David Arioch – Jornalismo Cultural

Jornalismo Cultural

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Ninguém podia deixar a Fazenda Brasileira

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Quem abandonava o povoado era assassinado a tiros às margens do Paranapanema

Paranapanema, cenário de muitos crimes nos tempos da colonização (Foto: Reprodução)

Na década de 1930, a Fazenda Brasileira, atual Paranavaí, no Noroeste do Paraná, era conhecida como terra sem lei. Os migrantes que vinham para cá em busca de melhores condições de vida não podiam abandonar o povoado. Quem se arriscava a fugir era assassinado a tiros às margens do Rio Paranapanema, com a conivência dos colonizadores.

A história da colonização de Paranavaí é marcada por muita luta e perseverança, principalmente dos colonos. No entanto, o que a maioria da população desconhece até hoje é que em 1930 as regras já eram ditadas por colonizadores e jagunços que se colocavam acima da lei.

No ano em que Getúlio Vargas assumiu como presidente do Brasil, o Paraná ainda preservava 87% de vegetação primitiva. O novo governo federal tinha grande interesse na quase inabitada Vila Montoya, no Noroeste, que pertencia a Tibagi, no Centro Oriental Paranaense. A área então, que era da Companhia Brasileira de Viação e Comércio (Braviaco), foi repassada ao jornalista e político gaúcho Lindolfo Collor (avô do ex-presidente Fernando Collor de Mello), um dos participantes da Revolução de 1930.

No mesmo ano, foram trazidas à Brasileira cerca de 1,2 mil famílias de migrantes, principalmente do Sudeste e Nordeste, para trabalharem na lavoura de café sob regime de colonato. Naquele tempo, já vivia aqui, desde 1929, época do Distrito de Montoya, o falecido pioneiro pernambucano Frutuoso Joaquim de Sales, das primeiras levas de migrantes trazidos pelo engenheiro agrônomo baiano Joaquim Rocha Medeiros.

Frutuoso Sales vivenciou período mais obscuro da história local (Foto: Reprodução)

Sales é sempre apontado como o pioneiro que vivenciou o período mais obscuro da história de Paranavaí, embora sempre evitasse falar a respeito. Preferia assuntos maleáveis, os mais simples e triviais. “Em 1930, ele era o responsável pelo transporte de café, sabia de muitas coisas, mas para não comprometer a si mesmo e a terceiros sempre fugia de temas polêmicos, principalmente quando alguém perguntava sobre os crimes do passado”, declara o pioneiro mineiro Sátiro Dias de Melo que foi muito amigo de Frutuoso.

No ano em que Sales era responsável pelas cargas que entravam e saíam da Fazenda Brasileira, inúmeras famílias insatisfeitas com as condições de trabalho decidiram partir. Com o consentimento do contratante, os colonos recebiam os vencimentos, recolhiam os pertences e eram acompanhados até as margens do Rio Paranapanema, de onde sempre partia alguma balsa com destino ao Estado de São Paulo.

Antes da travessia, colonos e familiares eram assassinados a tiros por jagunços que trabalhavam para os colonizadores. Alguns eram mortos às margens do rio, já outros, abatidos quando estavam de costas, durante a travessia. Segundo relatos de pioneiros, os capangas abriam os corpos das vítimas, extraíam todas as vísceras, enchiam de pedras, costuravam e jogavam no Paranapanema, conhecido pelo enorme cardume de piranhas. As histórias sobre os crimes praticados contra os colonos impediram que muita gente fosse embora da Fazenda Brasileira. Os fatos disseminavam terror e medo.

A morte à espreita no Rio Paranapanema

De vez em quando, alguns migrantes, mesmo cientes do risco, preferiam se aventurar na fuga, o que dá uma ideia da dimensão do padrão de vida subumano imposto aos colonos na Fazenda Brasileira. O pioneiro Natal Francisco viu isso de perto quando deixou Presidente Prudente, em São Paulo, para conhecer o Noroeste do Paraná. Acompanhado pelo irmão José Francisco, guiou um Ford movido a gasogênio até o Porto Ceará, às margens do Rio Paranapanema.

Lá, perguntaram ao balseiro sobre a Brasileira. O rapaz os alertou que deveriam deixar o veículo, caso não quisessem perdê-lo. “Disse também que a gente corria risco de morte vindo pra cá”, informou Natal Francisco em entrevista concedida ao escritor Paulo Marcelo Soares Silva, publicada no livro História de Paranavaí, lançado em 1988. Muitos migrantes chegavam à Fazenda Brasileira partindo de uma estrada que ligava Presidente Prudente, Porto Ceará, Povoado de Cristo Rei, Gleba-1, Piracema e Porto São José.

Depois de oito dias na Brasileira, os irmãos Francisco estavam retornando ao Porto Ceará quando ouviram o som de um acordeão. Surpresos, mas curiosos, adentraram a mata. Antes que vissem qualquer coisa, uma mulher gritou. “Pelo amor de Deus, não mata nóis. Tamo fugindo, mas tamo quase morto.” Mesmo assustados, Natal e o irmão ligaram as lanternas para ver se tinha mais alguém ali. O marido da moça estava caído no chão com a roupa rasgada e uma sanfona sobre o peito todo ensanguentado.

O casal de colonos enganou os jagunços e fugiu da Fazenda Brasileira. Às margens do Rio Paranapanema, improvisaram uma jangada para navegar até o Porto Ceará. Enquanto isso, alguns capangas chegaram até a beira do rio. De lá, atiraram e acertaram o rapaz que sobreviveu com a ajuda dos irmãos Francisco.

Curiosidade

Em abril de 1931, quando o interventor e general Mário Tourinho retomou as terras do Noroeste para o Governo do Estado do Paraná, o interventor estabeleceu por decreto que nenhuma pessoa ou família poderia ter títulos de propriedade que ultrapassassem 200 hectares, iniciando assim uma nova ordem na Fazenda Brasileira.

Entre a navalha e o acordeão

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Irineu Pantarotto, um barbeiro que atrai fregueses com o som cadenciado de uma gaita  

Seu Irineu emocionado "repassando o teclado" (Foto: David Arioch)

Seu Irineu emocionado “repassando o teclado” (Foto: David Arioch)

Na Rua Marechal Cândido Rondon, em Paranavaí, no Noroeste do Paraná, o Salão Nossa Senhora Aparecida chama a atenção de quem passa pelas imediações. A atração é o barbeiro Irineu Pantarotto que além de cortar barba e cabelo anima a freguesia deslizando os dedos com maestria pelo teclado de um clássico acordeão Todeschini, instrumento pelo qual ostenta amor atemporal.

A barbearia do “Seu Irineu” não é frequentada por fregueses, mas por amigos, como faz questão de afirmar. “A gente vem aqui apreciar a música dele. Pra mim, ele é no mínimo um dos melhores músicos do Paraná”, elogia o comerciante Luiz Chemin, cliente da barbearia há 27 anos.

Para o aposentado Orlando Ferezin, também cliente há décadas, as canções de Irineu Pantarotto são de uma nostalgia inigualável. “Tudo que ele toca me lembra uma cultura antiga que infelizmente não volta mais”, justifica.

A qualidade técnica do músico também é ratificada por gaiteiros, como é o caso de Felisbino Alves que pelo menos três vezes por semana vai até a barbearia conversar sobre música. “A gaita contribui na atividade de barbeiro, desperta a atenção de muita gente que passa pelas imediações. Dessa forma, já conquistei muitos clientes e amigos”, garante Pantarotto.

A habilidade com o instrumento é resultado de uma dedicação iniciada aos 12 anos, antes mesmo de Irineu Pantarotto aparar barba ou cabelo. “Já tenho 50 anos de sanfona. Mesmo assim, toda vez que seguro o instrumento é como se fosse a primeira vez. Sinto uma energia muito boa”, revela.

Disco que deu visibilidade ao músico barbeiro (Foto: Reprodução)

Disco que deu visibilidade ao músico barbeiro (Foto: Reprodução)

Em 1982, o acordeonista teve um grande momento profissional, a oportunidade de gravar um disco. “Repassando o Teclado”, título do álbum, teve ótima repercussão no Paraná e em São Paulo. “Fiquei muito feliz de ouvir minha música em tantas emissoras de rádio. Me sinto vitorioso de ter gravado meu trabalho em vinil naquela época”, enfatiza Pantarotto que teve receio do trabalho ser desvalorizado, pois sempre se dedicou à música instrumental.

Sobre os lucros com a venda do disco, o gaiteiro põe a mão sobre a cabeça e lamenta. Contratado pela Gravadora Itaipu de São Paulo, Seu Irineu nunca recebeu pelo vinil. “O proprietário, Marcílio Castioni, vendeu o disco e não cumpriu o que constava no contrato. Não me deu os 10% das vendas. Não recebi nada”, reclama. Depois do incidente, o acordeonista nunca mais apareceu na gravadora.

Irineu Pantarotto não desanimou. Anos depois, regravou o álbum em CD, e a repercussão, mais uma vez, não deixou a desejar. “Receoso, decidi vender tudo sozinho, no meu salão mesmo. Vendi bem, tanto em Paranavaí quanto em outras cidades. Ainda tem gente querendo comprar, mas preciso fazer mais pedidos”, destaca o barbeiro que até hoje só gravou canções autorais.

Primeiro músico a tocar no Clube Idade Dourada

Irineu Pantarotto foi o primeiro músico a subir ao palco do Clube Idade Dourada, onde tocou por dois anos consecutivos. À época, tinha um grupo formado por mais três músicos e quatro bailarinas. “De destaque, tive três bandas: ‘O Patriota do Fandango’, ‘Irineu Pantarotto: malabarista do teclado’ e ‘Irineu Pantarotto e suas Pantaretes’, conta o acordeonista.

Irineu Pantarotto (o primeiro da direita para a esquerda) na época do Grupo Patriotas do Fandango (Foto: Reprodução)

Pantarotto (o primeiro da direita para a esquerda) na época do Grupo Patriotas do Fandango (Foto: Reprodução)

De 1982 a 1996, animou muitos bailes, tocando principalmente vanerão, xote, marchinha, rancheira, chorinho e quadrilha. À época, Seu Irineu se apresentava em programas de TV. “Ele quase sempre estava no programa do Matãozinho, em Apucarana”, relata o comerciante Luiz Chemin.

As apresentações deram visibilidade ao músico, inclusive uma das canções de Pantarotto é a mais executada nas comemorações locais de São João. “Gravei uma quadrilha que se chama Festa Junina e até hoje as escolas e os clubes tocam essa música do meu disco”, revela.

Irineu Pantarotto compôs mais de 300 canções. Do total, apenas 12 foram registradas. “Carrego as outras na cabeça e no coração. Pode ser que uma hora apareça a oportunidade de gravar um novo CD. Se acontecer, vou doar todo o dinheiro arrecadado para instituições de cariedade”, promete o músico barbeiro.

Saiba mais

O primeiro show do acordeonista Irineu Pantarotto foi em 6 de outubro de 1962, em Birigui, no Estado de São Paulo. O músico ainda lembra do evento com brilho nos olhos.

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