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70 anos depois, episódio vira documentário em Paranavaí
No dia 23 de novembro de 1949, um avião Douglas DC-4, da Transocean Air Lines (EUA), perdeu a rota com destino a Asunción, no Paraguai, e teve de fazer um pouso forçado em Paranavaí, no Noroeste do Paraná. A aeronave norte-americana em missão humanitária da ONU transportava 74 passageiros mongóis e oito tripulantes estadunidenses.
Sob o comando do piloto Harvey Rogers e do navegador John Roenninger, o objetivo era cruzar o Oceano Pacífico, levando refugiados para recomeçarem suas vidas na América do Sul, livres da perseguição política e das graves dificuldades econômicas em sua terra natal.
Naquele dia estava começando a anoitecer quando alguns moradores viram um avião de grandes proporções cruzando o céu de Paranavaí, perdido em decorrência da pouca visibilidade e ansiando por uma pista de pouso.
Esse episódio é tema do documentário “Paranavaí 1949: Douglas DC-4”, lançado nesta sexta-feira (22) pelo jornalista David Arioch no canal Colônia Paranavaí no YouTube. A data antecede os 70 anos da passagem do avião por Paranavaí, celebrada no sábado (23).
Com duração de 11 minutos, o filme traz relatos de quem testemunhou a chegada do Douglas DC-4 e acompanhou de perto toda a movimentação envolvendo o acontecimento que foi considerado o mais importante de 1949 em Paranavaí, quando ainda era distrito de Mandaguari.
Entre os entrevistados estão Pedro Carvalho, Ephraim Machado, Ivan Botelho, Persiliana Domingos, Joseplinia Domingos e Clara Francisco. David Arioch, que em 2011 teve o seu trabalho sobre a colonização de Paranavaí premiado pelo Instituto Histórico e Geográfico do Paraná (IHGPR), assina o roteiro, direção e edição. Já o cinegrafismo é de Amauri Martineli, fotógrafo, ator e produtor cultural.
O projeto é realizado pela Prefeitura Municipal de Paranavaí, Fundação Cultural e Conselho Municipal de Política Cultural e foi aprovado pela Lei Municipal de Incentivo à Cultura e está sendo financiado com recurso público oriundo do Edital de Apoio à Cultura 001/2019 – Fundo Municipal de Cultura de Paranavaí.
Alegria e sofrimento na era de ouro do rádio
Ephraim Machado: “A gente tocava tudo com motor e bateria de carro”
O pioneiro e empresário Ephraim Marques Machado chegou a Paranavaí, no Noroeste Paranaense, em 1948, pouco tempo depois que seu pai, agente fiscal do Governo do Paraná, foi enviado para instalar a Coletoria Estadual. Admite que no primeiro momento não gostou do que viu na colônia, então retornou para Londrina, onde morava com o tio Odinot Machado, homenageado com um nome de rua em Paranavaí. “Fiquei lá uns seis meses e meu pai insistiu outra vez. Disse que estava muito bom aqui, então voltei”, relata.
A princípio, Machado iria apenas ajudar o pai, mas dois meses depois decidiu investir em um serviço de alto-falantes. “Eu já queria conquistar a minha independência”, conta o pioneiro que nasceu em Castro, na região de Ponta Grossa, no Centro Oriental Paranaense. No final de 1948, Ephraim circulava pela cidade com um microfone e uma caixa amplificadora. Até hoje, lembra como as “vozes saíam por cima”. A sede da modesta rede de comunicação de Machado ficava em frente à Banca do Wiegando, na Rua Marechal Cândido Rondon, de onde administrava os dez alto-falantes espalhados em pontos estratégicos da cidade.
Algumas caixas podiam ser vistas perto do antigo Terminal Rodoviário e outras onde é hoje a Academia Unimed, na Avenida Distrito Federal. Quando o pioneiro anunciava algo em uma caixa, a mesma mensagem era reproduzida em todas as outras. “Foi assim até 1956, quando coloquei a Rádio Cultura no ar, um trabalho iniciado em 1950. Contratava gente da cidade e de fora, o que aparecesse”, explica. A sede da emissora na Rua Getúlio Vargas no cruzamento com a Rua Minas Gerais, onde era a Loja Ipiranga, chegou a ter três andares, dois construídos por Machado e um por Luiz Ambrósio.
Como a maior parte da população não tinha televisor e o cinema abria as portas somente aos sábados e domingos, o pioneiro cativava a comunidade com os programas de auditório. “Sempre aproveitava para levar ao Aeroclube [atual tênis Clube – em frente ao Ginásio Lacerdinha] os artistas que se apresentavam na rádio. Então o povo tinha a chance de assistir shows do Jorge Goulart, Nora Ney, Mestre Sivuca, Orquestra Casino de Sevilla e muitos outros”, cita.
No começo, o empresário tinha uma equipe de oito profissionais. Do total, cinco eram locutores. Quem chefiava a redação era o jornalista Ivo Cardoso, mas as notícias eram apresentadas por Jackson Franzoni e Evaldo Galindo. Havia muitos colaboradores, o que fazia a diferença quando surgiam problemas técnicos. “O equipamento de transmissão não era tão caro. O difícil era fazer o aparelho funcionar numa época sem energia elétrica. A gente tocava a rádio com motor e bateria de carro. Tudo era grande, até o gravador”, destaca.
Os problemas de transmissão eram frequentes, pois nem sempre o gerador de energia funcionava como o esperado. Às vezes, a rádio ficava dias fora do ar, um sofrimento inevitável. “Quando surgiu a primeira instalação elétrica, tive que puxar uma fiação de mais de um quilômetro de distância. Começava em uma chácara pra lá da Avenida Tancredo Neves e tinha que trazer por trás da Igreja São Sebastião”, conta o homem que trouxe a Paranavaí os mais diversos tipos de geradores de energia. O melhor funcionou bem por apenas seis meses.
No Brasil da época, pouco se ouvia falar em equipamentos de qualidade. A solução era importar quase tudo, inclusive gravadores, um privilégio para poucas emissoras do Norte do Paraná. Certa vez, o pioneiro fez a transmissão de uma eleição de Mandaguari, de quem Paranavaí ainda era distrito. Na ocasião, pediu emprestado um cabo de comunicação da Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP). Infelizmente, de Alto Paraná até Paranavaí não se ouvia praticamente nada por causa da chiadeira.
Ephraim Machado considera os anos 1950 e 1960 como os melhores do rádio local e regional. A justificativa é que naquele tempo o espectro não era tão carregado. “Depois de alguns anos, melhorou bem. Conseguíamos falar até com pessoas de Santa Isabel do Ivaí e Porto São José. Hoje, a rádio AM não atinge esses lugares com a mesma potência. Só se for FM. Há muita interferência de sinais de TV, comunicação amadora, etc. Não temos mais o espectro livre”, frisa. Até o final da década de 1950, pelo menos 50% da população de Paranavaí já possuía um aparelho de rádio em casa.
Para Machado, o rádio começou a se popularizar no Brasil em 1942 e só em 1954 deu um grande salto, liderando a comunicação de massa no país. A chegada da Companhia Paranaense de Energia (Copel) fez a diferença na cultura radiofônica local a partir de 1964. “Em 1962, vinha uma sobra de energia de Maringá que durava das 20h às 6h. Era limitada, mas melhor que nada”, avalia.
As instabilidades do rádio em Paranavaí surgiram nos anos 1970, exigindo melhores estratégias dos comunicadores e empresários para manterem-se no ramo. Ephraim Machado perseverou e ainda montou a Rádio Caiuá FM em 1980, emissora que começou a operar em 1984. Como a realidade já era bem diferente e o empresário contava com mais recursos, trouxe a Paranavaí os equipamentos mais sofisticados.
“Subia em postes, puxava fio, consertava aparelho, motor e microfone…”
O pioneiro Ephraim Machado começou a trabalhar com radiodifusão aos dez anos. A primeira função foi de trocador de discos. Anos mais tarde, quando surgiu a oportunidade de montar uma emissora, aprendeu a fazer de tudo. “Subia em postes, puxava fio, consertava aparelho, motor e microfone. Mexia no estúdio cortando som e reformava a acústica para dar mais eco. Fui até faxineiro e transportador de óleo. Minhas lembranças são boas porque passei por todos os setores”, relata o pioneiro que fazia questão de ocupar o tempo livre com trabalho.
Machado fala com preciosismo dos tempos de repórter, quando entrevistou os governadores Moisés Lupion e Bento Munhoz da Rocha Neto, além do presidente Juscelino Kubitschek. Embora só fosse para as ruas quando faltava algum repórter, o pioneiro adorava fazer entrevista política em época de eleição. Segundo Ephraim, era algo mais livre, diferente de hoje que o entrevistador precisa estar atento às exigências da justiça eleitoral.
“Atualmente, você corre muitos riscos quando entrevista uma autoridade política. Só tem liberdade se for falar com suspeito de crimes, daí é costumeiro o repórter fazer a típica escarrada de besteiras que vemos por aí. É triste ver como temos tanto lixo na radiodifusão brasileira”, critica o empresário que em algumas situações perdeu boas entrevistas por causa da falta de energia. Às vezes, o gravador parava de funcionar de repente.
Uma das linhas da Rádio Cultura, fundada pelo pioneiro, chegava até a sede do Atlético Clube Paranavaí (ACP), atual Praça dos Pioneiros. A fiação foi feita por Ephraim Machado que a ligava a um amplificador chamado de “maleta”, uma espécie de base do famoso microfone de fio comprimido. “Quando era ao vivo, a gente sempre preferia fazer tudo no estúdio, por questão de segurança”, pondera.
O primeiro operador de rádio amador de Paranavaí
O pioneiro Ephraim Machado foi o primeiro operador de rádio amador de Paranavaí. No final dos anos 1940, se comunicava até com pessoas do Rio Grande do Sul. Muita gente o procurava para dar recados aos parentes que viviam em outras cidades e estados. “Repassava mais notícias de falecimentos e de necessidades primárias da população. Era um serviço em prol da coletividade. Perdi as contas de quantas vezes saí de Paranavaí para levar recado em Paraíso do Norte, São João do Caiuá, Planaltina do Paraná, Amaporã, Tamboara, Alto Paraná e outras localidades”, afirma.
Machado considera o rádio amador um veículo que ajudou o interior do Brasil antes da implantação do telefone. Muitas vidas foram salvas graças ao aparelho. “Meu principal sinal vinha de uma empresa cafeeira que se comunicava com os portos de Paranaguá e Santos. Servi Paranavaí por muitos anos nessas condições”, garante. O pioneiro também se recorda de um rapaz que no final da década de 1940 trabalhava como rádio telegrafista na colônia, a serviço de uma companhia de terras.
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Venda de lotes urbanos era lucro garantido
Imóveis bem localizados não requeriam grande investimento
Na região de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, nas décadas de 1940 e 1950, em função das despesas com benfeitorias, colonizadoras não lucravam com a venda de propriedades rurais, mas sim com a comercialização de lotes urbanos que eram mais valorizados e não requeriam grande investimento.
Para investir nas áreas mais povoadas, as companhias de colonização faziam antes um estudo de viabilidade econômica. A iniciativa ia ao encontro da difícil realidade da época, a de que o progresso não teria como se estender a todas as regiões. Por isso, os primeiros colonizadores estabeleceram prioridades e desistiram de povoar muitas localidades.
Um exemplo foi o trabalho desempenhado pelo pioneiro Carlos Antônio Franchello que mais tarde fundou o município de Querência do Norte. Franchello comprou 15 mil alqueires de terras na região de Paranavaí, no entanto investiu somente em parte das propriedades. As áreas mais ermas, o pioneiro dividiu em lotes de dez alqueires que receberam a denominação de colônia e os vendeu por preços que cobriam as despesas com desmatamento e demarcação.
As colônias eram comercializadas por 30 mil cruzeiros e cada família podia adquirir até quatro, segundo informações do livro “História de Paranavaí”, do escritor Paulo Marcelo Soares da Silva. As companhias de terras consideravam o preço simbólico, pois um pequeno lote em área urbana não custava menos de 20 mil cruzeiros por estar bem situado e contar com uma razoável infraestrutura.
“Algumas companhias tinham boa influência e eram muito espertas, faziam propagandas pelo Brasil afora com promessas de escola, farmácia e comércio. Certos recursos já existiam na cidade ou no povoado antes da companhia aparecer”, afirmou o pioneiro gaúcho João Alegrino de Souza, acrescentando que a mobilização da comunidade fazia a diferença se tratando de progresso. Em contraponto, o pioneiro catarinense José Matias Alencar declarou que havia colonizadoras em Paranavaí que realmente investiam e se empenhavam para levar qualidade de vida à população e não simplesmente lucrar com a venda de terrenos.
Outro fato interessante sobre essa etapa da história local é que apesar da desvalorização dos imóveis rurais se comparado aos urbanos, ainda assim as colonizadoras levavam vantagem nas negociações de propriedades do campo, pois não era firmado nenhum compromisso de investimento em recursos de necessidade básica como captação de água e energia elétrica. Quem comprava uma grande propriedade rural já assumia a responsabilidade pelo desenvolvimento do local, caso quisesse transformá-lo em um núcleo urbano.
“Na maioria das glebas a terra não era cara, mas o problema é que dependendo da localização nem adiantava esperar o progresso. Tem gente que passou a vida toda morando em área rural esperando que o lugar fosse no mínimo transformado em distrito e isso nunca aconteceu”, comentou o pioneiro cearense João Mariano.
Em depoimento no livro “História de Paranavaí”, Carlos Franchello afirmou que os lotes urbanos mais acessíveis da Colônia Paranavaí eram vendidos na Gleba 27-A, atual Querência do Norte, onde um terreno podia ser comprado por 145 cruzeiros ao mês. Nos anos 1950, o objetivo da companhia de terras de Franchello era atrair principalmente agricultores gaúchos e catarinenses, famílias interessadas no solo virgem do Noroeste Paranaense.
Quando Paranavaí superou Maringá
Paranavaí quase se tornou a “terceira capital do Paraná”
A partir de 1946, a colonização na região de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, ganhou tanta força que anos depois superou as regiões de Maringá e Umuarama. À época, o que contribuiu para o desenvolvimento local foi o trabalho das colonizadoras de capital privado.
Hoje em dia, o que a população mais jovem de Paranavaí não sabe é que a cidade já foi um dos destaques do Paraná, se tratando de povoamento e desenvolvimento. De acordo com dados do Instituto Ambiental do Paraná (IAP), a região de Paranavaí somou 90 milhões de pés de café antes do final da década de 1950, uma marca que deu visibilidade nacional ao Noroeste Paranaense.
Tudo começou nos anos 1930, quando a Companhia Brasileira de Viação e Comércio (Braviaco) teve a concessão das terras de Paranavaí revogada pelo Governo Getúlio Vargas. Naquele tempo, muitos investidores se interessaram pela região considerada ideal para a cafeicultura em função das grandes áreas de solo virgem. Um dos colonizadores que apostou no progresso do Noroeste do Paraná foi o engenheiro Francisco Beltrão, da Sociedade Técnica Engenheiro Beltrão, que começou a comercializar lotes da Colônia Paranavaí em 1946.
O interesse de Beltrão pela região surgiu bem antes, no final da década de 1930, porém, só recebeu o aval do Ministério da Justiça em 14 de dezembro de 1943. Depois ainda teve de aguardar a expedição do título de propriedade liberado pelo Ministério da Agricultura em junho de 1946, segundo informações do livro “História de Paranavaí”, do escritor Paulo Marcelo Soares da Silva.
Todos os documentos diziam respeito a compra de 17 mil hectares de terras que até então pertenciam ao Governo Federal em área próxima as propriedades da Companhia Norte do Paraná. Boa parte das posses do engenheiro na região de Paranavaí se situava em áreas que mais tarde se tornariam o município de Tamboara, Seara, Suruquá e Anhumaí.
Na década de 1950, foi a vez de pioneiros como Carlos Antônio Franchello e Enio Pipino, da Sociedade Imobiliária Noroeste do Paraná (Sinop), apostarem no progresso da região de Paranavaí. Franchello investiu na Gleba 27-A, da Colônia Paranavaí, que se tornaria Querência do Norte, e Pipino no povoado que deu origem a Terra Rica. Na região, as colonizadoras se comprometiam a elevar a economia, proporcionar mais qualidade de vida e de sociabilidade, além das promessas de construção de escolas, unidades de saúde, igrejas e melhores vias de acesso e tráfego.
As campanhas publicitárias veiculadas por todo o Brasil, mas principalmente em cidades do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, surtiram tanto efeito que em Paranavaí foram vendidos milhares de imóveis entre lotes urbanos, chácaras e sítios. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), isso justificou os 307 mil habitantes da região de Paranavaí em 1960. “A terra era barata e os lotes rurais eram grandes, então todo mundo que vinha pra Paranavaí ou trazia dinheiro para comprar um imóvel ou logo arrumava um serviço pra adquirir uma propriedade o mais rápido possível”, comentou o pioneiro catarinense José Matias Alencar, complementando que parecia a “Corrida do ouro na Califórnia”, tão grande era o fluxo de pessoas na cidade.
Muitos moradores diziam que Paranavaí tinha tudo para ser a “terceira capital do Paraná”, logo atrás de Curitiba e Londrina. Os habitantes se baseavam no fato de que a região de Maringá somava 237 mil habitantes e a de Umuarama cerca de 253 mil, conforme registros do IBGE. Em 1960, com exceção de Curitiba, se tratando de desenvolvimento, Paranavaí só perdeu para a região de Londrina que chegou aos 600 mil moradores.
Curiosidade
Até o início da década de 1950, Paranavaí somava 45 mil hectares, subdivididos em Gleba-1, Gleba-2 e Gleba-3.
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A proibição de bebidas alcoólicas em 1927
Quando o álcool foi banido de Paranavaí pela Braviaco
Em 1927, a entrada de bebidas alcoólicas foi proibida na Vila Montoya, atual Paranavaí, no Noroeste do Paraná, medida que foi mantida até 1930, ano em que a concessão da Companhia Brasileira de Viação e Comércio (Braviaco), subsidiária da Brazil Railway Company, foi revogada pelo presidente Getúlio Vargas.
Quando a Braviaco começou a construção de 110 quilômetros de estrada em 1926, ligando as imediações dos rios Pirapó e Paranapanema à fazenda que receberia o nome de Vila Montoya, os diretores da Braviaco, Geraldo Rocha e Landulfo Alves, foram informados que muitos de seus trabalhadores tinham o costume de consumir bebidas alcoólicas todos os dias. Por isso, tomaram a decisão de impor uma lei baseada na palavra para impedir a entrada de álcool na região de Paranavaí. Quem fosse flagrado bebendo era despejado e mandado embora.
A iniciativa foi colocada em prática em 1927, quando cerca de seis mil pessoas, somando centenas de famílias, viviam na colônia, em áreas que hoje pertencem ao Jardim Ipê, Jardim Iguaçu e Jardim Ouro Branco. A medida que tinha um caráter de “diplomacia rural” não foi bem recebida por todos os migrantes, inclusive alguns optaram por deixar o povoado afirmando que não valia a pena trabalhar em um lugar sem poder pelo menos tomar uma dose de cachaça no fim do dia.
Como havia dezenas de capangas na fazenda, ninguém é capaz de afirmar se aqueles que abandonaram a Vila Montoya chegaram aos seus destinos. “A proibição da entrada de bebidas alcoólicas na região foi uma providência salutar”, disse o engenheiro agrônomo Joaquim da Rocha Medeiros em entrevista à Prefeitura de Paranavaí décadas atrás. Medeiros era funcionário da Braviavo e coordenava o trabalho da companhia na região.
“O veto não atrapalhou muito, mas teve gente que partiu para outras cidades do Paraná e do interior de São Paulo. Penso que a ideia de proibir o álcool era pra evitar todos os tipos de problemas. Depois de umas pingas, o peão ficava agitado, com o sangue quente e, como a vida já era difícil, qualquer coisinha era motivo pra coçar a mão e arrancar a faca da cintura”, avaliou o pioneiro cearense João Mariano.
A proibição de bebidas alcoólicas em Montoya durou cerca de três anos. Ainda assim, alguns tinham acesso ao álcool. “Como era um produto proibido, saía mais caro, mas a gente sabe que até os jagunços da fazenda davam um jeito de arrumar a bebida para a ‘peãozada’. Claro que não era todo mundo que bebia, mas alguns nem que fosse de vez em quando conseguiam uma pinguinha sim”, enfatizou.
“Quando se aproximou, viu um cadáver apodrecendo”
Como não havia autoridades policiais o suficiente para cuidarem dos seis mil moradores do Distrito de Montoya, a Braviaco costumava intervir, pensando em ações que evitassem conflitos entre os colonos. Nem sempre dava certo, tanto que em 1927, o álcool já havia trazido como consequências muitos desentendimentos e brigas entre os trabalhadores.
“Tinha peão que ia trabalhar alcoolizado, assim arrumava confusão com extrema facilidade. São problemas que já existiam. Para a Braviaco, não era uma questão humana. A maior preocupação era que caso alguns se matassem, isso poderia afetar a produção de café, exigindo novos colonos para substituir os que morriam. É claro que eles não iriam se queixar disso, mas quem viveu aquela época sabia que o que importava pra eles era o lucro”, desabafou Mariano.
Havia três policiais para garantir a segurança dos moradores da Vila Montoya. Eram profissionais que nem sempre iam até as áreas de conflito, mesmo após alguns crimes. De acordo com João Mariano, não foram poucas as mortes em meio aos cafezais. “Tive um compadre que uma vez estava cruzando a roça e sentiu um mau cheiro perto de um pé de café. Quando se aproximou, viu um cadáver apodrecendo embaixo de um monte de folhas e galhos pequenos”, revelou. O homem ficou com medo e não contou nada a ninguém. No dia seguinte, a “consciência pesou” e ele voltou ao mesmo lugar. Para a surpresa do colono, já tinham removido o corpo.
“Como havia uns rastros de sangue no chão, meu compadre foi pedir informação pra polícia, só que como quem não quer nada. Falaram que fazia tempo que não acontecia nenhum crime por essas bandas”, confidenciou o pioneiro João Mariano, denunciando que os policiais contribuíam na ocultação de crimes para não comprometer a imagem da companhia. É importante lembrar que as bebidas alcoólicas foram banidas até 1930, quando a Braviaco teve de se retirar do distrito, sob ordem do presidente Getúlio Vargas que revogou a concessão de terras em represália ao apoio prestado ao político Júlio Prestes.
Saiba Mais
A Vila Montoya pertencia ao município de Tibagi, no Centro Oriental Paranaense.
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A perspectiva alemã sobre Paranavaí
“Havia enormes plantações, prados, pastagens, tudo interrompido por grandes florestas”
O padre provincial alemão Jacobus Beck veio a Paranavaí, no Noroeste do Paraná, em fevereiro de 1952 para conhecer o trabalho do frei Ulrico Goevert, responsável pela Paróquia São Sebastião. Na então colônia, Beck se surpreendeu e se identificou com alguns costumes. No mesmo ano, a experiência de três semanas foi registrada em várias edições da revista alemã Karmelstimmen, de Bamberg, no Estado da Baviera.
A curta passagem de Beck não permitiu que ele aprendesse a língua portuguesa. Por isso, pode-se dizer que o frei alemão está entre os padres germânicos que vieram a Paranavaí nos anos 1950 e não tiveram tempo de ter um profundo contato com a cultura dos moradores da colônia, fossem brasileiros ou estrangeiros. O fato fato foi o diferencial nos artigos publicados na Karmelstimmen, sob o título de “Meine Reise Nach Brasilien“.
Era um sábado, 9 de fevereiro de 1952, quando Jacobus Beck sobrevoou o Noroeste do Paraná. Observou ao longe os campos cortados por imensos rios. “Havia enormes plantações, prados, pastagens, tudo interrompido por grandes florestas. Mas foi só quando estávamos na região de Paranavaí que vi a mata virgem”, afirmou o alemão, acrescentando que tudo era tão belo que dava a impressão de que o céu se curvava diante do avião. Por volta do meio-dia, o padre se deparou com a colônia composta por um sem número de pequenas casas de madeira.
Logo o avião pousou no antigo Aeroporto Edu Chaves, atual Colégio Estadual de Paranavaí (CEP), ladeado por espessa mata primitiva. De lá, Beck pegou uma carona com o frei Ulrico Goevert em um jipe estadunidense. Foram para o centro da colônia, onde viviam mais de cinco mil pessoas. “Não era uma cidade ao modelo europeu com casas de pedras e ruas asfaltadas, mas também não lembrava nossas aldeias. As residências eram bem simples e remetiam às nossas barracas de feira. As vias pareciam os caminhos alemães que davam acesso aos areais”, comentou frei Jacobus.
O que chamou a atenção do alemão na Colônia Paranavaí foi a ordem e a limpeza, além da facilidade em se adquirir bens de consumo. De acordo com Beck, o povoado contava com muitos locais de lazer, carros e caminhões. “Isso já me lembrou a Alemanha, o tráfego dos veículos, os barulhos dos que vinham e dos que iam pelas ruas esburacadas”, frisou, rememorando que em 1952 três novas casas eram construídas por semana em Paranavaí. O padre também percebeu que a agricultura na colônia era voltada principalmente para a produção de café, algodão, arroz e milho.
“A terra de Paranavaí era muito fértil porque o solo era virgem”
Jacobus Beck estranhou o fato de não ter encontrado batata no povoado, um dos principais alimentos da culinária germânica. “Em Paranavaí se consumia a mandioca, uma hortaliça de raiz grossa que tem gosto e uso equivalente ao da batatinha”, avaliou o alemão que se surpreendeu com o tamanho do gado bovino criado na colônia, bem maior do que os animais alemães.
Nas passagens pelos pomares locais, entre as frutas tropicais que Beck experimentou e aprovou estavam banana, abacaxi, limão e figo. “A terra de Paranavaí era muito fértil porque o solo era virgem. Estava sendo trabalhado pelas mãos humanas pela primeira vez, então tinha uma umidade inacreditável. Apesar do calor tropical, chovia muito e acho que a proximidade com muitos rios e riachos ajudava”, enfatizou.
De acordo com o padre, o solo e as condições climáticas eram os principais fatores que atraíam tanta gente a Paranavaí. Havia brasileiros de outras regiões, europeus e japoneses. “Não cheguei a presenciar nenhum caso de racismo. Acho que todos viviam pacificamente”, destacou o frei que estranhou a maneira como a população local o cumprimentou, com abraços e tapas nas costas, embora admitiu que se acostumou.
Na Casa Paroquial, no quarto onde Jacobus Beck foi hospedado, o padre imaginou que encontraria janelas com vidraças e cortinas, ao melhor estilo alemão. “Foi uma procura em vão. Só havia uma grande abertura na parede e que era fechada à noite com janelas feitas de tábuas. Dormia na própria sacristia, com morcegos e camundongos “, ressaltou em tom bem humorado.
A hospitalidade dos moradores estava entre as melhores lembranças do frei. Segundo Beck, o que um tinha dividia com o outro. Além disso, os convidados de uma festa eram sempre tratados com muito carinho e atenção. “É claro que a maioria tinha pouco a oferecer, mas caso o agraciado não aceitasse, isso era entendido como uma ofensa”, observou.
“Ficamos com o jipe quase dependurado em muros de pedras”
À época, os padres eram vistos como autoridades de suma importância, tanto que por onde passavam ficavam rodeados de pessoas, como numa feira, na analogia de Beck ao perceber que a figura do vigário era muito estimada pela população. Até mesmo em casos de dores de dente, as pessoas procuravam o padre para dar uma solução ao problema ou então ofertar uma bênção.
Nas muitas vezes que percorreu as estradas de Paranavaí, achou o trânsito bastante intenso, até mesmo nas estradas por onde jipes e caminhões trafegavam dia e noite. “Isso ocorria porque muita gente era levada para as fazendas na mata virgem”, justificou.
À revista alemã, Jacobus Beck discorreu sobre um episódio em que foram até a Fazenda Santa Lúcia (situada em área que hoje pertence a Marilena) pela estrada da Água do 14, entre Piracema e Guairaçá, e tiveram de percorrer dezenas de quilômetros de mata a bordo de um jipe. “Nas subidas e descidas, muitas vezes ficamos com o jipe quase dependurado em muros de pedras. Chegamos a atravessar rios com o veículo. Encontramos animais selvagens, como répteis, e muitas plantações”, confidenciou o padre que enganou uma cascavel de cinco anos, com um metro e meio de comprimento, e cortou-lhe o guizo de cinco anéis para levar de lembrança à Alemanha.
Naquele tempo, às imediações do Rio Paraná, viviam um tenente e um pelotão de soldados do Exército Brasileiro dispersos por pequenas casas de madeira. Com eles, frei Ulrico e frei Jacobus tomaram chimarrão. O grupo era responsável por controlar as navegações fluviais, evitando contrabandos de produtos enviados à Argentina.
Curiosidades
Em artigo à revista alemã Karmelstimmen, Jacobus Beck escreveu que a mata primitiva que circundava o Rio Paraná era a maior floresta virgem do Brasil.
Nos anos 1950, por causa das dificuldades de tráfego, o avião era o meio de transporte mais usado pela população de Paranavaí, superando caminhões, jipes e carros.
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O impasse de terras durante a colonização
Uma propriedade era vendida diversas vezes a várias pessoas em Paranavaí
Em Paranavaí, no Noroeste do Paraná, entre as décadas de 1930 a 1950, os conflitos por posses de terras não envolviam apenas grilagem, mas também negociações em que uma mesma propriedade era vendida ou doada diversas vezes a várias pessoas e em tempos distantes.
De acordo com o pioneiro cearense João Mariano, o conflito normalmente surgia quando o proprietário encontrava a propriedade já habitada, o que significava que o imóvel foi vendido a outra pessoa. “O mais curioso é que os dois donos apresentavam documentos que comprovavam direitos sobre a mesma terra”, afirmou o padre alemão Ulrico Goevert em carta à revista alemã Karmelstimmen na década de 1950. Em alguns casos, o problema era resolvido amigavelmente. Em outros, só com o derramamento de sangue.
Não foram poucos os familiares de soldados reformados, combatentes da Guerra do Paraguai, ocorrida entre dezembro de 1864 e março de 1870, que apareceram em Paranavaí nas décadas de 1930 e 1950 para reclamar direitos sobre terras. Algumas escrituras eram tão antigas que foram assinadas pelo imperador Dom Pedro II entre os anos de 1871 e 1889. “Como o caixa imperial estava vazio, as tropas vencedoras foram pagas com terras legalmente documentadas”, frisou Goevert em publicação da Karmelstimmen em 1958.
Mas por que depois de décadas é que os primeiros proprietários apareceram para reclamar direitos de posse? A verdade é que muitos daqueles que foram beneficiados com propriedades em Paranavaí, inclusive soldados do Exército Brasileiro, não possuíam recursos financeiros para investir na colonização da área, além de outros que não tinham interesse em desmatar uma localidade que até então não era povoada.
“Antes da região ser aberta ninguém queria vir pra cá, mas depois apareceram proprietários com documentações do Século XIX. A situação se complicou porque o governo paranaense repassou as terras à colonizadoras que lotearam tudo e venderam pequenas parcelas aos colonos. Disso nasceu muita injustiça e revolta”, disse Goevert.
Em Paranavaí, também houve casos de pessoas que pagaram caro pelos imóveis e receberam documentos falsos. De acordo com o padre alemão, os problemas só começaram a ser resolvidos quando o Governo do Paraná enviou funcionários para lidarem com todas as situações envolvendo posse de terras. “Se alguém chegasse com documento antigo exigindo os seus direitos era estabelecido um acordo. Se a pessoa realmente quisesse aquela terra teria de pagar ao novo proprietário por todas as despesas com benfeitorias. Muitas vezes, a soma era tão alta que a pessoa desistia”, garantiu Ulrico Goevert.
Colonizadoras enganaram muita gente
Em publicação no periódico alemão em 1958, o padre também falou sobre as colonizadoras fraudulentas que ludibriaram muita gente. Algumas adquiriam glebas de pelo menos 20 mil alqueires e vendiam chácaras com 5 e 10 alqueires a preços abaixo do mercado. As negociações eram feitas em escritórios sediados em cidades bem distantes de Paranavaí, como São Paulo. “Muitos se interessavam apostando na especulação da terra. Então quando a propriedade já estava valorizada, o proprietário vinha conhecer o local e se deparava com pessoas já vivendo no seu imóvel”, destacou Goevert.
Quando o reclamante ia até a Inspetoria de Terras se informar sobre o problema, nada era feito. Sempre ouviam as seguintes palavras: “O senhor é só mais uma das vítimas desta colonizadora fraudulenta. Realmente teve azar.”
Entre os anos 1930 e 1950, nem todas as colonizadoras compraram terras, algumas as conseguiram após prestarem serviços ao Governo do Estado. Prática muito comum naquele tempo era a de aventureiros se embrenharem na mata virgem e percorrerem rios, realizando pesquisas topográficas sobre a região ao longo de meses. Encerrado o trabalho, o resultado era apresentado ao governador que em retribuição doava áreas de milhares de alqueires para o aventureiro colonizar.
Criminosos eram trazidos a Paranavaí
Os pioneiros perderam as contas de quantos refugiados e criminosos de outros Estados e países vieram a Paranavaí entre as décadas de 1920 e 1950. Não foram poucos os que mudaram de nome ao chegar à colônia, interessados em construir uma nova vida. “Também houve muitos que me confidenciaram terem praticado crimes hediondos. Mas eu não podia fazer nada, a não ser ajudá-los”, revelou o padre alemão Ulrico Goevert em publicação à revista alemã Karmelstimmen em 1958.
O cearense João Mariano lembrou que até a década de 1940, a mata primitiva de Paranavaí era muito usada pelo Governo Paranaense para despejar criminosos de alta periculosidade. “Até os anos 1950, jogaram muitos bandidos lá na região que hoje pertence a Nova Aliança do Ivaí, assim como em Querência do Norte. O Estado não queria mais gastar dinheiro com essa gente. Como a pessoa não tinha pra onde ir, no caso de sobreviver, o jeito era virar peão e se adequar à nova vida. Alguns ainda conseguiam trabalho como jagunços, pois eram bons no gatilho”, enfatizou Mariano.
Aqueles que preferiam manter o estilo de vida criminoso viviam somente o presente, sem se preocupar com o futuro. Por isso, muitos gastavam tudo que ganhavam com bebidas e orgias. “Quem vivia nesse mundo, mais cedo ou mais tarde, seguia essa sequência: roubo, morte e homicídio”, assinalou Goevert.
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Pioneiro forneceu eletricidade a Paranavaí
Thomaz Estrada iluminou as ruas da colônia e forneceu energia elétrica para muitos profissionais
Nos anos 1940, o imigrante espanhol Thomaz Estrada forneceu energia elétrica para a população de Paranavaí, no Noroeste do Paraná. À época, as ruas da cidade foram iluminadas graças ao gerador do pioneiro.
No tempo em que Paranavaí ainda não contava com o fornecimento de energia elétrica, o espanhol Thomaz Estrada decidiu intervir. O pioneiro tinha um posto de combustível entre a Rua Getúlio Vargas e a Avenida Paraná, sentido ao antigo Terminal Rodoviário. Lá, Estrada mantinha um gerador de energia que poderia ter se limitado a abastecer o empreendimento. Mas o espanhol foi além, estendeu ao máximo a área de fornecimento, beneficiando muitos profissionais que dependiam de energia elétrica para trabalhar.
Em parceria com outros moradores, Estrada também criou alguns esquemas para a iluminação de ruas e avenidas. “O motor ficava dentro do posto e iluminava até o Banco Noroeste”, lembrou o espanhol em entrevista à Prefeitura de Paranavaí há algumas décadas. Para os pioneiros, Estrada fez muito mais que uma benfeitoria, dissipou a escuridão que impedia a colônia de existir no fim do dia. “Com o brilho daquela luz, Paranavaí ganhou nova dimensão, coisa que não se traduz, alegria arredia que destoa coração”, poetizou o pioneiro cearense João Mariano.
O abastecimento de energia deu novo sentido à vida em comunidade. Os moradores se beneficiavam da iluminação noturna realizando atividades que até então dependiam da luz solar. “As crianças aproveitavam a claridade pra brincar um pouco mais na rua”, relatou Mariano. Para o pioneiro mineiro José Alves de Oliveira, conhecido como Zé do Bar, a iniciativa do espanhol, que vivia numa residência ao lado de onde é hoje o Cartório Tomazoni, fez a diferença na colônia.
“Era tudo sertão e havia bicho pra todo lado”
O pioneiro Thomaz Estrada, que nasceu em 2 de julho de 1901, na Espanha, chegou à Fazenda Velha Brasileira, atual Paranavaí, em 1942, por sugestão de Francisco de Almeida Faria, inspetor de terras que conheceu em Londrina. “Me mudei pra cá em 1943. Aqui era tudo sertão e havia bicho pra todo lado. Veados andavam pelas ruas”, ressaltou Estrada.
O pioneiro admitiu que a fama da Fazenda Velha não era das melhores. “Um dia, ali em frente de onde eu morava, mataram dois”, confidenciou. A única estrada que existia naquele tempo era a que ligava a colônia ao Porto São José, o mesmo picadão para onde o capitão Telmo Ribeiro partia em direção ao Mato Grosso em busca de peões. “O Capitão Telmo tinha uma invernada onde é hoje o Jardim São Jorge”, disse o espanhol. De acordo com Estrada, no início, havia muita gente que não “prestava”. “Tinha muitos enguiços, mas decidi ficar. Coloquei um armazém pra sustentar a família”, pontuou e acrescentou que comprou uma fazenda na Brasileira e a vendeu em seguida.
O documento era a foice e o machado
Segundo o pioneiro espanhol Thomaz Estrada, o documento no período da Fazenda Velha Brasileira era a foice e o machado, ferramentas emblemáticas da colônia entre as décadas de 1930 e 1950. A verdade é que representavam mais do que instrumentos, um paradoxo semeado sob metáforas de luta, força, perseverança, injustiça, fragilidade humana e todas as agruras da colonização.
A Família Estrada viu exemplos disso tudo em Paranavaí. Enquanto o desenvolvimento trouxe mais qualidade de vida, em contrapartida, se intensificou a animosidade, até mesmo por banalidades. “Um dia na nossa loja, o Zé Capataz e o Zé Tabuinha começaram a beber. Eles puseram a faca e o revólver em cima da balança. Pedi pelo amor de Deus para que não brigassem. Daí pegaram eles e levaram pra fora. Outra vez foi o Joaquim das Éguas que tirou os briguentos daqui”, enfatizou Ana Maria Estrada.
Por muitas vezes, a pioneira passou medo no tempo da colonização. Quando o marido viajava, Ana Maria e o filho tinham de atender todos os fregueses. À época, muitas vacas dormiam em frente à casa comercial dos Estrada. “Também tinha muito mato em volta. Só foi mudando depois de 1950″, garantiu a pioneira.
O sonho de Carlos Faber
Fundador da Casa Faber acreditou no progresso de Paranavaí
m 1944, o pioneiro catarinense Carlos Faber, aos 54 anos, cruzou a mata primitiva do Noroeste Paranaense para abrir uma das primeiras casas de comércio de Paranavaí. Embora viveu aqui inúmeras dificuldades, o fundador da Casa Faber resistiu a tudo por acreditar em um sonho, o progresso da cidade.
Antes de falecer, em 30 de junho de 1993, aos 103 anos, Faber ainda encheu os pulmões de ar e disse: “Paranavaí é uma cidade muito boa e bonita. Tenho certeza que vai crescer mais ainda.” Para entender o amor do catarinense pela cidade é preciso conhecer a história do pioneiro.
Carlos Faber nasceu em Tubarão, interior de Santa Catarina, em 30 de maio de 1890. Na juventude, empreendeu muitas viagens pelo sertão catarinense e interior do Rio Grande do Sul. Perdeu as contas de quantas vezes cruzou mares a bordo de uma canoa, obstinado em conhecer as novas cidades que se formavam.
O pioneiro se mudou para o Norte do Paraná ainda jovem e fixou residência na Gleba Roland, hoje Rolândia. Lá, abriu uma casa de comércio que ele mesmo abastecia. Saía à noite ou de madrugada a pé para buscar mercadorias em Londrina. Voltando para casa, atravessava a mata carregando mais de 40 quilos de produtos nas costas.
Aos 54 anos, em 1944, Carlos Faber ainda ostentava o mesmo espírito de aventureiro da mocidade. Foi colocado à prova em Londrina quando conheceu o jovem agrimensor Ulisses Faria Bandeira que lhe falou sobre a Fazenda Brasileira, atual Paranavaí. “Resolvi me aventurar pelo mato cortado por umas picadinhas.”
A viagem à Brasileira durou cinco dias, parte do trajeto foi percorrido a pé e o restante a bordo de uma velha jardineira da Viação Garcia que trazia mais duas pessoas. O ônibus fazia o trajeto uma vez por semana. “Em Maringá, dormi num rancho de palmito. Lembro que perto tinha duas casas velhas. Maringá era praticamente isso”, frisou o catarinense.
A surpresa veio depois com os estreitos picadões quase engolidos pela mata virgem. O motorista da jardineira tinha de desviar da vegetação que insistia em cobrir a estrada – galhos quase atravessavam as janelas do ônibus. “Lembro que a picadinha era tão fechada que para todos os lados se via onça, veado, cateto e passarinhos de todas as espécies”, afirmou Faber, que em Paranavaí se deparou com um universo de mato bruto, antigos cafezais e ranchos velhos. Um era de propriedade do pioneiro Sebastião Freitas.
Dias depois, o comerciante voltou para Rolândia e relatou a mulher, Hulda Faber, tudo que viu. “Ela concordou em experimentar o lugar, então viemos de mudança e deixamos os filhos lá”, revelou. A viagem, dessa vez de caminhão, durou dois dias e meio, pois o solo arenoso fazia o veículo atolar com facilidade, obrigando o catarinense a ajudar o motorista a empurrá-lo.
Em Paranavaí, o casal foi muito bem recebido pelo administrador da colônia, Hugo Doubek. “Quando cheguei percebi que não tinha lei, e só duas famílias de colonos viviam aqui, os outros moravam nas redondezas”, salientou o pioneiro que em 18 de junho de 1944 abriu uma casa de comércio.
A amizade com o Capitão Telmo Ribeiro
A Casa Catarinense, que mais tarde recebeu o nome de Casa Faber, se situava onde é hoje o Banco do Brasil. Era um comércio de Secos e Molhados, onde Carlos Faber comercializava tecidos, cereais, ferragens e muitos outros produtos. “Meus primeiros clientes foram Heitor Barreiro, Telmo Ribeiro e Vendolino Schueroff. Depois, vendi bastante pro pessoal do Governo do Estado que abria os picadões”, disse o homem que chegou à colônia com um capital de 300 mil réis.
Logo a Casa Faber se tornou referência comercial na Colônia Paranavaí. Pioneiros se recordam que toda a população do Distrito de Graciosa se deslocava até o comércio do catarinense para comprar tecidos. “Antes eu saía pouco da loja porque de 1944 a 1946 houve muitos tiroteios que acabaram em mortes”, disse Faber que em 1949 pensou em deixar Paranavaí quando soube do progresso de Maringá e Londrina.
De acordo com o pioneiro, o comércio estava falido, pois a população local parou de crescer. Além disso, os ônibus chegavam a Paranavaí no máximo três vezes por mês. “Isso aconteceu porque a estrada era muito ruim”, assinalou. Para piorar, naquele tempo a maleita foi a doença que mais atingiu a comunidade. Como não havia farmácia, os moradores buscavam remédios no escritório do administrador da colônia, Hugo Doubek.
Apesar do período de descrença, Carlos Faber resistiu às dificuldades motivado por um sonho. Acreditou no progresso local enquanto muitos, já desiludidos, partiram de Paranavaí. “Outros comerciantes também acreditaram, como João Machado, José de Oliveira, João de Barros e Severino Colombelli. Tudo isso quando as ruas eram abertas a mão, no machado”, ressaltou.
O pioneiro catarinense era amigo de um dos homens mais controversos da história local, o Capitão Telmo Ribeiro. Carlos Faber o considerava um bom homem, com o qual sempre podia contar. “Costumava me oferecer ajuda, mas nunca precisei”, justificou. Aos domingos, o comerciante e o filho Henrique iam até a residência de Telmo Ribeiro, onde passavam a tarde toda conversando. “Ele também aparecia em minha casa para tomar chimarrão”, complementou.
Saiba Mais
Em 1995, o vereador Nivaldo Mazzin criou o Projeto de Lei 59 que deu a uma via de Paranavaí o nome de Carlos Faber em homenagem ao pioneiro. Vale lembrar também que o catarinense recebeu o título de Cidadão Honorário de Paranavaí.
Carlos e Hulda Faber tiveram nove filhos: Henrique, Érico, Carlos Frederico, Frida, Guerta, Adélia, Erna, Hilda e Marta.
Curiosidade
Carlos Faber construiu a primeira casa de alvenaria de Paranavaí, em frente à Praça Dr. Sinval Reis, conhecida como Praça da Xícara.
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João Franco: “Ficamos no mato por mais de vinte anos”
Pioneiro chegou a Paranavaí quando a colônia era coberta por mata virgem
Em 1944, havia tanta vegetação nas imediações da Fazenda Brasileira, atual Paranavaí, no Noroeste do Paraná, que a mata virgem cobria toda a colônia. Tudo tinha de ser improvisado, até mesmo estradas e pontes. “Ficamos no mato por mais de vinte anos”, afirmou o pioneiro paulista João Silva Franco.
Franco conta que deixou a família no interior de São Paulo quando decidiu conhecer a Brasileira. Somente depois trouxe a mulher e a filha. Quando chegou a futura Paranavaí, antes de fixar residência, acampou onde é hoje a Praça dos Pioneiros. “Lá, naquele capoeirão que cobria os cafezais, ficamos 16 dias queimando lata. Foi assim até comprar uma terrinha pra fazer um ranchinho de colonião e sapé, tempo em que só havia movimento de carroças e cavaleiros”, declarou o pioneiro.
Em 1944, o ponto preferido dos peões e outros migrantes era uma praça localizada entre as Ruas Minas Gerais e Manoel Ribas. “Uma espécie de boca maldita”, sentenciou o pioneiro Oscar Geronimo Leite em entrevista ao jornalista Saul Bogoni há algumas décadas. Até aquele ano, não havia mais que 30 casas em Paranavaí, todas feitas de tabuinhas, e muitas estavam desocupadas há mais de dez anos, quando a Companhia Brasileira de Viação e Comércio (Braviaco) foi expulsa do Distrito de Montoya, após a Revolução de 1930.
“Até mesmo uma grande serraria que ficava no fundo de um buracão no Jardim São Jorge foi abandonada”, lembrou João Franco, referindo-se ao empreendimento fundado em 1929 pela Braviaco. Ainda em 1944, o pioneiro comprou uma propriedade na “Água do 22”, no Distrito de Graciosa. Enfrentou todas as dificuldades que atingiram Paranavaí nos anos 1940 e 1950; desde problemas com golpes, tempestades, animais silvestres, falta de higiene, doenças e até escassez de alimentos.
“Tudo que aconteceu aqui nós vimos ao vivo. Os contratantes judiavam do povo. Queriam que trabalhasse sem direito a nada. Na hora de pagar, eles batiam demais e se teimasse era morto e jogado no rio”, desabafou. À época, para ampliar o tráfego de pessoas, animais e veículos, os pioneiros abriram picadões. O trabalho era bem simples. Um tratorista apenas empurrava o mato para o lado.
As pontes eram improvisadas com coqueiros derrubados, uma alternativa à morosidade do poder público em enviar profissionais qualificados para a construção de pontes e vias. “Trabalhei muito na abertura de estradas. Desmatei de Paranavaí até Capelinha [Nova Esperança]”, ressaltou Franco que sobreviveu na Brasileira porque tinha resistência para viver em lugares isolados, mesmo sob precárias condições. O pioneiro já tinha trabalhado como foiceiro, enxadeiro, serrador e lavrador.
Em 1940, de acordo com o pioneiro mineiro José Antonio Gonçalves, muitos dos migrantes que chegavam à Brasileira eram peões. “Foi assim até 1945, quando o Governo do Paraná parou de dar terras”, enfatizou o pioneiro paulista José Ferreira de Araújo, conhecido como Palhacinho. Um ano depois, com o crescimento populacional, as terras da Colônia Paranavaí começaram a ser bem valorizadas.
Segundo o pioneiro paulista Paulo Tereziano de Barros, só a partir de 1946 surgiu a preocupação em nominar as ruas e avenidas da cidade. “Em 1948, chegava gente aqui todos os dias. Era como a corrida do ouro”, avaliou o pioneiro paulista Salatiel Loureiro. Entretanto, a erosão hídrica já era um problema para o solo do arenito Caiuá nos anos 1940, o que foi se intensificando décadas depois. Migrantes que não tinham adquirido terras aproveitavam as áreas sem donos, como os buracões, para plantar feijões.
Em 1954, o desmatamento ganhou força em Paranavaí, conforme palavras do frei alemão Henrique Wunderlich em carta enviada à revista alemã Karmelstimmen. O padre alemão Alberto Foerst fez coro às palavras de Wunderlich. “O mato era derrubado e ficava no chão algumas semanas até ser queimado”, confidenciou no artigo “Die Stimme Der Mission”, publicado em outubro de 1954 na Karmelstimmen.
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