David Arioch – Jornalismo Cultural

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Quando Vico planejou a própria morte

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Vico não se movia. Continuou estatelado no chão morno com os olhos fechados, parcialmente cobertos

Na Avenida Lázaro Vieira, o gato continuou nos seguindo, indo de um lado para o outro e roçando o rabo entre as minhas pernas (Foto: David Arioch)

Na Avenida Lázaro Vieira, o siamês continuou nos seguindo, indo de um lado para o outro e roçando o rabo entre as minhas pernas (Foto: David Arioch)

Não me esqueço de um amigo que quando éramos adolescentes planejou a própria morte. Naquele tempo eu o chamava de Vico porque ele era fã do filósofo italiano Giambattista Vico. “A razão é a consciência do ser, não o conhecimento dele. A partir do nosso raciocínio, podemos ter conhecimento da nossa existência, mas não o conhecimento total de quem realmente somos”, dizia meu amigo inquiridor que cada vez mais parecia o filósofo que tanto admirava.

Vico, assim como seu mestre homônimo, levava uma vida frugal. Rendido ao desejo do saber, pouco se interessava em socializar. Era casto por natureza e da vida aspirava o entendimento do que definia como pequenas coisas existenciais. Quando andávamos pelas ruas com a simples motivação de respirar o mundo e sentir a vibração da vida que habita a singeleza, parávamos, sentávamos no meio-fio e fazíamos anotações.

No centro de Paranavaí, algumas pessoas riam e de longe zombavam do nosso comportamento julgado extemporâneo. E nós ríamos também, sem precisar abrir a boca e mostrar os dentes. Afinal, a fantasia é a memória dilatada e para sorvê-la é preciso convidá-la. E a nós estrambótica era a deletéria incompreensão, menos digno de zombaria e mais de comiseração. Escrevíamos sobre pessoas, animais, plantas e objetos. E todas as constatações eram discutidas livremente em um grupo pequeno que fundamos através da internet com o nome de Caballaria.

Principalmente nos finais de tarde, observar a vida ao longo de uma hora era um exercício recompensador, porque era o único período do dia em que nos tornávamos alheios a nós mesmos, nossas fragilidades, falhas e cegueiras. “Olha esses moleques à toa! No meu tempo, não tinha essa vagabundagem juvenil”, comentou um senhor engravatado de meia-idade levando a amante para almoçar em um restaurante na Rua Manoel Ribas.

Observávamos sem reagir às críticas e piadas que ouvíamos com certa frequência. Não faria sentido estar lá para intervir, mas tão somente inferir. Do contrário, tudo deixaria de ter um propósito. A maior lição subentendia a missão de nos tornarmos aquilo que nos furtava a atenção. Num primeiro momento, éramos como voyeurs. E creio que aos olhos que nos miravam, não passávamos disso, embora não nos incomodasse sobretudo. A verdade é que logo não existíamos apenas dentro de nós, mas também fora, não mais reduzidos aos ocos limites da nossa canhestra individualidade.

Em pouco tempo o barulho trivial e a movimentação rotineira de carros, motos, caminhões e pessoas não mais equacionavam nossa concentração. Sentados, ouvíamos tudo se perdendo em meio a um barulho tão difuso e pleonástico que o próprio som cotidiano se tornava irrelevante. Não exigia mais respostas dos nossos sentidos. E ficávamos lá, atentos ao que chamávamos de Orquestra do Mouco, nada mais que o silêncio que soava como o próprio rearranjo da natureza. E assim como as coisas mais simples e implícitas da vida, ele ganhava formas ocasionalmente pouco perceptíveis.

Lugares, pessoas, animais e objetos requeriam de nós um exercício diário de elucubração e compreensão. Eles mudavam diante de nós e nós mudávamos diante deles, provando que um olhar desatento poderia nos entorpecer. Acreditávamos que se tudo que víssemos a cada dia transparecesse comum ou ordinário era porque nos faltava habilidade para ir além. Em síntese, o pouco da percepção corria o risco de se confirmar como um danoso arquétipo da insipiência, isso porque ele nos empurrava para as armadilhas das nossas limitações.

Numa dessas longevas observações, uma vez um filhote de bem-te-vi caiu em cima da minha mochila posicionada na calçada, atrás das minhas costas. Não vi nem ouvi nada, mas senti a repentina aragem que tocou minha nuca como um sopro. Quando me virei, um gato siamês estava prestes a abocanhar o filhote. Consegui afastá-lo com as mãos apesar da sua ruidosa resistência. Percebendo que o passarinho não apresentava ferimento, escalei a árvore e o coloquei novamente no ninho antes de partir.

Depois, caminhando perto da Igreja São Sebastião, notei que o farto felino continuava nos acompanhando e se ocultando entre os arbustos. Só que era barulhento demais para passar despercebido. Perto da Sanepar, ele pendurou na minha mochila, fugindo de um cão grande e mestiço, com características de rottweiler, que tentou atacá-lo. Então o cachorro recuou assim que Vico lhe lançou um grande biscoito canino. Ele sempre carregava petiscos para animais dentro da mochila.

Na Avenida Lázaro Vieira, o siamês continuou nos seguindo, indo de um lado para o outro e roçando o rabo entre as minhas pernas. E o cachorro maior veio logo atrás, remansoso e mantendo os olhos em nossos passos. Mais adiante, outros cães e gatos endossaram a marcha. Contei doze animais. De repente, para minha surpresa, um jovem no quintal da própria casa arremessou com violência uma grande manga verde contra nossos seguidores. Errou o alvo e atingiu Vico na cabeça.

Ele caiu de frente com o corpo estendido sobre o asfalto e os braços abertos. Vico não se movia. Continuou estatelado no chão morno com os olhos fechados, parcialmente cobertos pelos cabelos castanhos, e as mãos e pernas levemente raladas. Os cães começaram a uivar e os gatos se esfregaram na cabeça e no dorso de Vico. Desesperado, o agressor adolescente levou as mãos à cabeça e correu para dentro de casa.

Me aproximei do portão, bati palmas e vi o rapaz escondido logo abaixo da janela. “Você matou meu amigo, cara! Sua brincadeira tirou a vida dele! Como você atira manga na cabeça das pessoas que passam perto da sua casa? Qual é o seu problema?”, questionei energicamente. Dois cães se aproximaram da grade, como se quisessem invadir a casa. O garoto não respondeu, mas ouvi seu choro suprimido e ele balbuciando consigo mesmo que seu pai iria matá-lo.

No chão e cercado por animais, Vico ainda não se mexia. O cão grande e mestiço tentou empurrá-lo em vão com o focinho. Alguns curiosos assistiam de longe, indecisos em se aproximar. Cinco minutos após a queda, ele se levantou e sorriu apesar das escoriações e do galo na cabeça. Dei uma gargalhada e seguimos nossa caminhada.

Atraídos pela ração e pelos petiscos que vazavam por um pequeno furo proposital no fundo da mochila, os animais começaram a se dispersar quando perceberam que já não restava mais alimento. Subindo a Avenida Distrito Federal, notamos que a turma se foi – ficou apenas a dupla. Chacoalhei a minha mochila também vazia, onde eu guardava o caderno em um compartimento menor, e sorri. “Amanhã eles voltam. Eles sempre voltam”, comentou Vico.

Mark Twain e sua relação com os gatos

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“Trate-o como um cavalheiro, sem quaisquer outros termos. Quando você não fizer isso, ele vai se afastar”

Para Twain, um gato pode ser seu amigo, se assim você quiser, desde que haja igualdade de condições (Foto: Twain Family)

Para Twain, um gato pode ser seu amigo, se assim você quiser, desde que haja igualdade de condições (Foto: Twain Family)

O escritor estadunidense Mark Twain, conhecido por clássicos como “The Adventures of Tom Sawyer”, lançado em 1876, e “Adventures of Huckleberry Finn”, de 1885, costumava dizer que ao conhecer alguém que amava gatos, não era necessária nenhuma apresentação para que ele logo se tornasse seu amigo e camarada.

Sour Mash, a gata que mais o inspirou a escrever, despertando-lhe um novo senso de observação, era vista por Twain como um exemplo para a humanidade – carinhosa, leal, corajosa e empreendedora. “Além de nobre, tinha uma característica digna dos felinos e que nenhum homem possui – a independência. Ela não dava a mínima para a opinião dos outros. Não tinha medo de cobras nem de cães. Exterminava gafanhotos que invadiam as plantações e saltava sobre cães”, declarou em sua autobiografia.

Na obra “The Refuge of the Derelicts”, publicada no jornal Harper’s Weekly em 15 de julho de 1905, o escritor argumenta que a autonomia dos gatos vem da sua ausência de disciplina. “Eles não vivem para ajudar ninguém. São simplesmente assim. Mas não é algo que deva ser visto como insubordinação. Conceitos como certo e justo não existem para os felinos. É a única criatura no Céu ou na Terra que está acima de pedidos e ordens. Não foram feitos para obedecer e estão além até dos anjos. Reis e divindades são mais obedientes do que gatos”, escreveu.

Para Twain, um gato pode ser seu amigo, se assim você quiser, desde que haja igualdade de condições, independente se você é um monarca ou um sapateiro. “Trate-o como um cavalheiro, sem quaisquer outros termos. Quando você não fizer isso, ele vai se afastar”, declarou em “The Refuge of the Derelicts”.

No livro Mark Twain’s Notebook, publicação póstuma de 1935, inspirada em anotações de 1894, o escritor comenta que de todas as criaturas de Deus só o gato não pode ser feito escravo do chicote. “Ele é sempre mais inteligente do que as pessoas imaginam”, justificou.

Outras obras de Twain que endossam as qualidades dos felinos a partir de suas experiências são “The Mysterious Stranger” e “A Connecticut Yankee in King Arthur’s Court”. “Se você abusar de um gato, mesmo que apenas uma vez, ele sempre vai manter uma digna reserva em relação a você. Será impossível reconquistar a confiança dele”, declarou no segundo volume de sua autobiografia, baseada em registros de 3 de setembro 1906 e publicada em 2013, mais de cem anos após sua morte.

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Bukowski, um velho safado apaixonado por gatos

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“Eles farão você se sentir melhor. Eles sabem tudo sobre a vida, tal como ela é”

"“Eu poderia dormir por 20 horas, ficar sentado e lamber minha própria bunda, esperando apenas para ser alimentado" (Acervo: Charles Bukowski)

“Eu poderia dormir por 20 horas, ficar sentado e lamber minha própria bunda, esperando para ser alimentado” (Acervo: Charles Bukowski)

Nos últimos anos, vi diversas fotos do escritor estadunidense Charles Bukowski segurando gatos ou rodeado por eles enquanto trabalhava. No entanto, foi somente no início de 2016 que tive certeza do quanto o mais famoso dirty old man da história da literatura norte-americana era apaixonado por gatos.

A confirmação veio com o lançamento da obra póstuma On Cats, um livro de 128 páginas, publicado nos Estados Unidos pela Editora Ecco Press em dezembro de 2015, que reúne as mais profundas impressões poéticas e reflexões de Bukowski sobre gatos e o mundo dos felinos.

Uma perspectiva áspera e transversalmente bucólica e terna sobre a relação entre humanos e gatos é o que os leitores vão encontrar no livro. Para Charles Bukowski, nenhum outro animal é tão inescrutável quanto um gato com sua essência elementar e augusta. Forças únicas da natureza, emissários evasivos da beleza do amor, interpretava o último escritor maldito da literatura norte-americana.

É justo dizer que On Cats é uma viagem pela resistência e resiliência felina; uma obra que apresenta os gatos como combatentes, caçadores e sobreviventes divididos entre o temor e o respeito. Os felinos de Bukowski eram ferozes e exigentes, chegando a se esfregarem, ensandecidos, por suas páginas datilografadas. Não se importavam em acordá-lo roçando garras em seu rosto e isso era mais um alento do que um quezilento. Também eram afetuosos, maviosos e muitas vezes o ajudaram a reencontrar inspiração.

O jornalista e biógrafo britânico Howard Sounes, estudioso do trabalho do escritor estadunidense, revela que Charles Bukowski ficou mais emotivo na velhice. “Os gatos realmente foram os únicos que conseguiram torná-lo um homem sentimental. Quando ele conseguiu um bom dinheiro, começou a levar uma vida suburbana com sua esposa Linda Lee e um monte de gatos”, confidenciou.

"A verdade é que é sempre bom ter um bando de gatos ao meu redor” (Acervo: Charles Bukowski)

“A verdade é que é sempre bom ter um bando de gastos ao meu redor” (Acervo: Charles Bukowski)

Segundo Bukowski, gatos são inigualáveis porque respondem somente a si mesmos, seres sui generis que não se deixam levar. Cômico e enternecedor, pungente e isento de pieguices, o livro é um retrato iluminado sobre a perspectiva do homem que considerava seus gatos como seus grandes professores nos seus últimos anos. O que também justifica porque o escritor dizia tanto que na próxima vida não queria ser nada além de um gato.

“Eu poderia dormir por 20 horas, ficar sentado e lamber minha própria bunda, esperando para ser alimentado. A verdade é que é sempre bom ter um bando de gatos ao meu redor”, repetia Bukowski à exaustão até o dia 9 de março de 1994, quando faleceu aos 73 anos, deixando um legado de seis romances, mais de 50 coleções de poemas e muitos contos e crônicas.

“Quando estiver se sentindo mal, observe os gatos. Eles farão você se sentir melhor. Eles sabem tudo sobre a vida, tal como ela é. Eles apenas sabem, são salvadores. Quanto mais gatos você tem, mais você vive. Se você tiver uma centena de gatos, acredite, você vai viver dez vezes mais do que se tivesse dez. Algum dia as pessoas vão descobrir isso e teremos um mundo com pessoas criando milhares de gatos. Elas viverão para sempre e isso será ridículo”, escreveu, sem deixar de satirizar, uma de suas características mais proeminentes.

Saiba Mais

O livro “On Cats” pode ser comprado no site Amazon.com.

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Written by David Arioch

February 26th, 2016 at 11:19 pm

Spap está doando cães e gatos

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Moradores da Sociedade Protetora dos Animais de Paranavaí (Foto: David Arioch)

Moradores da Sociedade Protetora dos Animais de Paranavaí (Foto: David Arioch)

A Sociedade Protetora dos Animais de Paranavaí (Spap) está doando cães e gatos na sua sede, no Jardim São Jorge. O horário de atendimento da Spap é de segunda a sábado das 8h às 17h. Para mais informações, ligue para (44) 3422-9209. Só uma observação: adote um animal somente se tiver interesse em se responsabilizar completamente por ele.

Curiosidade

De acordo com a Spap, Paranavaí tem de 70 a 80 mil animais domésticos, logo é importante pensar bem na importância de se castrar o seu animal.

Written by David Arioch

December 31st, 2015 at 11:49 am

Zelo aos animais

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Foto: David Arioch

Foto: David Arioch

Ao lado da sede administrativa do Cemitério Municipal de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, é fácil encontrar pela manhã inúmeros pratinhos com ração. Todos os dias, o administrador Amilcar Pereira dos Santos alimenta dezenas de gatos. Alguns moram no local, outros apenas aproveitam a tranquilidade do ambiente.

Foto: David Arioch

Foto: David Arioch

 

Written by David Arioch

February 2nd, 2015 at 1:09 pm