David Arioch – Jornalismo Cultural

Jornalismo Cultural

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A história do Preto Velho

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Em Cafundó, João de Camargo representa o Brasil miscigenado e heterogêneo

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Lázaro Ramos interpreta o preto velho João de Camargo (Foto: Reprodução)

Lançado em 2005, Cafundó, dos cineastas Paulo Betti e Clovis Bueno, é um filme recheado de simbologias que narra a trajetória de João de Camargo (Lázaro Ramos), o mais emblemático preto velho brasileiro. Na obra que teve como cenário várias cidades do Paraná, como Ponta Grossa, Paranaguá e Antonina, João de Camargo representa um símbolo de fé e a figuração de um Brasil marcado pela miscigenação, heterogeneidade e fusão de valores.

Exemplo de toda essa mistura é a ideia do protagonista em criar a Igreja de Bom Jesus do Bonfim que une elementos de umbanda e cristianismo; um revolucionário artifício que pode não ter sido determinante na aceitação dos símbolos religiosos africanos, mas contribuiu para mostrar uma nova realidade que se distanciava daquele contexto europeizado.

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Personagem rompe sua relação com o passado na busca pela redenção (Foto: Reprodução)

A iniciativa de construir uma igreja diferente só surge quando o protagonista decide, após uma vida errante de muito sofrimento, viver para a fé. João de Camargo rompe sua relação com o passado na busca pela redenção. A entrega às crenças religiosas também se relaciona ao fato do personagem assumir o dom para a mediunidade, não ignorando mais as vozes que o acompanhavam, e sim as usando para curar enfermidades.

Cafundó

Muitas cenas do filme foram gravadas no Paraná (Foto: Reprodução)

O Preto Velho era um homem muito à frente de seu tempo, tanto que os primeiros indícios de seu perfil como líder aparecem em 1866, quando o personagem começa a aceitar a vida e o próprio talento para lidar com as multidões e o preconceito racial. Camargo não só estimulava a fé das pessoas em uma divindade, mas também as fazia acreditar no valor da vida e na importância de cada ser humano, independente de credo ou origem.

Embora tenham se passado quase 150 anos, até hoje as influências do Preto Velho na cultura brasileira se estendem por diversas esferas artísticas e religiosas. Mesmo que desde 1988 o Cafundó, remanescente do quilombo situado na região de Sorocaba, em São Paulo, tenha deixado de ser um folclórico espaço físico de casinhas de barro e pau trançado, o lugar ainda é grande como um ambiente imaterial que se multiplica no ideário de quem se preocupa em preservar uma cultura pouco valorizada.

Além da interpretação inesquecível de Lázaro Ramos, é preciso destacar os papéis de Leona Cavalli, Leandro Firmino, Alexandre Rodrigues, Ernani Moraes, Luís Melo, Renato Consorte, Francisco Cuoco e Abrahão Farc. Outro grande atrativo de Cafundó é a trilha sonora de André Abujamra que a cada cena se mostra um exímio manipulador de emoções, introduzindo o espectador por viagens transcendentais. A rabeca entra na história como um recurso estilístico que pauta o tempo e os rompantes do acaso.

Fábula sobre um mundo iluminado

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A história de um jovem que viaja em busca de memórias familiares

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Filme convida o espectador a uma viagem pelo hiper-realismo (Foto: Reprodução)

Em 2005, o filme Everything is Illuminated, que no Brasil foi lançado com o título Uma Vida Iluminada, marcou a estreia do ator estadunidense Liev Schreiber como cineasta. A obra é um road movie sobre um jovem que viaja para o Leste Europeu em busca da mulher que salvou seu avô na Segunda Guerra Mundial.

Jonathan Safran Foer, interpretado pelo estadunidense Elijah Wood, conhecido por filmes como The Lord of the Rings, Hooligans e Sin City, é um emotivo colecionador de objetos comuns e incomuns como embalagens vazias, selos, xícaras de chá, fotos, cartões, dentaduras, terras, insetos e lembranças familiares. Logo que chega à Ucrânia, conhece o guia Alex Perchov, personagem do músico ucraniano Eugene Hütz, vocalista da banda icônica de gypsy punk Gogol Bordello que inclusive assina a trilha sonora do filme.

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Elijah Wood interpreta um colecionador de lembranças (Foto: Reprodução)

Perchov, que se veste como um rapper negro, personificando das mais diversas formas a globalização, se diz especialista na descoberta de heranças culturais e lidera uma equipe formada por ele, o avô mal-humorado (Boris Leskin) que se considera cego e o demente cão-guia Sammy Davis Jr. Isso mesmo, uma homenagem ao icônico cantor judeu.

A bordo de um carro soviético em frangalhos, o grupo vive inúmeras aventuras pelo interior da Ucrânia. Aos poucos, a história assume um caráter de fábula reforçada não apenas pela linguagem, costumes e estranheza dos personagens, mas também pela direção de imagem de Matthew Libatique. Rica em detalhes, a fotografia do filme transcende a narrativa e convida o tempo todo o espectador a um mergulho por um universo de cores tão vívidas que remetem ao hiper-realismo.

Em Everything is Illuminated, a leveza contrasta com a intensidade e o burlesco com a beleza em sua forma mais simplificada. E mais interessante ainda, o filme tenta se distanciar de clichês e estereótipos ao abordar o holocausto da forma menos apelativa possível, evitando se somar aos muitos filmes melodramáticos que discutem o tema. Em suma, uma obra de sensibilidade, diversão e reflexão.

Curiosidade

O filme é inspirado no livro homônimo do escritor estadunidense Jonathan Safran Foer, publicado em 2002.