Tem ovo, leite, mel? “É só um bolo!”
— Bora comer um bolo ali, irmão.
— Agradeço, mas estou satisfeito.
— Vai fazer desfeita mesmo?
— O que tem nesse bolo?
— O de sempre.
— Tem ovo, leite, mel?
— É só um bolo!
— Fico realmente grato pela consideração, mas vou declinar.
— Ô louco, irmão! Vai sacanear mesmo?
— Não, de modo algum, o respeito prevalece.
— Mas recusar assim é patifaria.
— Será? Veja bem, escrevo sobre a exploração de animais diariamente porque faço franca oposição a isso. Creio que sacana eu seria em ter a postura que tenho e me alimentar de algo de origem animal, mesmo que esporadicamente. Ética é ética, irmão. Não faço concessão por um prazer, mesmo que ocasional.
— Xaropão mesmo, hein? As pessoas vão se afastar de você, cara. Isso ferra a vida social de qualquer um.
— E uma vida social deveria ser baseada na obliteração de outra vida social? Quero dizer, se socializo me alimentando de animais, isso significa que contribuo para arruinar outras vidas e outras relações sociais. Claro, não humanas, mas ainda assim relações sociais, já que nos alimentamos de seres sociáveis. Vale a pena? Nossa interação deveria depender do fim dos outros? Deveríamos socializar com a morte? A morte é socializável? Porque se a morte é reconhecida como um essencial socializável o derramamento de sangue pode ser considerado uma virtude, já que une pessoas em torno de uma mesa farta que não existiria sem mortes. Você acredita nisso? Matar é uma virtude?
— Ah, cara! Não é bem assim… Vamos pegar leve.
— Então vamos colocar de outra forma. Você gosta de miúdos de animais? Coraçãozinho de frango ou galinha, por exemplo.
— Até que curto, com cervejinha e limão vai muito bem.
— Você sabe quantos coraçõezinhos você come tomando a sua cervejinha?
— Não sei, mas como bem.
— Cada coraçãozinho de frango ou galinha pesa em média 10 gramas. Será que você come pelo menos 200 gramas? Se sim, e ponderando essa referência, isso significa que você se alimenta de 20 frangos ou galinhas em uma “socialização”. Será que é radical dizer que em cada bandeja de miúdos, por exemplo, estamos diante de uma hecatombe, uma chacina de aves? Um quilo de coraçõezinhos significa até cem aves mortas.
— Caramba! Agora você me assustou.