David Arioch – Jornalismo Cultural

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Quando uma pessoa compartilha algo meu, ela está compartilhando em algum nível um fragmento de mim

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Arte: David Szauder

Quando uma pessoa compartilha algo meu, ela está compartilhando em algum nível um fragmento de mim, do meu trabalho, da minha consciência. E esse fragmento pode chegar a pessoas que, de repente, veem algo de bom ou de útil no que escrevi. Já encontrei publicações minhas sendo compartilhadas algumas vezes de forma desdenhosa, e ainda assim, mesmo diante de uma má intenção, notei pessoas não endossando essa reação, mas sim reagindo positivamente ao que escrevi.

 





Written by David Arioch

August 26th, 2017 at 12:31 pm

“A ideia é tentar controlar todo mundo, transformar toda a sociedade no sistema perfeito”

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Chomsky: “Se você fabricar vontades, fazer as pessoas obterem coisas que estão ao alcance, a essência da vida, elas virarão consumidores”

Se voltarmos ao século 19, no início da Revolução Industrial, os trabalhadores tinham muita consciência disso. Eles, na verdade, predominantemente consideravam o trabalho assalariado não muito diferente da escravidão, a única diferença é que era temporário. Na verdade, era uma ideia tão popular que era o slogan do Partido Republicano. Ali havia uma afiada consciência de classe. No interesse do poder e privilégio, é bom tirar essa ideia da cabeça das pessoas. Você não quer que elas saibam que são uma classe oprimida.

Então, esta é uma das poucas sociedades [sociedade dos Estados Unidos] em que não se fala sobre classe. Na verdade, a noção de classe é bem simples. Quem dá as ordens? Quem as segue?  Isso basicamente define classe. Tem mais nuances, é mais complexo, mas basicamente é isso.

As indústrias de relações públicas e publicidade, que são dedicadas a criar consumidores, são um fenômeno que se desenvolveu nos chamados países livres; na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos, e o motivo é bem claro. Ficou claro, há um século, que não seria tão fácil controlar a população à força. Muita liberdade foi conquistada. Organização do trabalho, partidos trabalhistas em vários países, as mulheres começando a votar, etc.

Então era preciso ter outras formas de controle. E era de conhecimento expresso que você tinha que domá-las controlando suas crenças e atitudes. Uma das melhores formas de controlar pessoas em termos de atitudes é o que o grande economista Thorstein Veblen chamou de “fabricar consumidores”.

Se você fabricar vontades, fazer as pessoas obterem coisas que estão ao alcance, “a essência da vida”, elas virarão consumidoras. Ao ler os jornais empresariais dos anos 1920, eles falam da necessidade de direcionar as pessoas às coisas superficiais da vida, como “consumo de moda”, e isso as manterá fora do seu caminho.

Você encontra essa doutrina em meio a pensamentos intelectuais progressistas, como de Walter Lippman, o principal intelectual progressista do século 20. Ele escreveu famosos ensaios progressistas sobre a democracia em que sua visão era exatamente essa. “O público deve ser colocado no seu lugar para que os homens responsáveis tomem decisões sem a interferência do ‘rebanho desnorteado’.”

Devem ser espectadores, não participantes. Assim há uma democracia eficiente, retomando Madison, o Memorando de Powell e assim por diante. E a indústria de publicidade explodiu tendo esse objetivo: fabricar consumidores. E tudo é feito com grande sofisticação. O ideal é o que se vê hoje em dia. Em que, digamos, adolescentes que têm um sábado à tarde livre, vão ao shopping passear, não à livraria ou outro lugar.

A ideia é tentar controlar todo mundo, transformar toda a sociedade no sistema perfeito. O sistema perfeito seria uma sociedade baseada em uma díade, um par, o par é você e seu aparelho de TV, ou, talvez agora, você e sua internet, que lhe apresenta o que deveria ser a vida apropriada; que tipo de engenhocas você deveria ter.

E passa seu tempo e esforço para conseguir essas coisas, que não precisa, não quer, e talvez jogue fora, mas essa é a medida de uma “vida decente”. O que vemos nas propagandas na televisão, se você já fez um curso de economia, você sabe que os mercados devem ser baseados em “consumidores informados fazendo escolhas racionais”.

Bem, se tivéssemos um sistema de mercado assim, então uma propaganda de televisão consistiria de, digamos, a General Motors dando informações dizendo: “Eis o que temos à venda.” Mas uma propaganda de carro não é assim. Uma propaganda de carro tem um herói do futebol, uma atriz, um carro fazendo alguma loucura como subir uma montanha ou algo assim.

A questão é criar consumidores desinformados que farão escolhas irracionais. É disso que se trata a publicidade, e quando a mesma instituição, o sistema de RP comanda a eleição, eles fazem do mesmo jeito. Eles querem criar um eleitorado desinformado, que fará escolhas irracionais, muitas vezes contra seus próprios interesses, e toda vez vemos uma dessas extravagâncias acontecerem.

Logo após a eleição, o presidente Obama ganhou um prêmio da indústria de publicidade pelo melhor marketing de campanha. Não foi divulgado aqui, mas se procurar na imprensa internacional, os executivos ficaram eufóricos. Eles disseram: “Nós vendemos candidatos, fazemos marketing de candidatos como se fosse de pasta de dente, desde Reagan, e essa é a maior conquista que temos.”

Eu geralmente não concordo com Sarah Palin, mas quando ela zomba do que ela chama de “hopey-changey”, ela está certa. Primeiramente, Obama não prometeu nada. Isso é principalmente ilusão. Analise a campanha retórica e preste atenção. Há pouca discussão de questões políticas, e por um ótimo motivo, porque a opinião pública sobre política é muito desconectada do que a liderança de dois partidos e seus financiadores querem. A política cada vez mais está focada nos interesses particulares que financiam as campanhas, com o público sendo marginalizado.

Excertos de Noam Chomsky no documentário “Requiem for the American Dream”, de Kelly Nyks, Peter D. Hutchison e Jared P. Scott, lançado em 2015.

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Breves reflexões sobre a vida hipermoderna

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Arte: Steve Cutts

Gilles Lipovetsky disse que a vida hipermoderna nos moldes atuais poderá nos destruir; e em algum nível isso vem acontecendo há muito tempo. Infelizmente, parece-me que a vida moderna não foi planejada como deveria, e as consequências disso estão por todos os lados.

Acordei pensando em suas teorias hoje e me recordei de Knut Hamsun, vencedor do Nobel que era anti-civilização, que acreditava que quanto mais distante da sua própria natureza, mais o ser humano se tornaria alheio às próprias necessidades, se apegando à superficialidade daquilo que ele considera viver sem ser viver. Viver para comprar em vez de comprar para viver é um exemplo clássico disso.

O mundo pode ser um lugar estranho se pensarmos que vivemos para atender necessidades que nunca foram primárias, ou nem mesmo necessidades. As pessoas estão cada vez mais doentes porque já não reconhecem o seu papel no mundo, que parece implacável e sempre disposto a engolir quem não se adapta à velocidade e ferocidade da vida moderna.

Muitas pessoas respiram muito mal, pouco observam à sua volta, não sabem dizer qual era a cor do céu numa tarde ensolarada. Em muitos casos, não enxergam a si mesmas, ou têm uma visão distorcida de quem são, porque tudo isso parece insignificante quando se tem um objetivo que é sacrificar a própria vida para se destacar mais do que os outros, para ter muito mais dinheiro do que os outros. Existe sempre uma competição, porque competir significa vencer alguém; e muitos realmente veem isso como o sentido da vida, um respiro de glória, até mesmo de superioridade.

Não raramente falamos em igualdade e redução das desigualdades sociais, mas jogamos na loteria. E poucos, ainda sendo otimista, mesmo que ganhassem um grande prêmio, realmente teriam a coragem de destinar pelo menos uma parte desse dinheiro para ajudar a reduzir as mazelas que tanto criticam. Parece que estamos imersos na demagogia, na contradição…na hipocrisia, embora ainda haja esperança. E nem sempre por má-fé, mas sim porque é uma cultura já entranhada no cerne da nossa vida em sociedade.

Sempre vejo pessoas vendendo a fórmula do sucesso, e a maioria delas prometem muitas riquezas materiais e dão dicas de como vencer os outros, ser melhor do que os outros. A fórmula quase sempre envolve superar os outros mais do que a si mesmo; como se os outros fossem nossos inimigos. É como se sempre tivéssemos inimigos – no trânsito, na internet, nas filas, na escola, na faculdade, no trabalho.

Cremos que somos livres quando na realidade somos servos de uma cultura já consolidada que vende a ideia de que somos senhores de nós mesmos, quando às vezes não somos senhores nem de nossas menores decisões. As armadilhas há muito foram instaladas, mas nossos olhos talvez ainda não sejam tão treinados para enxergá-las.

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Written by David Arioch

June 14th, 2017 at 1:10 am

Sobre críticas ao meu trabalho

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Man at Work, de Clio Lloyd-Jacob

Se eu for dar atenção a todas as críticas que as pessoas fazem ao meu trabalho, além das problemáticas desnecessárias que são criadas, eu terei que parar de trabalhar. Sendo assim, vale mais a pena produzir do que dedicar tempo discutindo desnecessariamente sobre algo. Sou da seguinte opinião: “O que eu posso fazer durante o tempo que posso perder?”





Written by David Arioch

April 25th, 2017 at 1:07 am

Posted in Reflexões

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Somos mais e nos julgamos menos

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thinking-man

Não somos naturalmente mono, somos pluralistas desde o primeiro respiro (Arte: Reprodução)

Enquanto eu aguardava atendimento, Alberto sentou ao meu lado em uma das poltronas da Caixa Econômica Federal. Me falou que estava se aposentando depois de 40 anos de trabalho dedicados a mesma empresa. Parecia satisfeito, mas não tão seguro sobre isso. “Terminei a faculdade e passei a vida inteira fazendo praticamente a mesma coisa”, contou. Perguntei se ele se sentia realizado. Respondeu que não, mas que se adaptou a viver dessa forma.

O questionei também sobre seus sonhos de infância e adolescência, se tinha lembranças de algum deles. “Já não me lembro quais eram. Faz muito tempo”, disse. Todos os dias, encontro Alberto na figura de outras pessoas. Eles estão por todos os lados e me fazem pensar que não nascemos para nos dedicar somente a uma atividade. Não somos naturalmente mono, somos pluralistas desde o primeiro respiro, mas a vida, o mundo e aquilo que nos cerca muitas vezes nos limita. O tempo sempre parece curto, sem margem para a diversidade.

E assim corremos o risco de perder nossa pluralidade na infância ou adolescência, quando nos dizem o que devemos ou não fazer, para o que nascemos ou não nascemos; quando as pessoas agem como se conhecessem melhor nossas aptidões do que nós mesmos. A criança nunca quer ser somente uma coisa. Ela quer ser várias. As horas e os dias mostram isso. A vida demanda liberdade, e a nossa diminui quando crescemos por fora, mas nos reduzimos por dentro.

As inseguranças são amplificadas quando você não se vê como parte de um caminho, e ao mesmo tempo alguém te oferece prazos para “tornar-se alguém”. E esse alguém não raramente é outra pessoa que não você. Os conflitos aumentam na fase adulta porque você é obrigado a abandonar a multiplicidade da sua existência para se resumir a não mais do que uma atividade – o trabalho.

Nomes tornam-se metonímias da profissão, a identidade humana é suprimida pela profissional, e o ser perde cada vez mais espaço para o ter. Acredito que muitos dos males psicológicos e emocionais da atualidade têm relação com essa supressão existencial. Somos mais e nos julgamos menos. Nos vemos como incapazes de fazer mais do que fazemos, ou o que realmente queremos – porque é o que o mundo nos diz.

E o tempo nos leva à passividade, a aceitação de uma perspectiva lancinante de pragmatismo. O conformismo nos sufoca com um tipo de sutileza travestida de aceitável incerteza. Quantas pessoas que você conhece são hoje o que realmente gostariam de ser? Sentem-se verdadeiramente recompensadas pelo que fazem? Vive-se pelo não viver quando a vida se torna um simulacro do que poderia ser.

Não somos seres mecânicos, somos complexos. Quando nossas potencialidades, mesmo que ainda desconhecidas, são ignoradas, morremos um pouquinho a cada dia, sufocados pela rotina, pelas pressões externas e por nossas próprias descrenças. Acredito que somos como árvores que cedem diante da tempestade quando amargam na própria raiz o dissabor da incredulidade.

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Written by David Arioch

December 21st, 2016 at 3:27 pm