Quando Tom Regan pediu ao Papa Francisco para falar sobre a crueldade contra os animais
Falecido no dia 17 de fevereiro de 2017, Tom Regan, um dos mais proeminentes filósofos na luta pelos direitos animais, publicou uma carta aberta em novembro de 2014 pedindo ao Papa Francisco para falar sobre a crueldade contra os animais:
Santo Padre, todos os cristãos imploram a você: fale sobre a crueldade contra as criaturas de Deus, anualmente é negado a bilhões os desígnios de Deus, e eles não são tratados nem com a misericórdia de Cristo nem com a compaixão de Deus.
Ao entrar em mais um ano de seu papado, todos os cristãos oram com fervor e esperançosamente por sua boa saúde e coragem em nome da justiça, misericórdia e paz – tanto na igreja quanto no mundo. Como alguém que compartilha seu compromisso de justiça com todas as criaturas de Deus, fiquei encantado com a sua escolha de nome: Francisco.
De todas as virtudes que o seu homônimo possuía, nenhuma é mais sinônimo de seu nome do que o seu amor pelos animais. Ele os chamava de “irmãos” e “irmãs”, e era famoso por pregar aos pássaros – e até mesmo aos peixes! Em uma ocasião, ele assumiu a responsabilidade de persuadir um lobo a parar de atacar os agricultores locais se eles concordassem em alimentá-lo. Transformar um carnívoro em um vegano? Nada representa melhor o poder de São Francisco.
Como São Francisco acha que seus irmãos e irmãs de pelos, penas e barbatanas devem ser tratados? Ele deve ter acreditado que o que acontece com eles é importante para eles, independente de qualquer interesse humano. Por que ele pensaria nesses termos? Porque o que acontece com eles faz a diferença na qualidade e duração de suas vidas. Ou eles vivem uma vida longa e frutífera, o que São Francisco preferiria, ou eles sofreriam e morreriam prematuramente.
Naturalmente, Papa Francisco, você, como todos nós, certamente acredita que maus-tratos a qualquer uma das criaturas de Deus são contra a vontade de Deus. Se os animais têm direitos ou não, claramente merecem ser tratados com misericórdia, bondade, gratidão e simpatia, respeito e admiração. Quem em sã consciência pode ser contra o cuidado humano no tratamento das criaturas?
Bem, evidentemente isso depende. Considere alguns exemplos do que acontece com animais em laboratórios de pesquisa. Gatos, cães, primatas não humanos, e outros animais são afogados, sufocados e morrem de fome. Eles são queimados, submetidos à radiação e usados como “cobaias” em pesquisas militares. Seus olhos são removidos cirurgicamente e sua audição é destruída. Eles têm seus membros decepados e órgãos esmagados. Meios invasivos são usados para causar-lhes ataques cardíacos, úlceras e convulsões.
Eles são privados do sono, submetidos a choques elétricos e expostos a extremos de calor e frio. Cada um desses procedimentos e resultados está em conformidade com todas as leis federais em todos os lugares. Cada um está em conformidade com o que os inspetores federais consideram como “cuidado e tratamento humano.” Essa mesma ideologia se aplica a como os animais criados em fazenda são tratados. É um procedimento padrão fazer com que os bezerros “vitelos” passem a vida confinados individualmente em baias estreitas, tão estreitas que são incapazes de se virar.
As galinhas poedeiras vivem um ano ou mais em gaiolas do tamanho de um gaveteiro, são sete ou mais por gaiola, e depois disso são rotineiramente mantidas famintas por duas semanas para incentivar outro ciclo de produção de ovos. Porcas são alojadas por quatro ou cinco anos em barras cercadas individuais (“gaiolas de gestação”), pouco mais largas que seus corpos, onde são forçadas a dar à luz ninhada após ninhada. Até recentemente, devido ao susto da [doença da] “vaca louca”, o gado bovino e leiteiro, muito fraco para resistir, foi arrastado e enviado para o abate. Gansos e patos são alimentados à força com o equivalente a 30 libras [mais de 13 quilos] de comida por dia para aumentar o seu fígado para melhor atender a demanda por foie gras.
Todas essas condições e procedimentos demonstram a falta de compromisso da indústria com a misericórdia e gentileza, compaixão e simpatia. E o que a criação “humanitária” de peles ou armadilhas permite? Aqui estão alguns exemplos. Em fábricas de peles, martas, chinchilas, guaxinins, linces, raposas e outros animais são confinados em gaiolas de tela metálica enquanto suas vidas durarem. As horas de vigília são gastas andando de um lado para o outro, ou balançando a cabeça, ou pulando para os lados de suas gaiolas, ou se mutilando, ou canibalizando seus companheiros de gaiola.
A morte é causada pela quebra de seus pescoços, ou por asfixia (usando dióxido de carbono ou monóxido de carbono), ou empurrando hastes elétricas em seus ânus para “fritá-los” de dentro para fora. Os animais presos em armadilhas instaladas na natureza levam uma média de 15 horas para morrer. As vítimas frequentemente mastigam os seus próprios membros na tentativa inócua de recuperar a sua liberdade. Apesar da óbvia crueldade, tudo isso é perfeitamente legal.
Santo Padre, todos os cristãos imploram a você: fale sobre a crueldade contra as criaturas de Deus, anualmente é negado a bilhões os desígnios de Deus, e eles não são tratados nem com a misericórdia de Cristo nem com a compaixão de Deus. Entre seus outros problemas e preocupações, por favor, honre São Francisco de Assis e o chamado do Catecismo levantando sua voz em nome dos outros animais de Deus.
Tom Regan foi professor de filosofia da Universidade Estadual da Carolina do Norte, onde lecionou por 34 anos. Conquistou prestígio internacional por sua produção prolífica voltada ao abolicionismo animal. Em 1983, publicou “The Case for Animal Rights”, que teve grande repercussão no contexto mundial dos direitos animais. Em 2006, Regan teve o seu livro “Empty Cages”, ou “Jaulas Vazias”, publicado no Brasil.
Tradução: David Arioch