Archive for April, 2016
Vanusa X Black Sabbath
Está circulando uma matéria na internet sobre as semelhanças entre a famosa “Sabbath Bloody Sabbath”, da banda britânica de heavy metal Black Sabbath, que faz parte do álbum homônimo, lançado em dezembro de 1973, e a pouco conhecida “What To Do”, da cantora Vanusa, que lançou o seu disco meses antes do Black Sabbath. Independente da controvérsia que estão criando sem o aval da cantora, que disse não ter interesse algum em processar o Black Sabbath porque considera isso apenas uma coincidência musical, só tenho uma coisa a destacar: “Que música boa!”
Casal de idosos recebe uma grande ajuda na Vila Alta
Esse tipo de sensibilidade é cativante e faz todo e qualquer esforço valer a pena
Hoje passei algumas horas na Vila Alta, na periferia de Paranavaí, e visitei o Seu Juvenal e a Dona Neide, o casal que se tornou tema de uma matéria minha porque precisavam de ajuda para a substituição de um precário telhado. Devo dizer que o resultado tem sido muito melhor do que eu esperava.
Além de conseguirmos todas as telhas graças à doação do senhor Carlos Gomes, uma excelente pessoa que ainda se ofereceu para custear as despesas com mão de obra, recebemos contribuições muito boas em dinheiro da dona Sueli Takahashi, do Ministério do Trabalho, uma senhora extremamente atenciosa e carinhosa; e também do meu amigo Sobhi Abdallah, um grande parceiro de longa data – e sem dúvida uma das melhores pessoas que já conheci em Paranavaí.
Outra pessoa que ajudou muito e por quem tenho grande estima é o Gugu Ditzel, da Vida Farma, que foi até a casa do Seu Juvenal e da Dona Neide entregar medicamentos e deixar claro que eles nunca mais vão precisar comprar remédio. Gugu também levou cesta básica, pagou as faturas de energia elétrica e água do casal e se dispôs a continuar pagando.
Agora a meta é comprar o forro e tenho certeza que nos próximos dias essa parte também vai ser concluída. Outras pessoas têm me ligado para contribuir e acredito que boas novas cheguem até a semana que vem. Também destaco o interesse do meu amigo Felipe Figueira que sensibilizado tem acompanhado a situação do casal e já deixou claro que sua doação está garantida na aquisição do forro.
Sei que todos que ajudaram não fazem questão nenhuma de aparecer, mas acho importante e justo citá-los porque não é fácil encontrar pessoas dispostas a ajudar hoje em dia. Esse tipo de sensibilidade é cativante e faz todo e qualquer esforço valer a pena. Outro presente foi ver a expressão de felicidade no rosto do Seu Juvenal e da Dona Neide, pessoas humildes e batalhadoras que não merecem passar por tantas dificuldades numa fase da vida em que deveriam estar descansando confortavelmente.
Dona Neide me confidenciou que mal tem conseguido dormir. “Nunca esperava que um dia a gente fosse receber tanta ajuda assim de repente”, comentou emocionada. Só tenho a agradecer a todos esses ótimos seres humanos que conheço e aqueles que conheci através desse episódio. Se não fosse por essas pessoas, meu trabalho não valeria a pena, seria isento de valor, e talvez não existisse.
Conheça a história do casal
//davidarioch.com/2016/04/25/casal-de-idosos-precisa-de-ajuda-para-comprar-um-novo-telhado/
A contradição de clamar por democracia sendo antidemocrático
Vejo muita passionalidade envolvida, e muitas vezes me parecem armadilhas do ego e da vaidade
Esses dias, testemunhei na internet um camarada sendo chamado de “comunista”, no sentido mais pejorativo do termo, aquele que hoje povoa o ideário comum, porque publicou um vídeo mostrando um general da época da ditadura militar impedindo um jornalista de exercer a própria função. Esse sujeito que o ofendeu com palavras baixas e declarou que o camarada deveria ser fuzilado por ser “comunista” é um exemplo de uma efervescência perigosa e sem precedentes que tenho visto na internet.
Primeiro porque o camarada não é “comunista”. Ainda assim, tentei entender o posicionamento do rapaz, mas foi impossível porque ele vive uma estoica contradição – uma pessoa que diz estar lutando pela democracia e ao mesmo tempo se coloca no direito de dizer que muitos brasileiros deveriam ser deportados ou fuzilados porque não pensam como ele. Me refiro a alguém que entra na internet para impor sua opinião de forma agressiva em páginas de pessoas com quem não partilha as mesmas ideias.
Penso que se não sou seu amigo e entro na sua página para comentar algo sem ser convidado, devo pelo menos ser educado e defender o meu posicionamento de forma ponderada e lúcida – o mínimo que se pode esperar de um ser humano que deveria respeitar o outro tanto quanto respeita a si mesmo. Não é correto invadir um perfil pessoal no Facebook para impor nada, até porque esse espaço pode, porém não precisa ser democrático. Ninguém tem o direito de fazer isso, independente de qualquer coisa.
Sinceramente, não há como negar que comportamentos como o do rapaz citado têm relação direta com a indigência cultural, já que generalizações e ofensas costumam ser usadas com mais frequência por pessoas que não são capazes de argumentar ou defender um ponto de vista sem apelar para clichês ou estereótipos. O sujeito que ofendeu esse meu camarada trabalha como instrutor em uma academia onde paro em frente quase todos os dias quando o sinal vermelho do semáforo está acionado.
Já o vi algumas vezes rindo e fazendo brincadeiras com alunos e colegas de trabalho, o que torna tudo mais chocante porque mostra como um ser humano aparentemente pacífico pode na realidade esconder uma faceta agressiva e tirânica, o que é interpretado por estudiosos do comportamento humano como sinais de sociopatia.
Acho válido citar também pessoas mais próximas que conheço há muito tempo e que presenciei e ainda presencio defendendo discursos de ódio em mídias sociais. Posso dizer que não é fácil olhar para a pessoa e não associá-la ao que li na internet. A vida segue, mas um resquício de fel na boca persiste.
Vejo muita passionalidade envolvida, e muitas vezes me parece armadilha do ego e da vaidade, aliada a uma visão canhestra do mundo; até um anseio jactante e quase totalitarista de redefinir o que é certo e errado. É incrível como nos deparamos todos os dias com pessoas hostilizando alguém. Tudo isso porque não foram preparadas para lidar com as diferenças, e acho que esse é um problema que surge na infância e adolescência.
Diariamente encontramos pessoas querendo moldar o mundo e as pessoas à sua maneira, o que não significa que seja algo basicamente ruim, já que no fundo todos fazemos isso de algum modo. E claro, muitas coisas nesse sentido podem ser realmente positivas. No entanto, a preocupação surge quando as negativas se sobrepõem, porque aí o respeito é relegado à farelagem e o ser humano deixa de ser humano.
Igão, uma vida dura e sonhos modestos
“Eu achava comida no lixo e comia. Sentia fome, né? Tinha bolo, pão doce, essas coisas de padaria”
Na adolescência, depois de ser expulso da casa da avó pelo tio, Igão deixou a Vila Alta e vagou sem rumo, até que seu pai o convidou para morar com ele e a madrasta na casa da sogra na Vila City, também na periferia de Paranavaí, no Noroeste do Paraná. “Logo que comecei a trabalhar eu nem conhecia dinheiro e tive que forçar o cérebro. Catei material reciclável por quase três anos e quando fui pra lá ajudei a sogra do meu pai na mesma atividade. Naquele tempo eu achava comida no lixo e comia. Sentia fome, né? Tinha bolo, pão doce, essas coisas de padaria. Algumas vinham embaladinhas e outras não. A vida era doida”, conta.
Igão, que hoje tem 34 anos, se recorda que por “viver de favor” na Vila City tinha que seguir a disciplina da casa – horário para comer e dormir. “Nunca tive hora pra isso e não consegui seguir o ritmo, então ficava sem comida às vezes. Meu pai sentia dó e me dava o prato dele quando eu chegava”, relata. Meses mais tarde, por não ter conseguido se adaptar, acabou saindo da casa.
Ainda coletando materiais recicláveis, um dia o rapaz desmaiou de fome, caindo sobre o asfalto. “Não é todo dia que as pessoas estão de bom humor pra receber alguém na porta de casa e dar um prato de comida. E como era normal não ganhar o suficiente pra marmita acontecia de apagar na rua mesmo”, narra.
Apesar da vida difícil, Igão nunca desistiu de lutar. Ainda assim, no início da fase adulta não conseguia escapar da miséria. “Saía cedo pra pista e não tinha hora pra voltar. Quando não conseguia nada chegava em casa estressado. Sou um cara que mal sabe ler e escrever, é complicado conseguir qualquer coisa. Já quem tem estudo vai em frente de um jeito que ninguém acredita”, diz.
Em um dia, Igão percorria até os bairros mais distantes da Vila Alta, como Jardim Morumbi, Vila City, Jardim Ipê e Sumaré – distrito de Paranavaí. Igão é muito conhecido na Vila Alta por suas boas ações. Já afastou crianças e adolescentes do mundo do crime e das drogas. Também convenceu alguns a retornaram para a escola, chegando inclusive a levá-los até a entrada do colégio. Além disso, sempre que a chuva arrasta a terra da estrada em frente ao Bosque Municipal até a Rua B, ele reúne alguns amigos para fazer a limpeza de forma voluntária. “Apesar de todas as dificuldades, amanheço sempre alegre e agradecendo a Deus por mais um dia de vida”, garante e afirma que sonha em conseguir um trabalho com carteira assinada.
O rapaz, que já atuou em lavouras de mandioca e algodão, tem experiência como servente de pedreiro e trabalhou na construção de muitas bocas de lobo na Vila Alta. “Atuei nesse ramo por um bom tempo. Torci para que minha carteira esquentasse. O problema é que me demitiram antes. Se tivesse carteira de pedreiro, conseguiria um bom trabalho fácil. A melhor fase da minha vida foi quando trabalhei registrado como operador de betoneira. Tinha até planos de fazer a minha casa”, revela.
Saiba Mais
Igão não tem boas lembranças do trabalho no campo porque a jornada diária ultrapassava 12 horas. “Chegava em casa até oito horas da noite e molhado de orvalho. Era sofrido demais”, justifica.
A morte serena
A forma como a vida pode se esvair sem transparecer cruel ou atemorizante
Ontem, sentado sobre a calçada e diante de um céu anilado que jamais prenunciaria a borrasca de hoje, comecei a conversar com um amigo sobre a morte enquanto seu gato siamês rolava de um lado para o outro embaixo da cadeira com cordas de nylon, cutucando meu calcanhar esquerdo com suas garras.
O assunto era a morte serena ou a forma como a vida pode se esvair sem transparecer cruel ou atemorizante. Como contraponto, em um primeiro momento lembramos de casos em que conhecidos e amigos morreram em tragédias. Foram sepultados dentro de caixões fechados porque nada havia restado que pudesse ser associado a quem foram um dia.
Ele me relatou a experiência que teve ao ver na juventude o seu cunhado morrer eletrocutado enquanto trabalhava. Emocionada com a notícia, mais tarde sua irmã não resistiu ao anseio de ver o marido e abraçá-lo pela última vez. Ao toque vigoroso dos braços e mãos da moça, o corpo já reduzido do rapaz se desfez como se diante dela estivesse um grande pacote de cinzas.
Lembrei de histórias de pessoas da minha família que morreram dormindo, deitados sobre suas camas, trazendo no rosto uma clássica expressão de serenidade. Admito que não sei se sofreram em algum momento, mas prefiro a poesia do não porque a ideia da partida preservando todas as características da última vez em que foram vistos sempre me pareceu tão digna quanto misericordiosa e lírica.
Por mais que tenhamos receio do fim, admito ver beleza na finitude singela de quem chegou a um ponto da vida em que vaidade, ganância e antagonismo tornaram-se palavras vazias porque já não representavam mais nada. Percebi isso em algumas pessoas dias e meses antes de falecerem.
Dedicamos muito tempo conhecendo o significado de tantas coisas e é justo que na etapa final dessa caminhada seja preservada somente a semântica e o valor daquilo que é essencialmente minimalista. Acredito que quem vive à sua maneira, dignificando o autoconhecimento, evitando o remorso e o rancor, lá na frente pode ter o privilégio de partir como se o passamento fosse um presente tão valioso quanto a vida.
A morte serena me traz lembranças de Seu Sátiro, de 94 anos, que conheci em 2012. De fala remansosa e ponderada, recebia visitas diárias em casa, inclusive de estranhos interessados em ouvir suas velhas histórias. Um dia, deitado na cama, Seu Sátiro disse: “Espere só um pouquinho.” E dormiu sorrindo para não acordar mais.
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Casal de idosos precisa de ajuda para comprar um novo telhado
Há aberturas por onde a chuva invade molhando quase todos os cômodos da casa
No sábado passei uma parte da tarde conversando com o aposentado Juvenal Ferreira e sua esposa Dona Neide, moradores da Vila Alta, em Paranavaí. O conheço já tem alguns anos, desde que ele aceitou participar de dois dos meus documentários sobre a realidade da periferia.
Mais uma vez fui muito bem recebido. Seu Juvenal que sofre de uma infecção cutânea grave chamada erisipela fez questão que eu registrasse que ele não tem queixas a fazer sobre o Sistema Único de Saúde (SUS) e Programa Saúde da Família (PSF). Confidenciou que duas vezes por semana recebe visitas de três gentis enfermeiras, além do atendimento humanizado de uma médica.
“Se não fosse por elas talvez eu já tivesse perdido pelo menos uma perna. Não tenho do que reclamar do serviço público de saúde. Teve até uma época que me visitavam todos os dias”, comenta Seu Juvenal que não consegue mais andar porque seus pés e pernas incharam demais desde que contraiu a doença há alguns anos.
Ainda assim ele se esforça para fazer “bicos” na pequena oficina contígua à residência, onde conserta panelas e outros utensílios domésticos, trabalho que desempenha em parceria com a esposa também aposentada. Vivendo com salário mínimo, os dois têm enfrentado muitas dificuldades porque as despesas aumentam a cada dia. “Só uma das pomadas que preciso comprar pra passar nas pernas dele está custando de R$ 20 a R$ 30. E depois de três passadas o tubo já acaba”, garante Dona Neide.
Sem dinheiro, o casal está enfrentando mais um problema. A casinha onde vivem na Rua das Ameixas, construída em 2011, está com o telhado comprometido e, além dos buracos, há aberturas por onde a chuva invade molhando quase todos os cômodos da residência.
“Se conseguíssemos mil reais já seria de grande ajuda pra comprar um telhado novo”, garante Dona Neide. No entanto para a substituição integral são necessários quase R$ 2 mil. Outro problema que percebi é que não existe forro em nenhum dos cômodos da casa. Quem quiser ajudar o casal pode ligar para (44) 9909-2513.
Uma grata surpresa de domingo
No dia 2 de abril publiquei no meu blog uma crônica surrealista intitulada “O Chamado dos Animais”. Ela é baseada em uma sequência de sonhos que tive numa mesma noite, a última vez em que consumi carne. Nessa crônica eu cito a pintora francesa Corine Perier, naturalmente porque o trabalho dela, também surrealista, me inspirou em vários aspectos. Então ontem pela manhã quando entrei no Facebook tive uma grande surpresa. A própria Corine Perier me adicionando e depois vindo conversar comigo. Tem hora que eu nem acredito como meu trabalho pode ir tão longe.
Um pequeno fragmento de “O Chamado dos Animais”
“A beleza da madrugada outonal que ofertava um aroma variegado de folhas e flores foi ofuscada pelo miasma trazido por uma vaquinha voadora com focinho de porco e pés de galinha. Apesar de tudo, era um animal lindo na sua singularidade desarmônica. Me recordei das pinturas de Corine Perier e Chris Buzelli. A diferença era que elas não tinham cheiro de morte.”
Leia a crônica na íntegra em //davidarioch.com/2016/04/02/o-chamado-dos-animais/
Acesse também http://www.corineperier.com/
Uma corrida que quase terminou em tragédia em 1941
“O infeliz puxou a rédea do meu animal. Aí não perdoei. Desci o chicote no lombo e ele soltou”
O cearense João Mariano tinha oito anos quando perdeu o pai. Aos dez, seu irmão mais velho pediu à sua mãe que o deixasse morar com ele. Alegou que precisava de alguém para cuidar de suas terras enquanto viajava para comprar e vender gado. “Depois de dois anos morando com meu irmão, comecei a treinar com um cavalo de corrida dele e logo me tornei jóquei. Lá havia as raias nas estradas, não em clube. E muita gente ganhava algum dinheiro nas corridas, vendendo bolo, café, lanches, essas coisas. Mas ninguém lucrava mais que os donos dos cavalos, assim como os apostadores”, narra.
Por cada disputa realizada aos domingos, Mariano recebia uma “groja”, além de um adicional em caso de vitória. As competições lotavam e de longe se ouvia a torcida e a algazarra do público. “Eu corria muito em São José, uma vila a 60 quilômetros de Guassussê, o maior distrito de Orós [no Centro-Sul do Ceará]. Só tinha cavalo pra páreo de 600 ou mil metros. Então era tudo bicho de qualidade”, informa, acrescentando que os animais eram muito bem tratados.
Três dias antes de cada corrida, Mariano e mais dois companheiros montavam guarda nas cocheiras, inclusive revezavam na hora de dormir, para evitar que alguém invadisse o local e dopasse os cavalos a mando dos rivais. “Lembro de um menino da minha idade, um tal de João, filho de um homem chamado João Cabral. Ele tinha o costume de puxar as rédeas do cavalo adversário durante a ultrapassagem. Então quando fomos correr na Vila de Bom Jesus, eu avisei ele: ‘Olhe, João, não segure meu cavalo nem me feche porque se você fizer isso eu desço o chicote em você’”, prometeu.
Depois de ouvir a ameaça, João prometeu que não iria fazer nada, apenas guiar o próprio cavalo. No entanto, mudou de ideia ao ver João Mariano perto de assumir a liderança. “Me fechou, tirando a frente do meu cavalo. Ainda pedi pra ele me deixar em paz e o infeliz puxou a rédea do meu animal. Aí não perdoei. Desci o chicote no lombo e ele soltou. Naquele dia do ano de 1941 meu cavalo ganhou o páreo”, declara.
Quando Mariano estava deixando a pista, João Cabral, o pai do garoto, se aproximou com um revólver em punho para vingar a surra que o filho levou diante da plateia. “Ele veio pra me matar. Deixou a pistola no jeito, engatilhada. Aí tinha um senhor de mais de 60 anos que eu não conhecia. Ele se levantou de uma cadeira, sacou o revólver e falou para o João Cabral: ‘Atire primeiro pra ‘modi’ eu ver se tu é homem. Saiba que esse menino é meu parente’”, revelou, guardando o revólver na guaiaca assim que Cabral virou as costas e partiu.
O desconhecido era primo da mãe de João Mariano. Ele não o conhecia porque o homem vivia em uma vila a mais de 80 quilômetros de Bom Jesus, numa região para onde seus pais nunca viajavam.
Saiba Mais
O pioneiro João Mariano vive em Paranavaí, no Noroeste do Paraná, desde 1955.
Edna Ferber e a força feminina
Para quem gosta de literatura baseada em histórias de mulheres à frente do seu tempo, recomendo as obras da escritora estadunidense Edna Ferber, autora que até hoje ocupa posição de destaque na literatura norte-americana. Um bom começo é o romance “Cimarron”, de 1929, que se pauta no desbravamento do estado de Oklahoma.
A princípio, a história gira em torno de Yancey Cravat, um sujeito aventureiro, idealista e com um ferino senso de justiça social que se muda com a família para uma nova área de colonização. Cravat é um personagem intrigante que cria um jornal com a intenção de fazer justiça usando palavras, mesmo que isso custe perder anunciantes e conquistar inimizades.
Mais tarde, enfastiado por um futuro que ele não desejava, decide partir novamente para desbravar uma nova área. Dessa vez, sua mulher, Sabra Cravat, decide não ir com ele, assumindo a direção do jornal e também atuando como jornalista, assim dando início a uma geração de mulheres fortes, corajosas e independentes que começam a ocupar posições de destaque em uma sociedade até então formada somente por lideranças masculinas.
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A chacina das galinhas
“Se for troca de tiros, a gente derruba ele e quem mais vier”, garantiu José em tom sisudo
Em 1956, o pioneiro José Alves de Souza vivia em um rancho nas imediações da Avenida Tancredo Neves, em Paranavaí, no Noroeste do Paraná, quando chegou em casa e encontrou as suas 15 galinhas mortas. Compradas em menos de uma semana, foram violentamente estraçalhadas e partes das vísceras estavam no chão de terra, misturadas às penas.
“Que diabos aconteceu aqui? Quem fez isso com as minhas galinhas?”, se perguntou José levando as mãos à cabeça. Na semana seguinte comprou mais 15 galinhas e outras vez foram mortas brutalmente. O objetivo de José era criar e vender animais. No entanto, ele não sabia que os cães de caça de Paranavaí tinham o hábito de invadir propriedades para comer as galinhas.
“Na época tinha muitos caçadores na cidade e isso significava muitos cães de caça. Eles eram violentos demais, invadiram uma fazenda e mataram todos os carneiros”, enfatiza. Irritado, José conversou com o irmão e decidiram comprar armas de fogo. Naquele tempo cada caçador tinha de 15 a 30 animais. Um homem conhecido como Nego possuía 26 cães de caça. “Alguns tinham mais de 30. Aquele mundo velho de cachorro acabando com tudo. Não dava pra criar nada”, desabafa.
Um dia o irmão do pioneiro chegou em casa com uma garrucha e duas espingardas. Juntos, treinaram tiro ao alvo no quintal, chegando a acertar caixinhas de fósforo à longa distância. “Quando aparecia cachorro a gente metia bala, até que começaram a sumir. Daí um valentão da cidade, que além de caçador estava concorrendo às eleições de 1956, mandou um dos seus capangas em casa pra dar um recado”, narra.
Numa manhã ouviram alguém batendo palmas e berrando em frente ao rancho. Era um homem forte, de má fama e expressão carrancuda que observava José. “Não mata o cachorro do patrão porque ele é bravo. Ele derrota vocês”, alertou enquanto alisava o gatilho de uma pistola presa à cintura. Sem hesitar, o anfitrião respondeu que seria mais fácil ele e o irmão vencer o invasor. “Se for troca de tiros a gente derruba ele e quem mais vier”, garantiu em tom sisudo. O visitante ficou espantado com a reação de José, de 24 anos, que teve o discurso endossado pelo irmão mais novo.
“A gente era peão, sem conhecimento de nada. Não pensava nem em Deus, mas acreditava que ninguém deve abaixar a cabeça pra ninguém. Também sabia que já existia muita maldade no mundo”, relata. Dias depois receberam a visita inesperada do homem que ameaçou matá-los. O sujeito os cumprimentou e perguntou se jogavam carteado. “Catamos um baralho velho e começamos a brincar. Ficamos amigos e depois até a família dele passou a frequentar a nossa casa”, revela.