de girassóis que deixou os alemães admirados. “Nos falaram que serviam de alimento para as galinhas botarem ovos com mais gorduras saudáveis. Explicaram que os ovos saíam com uma camada extra que dispensava o uso de óleo na hora de prepará-los”, enfatiza.