David Arioch – Jornalismo Cultural

Jornalismo Cultural

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A peste que assolou a Brasileira

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Doença dizimou centenas de porcos na década de 1940

Salatiel Loureiro: “A peste acabou com a minha porcada. Fiquei no zero” (Acervo: Fundação Cultural de Paranavaí)

No início da década de 1940, muitos dos pioneiros que chegavam à Fazenda Brasileira, atual Paranavaí, no Noroeste do Paraná, trouxeram gado, porcos e cabras, visando incrementar renda com a criação de animais. O que ninguém imaginava na época é que alguns anos depois um surto de peste suína dizimaria centenas de porcos.

Em 1944, muitos migrantes e imigrantes que fixaram residência na colônia tiveram a ideia de investir na suinocultura, motivados pela escassez de carne. Um exemplo é o pioneiro paulista Salatiel Loureiro que naquele ano construiu o terceiro rancho da Brasileira.

Logo que fixou residência no povoado, Salatiel Loureiro sentiu falta de comer carne, então decidiu ir a pé até Campo Mourão, no Centro Ocidental Paranaense, comprar animais para criar. Lá, comprou porcos e os tocou a pé até a Brasileira, numa viagem que durou dias. “Vim pela estrada mesmo, não tinha condução”, contou. A via percorrida por Loureiro era um picadão precário envolto por uma mata densa e fechada.

À noite, o pioneiro, acompanhado dos porcos, se abrigava diante de uma fogueira para descansar e também evitar o confronto com animais selvagens. “O ruim era que tinha muito mosquito”, comentou, acrescentando que as agruras eram superadas pelas belezas naturais. Segundo Loureiro, as novas gerações nunca imaginariam como a região de Paranavaí era bonita nos anos 1940.

População local já venerava muitos santos nos anos 1950 (Acervo: Ordem do Carmo)

Em 1947, Salatiel tinha uma das maiores criações de porcos da Fazenda Brasileira, o que era motivo de orgulho para o pioneiro. No entanto, no mesmo ano a peste suína chegou à colônia e dizimou centenas de suínos. “A peste acabou com a minha porcada. Fiquei no zero”, lamentou Loureiro que nunca mais quis saber de investir na suinocultura. Conforme palavras dos pioneiros, a doença vitimava animais todos os dias.

Poucos suínos resistiram à doença. A sobrevivência desses é creditada a uma promessa feita pelos pioneiros. “Eles se juntaram e rezaram. Falaram que se Deus os livrasse da peste suína, eles fariam de São Sebastião o padroeiro da igreja. A peste desapareceu e o povo cumpriu o prometido”, revelou o padre alemão Ulrico Goevert no pequeno livro “Histórias e Memórias de Paranavaí”.

Um dos moradores da Brasileira foi de caminhão até São Paulo, de onde trouxe a estátua de São Sebastião feita em gesso e com 1,30m de comprimento. A imagem doada pelo imigrante italiano Genaro Pienaro foi guardada na residência de um agricultor, pois a igrejinha ainda não tinha telhado. Se chovesse, a estátua corria risco de ser danificada. Não foram poucas as vezes em que o colono recebeu visitas de moradores que pediam autorização para orar em frente ao padroeiro da cidade.

Foi assim até a estátua ser remanejada para a Casa Paroquial. De acordo com Frei Ulrico, quando o telhado da igreja ficou pronto, São Sebastião foi colocado no seu devido lugar. “Durante o período de reformas, as estátuas ficaram desabrigadas, no mais verdadeiro sentido da palavra”, enfatizou o padre alemão que se surpreendeu com o fato da população local venerar tantos santos.

Primeira igreja de Paranavaí foi construída em 1944

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A primeira celebração foi realizada em alemão com colonos de Graciosa

Igrejinha construída em 1944 sob o comando do padre João Guerra (Acervo: Fundação Cultural de Paranavaí)

Em 1944, o padre João Guerra reuniu pioneiros para a construção da primeira igreja de Paranavaí, no Noroeste do Paraná. O local é o mesmo que abriga hoje a Paróquia São Sebastião. Lá, a primeira missa foi celebrada no dia 25 de dezembro.

De acordo com informações do livro “História e Memória de Paranavaí”, escrito pelo falecido frei alemão Ulrico Goevert, e publicado em 1992, o primeiro padre a visitar a Fazenda Brasileira, atual Paranavaí, foi o alemão Carlos Propst, da Congregação dos Padres Palotinos, que realizou uma cerimônia em frente à Inspetoria de Terras. No local, foram crismadas pelo menos cinquenta pessoas. À época, a Paróquia de Mandaguari, no Norte Central do Paraná, a quem a colônia pertencia, mandava padres três ou quatro vezes ao ano para realizar missas, batizados e casamentos a céu aberto.

Após iniciada a colonização, somente depois de 18 anos, em 27 de setembro de 1944, a paróquia enviou um sacerdote para residir no povoado. “O padre João Guerra veio interessado em abrir uma chácara. Falou que precisava montar uma igreja porque tinha muita gente vindo pra cá”, afirmou o pioneiro paulista Salatiel Loureiro em entrevista à Prefeitura de Paranavaí nos anos 1970.

Naquele tempo, o primeiro símbolo religioso da colônia, uma grande cruz de madeira, foi fixado onde se situa o velho Terminal Rodoviário. “Acharam o local impróprio e mudaram a cruz para um lugar mais acima. Lá, a Inspetoria de Terras doou uma quadra de 110 por 120 metros para a criação da igreja”, contou o frei alemão Ulrico Goevert.

João Guerra (ao centro) foi o primeiro padre a morar em Paranavaí (Acervo: Fundação Cultural de Paranavaí)

A madeira usada na construção foi doada pelo marceneiro José Ebiner. Já as outras despesas foram custeadas com dinheiro arrecadado pelo administrador da colônia, o pioneiro curitibano Hugo Doubek. “O padre pediu para o Hugo cobrar uma rendazinha dos negócios de terras realizados aqui. Ele concordou”, revelou Loureiro.

Pioneiros como Paulo Tereziano de Barros, Nenê, Salatiel Loureiro, João da Silva Franco, José Vicente da Costa, Joaquim Machado e Zé Bicudo foram os responsáveis pelo sucesso da obra. “Lembro que no altar mal cabia o padre e dois santos”, comentou o pioneiro paulista José Ferreira de Araújo, conhecido como Palhacinho, em entrevista à prefeitura na década de 1970.

A primeira missa na igrejinha de madeira foi realizada no Natal de 1944 pelo padre João Guerra. “Foi uma celebração cantada em alemão pelos colonos de Graciosa, distrito de Paranavaí”, frisou o frei Ulrico. Naquele dia, durante o rito, uma cobra venenosa invadiu a igreja e se enrolou no braço de um dos fiéis. Enquanto a população gritava, o homem se manteve imóvel até que a peçonhenta foi embora sem picar ninguém.

A primeira igreja serviu também de sala e quarto para o padre João Guerra que viveu em Paranavaí até o final de 1945. De acordo com pioneiros, o sacerdote contribuiu muito com a comunidade, mesmo tendo ficado pouco tempo no povoado. O administrador da colônia Hugo Doubek, que era de religião protestante, teve alguns conflitos com João Guerra por causa de cobranças de recursos para investir na criação de uma paróquia.

“O Hugo decidiu não pegar mais dinheiro da população para repassar à igreja porque ele achava errado. Deu um rolo e quiseram até tirar o padre daqui. O Capitão Telmo Ribeiro entrou no meio e apaziguou tudo”, revelou Loureiro. Mais tarde, houve uma tentativa de envolver o padre na política local, o que o motivou a deixar a colônia.

Saiba Mais

O padre João Guerra comandou a administração da colônia por uma semana em 1945, quando o administrador Hugo Doubek foi embora.

Frases dos pioneiros sobre o padre João Guerra

João da Silva Franco

“O padre trabalhava numa chácara que ele abriu. Lá, construiu uma represa e um moinho de fubá pro povo.”

“Aos sábados, o padre João Guerra vinha pra cá, trocava as roupas e se preparava pra fazer a missa de domingo.”

O alto-falante do Palhacinho

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José Ferreira de Araújo foi o primeiro publicitário de Paranavaí

José Ferreira nos tempos da alfaiataria. É o segundo da esquerda para a direita (Foto: Reprodução)

Nos anos 1940, quando surgiram os primeiros pontos comerciais de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, o pioneiro paulista José Ferreira de Araújo, conhecido como Palhacinho, decidiu investir em publicidade. Com um serviço de alto-falante, fez desde as mais simples até as mais inusitadas divulgações.

José Ferreira chegou a Paranavaí na época da Fazenda Brasileira, em 1944. Se surpreendeu com o que viu; um pequeno deserto no meio da mata primitiva. “Eu já imaginava que aqui era assim e vim por isso mesmo, atraído pelas caçadas e também com a intenção de ganhar a vida com mais facilidade, já que aqui eles davam terras devolutas”, disse Palhacinho em entrevista à Prefeitura de Paranavaí há algumas décadas.

O pioneiro se fixou na Brasileira porque tinha fé no futuro. “Enfrentei tudo sem medo”, garantiu. Ao longo da vida, José Ferreira sempre destacou as dificuldades enfrentadas nas décadas de 1940 e 1950. “Logo que cheguei aqui eu não sabia o que fazer. Minha ideia era abrir uma alfaiataria que era o meu ramo, mas eu achava que não daria certo. Aqui não tinha freguês”, revelou.

Outro problema era a falta de capital para investir na terra que recebeu do Governo do Paraná. As despesas com derrubada de árvores e formação de sítio eram muito caras, acessíveis a poucos. “Foi aí que o Dorvalino Moreira, que tinha uma pensão onde eu estava hospedado, falou para eu comprar a hospedaria. Naquele tempo, eu estava desanimado e tinha muitos filhos para criar. Então fechei negócio”, relatou José Ferreira que encontrou na diversidade de serviços uma saída para sustentar a família.

Palhacinho começou a trabalhar com a pensão, a alfaiataria e também como fotógrafo. Depois vendeu um sítio e usou o dinheiro para viajar a Londrina, onde comprou um equipamento de alto-falante que foi instalado na Rua Getúlio Vargas, no cruzamento com a Rua Souza Naves. “Instalei o serviço aqui com 80 discos”, lembrou e destacou que o negócio era novidade no interior do Paraná.

Em Paranavaí, havia poucos estabelecimentos comerciais até o final da década de 1940, o que motivou José Ferreira de Araújo a fazer um acordo com a Inspetoria de Terras, de quem recebia para anunciar a venda de terrenos. O primeiro cliente a contratar o serviço de alto-falante de José Ferreira foi o pioneiro mineiro José Alves de Oliveira, mais conhecido como Zé do Bar. “O único comércio da cidade era dele, então eu fazia os anúncios”, explicou Palhacinho.

O serviço de alto-falante ficava na Rua Getúlio Vargas (Foto: Reprodução)

O primeiro slogan

O primeiro slogan do pioneiro da publicidade em Paranavaí dizia o seguinte: “Quer trocar dinheiro? Zé do Bar! Quer tomar uma geladinha dentro do poço? Zé do Bar!” “No começo, foi difícil porque tinha poucas casinhas aqui. Mas fui indo, falando e trabalhando. Eu também contava piadas e anedotas. As pessoas se divertiam”, enfatizou.

Em 1948, Palhacinho e outros pioneiros começaram a construir o primeiro cinema local (Foto: Reprodução)

O serviço de alto-falante também era usado para contar histórias e divulgar notícias. José Ferreira fez muitos anúncios de animais perdidos e encontrados, principalmente cavalos. “A coisa melhorou em 1946. Era uma barulheira de martelo dia e noite. Todo mundo construindo casas e tendo como fontes de luz apenas lampião, farolete e a Lua”, salientou.

Tinha ainda o barulho de sarilho por causa dos muitos poços de água que foram abertos na época. O movimento de pessoas em Paranavaí cresceu e o comércio também. “Tudo isso animava a gente”, comentou. Em 1948, Araújo fez uma parceria com os pioneiros João Machado e Raimundo Leite. Juntos, fundaram o primeiro cinema local, o Cine Theatro Paramounth, na Rua Marechal Cândido Rondon. “Fui até Maringá para aprender a passar filmes”, declarou.

Frase do pioneiro José Antonio Gonçalves

“As pessoas passavam nas esquinas para ouvirem as músicas do alto-falante do senhor Zequinha.”