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Mirão, um antigo caso de amor ao esporte

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Valdomiro Pereira, o homem que dedicou a maior parte da vida ao esporte de Paranavaí  

Mirão: “Era uma vida difícil. A gente acabava formando time pra jogar fora e repartir o dinheiro” (Foto: David Arioch)

Mirão: “Era uma vida difícil. A gente acabava formando time pra jogar fora e repartir o dinheiro” (Foto: David Arioch)

Em comemoração ao aniversário de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, celebrado no dia 14 de dezembro, nada mais justo que homenagear um dos homens mais importantes do futebol e do futsal de Paranavaí. Valdomiro Pereira, mais conhecido como Mirão, começou a sua história no esporte local em 1960, pouco antes de completar 20 anos.

Para conversar sobre o assunto, Mirão diz que não é preciso agendar horário. “É só chegar”, avisa, me convidando para ir até a sua casa na esquina da Rua Maria Anchieta de Morais. Lá, encontro o pacato e hoje aposentado desportista sentado em uma “cadeira de área”, observando a movimentação tranquila da manhã na Rua do Aeroporto, principal via de acesso ao Jardim Ipê.

Com voz remansosa, o icônico Mirão me cumprimenta e coloca em cima da cadeira uma coleção de publicações sobre a sua trajetória. Em 1955, quando chegou a Paranavaí vindo de São Paulo, um fato lhe chamou a atenção. O Atlético Clube Paranavaí trazia na sua formação seis ou sete titulares paraguaios. “Era interessante isso. Um time do interior do Paraná que tinha mais jogadores estrangeiros do que brasileiros. E eram todos muito bons. Jogavam por amor ao esporte”, afirma.

Em 1959, o desportista fez amizade com os jogadores e a diretoria do ACP. Segundo Mirão, era o tempo dos paraguaios. “Comecei a treinar com eles, mas eu era muito ruim e o Seu Ferreira, um senhor que realizava bingos para arrecadar recursos para o clube, me convidou para ser massagista”, narra. Quando explicou que não entendia nada da profissão, Seu Ferreira argumentou que “tudo se aprende na vida”. “Deixa eu ver sua mão. Sim! Como pensei! Quem tem mão grande serve pra ser massagista”, comentou Ferreira, se valendo de uma crença popular.

À época, Mirão desempenhava qualquer atividade em benefício do clube. Fazia cobranças, ajudava na secretaria e na venda de cartelas. Foi assim até 1976, quando proibiram a realização de bingos. “Lembro que em 1960 fomos disputar o campeonato em Apucarana porque o nosso campo era com cerquinha e a Federação Paranaense de Futebol não aceitava. Então o time treinava no Estádio Natal Francisco [atual Praça dos Pioneiros] e jogava em Apucarana. Daqui a Maringá a estrada era de terra. Imagine só a dificuldade”, relata.

Naquele tempo, como os jogadores e os funcionários do ACP recebiam apenas por quatro ou cinco meses, o jeito era improvisar. “Era uma vida difícil. A gente acabava formando time pra jogar fora e repartir o dinheiro. Alguns conseguiam bons contratos, só que não era fácil. Só uma ou duas firmas colaboravam com o clube e nunca teve isso de alguém se oferecer para pagar um atleta por conta própria”, desabafa.

Nos anos 1960, o que ajudava o atlético a se manter na ativa era o fato de que alguns atletas de Paranavaí jogavam de graça. “Um exemplo era o Lauro Machado. Ele e mais alguns outros trabalhavam em outras áreas porque sabiam que era impossível viver do clube”, confidencia Mirão que considera o ACP de 1960 como um dos melhores de todos os tempos, assim como o de 1968 que conquistou uma vaga na primeira divisão do Campeonato Paranaense. O desportista se queixa apenas que a equipe já era formada em cima da hora, dificilmente se preparando com dois ou três meses de antecedência. “Uma vez contratamos 10 jogadores de um time faltando apenas alguns dias para o campeonato. Infelizmente em cidade pequena é assim, o futebol funciona aos empurrões”, lamenta.

De acordo com Mirão, inesquecíveis eram as partidas no Estádio Natal Francisco, onde a torcida lotava as arquibancadas de madeira com capacidade para até 10 mil pessoas. “Eu morava no estádio quando era solteiro porque o treino começava às 6h. Alguns jogadores também viviam lá, já que o clube não tinha condições de pagar hospedagem em hotel. Nosso campo somava 110 metros de comprimento e 80 metros de largura. O pessoal era tão fanático por futebol que onde o clube ia a torcida ia atrás”, revela.

Em 1970, a situação financeira do time não era das melhores, tanto que o ACP foi disputar uma partida em Nova Esperança e tiveram de entrar em campo com apenas 10 jogadores porque nem todos atletas estavam registrados. “Ainda assim ganhamos de um a zero. Era muito bom. Participávamos de amistosos em todo o Paraná, além de Presidente Prudente, Marília e cidades de Santa Catarina e Mato Grosso do Sul. Nossa rivalidade maior era com Maringá e Mandaguaçu. Time de fora quase nunca ganhava aqui porque o campo do Natal Francisco era muito grande, uma das nossas armas”, enfatiza Mirão.

Na esteira da falta de recursos, o atlético desde o início contava com trabalho voluntário, principalmente de médico e fisioterapeuta. O time levou alguns anos para conseguir contratar um preparador de goleiros, garantindo mais profissionalismo ao clube. “Se precisasse de alguém pra ir lá na segunda-feira arrancar grama, eu e o Paulinho íamos. Fazíamos o mesmo empenho se fosse necessário ficar com atleta em hotel na véspera do jogo pra fazer massagem. O time ficava em primeiro lugar nas nossas vidas”, declara.

“Eu morava no estádio quando era solteiro porque o treino começava às 6h” (Fotos: David Arioch)

“Eu morava no estádio quando era solteiro porque o treino começava às 6h” (Fotos: David Arioch)

Embora não ganhasse nada para ajudar, o desportista estava sempre disponível ao ACP no período da tarde, quando o treinamento era intensificado. “Uma das minhas recompensas foi pisar duas vezes no Maracanã. Jogamos lá contra o Madureira e o Olaria. Ganhamos um jogo e perdemos o outro. Depois aproveitamos pra assistir uma partida do Atlético Mineiro contra o Flamengo e outra do Fluminense contra a Portuguesa. Nunca imaginei que isso aconteceria”, rememora Mirão emocionado.

O que também motivava Mirão a continuar ajudando o ACP era a solidariedade dos atletas. Nos anos 1960, alguns chegavam a dividir tudo que recebiam com Mirão e Paulinho. “Tínhamos um grande meia-esquerda que foi para o Corinthians. O apelido dele era Paraná. Não ficava com nada do que recebia. Tinha uma situação financeira boa e se preocupava porque via que a gente ganhava uma mixaria. Se tenho alguma coisa hoje foi graças aos conselhos do Paraná, um cara que se preocupava com os menos favorecidos”, pontua.

O desportista não esconde a satisfação ao se recordar das conversas com o icônico Natal Francisco, fundador do Atlético Clube Paranavaí. “Era um velhinho muito bom que construiu o estádio com as próprias mãos. O filho dele, Tonico, jogava bem no ACP. Uma pena que em 1983 mudaram o estádio para o [distrito de] Sumaré. Os jogos eram muito bons, só que a torcida parou de acompanhar tanto o time. Nunca mais foi a mesma coisa”, reclama.

Para o desportista, quem também se tornou um dos nomes mais importantes do clube foi o jogador Chico Venâncio, o Biga, que à época chegou em Paranavaí sem grandes pretensões. “Ele veio pra jogar pelo Atlético e acabou virando treinador. Na realidade o Biga era mais que treinador, era o pai de todo mundo. Gostou tanto de Paranavaí que viveu aqui até os seus últimos dias”, defende. Pela dedicação ao esporte, Mirão recebeu em 2006 uma homenagem da diretoria do Atlético Clube Paranavaí e outra do Rotary Fazenda Brasileira. Além disso, o prêmio maior do Campeonato Amador de Futebol da Liga de Paranavaí leva o nome de Troféu Valdomiro Pereira.

O jogo mais marcante do Vermelhinho

Para Mirão, o jogo mais marcante da história do Atlético Clube Paranavaí foi contra o Atlético Paranaense em 1968. O ACP venceu por 2 a 1, com dois gols de Aluísio, um jogador do São Paulo que veio a Paranavaí por empréstimo.

“Busquei ele em São José do Rio Preto e depois tive que ir até São Paulo preparar a documentação na Confederação Brasileira de Futebol [CBF]. De lá, fui pra Curitiba entregar em mãos na Federação Paranaense de Futebol [FPF]. Até recebemos dinheiro do Coritiba pela vitória”, confidencia Mirão às gargalhadas.

Aluísio era um dos maiores jogadores da época. No entanto, seu salário era tão caro que conseguiram mantê-lo em Paranavaí somente por um ano. “Tinha mais de 100 pares de sapatos e mais de 100 camisas. Falou que jogaria pra nós, mas não aceitava ficar em república. Reunimos vários apoiadores pra pagar o salário dele”, garante.

Lacerdinha completa 40 anos

O desportista Valdomiro Pereira, o Mirão, que ajudou na construção do Ginásio de Esportes Antônio Lacerda Braga (Lacerdinha), fundado no dia 14 de dezembro de 1975, se recorda com saudosismo dos primeiros jogos há quase 40 anos. “A primeira disputa foi de handebol, nosso cartão de visita. Valeu a pena toda aquela correria, gente trabalhando 24 horas por dia. A prefeitura fez tudo no ‘grito’ e o ginásio ficou pronto em 100 dias. Tivemos o suporte do 8º Batalhão de Polícia Militar. Foi tudo muito bem organizado. Não dá nem pra acreditar que tínhamos ali o Colégio Marins [Alves de Camargo] e depois o [Colégio] Newton Guimarães”, comenta.

No mesmo ano, Mirão foi convidado pelo jornalista Saul Bogoni para coordenar em Paranavaí os Jogos Abertos do Paraná. À época, a cidade tinha uma das melhores seleções de handebol feminino do estado. “Fomos campeões estaduais em 1974 e em 1975. Em Paranavaí, era um esporte até mais popular que o futsal. Fiquei muito feliz em organizar os jogos porque Paranavaí chegou nas finais em quase todas as modalidades. Naquele tempo, só não conseguíamos superar cidades como Londrina e Curitiba. Ficamos em terceiro lugar no geral”, relata e acrescenta que Paranavaí foi a primeira cidade do Paraná a ter os jogos abertos transmitidos pela televisão. A cobertura da TV Tibagi mostrou o desempenho de atletas de 68 cidades.

O melhor time de futsal de Paranavaí

Com a experiência de quem acompanhou a evolução do esporte no Noroeste do Paraná, Mirão defende que o Demafra foi o melhor time de futsal de Paranavaí. “Era um time com boas condições financeiras, dava emprego para jogadores, mas tinha que ser bom. Ninguém passava dificuldade trabalhando para o Demafra. E tinha uma tática interessante que era misturar jogadores de campo e de salão. Não esqueço quando fomos campeões da Taça Tigre em Joinville [Santa Catarina], desbancando grandes equipes de todo o Brasil”, diz Mirão.

Na sequência, o desportista aponta o São Lucas como um bom clube, citando o desempenho da equipe em 2011, quando obteve o segundo lugar no Campeonato Paranaense de Futsal. Em 2006, a equipe ficou em quinto lugar. O clube também traz no currículo conquistas como o vice-campeonato da Taça Paraná em 1982 e o terceiro lugar em 1991. “Gostei muito do time que o São Lucas montou em 1994. É uma pena que não temos condições de segurar bons atletas”, lamenta.

“A sede da Liga de Paranavaí era dentro da minha Brasília”

No final dos anos 1970, quando tinha um escritório no Ginásio Lacerdinha, o chefe de transportes da Secretaria de Educação da Prefeitura de Paranavaí, Mirão, percebeu que a garotada tinha o costume de invadir o local para praticar vandalismo.

Em vez de repreendê-los ou chamar a polícia, ele usou uma tática diferente. Convidou a molecada a formar times e disponibilizou a eles uma hora diária de uso gratuito do ginásio. “Vou dar a vocês uma missão. Vocês podem jogar aqui, mas em troca peço que cuidem do ginásio. Não deixem ninguém fazer nada de errado aqui, tudo bem?” À época surgiram dois novos times em Paranavaí: o Time dos Engraxates e o Time dos Moradores de Rua.

Naquele tempo, a quadra do Lacerdinha era considerada a melhor do Paraná e Mirão se empenhava para evitar que alguém comprometesse essa imagem. “Eu e o zelador da época não deixávamos ninguém entrar na quadra usando kichute ou sapato. Eu fazia amizade com todo mundo, tanto que nunca mais nenhum garoto jogou pedra no ginásio”, garante. Uma vez Mirão levou ao Lacerdinha o célebre lutador Ted Boy Marino, atraindo um público de milhares de pessoas.

“A sede da Liga de Paranavaí era dentro da minha Brasília. Eu organizava o campeonato e os jogos. Fundei e fui presidente por 26 anos, inclusive hoje ela tem uma sala com meu nome – Valdomiro Pereira”, destaca em tom de orgulho. O desportista foi mesário por muitos anos, tanto no futebol de campo quanto de salão. Como trabalhava para a prefeitura de Paranavaí, muitas vezes atuava na arbitragem em finais de semana e feriados sem receber nada.

“Às vezes ligava gente de Curitiba para a prefeitura pedindo minha liberação para que eu fosse pra lá apitar em algum campeonato juvenil. Era bom porque entrava um bom dinheiro. Nos Jogos Abertos, por exemplo, eu ganhava em um mês o que equivalia a seis meses de salário na prefeitura”, segreda. Outro ponto positivo é que Mirão se divertia bastante. Encarava o trabalho como uma oportunidade de viajar e conhecer outros lugares.

Era um contraponto na rotina atribulada como chefe de transportes. Em Paranavaí, Mirão se responsabilizava pelos 14 ônibus da prefeitura usados no transporte de estudantes. “Tinha de ficar disponível das 4h às 23h. Se desse algo errado, saía com o mecânico atrás do ônibus. A gente cobria uma área de 900 quilômetros de estradas. Muitas vezes vim pra casa dormir lá pelas 11 horas da noite”, ressalta.

Frases de Valdomiro Pereira, o Mirão

“Temos o mau hábito de vender jogadores por preços muito baixos. Os atletas costumam sair daqui quase de graça. Só me lembro de uma exceção em 1968, quando vendemos o Didi para a Portuguesa. Foi uma negociação um pouco mais justa.”

“O São Paulo veio jogar aqui em 1959 e em 1965 foi a vez do Corinthians. Não esqueço também que o Ferroviária, de Araraquara já disputou um torneio em Paranavaí, assim como o Prudentina, de Presidente Prudente. Foi uma época inesquecível.”

“Com 16 anos eu jogava no time do Mário de Souza. Tinha bons jogadores. Aí fomos jogar contra o ACP e perdemos. Então decidimos acabar com o time.”

“Uma vez o treinador Muca encheu uma Kombi com jogadores de um time de Lins [no interior paulista] e trouxe pra cá porque o campeonato estava prestes a começar e o Atlético não tinha jogadores.”

“Sempre ajudei todos os esportes de Paranavaí. Não priorizava mais um ou outro. Só diminui o ritmo quando me aposentei depois de 32 anos trabalhando na prefeitura.”

Alegria e sofrimento na era de ouro do rádio

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Ephraim Machado: “A gente tocava tudo com motor e bateria de carro”

Machado: "Difícil era fazer o aparelho funcionar numa época sem energia elétrica" (Foto: Diário do Noroeste)

Machado: “Difícil era fazer o aparelho funcionar numa época sem energia elétrica” (Foto: Diário do Noroeste)

 O pioneiro e empresário Ephraim Marques Machado chegou a Paranavaí, no Noroeste Paranaense, em 1948, pouco tempo depois que seu pai, agente fiscal do Governo do Paraná, foi enviado para instalar a Coletoria Estadual. Admite que no primeiro momento não gostou do que viu na colônia, então retornou para Londrina, onde morava com o tio Odinot Machado, homenageado com um nome de rua em Paranavaí. “Fiquei lá uns seis meses e meu pai insistiu outra vez. Disse que estava muito bom aqui, então voltei”, relata.

A princípio, Machado iria apenas ajudar o pai, mas dois meses depois decidiu investir em um serviço de alto-falantes. “Eu já queria conquistar a minha independência”, conta o pioneiro que nasceu em Castro, na região de Ponta Grossa, no Centro Oriental Paranaense. No final de 1948, Ephraim circulava pela cidade com um microfone e uma caixa amplificadora. Até hoje, lembra como as “vozes saíam por cima”. A sede da modesta rede de comunicação de Machado ficava em frente à Banca do Wiegando, na Rua Marechal Cândido Rondon, de onde administrava os dez alto-falantes espalhados em pontos estratégicos da cidade.

Algumas caixas podiam ser vistas perto do antigo Terminal Rodoviário e outras onde é hoje a Academia Unimed, na Avenida Distrito Federal. Quando o pioneiro anunciava algo em uma caixa, a mesma mensagem era reproduzida em todas as outras. “Foi assim até 1956, quando coloquei a Rádio Cultura no ar, um trabalho iniciado em 1950. Contratava gente da cidade e de fora, o que aparecesse”, explica. A sede da emissora na Rua Getúlio Vargas no cruzamento com a Rua Minas Gerais, onde era a Loja Ipiranga, chegou a ter três andares, dois construídos por Machado e um por Luiz Ambrósio.

Como a maior parte da população não tinha televisor e o cinema abria as portas somente aos sábados e domingos, o pioneiro cativava a comunidade com os programas de auditório. “Sempre aproveitava para levar ao Aeroclube [atual tênis Clube – em frente ao Ginásio Lacerdinha] os artistas que se apresentavam na rádio. Então o povo tinha a chance de assistir shows do Jorge Goulart, Nora Ney, Mestre Sivuca, Orquestra Casino de Sevilla e muitos outros”, cita.

No começo, o empresário tinha uma equipe de oito profissionais. Do total, cinco eram locutores. Quem chefiava a redação era o jornalista Ivo Cardoso, mas as notícias eram apresentadas por Jackson Franzoni e Evaldo Galindo. Havia muitos colaboradores, o que fazia a diferença quando surgiam problemas técnicos. “O equipamento de transmissão não era tão caro. O difícil era fazer o aparelho funcionar numa época sem energia elétrica. A gente tocava a rádio com motor e bateria de carro. Tudo era grande, até o gravador”, destaca.

Os problemas de transmissão eram frequentes, pois nem sempre o gerador de energia funcionava como o esperado. Às vezes, a rádio ficava dias fora do ar, um sofrimento inevitável. “Quando surgiu a primeira instalação elétrica, tive que puxar uma fiação de mais de um quilômetro de distância. Começava em uma chácara pra lá da Avenida Tancredo Neves e tinha que trazer por trás da Igreja São Sebastião”, conta o homem que trouxe a Paranavaí os mais diversos tipos de geradores de energia. O melhor funcionou bem por apenas seis meses.

À direita, construção da primeira rádio do pioneiro (Foto: Toshikazu Takahashi)

À direita, construção da primeira rádio do pioneiro (Foto: Toshikazu Takahashi)

No Brasil da época, pouco se ouvia falar em equipamentos de qualidade. A solução era importar quase tudo, inclusive gravadores, um privilégio para poucas emissoras do Norte do Paraná. Certa vez, o pioneiro fez a transmissão de uma eleição de Mandaguari, de quem Paranavaí ainda era distrito. Na ocasião, pediu emprestado um cabo de comunicação da Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP). Infelizmente, de Alto Paraná até Paranavaí não se ouvia praticamente nada por causa da chiadeira.

Ephraim Machado considera os anos 1950 e 1960 como os melhores do rádio local e regional. A justificativa é que naquele tempo o espectro não era tão carregado. “Depois de alguns anos, melhorou bem. Conseguíamos falar até com pessoas de Santa Isabel do Ivaí e Porto São José. Hoje, a rádio AM não atinge esses lugares com a mesma potência. Só se for FM. Há muita interferência de sinais de TV, comunicação amadora, etc. Não temos mais o espectro livre”, frisa. Até o final da década de 1950, pelo menos 50% da população de Paranavaí já possuía um aparelho de rádio em casa.

Para Machado, o rádio começou a se popularizar no Brasil em 1942 e só em 1954 deu um grande salto, liderando a comunicação de massa no país. A chegada da Companhia Paranaense de Energia (Copel) fez a diferença na cultura radiofônica local a partir de 1964. “Em 1962, vinha uma sobra de energia de Maringá que durava das 20h às 6h. Era limitada, mas melhor que nada”, avalia.

Rádio Cultura ainda sem a tradicional fachada nos anos 1950 (Foto: Toshikazu Takahashi)

Rádio Cultura ainda sem a tradicional fachada nos anos 1950 (Foto: Toshikazu Takahashi)

As instabilidades do rádio em Paranavaí surgiram nos anos 1970, exigindo melhores estratégias dos comunicadores e empresários para manterem-se no ramo. Ephraim Machado perseverou e ainda montou a Rádio Caiuá FM em 1980, emissora que começou a operar em 1984. Como a realidade já era bem diferente e o empresário contava com mais recursos, trouxe a Paranavaí os equipamentos mais sofisticados.

“Subia em postes, puxava fio, consertava aparelho, motor e microfone…”

O pioneiro Ephraim Machado começou a trabalhar com radiodifusão aos dez anos. A primeira função foi de trocador de discos. Anos mais tarde, quando surgiu a oportunidade de montar uma emissora, aprendeu a fazer de tudo. “Subia em postes, puxava fio, consertava aparelho, motor e microfone. Mexia no estúdio cortando som e reformava a acústica para dar mais eco. Fui até faxineiro e transportador de óleo. Minhas lembranças são boas porque passei por todos os setores”, relata o pioneiro que fazia questão de ocupar o tempo livre com trabalho.

Machado fala com preciosismo dos tempos de repórter, quando entrevistou os governadores Moisés Lupion e Bento Munhoz da Rocha Neto, além do presidente Juscelino Kubitschek. Embora só fosse para as ruas quando faltava algum repórter, o pioneiro adorava fazer entrevista política em época de eleição. Segundo Ephraim, era algo mais livre, diferente de hoje que o entrevistador precisa estar atento às exigências da justiça eleitoral.

Emissora recebeu artistas como Jorge Goulart, Nora Ney e Sivuca (Foto: Toshikazu Takahashi)

Emissora recebeu artistas como Jorge Goulart, Nora Ney e Sivuca (Foto: Toshikazu Takahashi)

“Atualmente, você corre muitos riscos quando entrevista uma autoridade política. Só tem liberdade se for falar com suspeito de crimes, daí é costumeiro o repórter fazer a típica escarrada de besteiras que vemos por aí. É triste ver como temos tanto lixo na radiodifusão brasileira”, critica o empresário que em algumas situações perdeu boas entrevistas por causa da falta de energia. Às vezes, o gravador parava de funcionar de repente.

Uma das linhas da Rádio Cultura, fundada pelo pioneiro, chegava até a sede do Atlético Clube Paranavaí (ACP), atual Praça dos Pioneiros. A fiação foi feita por Ephraim Machado que a ligava a um amplificador chamado de “maleta”, uma espécie de base do famoso microfone de fio comprimido. “Quando era ao vivo, a gente sempre preferia fazer tudo no estúdio, por questão de segurança”, pondera.

O primeiro operador de rádio amador de Paranavaí

O pioneiro Ephraim Machado foi o primeiro operador de rádio amador de Paranavaí. No final dos anos 1940, se comunicava até com pessoas do Rio Grande do Sul. Muita gente o procurava para dar recados aos parentes que viviam em outras cidades e estados. “Repassava mais notícias de falecimentos e de necessidades primárias da população. Era um serviço em prol da coletividade. Perdi as contas de quantas vezes saí de Paranavaí para levar recado em Paraíso do Norte, São João do Caiuá, Planaltina do Paraná, Amaporã, Tamboara, Alto Paraná e outras localidades”, afirma.

Machado considera o rádio amador um veículo que ajudou o interior do Brasil antes da implantação do telefone. Muitas vidas foram salvas graças ao aparelho. “Meu principal sinal vinha de uma empresa cafeeira que se comunicava com os portos de Paranaguá e Santos. Servi Paranavaí por muitos anos nessas condições”, garante. O pioneiro também se recorda de um rapaz que no final da década de 1940 trabalhava como rádio telegrafista na colônia, a serviço de uma companhia de terras.

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Fique em paz, meu amigo Baton

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Uma homenagem ao meu amigo e ex-presidente da torcida Caldeirão Atleticano

Foto: Arquivo Pessoal

No dia 4 de fevereiro de 2012, sábado, um faleceu em Paranavaí, no Noroeste do Paraná, o ex-presidente da torcida organizada Caldeirão Atleticano, Anderson Souto, o Baton, vítima de um acidente vascular cerebral (AVC) hemorrágico. O enterro realizado em um domingo reuniu muitas pessoas, entre amigos, familiares, colegas de trabalho e torcedores do Atlético Clube Paranavaí (ACP).

Em sua homenagem, decidi escrever algo que foge do padrão de uma matéria, se aproximando mais de um relato pessoal, das impressões e experiências que tive ao longo de 12 anos como amigo do Anderson, uma pessoa que ao longo da curta vida se tornou muito conhecido, embora poucos o conhecessem bem.

Fui apresentado ao Baton em 2000, quando ele já tinha amizade com o meu irmão mais velho, Douglas, com quem estudou no Ensino Médio. Frequentava a nossa casa regularmente; era muito brincalhão, em diversos momentos beirando a inocência, o que facilitava a conquista de novos amigos. Tinha uma vida pautada pela música, tanto é que muitas das camisetas usadas no dia a dia traziam estampas com logos e desenhos de bandas de rock e heavy metal. Gostava muito de cultivar um visual que exteriorizasse suas preferências culturais.

À época, tínhamos uma turma que se reunia com certa frequência para ouvir música e conversar sobre o assunto, além de outros temas. Eram momentos de descontração, mas que faziam a diferença na vida de todos. Saíamos para comprar discos e depois emprestávamos uns aos outros para fazer cópias em fitas cassete. A banda preferida do Baton, com certeza, era o Iron Maiden, inclusive foi o maior fã que já conheci. E acredito que um dos momentos mais inesquecíveis de sua vida foi assistir Bruce Dickinson e companhia no Rock in Rio de 2001. Tinha a discografia completa, e lembro como se fosse hoje quando peguei todos os seus discos emprestados para tirar cópias.

Sempre que vinha em casa e entrava no meu quarto, ele gostava de mexer na minha coleção de filmes. Ficava um bom tempo entretido, e não saía daqui sem levar algum título que depois devolvia com um pequeno sinal de X feito à caneta. Eu brincava dizendo ao Baton que estava estragando meu acervo. Respondia rindo: “É só pra eu saber depois quais filmes já assisti, e não pegar repetido.”

Também não foram poucas as vezes que o Anderson nos visitou para assistir o Fúria MTV transmitido aos domingos, dedicado aos clássicos e lançamentos do mundo do heavy metal. Quando ele e os outros perdiam o programa, eu e meu irmão emprestávamos as gravações feitas em VHS. Passávamos horas assistindo videoclipes – era um vício saudável. A música contagiava tanto que em um prédio comercial ao lado de casa nasceu a banda TomBaDo, formada pelo vocalista Baton, o guitarrista Douglas, o baixista Tom e o baterista Adriano que faziam releituras de muitos clássicos do rock, mas ganharam mais popularidade tocando covers da banda de rock cristão The Flanders.

Foto: Arquivo Pessoal

De vez em quando o Anderson me chamava para ir até a casa dele formatar o disco rígido. Naquele período, eu e meu irmão éramos os “formatadores” voluntários oficiais da turma. Em paralelo, muita conversa, lanches e música – praticamente, a base da amizade. Não é difícil lembrar do Baton sorrindo, era quase como uma caricatura animada. Transmitia alegria até quando não se sentia muito bem – sua maneira peculiar de enfrentar os problemas. Brincava muito e gostava de fazer piadas. Só que também era muito sincero, tinha uma personalidade forte, não se privando de emitir opiniões, mesmo que contrárias aos demais. Chegou a ter alguns conflitos até com amigos. Entretanto, sempre era algo passageiro, predominando uma relação de respeito.

Baton era do tipo que não simplesmente ouvia música, também colecionava muitas revistas sobre o assunto. Gostava de adquirir conhecimento; isso o enchia de satisfação e representava consideração e respeito aos gêneros e bandas preferidos, algo de que se orgulhava. Também era aberto a outros estilos musicais, achava importante ter um constante aprendizado sobre a arte, indo além da obviedade. Adorava ir a shows e alguns assistimos juntos. Irradiava contentamento quando ficava em meio a tanta gente com afinidades semelhantes. Para ele, uma forte sensação de lar.

Com relação ao Atlético Clube Paranavaí (ACP), Anderson Souto foi um dos torcedores que injetou ânimo nos frequentadores do Estádio Waldemiro Wagner. Onde o time ia, lá estava o presidente da Caldeirão Atleticano que não se mantinha quieto por nenhum minuto, como se empurrar o clube e estimular a torcida fosse sua missão em cada partida. Não se importava em tirar dinheiro do bolso para investir na Caldeirão. Se destacava também por acompanhar o Atlético em todos os jogos, locais ou fora.

Foto: Arquivo Pessoal

Me recordo de algumas partidas há alguns anos com o estádio relativamente vazio e o Baton na arquibancada, tendo a frente a faixa da torcida. Pulava e balançava uma bandeira já desgastada pelo tempo e por tantas lavagens. Desconheço alguém que amasse tanto o Vermelhinho quanto o Anderson. Ele saiu muitas vezes do estádio resfolegando e sem voz, de tanto gritar. Vivia cada momento do jogo na plenitude. Dava risadas, gargalhava, fazia caretas, se irritava, xingava, enfim, transmitia vida nas suas mais variadas formas.

Em 2007, quando eu trabalhava no jornal “O Diário do Norte do Paraná”, de Maringá, fiz uma matéria sobre a campanha do Paranavaí e a Torcida Caldeirão. Naquele dia, Anderson me disse que a campanha toda do Vermelhinho em 2003 não foi tão empolgante quanto a vitória de 2 x 1 sobre o Atlético Paranaense no dia 7 de fevereiro, referindo-se ao fato do ACP não vencer o Furacão desde os anos 1990. Reclamava muito do despreparo da arbitragem paranaense e também do afobamento dos jogadores do Paranavaí que em certas temporadas entravam em campo de forma muito agressiva, comprometendo a formação do time.

Quem imaginaria, meu amigo, que você morreria de forma tão precoce, aos 29 anos, deixando a esposa e um filho de três anos, o Derrick, a sua própria extensão que já nasceu homenageando o vocalista de uma banda de thrash metal que você tanto admirava – Sepultura. Devo dizer que eu, assim como outros, não tinha mais tanto contato com você.  Surgiram mais responsabilidades e cada um teve de seguir um novo caminho. Entretanto, o carinho, respeito e admiração sobrevivem. O que marca as nossas vidas são justamente aquelas memórias inesquecíveis e indeléveis que carregamos para todos os lugares, sejam materiais e imateriais. Sua existência será eternizada através de todos aqueles que o amam, respeitam e admiram.

Vídeo de um dos primeiros ensaios da banda TonBaDo

O agrimensor que se elegeu prefeito

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Ulisses Faria Bandeira venceu a eleição municipal de 1956

Bandeira se mudou para Paranavaí em 1944 (Foto: Reprodução)

O agrimensor Ulisses Faria Bandeira conheceu Paranavaí, no Noroeste do Paraná, em 1939, mas fixou residência alguns anos depois. Foi o primeiro morador a se casar na colônia. Em 1956, se elegeu prefeito e viveu em Paranavaí até os últimos dias de vida.

Ulisses Faria, que nasceu em São Mateus do Sul, no Sudeste Paranaense, se mudou para Londrina aos 17 anos, em 1938, após aceitar um convite do tio Francisco de Almeida Faria para trabalhar na 4ª Inspetoria de Terras do Estado do Paraná.

Bandeira se dedicou muito ao trabalho e logo se tornou o braço direito de Francisco de Almeida, diretor da inspetoria. O ofício, Ulisses aprendeu rápido, e em 1939 foi um dos ilustres convidados a participar da viagem de inauguração da linha Londrina-Fazenda Brasileira, da Viação Garcia.

Em 1942, aos 21 anos, Bandeira retornou à Brasileira, encarregado de demarcar algumas vias. Ao final do trabalho, o agrimensor voltou para Londrina. A oportunidade para fixar residência na futura Paranavaí surgiu em 1944, quando Ulisses Faria assumiu o cargo de diretor da Inspetoria de Terras do Estado, escritório regional de Paranavaí.

Bandeira definitivamente adotou a Brasileira como lar, tanto que em 11 de maio de 1949 se casou com uma moradora local, Balbina Guilherme de Aguiar. Foi o primeiro casamento de Paranavaí. “Naquele tempo, uma das maiores colônias que havia na Brasileira era a Colônia Nº 2, onde é hoje o Jardim Ouro Branco”, relatou Ulisses Faria ao jornalista Saul Bogoni há algumas décadas.

Ex-prefeito era jogador do Atlético Clube Paranavaí (ACP) (Foto: Reprodução)

Quando questionado sobre os primeiros pioneiros de Paranavaí, o agrimensor sempre citava a Família Fabrício, José Firmino, Frutuoso Joaquim de Salles, João Clariano e Telmo Ribeiro. “Todos esses eram da época da [Companhia Brasileira de Viação e Comércio] Braviaco”, garantiu o pioneiro.

O prestígio do inspetor de terras junto à população era tão grande que Bandeira foi estimulado a disputar as eleições municipais de 18 de novembro de 1956, concorrendo ao cargo de prefeito. Obteve 4071 votos contra 4029 de Herculano Rubim Toledo. “Foi uma campanha pesada e acirrada”, admitiu.

O agrimensor foi o segundo prefeito de Paranavaí, sucedendo o médico José Vaz de Carvalho. Naquele ano, assumiram como vereadores Aldo Silva, Francisco Rodrigues Ruiz, Gustavo Marques de Oliveira, José Vaz de Carvalho, José de Souza Leite, José Vendolino Schueroff, Minoru Imoto, Nelson Busato dos Santos, Osvaldo Madalozzo e Vivaldo Oliveira. Aldo, Gustavo, José de Souza e Vivaldo já ocupavam cargo na Câmara Municipal, pois foram eleitos em 1952.

Ulisses Faria Bandeira conquistou muita popularidade pelo hábito de interagir com os moradores, principalmente nos finais de semana quando participava de partidas de futebol no antigo Estádio Natal Francisco, localizado onde é hoje a Praça dos Pioneiros. “Joguei de ponta-direita no Atlético Clube Paranavaí (ACP). Eu não era um bom jogador, apenas razoável”, revelou Bandeira que viveu em Paranavaí até os últimos dias de vida.

Saiba Mais

Ulisses Faria Bandeira nasceu em 24 de março de 1921.

Um sonho de futebol

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Natal Francisco, o pioneiro que sempre acreditou no futebol local

Fundado em 1946, o Atlético Clube Paranavaí não existia sem o empenho de Natal Francisco (Foto: Reprodução)

Fundado em 1946, o Atlético Clube Paranavaí não existiria sem o empenho de Natal Francisco (Foto: Reprodução)

Há poucos jovens em Paranavaí, no Noroeste do Paraná, que já ouviram falar em Natal Francisco, o pioneiro a quem o Atlético Clube Paranavaí (ACP) deve muito. Francisco foi o responsável pela construção do primeiro estádio de futebol da cidade, uma conquista altruísta numa época de sonhos coletivos.

O pioneiro paulista Natal Francisco veio para a região Noroeste do Paraná pela primeira vez acompanhado do irmão José Francisco. Saíram de Presidente Prudente, interior de São Paulo, com a intenção de conhecer a tão falada Fazenda Brasileira, atual Paranavaí. Logo de cara, não acharam o lugar receptivo, então ficaram aqui oito dias e retornaram ao interior paulista. Em 1944, Natal Francisco voltou com a família e fixou residência em Paranavaí.

Apaixonado por futebol, a primeira iniciativa do pioneiro quando se mudou para cá foi conversar com o administrador geral da colônia, Hugo Doubek, sobre a possibilidade de conseguir um terreno para a criação de um campo de futebol. “O Hugo autorizou que eu abrisse uma picada até onde achasse melhor, a partir daí um engenheiro iria demarcar a área e entregar o terreno”, explicou o sapateiro Natal Francisco em entrevista à Prefeitura de Paranavaí décadas atrás.

Francisco escolheu um espaço onde é atualmente a Praça dos Pioneiros. Lá, mediu com os passos uma área de 280 por 200 metros quadrados. “Então fui pra Curitiba conversar com o governador Moisés Lupion. Fiz um requerimento em nome do Atlético Clube Paranavaí (ACP) e falei pra ele que queria o terreno. Mostrei o rascunho do engenheiro com detalhes do campo oficial para os jogos profissionais, um campinho para a rapaziada, uma piscina e a sede”, relatou.

Lupion então concedeu o terreno a Natal Francisco para a construção do primeiro estádio local. Empolgado, o pioneiro fez um acordo com o marceneiro José Ebiner que ajudou fornecendo madeiras a preço de custo. “Também contamos com a ajuda de alguns paraguaios. Eles quem transportavam e escolhiam as melhores peças para fazer as tábuas e as balaustres”, revelou Francisco.

Sapateiro foi o responsável pela construção do primeiro estádio do ACP (Foto: Reprodução)

Todo mundo ajudou na construção

Quando aparecia algum caminhão na colônia, o sapateiro pedia para ajudarem a transportar as toras até a serraria de Ebiner, acelerando o trabalho. “Em troca disso, a gente pagava as despesas do caminhão”, enfatizou o pioneiro, acrescentando que todo mundo participou da construção do estádio.

Sob comando do sapateiro, o campo, que anos mais tarde recebeu o nome de Estádio Municipal Natal Francisco, não demorou para ficar pronto. O próprio pioneiro cercou o campo com balaustres e construiu a sede quando não estava trabalhando na sapataria que tinha na esquina da Rua Getúlio Vargas com a Rua Minas Gerais.

Pela construção do estádio, o sapateiro apaixonado por futebol e por Paranavaí desde os tempos de Fazenda Brasileira nunca recebeu nada, a não ser a satisfação de admirar a sua criação e também ver a alegria de tantas pessoas que tinham como único lazer os jogos do Atlético Clube Paranavaí (ACP).

“Quantos não riram e choraram durante os jogos oficiais do ACP naquele estádio que ficava na Praça dos Pioneiros? A gente deve isso ao Natal Francisco, homem que criou um estádio com as próprias mãos, coisa que não existe hoje em dia”, comentou o pioneiro cearense João Mariano que atribui a existência e longevidade do Atlético Paranavaí ao sapateiro.

Muitos pioneiros destacam que o surgimento do primeiro campo oficial de futebol aproximou mais a população e também ajudou a superar os momentos de dificuldade. “Tinha gente que ficava a semana toda na expectativa de assistir a um jogo, isso animava mesmo as pessoas”, assegurou Mariano. Para o pioneiro mineiro José Antonio Gonçalves, Natal Francisco não teve o devido reconhecimento. “Ele foi um homem que deu tanto por Paranavaí. Hoje é praticamente esquecido”, reclamou Gonçalves.

Três mil réis em troca do terreno do estádio

Antes de construir o estádio de futebol na década de 1940, logo após a aquisição do terreno, o sapateiro Natal Francisco foi coagido por um morador local que tinha outros planos para o lugar. “O cara me ofereceu três mil réis em troca do terreno. Eu não aceitei porque já tinha feito a doação ao povo, era uma homenagem a eles. O indivíduo disse que nunca viu um sujeito bobo igual a mim que precisa de dinheiro e não aceita uma boa proposta”, declarou.

Em réplica ao homem, o sapateiro declarou que ganhava o suficiente para o sustento da família e ainda rebateu que a colônia cresceria muito. Irritado, o sujeito se comprometeu a ir até Curitiba fazer o possível para comprar pelo menos metade do terreno. À época, Natal Francisco ficou preocupado e decidiu ir até a capital com o seu Ford 29, movido a gasogênio.

“Meti uma muda de roupa dentro do carrinho e disse pra minha mulher que iria resolver a situação. Cheguei lá num dia pela manhã. Fui ao palácio do governo, mas o guarda não me deixou entrar”, confidenciou o pioneiro que gastou dinheiro do próprio bolso na viagem que durou dias por causa da precariedade das estradas.

Francisco insistiu para que o homem lhe fizesse um favor. “Pedi ao guarda para dizer ao governador que o Natal Francisco, de Paranavaí, precisava muito falar com ele”, lembrou. Dado o recado, sem demora, Moisés Lupion que estava dormindo se levantou e ainda de pijama foi atender o sapateiro. Lupion o convidou para entrar e tomar café. A obstinação do pioneiro chamou a atenção do governador que o qualificou como “um sujeito cem por cento”.

“Falou que se alguém tivesse a capacidade de ir a Curitiba para pegar um palmo daquela terra bastaria entregar a ele o nome da pessoa”, enfatizou. Ao final da conversa, Moisés Lupion afirmou que a terra já era do sapateiro e ainda garantiu a ele que dois dias após aquele encontro o título da terra estaria na colônia. Foi exatamente o que aconteceu.

Saiba Mais

Em 1961, o presidente do Atlético Clube Paranavaí (ACP), Waldemiro Wagner, construiu as arquibancadas do Estádio Natal Francisco e também o cercou com alambrado.

Na década de 1970, o Estádio Municipal Natal Francisco foi transferido para o Sumaré, distrito de Paranavaí.

Frase do pioneiro João da Silva Franco

“A única diversão daqui era o futebol. O campo de futebol foi feito pelo braço do povo”.