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Supino e o direito de ser marombeiro
“Olha o naipe desse cara. Que otário! Muito músculo e pouco cérebro”, ocasionalmente dizia alguém
Na década passada, eu sempre encontrava um amigo no mesmo horário na academia. Era um sujeito bem animado, sorridente e que gostava de ser notado. Quando não percebiam sua presença, ele encontrava um jeito de chamar a atenção – dava um urro sorrateiro, falava alto ou causava algum atrito ruidoso entre as anilhas. Jamais o percebi conversando sem arquear os braços, chacoalhar a cabeça, espichar as veias do pescoço ou fazer movimentos curiosos com as mãos. Era um exibicionista de boa índole.
Ao sair da academia depois de um treino de peito ou braços, tirava a camiseta, aproveitando para mostrar o pump – aquele aspecto que faz todo cara parecer maior após os exercícios por causa do aumento do fluxo sanguíneo bombeado no músculo. “Agora vou ‘apavorar’ na rua”, comentou um dia. Nessas circunstâncias, eu apenas ria. Aquela era a sua alegria, e se ele tinha algum tipo de prazer nisso, era o que importava, não cabendo a mim nem a ninguém julgá-lo.
Supino, como eu o chamava porque ele treinava mais peito do que qualquer outro grupo muscular, tinha o costume de atravessar o centro da cidade com a camiseta sobre o ombro, ignorando comentários e olhares desdenhosos, principalmente de quem menosprezava marombeiros. Se alguém fizesse careta ou criticasse e ele percebesse, não era raro Supino reagir de forma inesperada.
“Olha o naipe desse cara. Que otário! Muito músculo e pouco cérebro”, ocasionalmente dizia alguém. Sua reação instantânea era retribuir com um sinal de joia e uma contração muscular elevando a cabeça do bíceps. “Fica sossegado, irmão! É só entrar na academia, seguir dieta e treinar certinho por anos que você chega lá”, comentava sorrindo e finalizando a breve interação com uma piscadela provocativa e um tapinha no próprio deltoide.
Quando ele atravessava a movimentada Rua Getúlio Vargas, algumas mulheres também o depreciavam às vezes, incomodadas em vê-lo na sua caminhada fruitiva, com o torso à mostra enquanto o sol aquecia o asfalto, atravessava vitrines e exasperava os mais afoitos. “Nossa, o tipo! Se acha demais! Tem gente que faz de tudo pra aparecer! Pensa que é bonito ser vagabundo e andar seminu na rua!”, ouviu numa tarde.
Sem titubear, caminhou até a moça que fez o comentário com a amiga e a observou nos olhos por alguns segundos. “Com licença, senhorita. Tu paga as minhas contas? Lava minha roupa? Prepara minha comida? Acho que não, né? Então pode parar de admirar que aqui não tem nada de graça”, declarou sorrindo e dando dois tapas no próprio peito. Constrangida, a moça puxou a amiga pelo braço e caminhou apressada até o fundo de uma loja.
Supino agiu assim por muito tempo, na sua tenra espontaneidade. Um dia, logo que saiu da academia, quando já não treinávamos mais no mesmo horário, foi surpreendido e atropelado. Ele rolou sobre o capô do carro e caiu deitado com as costas contra o asfalto tórrido de uma manhã altaneira de verão. No chão, sentiu uma luz quente bloqueando sua visão.
O motorista fugiu e Supino continuou deitado no chão. Não gemia nem agonizava. Somente ria de si mesmo e do seu próprio azar, ignorando os ferimentos pelo corpo. Surpreendendo quem testemunhou a cena, ele se levantou e limpou os ferimentos com a própria camiseta branca transfigurada em vermelha.
Joelhos e cotovelos esfolados, muitas escoriações nas costas e no peito, um corte superficial na testa e outro no topo da cabeça, nada disso o impediu de soerguer-se para assistir o autor já distante, fugindo pela Rua Pernambuco. Na manhã seguinte, Supino estava na academia praticando musculação.
E mais, na mesma semana, tomou uma decisão. Foi até uma loja no centro de Paranavaí e pediu para uma vendedora mostrar-lhe algumas camisetas. Enquanto ele as observava, em dúvida sobre quais escolher, as mãos da moça tremiam e as frases saíam incompletas de sua boca. “Você precisa tomar um copo de água com açúcar ou maracugina, moça. Não parece nada bem!”, sugeriu.
De repente, ela começou a chorar e a pedir desculpas. Supino não disse nada. Complacente, assistiu a reação dela em silêncio. Comprou três camisetas e saiu da loja com a consciência tranquila. Lá fora, a observou pela última vez antes de partir. Ele sabia e ela sabia. Supino descobriu que a mesma jovem que antes se incomodou com sua presença, fazendo um comentário preconceituoso que ele retribuiu quando ela o viu sem camiseta, pediu ao namorado que o atropelasse, alegando que Supino deu em cima dela.
À época, o questionei sobre o porquê de não ter procurado a polícia. Ele deu uma de suas respostas minimalistas e filosóficas: “Sua consciência é o seu único e verdadeiro guia.” O episódio me traz lembranças de uma subjetiva frase escrita por Balzac no século 18: “Quando todo o mundo é corcunda, o belo porte torna-se a monstruosidade.”
Parabéns, Campeão! – Acidentes e estripulias na academia
“É agora que bato a cabeça na quina do banco e caio no chão com o crânio rachado e sem os dentes”
Nunca me machuquei seriamente praticando musculação, mas admito que ao longo dos anos passei por situações surpreendentes e inusitadas. Em um dia de treino de dorsais, a academia estava bem movimentada por volta das 18h. E por um milagre não havia ninguém usando a roldana.
Me aproximei, substituí a barra e coloquei o pino no último tijolinho da polia. “Que beleza! Hoje o treino vai render, já que não vou precisar esperar ou dividir a máquina com ninguém”, refleti com sorriso sardônico enquanto esfregava as mãos e observava outras pessoas que não tiveram a mesma sorte.
Fiz a primeira série de puxador frontal aberto assistindo a minha postura em um espelho à minha direita. Tudo ia bem até que no início da segunda série o cabo de aço se rompeu e voei para trás com a barra no colo, batendo as costas contra uma divisória branca que separa a sala de musculação da sala de aeróbicos.
O estrondo foi tão grande que ouvi duas pessoas gritando escandalizadas, pensando que o prédio estava ruindo. Até quem se exercitava do outro lado da academia veio xeretar. E eu sentado, com um sorriso enviesado, levantei rapidamente. Tentando não olhar ao meu redor, deixei a barra sobre o banco e caminhei até o outro lado da sala para fazer remada curvada.
O que mais causou estranhamento em quem presenciou o acidente foi o fato de eu continuar treinando. Apesar do susto, não senti nada e só deixei a academia quando terminei todos os exercícios. Na realidade, o único incômodo foi perceber tanta gente de olhos esgazeados, me observando e talvez me julgando como louco por não ter ido embora.
Em outra ocasião, eu estava na terceira série da cadeira abdutora quando o cabo arrebentou e violentamente veio em direção ao meu rosto. Faltando dois ou três centímetros para atingir meu olho esquerdo, ele chicoteou o ar e caiu complacente, repousando sobre a lataria do aparelho como se jamais tivesse saído dali. Senti gastura ao imaginá-lo penetrando meu olho e cutucando a íris como uma agulha aplicada com precisão cirúrgica.
Lá dentro, quem sabe a pontinha do cabo envergasse à direita e no momento do retorno – pop! Assim extraindo meu olho da órbita e deixando na cavidade a assinatura AB, de abdutora, como se fosse um tipo de zorro mecânico. Não sei, talvez ela quisesse apenas mostrar quem realmente mandava, que tudo estava ao seu alcance sempre que quisesse.
Vai saber, pode ser que os objetos não sejam completamente inanimados. Dizem que a barra olímpica usada no supino reto ganha vida de vez em quando. Não duvido. Um dia ela ficou teimosa no final do exercício e por pouco não me enforcou. Temendo o pior, senti a faringe se estreitando e o pescoço esquentando. Minha garganta parecia simular um canudo de plástico.
Àquela altura, minhas pupilas há muito dilataram, e mais do que nunca notei a barra lisa, escorregadia, traiçoeira e burlesca. Transparecia odiosa e retaliativa. A poucos centímetros do meu queixo, que se retraía com medo de ser esmagado, e prevendo que meus braços quase rendidos não suportariam mais a tensão, a amorteci levemente contra o peito. Estertorando e sentindo as fibras musculares dos meus ombros queimando, a deslizei em direção a minha barriga até o ponto de conseguir me levantar e tirá-la de cima de mim.
Sentado, me vi revigorado. Meu coração voltou a bater numa frequência mais aceitável, parei de suar frio e minha visão periférica se expandiu. Vislumbrei até o céu da academia se abrindo e uma revoada de dezenas de pássaros das mais diversas espécies circulando, circulando, até formarem a frase “Parabéns, Campeão!”. Quando levantei do banco, percebi que tinha duas anilhas a mais, e que não foram colocadas por mim. Realmente, a barra era inocente.
Ainda assim, acredito que icônico foi um episódio da época em que eu fazia paralelas em um banco de supino. Ele tinha um suporte de barras mais alto do que os mais tradicionais. Bom, em minha defesa, não existia nada específico para a realização das paralelas, então o jeito era improvisar. Como eu fazia esse exercício no dia do treino de peito, era preciso inclinar o corpo para a frente. Até aí tudo bem. Me apoiei sobre as laterais do banco e fiz a primeira série tranquilamente. Na segunda, por um deslize, inclinei demais o corpo e não consegui retornar à posição inicial.
Naquele instante, pensei o pior: “É agora que bato a cabeça na quina do banco e caio no chão com o crânio rachado e sem os dentes.” Contrariando previsões, inclusive de todo mundo que assistiu a cena – penso eu, dei uma cambalhota no ar e caí sentado no banco, sem sequer um arranhão. Nenhum espectador entendeu o que houve, muito menos eu. Mas fiquei orgulhoso pela façanha, assim como todos aqueles que escapam ileso de algum tipo de estripulia não planejada. Quando me levantei, agi como se tudo fosse proposital, sem saber que a calça não velava mais o quintal.
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Um atleta motivado por um sonho
Leonardo Fellipe Mariani sonha em se tornar campeão mundial de powerlifting
Em um certo dia de 2010, Leonardo Fellipe Mariani, de Siderópolis, Santa Catarina, estava em casa assistindo alguns vídeos de campeonatos de powerlifting no YouTube. Ficou tão impressionado com a força, técnica e vigor físico dos competidores que decidiu se tornar um atleta da modalidade. Sem saber exatamente como proceder, Mariani buscou informações na internet e procurou pessoas envolvidas com o esporte para instruí-lo.
“Foi amor à primeira vista, mas infelizmente esbarrei nas limitações da minha antiga academia. Por causa disso, comecei a treinar pra valer em outubro de 2012. Só que desde então não parei mais e tenho dado tudo de mim”, afirma. O que levou o catarinense de 25 anos a procurar vídeos de powerlifting na internet foi o apreço pela musculação, atividade que pratica desde 2009, quando se matriculou em uma academia com o objetivo de perder peso.
Atualmente o atleta treina cinco vezes por semana e cada treino tem duração de duas horas. “Os meus exercícios preferidos são o agachamento livre e o levantamento terra”, conta. Incluído o supino, os três formam a base que consagrou o esporte. Embora motivado por uma paixão, hoje, Mariani vive o dilema de não ter patrocínio, o que dificulta a participação nos principais campeonatos.
“Preciso de apoio financeiro para competir no Campeonato Catarinense que será realizado em Blumenau [Santa Catarina] no dia 23 de março. Quem puder ajudar, me comprometo a divulgar a marca patrocinadora através de sites, fotos, vídeos e entrevistas”, declara. As dificuldades de Leonardo Fellipe refletem também o preconceito contra o esporte no Brasil, uma consequência do desinteresse da iniciativa pública e privada.
Tudo isso somado ao descaso da imprensa ofusca o brilho de um esporte que requer muita força de vontade, dedicação e disciplina. A situação preocupa porque inviabiliza uma maior aceitação do powerlifting em território nacional, modalidade já tradicional e que na versão moderna começou a se popularizar nos EUA e Reino Unido nos anos 1950.
O amor pelo levantamento de peso há muito tempo constrói irmandades por todo o Brasil. Mariani é um exemplo de atleta que fez muitas amizades por meio do powerlifting. A interação social é inevitável, inclusive estimulada, já que o apoio em cada competição assegura ao atleta uma dose a mais de motivação para vencer. “Espero um dia ter a chance de abrir um centro de treinamento para crianças e adolescentes carentes”, revela.
Sem investimentos e com recursos limitados, muitos powerlifters convocados para representar o Brasil no exterior são obrigados a recorrer ao crowdfunding (financiamento coletivo), uma alternativa que nem sempre tem um final feliz. Já houve inúmeros casos de esportistas que desistiram da competição porque receberam um número pífio de doações. Embora alguns tenham uma legião de seguidores, isso não garante sólidas contribuições. “É um esporte caro. É preciso investir muito em dieta, viagens e hospedagens. Um atleta não gasta menos de R$ 1,7 mil”, comenta Leonardo Fellipe que compete na categoria até 125kg e tem como principal inspiração o gigante russo Andrey Malanichev.
Além de evoluir como atleta de alta performance, Mariani quer construir um corpo mais forte e definido. E claro, sonha em se tornar um campeão mundial de powerlifting. O anseio de chegar ao topo já garantiu importantes premiações. “Espero me tornar uma das promessas do powerlifting brasileiro. Estou lutando para chegar lá”, avisa.
Títulos
Campeão da 1° Copa Rafa Crestani de Powerlifting, da World Association of Benchers and Deadlifters (WABDL), em Veranópolis (RS) em 2012.
Segundo lugar no Campeonato Brasileiro de Levantamento Terra, da International Powerlifting Federation (IPF), em São Paulo (SP) em 2012.
Campeão do 11º Campeonato Catarinense de Powerlifting, da International Powerlifting Federation (IPF), em São Bento do Sul (SC) em 2013.
Terceiro lugar no Campeonato Brasileiro de Powerlifting, da World Powerlifting Congress (WPC), em São Paulo (SP) em 2013.
Segundo lugar no Campeonato Brasileiro de Powerlifting, da International Powerlifting League (IPL), em São Paulo (SP) em 2013.
Serviço
Para entrar em contato com Leonardo Fellipe Mariani, basta ligar para (48) 9925-5200 ou enviar um e-mail para leonardofellipemariani@hotmail.com.