David Arioch – Jornalismo Cultural

Jornalismo Cultural

Harold Brown, o pecuarista que se tornou um defensor dos direitos animais

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Brown: “Até que questionemos esse relacionamento que existe há cerca de 10 mil anos, teremos dificuldade em ver os animais com novos olho” (Acervo: Farm Kind)

Filho de pecuaristas, Harold Brown cresceu em uma fazenda repleta de animais – bois, vacas, porcos e cabras. Começou a acreditar desde cedo que os animais existiam simplesmente para servirem aos seres humanos. “Cresci imerso em uma doutrinação de como os animais estão classificados no ciclo da vida. Também fui um caçador”, relata. Além da sua família, o que ajudava a reforçar a ideia de que Brown estava no “caminho certo” ao tomar parte na exploração animal era a sua própria comunidade, a igreja e a TV.

“Cada intervalo [na TV] tem pelo menos um comercial vendendo produtos com carne, laticínios ou ovos, e eles são inventivos. Quando via isso, eu pensava que estava fazendo uma coisa boa”, afirma. Aos 18 anos, Brown teve um ataque cardíaco, e na época não entendeu o que aconteceu. Ele estava assistindo a um filme e tomando meio galão de sorvete, até que o lado esquerdo do seu pescoço começou a doer. A dor se estendeu para a mandíbula, ombros e se espalhou pelo braço esquerdo. “Eu estava no chão e não conseguia respirar. Parecia uma eternidade, mas durou apenas alguns minutos. Eu não conhecia os sintomas de um ataque cardíaco”, enfatiza.

Mais tarde, seu pai teve dois ataques cardíacos, um acidente vascular cerebral (AVC) que o privou da fala e um aneurisma que quase o matou. Então o médico informou que levando em conta o histórico familiar, Brown, assim como o pai, tinha uma predisposição a desenvolver graves problemas cardíacos. “Disse que se eu não mudasse o meu estilo de vida, teria que usar um marca-passo aos 35 anos. Falou que eu deveria cortar o sorvete, que era um vício para mim, e a carne vermelha. Não sugeriu ser vegetariano. Além disso, eu não saberia o que isso significava. Nunca ouvi falar disso até então”, revela.

Em casa, Harold conversou sobre a sugestão do médico com a esposa e os dois decidiram fazer uma transição para uma alimentação livre de alimentos baseados em calorias vazias e livre de carne vermelha. Em pouco tempo, ingressaram no Clube Vegetariano de Cleveland e se tornaram realmente vegetarianos. À época, Brown conheceu o trabalho dos médicos Caldwell Esselstyn e Michael Greger, defensores da alimentação livre de ingredientes de origem animal.

Alguns anos depois, Harold considerou insuficiente ser vegetariano, inclusive essa etapa de sua história foi registrada no documentário “Peaceable Kingdom – The Journey Home” ou “Reino Pacífico – A Jornada Rumo ao Lar”, lançado por Jenny Stein em 2009. Segundo Harold Brown, mesmo convivendo com animais desde muito cedo, ele não tinha percebido como desenvolveu um mecanismo que o impedia de ver os animais como sujeitos de uma vida.

“Eu tinha uma imagem imediata na minha cabeça de uma luz sobre o meu coração que eu poderia ligar ou desligar dependendo com quem eu estava lidando. Também percebi que a sugestão para esse mecanismo de desconsideração era a frase: ‘Não me importo’”, frisa. No seu entendimento, o ato de negar-se a se importar com os animais permitiu que ele vivesse desconectado emocionalmente, psicologicamente e espiritualmente em relação a eles.

Harold Brown chegou a um ponto em que não considerava mais correto continuar imerso nessa crença de desconsideração. “O que aprendi então foi que ao escolher não dizer que não me importo, então não haveria alternativa a não ser dizer: ‘Eu me importo’. Chamarei isso de cuidado condicional, mas pode ser melhor entendido como compaixão incondicional, que mudou profundamente a minha vida. Tive que trabalhar duro para aprender a praticar a honestidade emocional; algo que nossa cultura não ensina às pessoas, e particularmente aos homens”, avalia.

Um grande problema na perspectiva de Harold, e que dificulta o entendimento de que o respeito à vida animal deve estar muito além de “tratar bem” para explorá-los e matá-los, é que a honestidade emocional é substanciada como contraintuitiva para os homens em nossa cultura, sendo vista inclusive como sinal de fraqueza: “Mas no coração do meu coração eu sabia que era onde eu precisava estar. Se eu quisesse fazer qualquer tipo de diferença em prol de um mundo melhor, eu teria que viver essa verdade.”

Brown admite que não se tornou vegano apenas pela própria força de vontade. Ele teve muito apoio da esposa e de amigos da comunidade vegetariana de Cleveland: “Se eles não me proporcionassem um espaço seguro para explorar os traumas da minha vida, provavelmente eu não teria aprendido a entender verdades muito importantes. Uma dessas verdades é a ahimsa, a não violência.” O ex-pecuarista crê que não há ação sem reação no que diz respeito ao tratamento que dispensamos aos animais. Se os exploramos e os matamos em algum ponto isso também há de gerar consequências para nós.

Para Harold Brown, a forma como vivemos nossas vidas, e as coisas que fazemos ou não fazemos, têm tudo a ver com a realidade que criamos. Ele se recorda que na infância observou que os animais criados para consumo buscavam conforto, prazer, boa comida, abrigo e senso de comunidade. “Mas não permiti que essas observações atingissem a cultura dominante em que vivi. Quando me permiti incluir esses animais no meu universo moral, ficou claro que as observações mais simples que fazemos sobre os animais que chamamos de ‘animais de estimação’ não são diferentes das que poderíamos fazer sobre os ‘animais de fazenda’”, confidencia.

Brown, que antes de se tornar vegano trilhava os passos do pai, ou seja, já atuava na criação de animais para consumo, defende que os animais devem ser respeitados como seres sencientes que são. “Isso significa que eles estão na Terra por suas próprias razões, não pelas nossas. Eles têm seus próprios interesses, assim como os humanos, e devem ser respeitados. Por enquanto, são vistos como propriedade legal dos seres humanos, e essa dinâmica os coloca em grande desvantagem; particularmente em um sistema capitalista de livre mercado, onde os animais são comercializados nitidamente como commodities, unidades econômicas. Até que questionemos esse relacionamento que existe há cerca de 10 mil anos, teremos dificuldade em ver os animais com novos olhos”, acredita. Desde que se tornou vegano, Brown ministra palestras contando a sua própria história e motivando mais pessoas a seguirem o mesmo caminho contra a exploração de animais.

Saiba Mais

Harold Brown vive em Cleveland, em Ohio, nos Estados Unidos.

Referência

FarmKind.org

 

 





 

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