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Paranavaí, a flor dos cafezais
Novo livro do poeta Paulo Marcelo é baseado em poemas sobre a colonização de Paranavaí
Em janeiro deste ano, o escritor Paulo Marcelo Soares da Silva, radicado em Curitiba, me presenteou com o seu novo livro – “As flores dos cafezais”, recém-lançado. A obra de leitura simples e cativante é baseada em uma coleção de poemas, bem-dispostos em ordem cronológica, sobre a colonização e a evolução de Paranavaí desde os tempos da Fazenda Ivaí, que antecede a Vila Montoya, até a atualidade.
O título do livro é uma clara homenagem a Paranavaí, a quem o escritor se refere em seus poemas como flor dos cafezais, já que a cidade se desenvolveu sob o signo do café até o início dos anos 1970, quando a cafeicultura perdeu espaço para a pecuária.
Por meio da poesia, Paulo Marcelo ensina história com uma linguagem de fácil compreensão. Transmite impressões de uma Paranavaí pouco conhecida pelos mais jovens, mergulhada em impressões de um passado longevo, mas rico e bucólico, que aguça a sensibilidade de quem tem e até de quem não tem contato com a cultura regionalista.
“A realidade e o mito se confundem com o passar do tempo. Ao lado do que é real há que se preocupar também com o ilusório. Os sonhos, a magia e o folclore são peças indispensáveis na engrenagem da vida”, defende o escritor que em sonetos petrarquianos conta com paroxismo como nasceu Paranavaí.
No livro, a narrativa poética romantiza fatos da década de 1920. A partir de um soneto homônimo, Paulo Marcelo aborda com preciosismo a chegada de desbravadores, colonos e outros migrantes que se tornaram pioneiros – numa universalização alheia a nomes. O fim de Montoya, o nascimento da Fazenda Brasileira e a escolha do nome da cidade são referenciados com a rima do autor.
“Entre 1950 e 1960 a produtividade cafeeira atingiu seu ápice na região. Afirma-se que em algumas áreas chegou-se a colher 300 sacas em coco por mil pés de café”, introduz o escritor antes de poetizar as brincadeiras em torno dos cafeeiros, assim como as manhãs ensolaradas, as moças do campo, a inocência dos colonos, a alegria durante as colheitas, a fartura e as grandes geadas.
Na obra, alguns personagens, as festas típicas e os cinemas da cidade também são mencionados em versos curtos com digna e nostálgica simplicidade. “Paranavaí é filha dos cafezais. Nasceu numa manhã de muito sol e foi batizada numa tarde de mil cores”, garante o poeta. Em síntese, “Flores dos Cafezais” é um livro de rápida leitura e que não exige demais do leitor, a não ser vontade de peregrinar em emoções e reflexões poéticas, inspiradas em mais de 90 anos de história.
Quem é Paulo Marcelo?
Além de escritor, Paulo Marcelo é bacharel em direito e possui licenciatura em geografia. Participou e foi premiado em muitas edições do Festival de Música e Poesia de Paranavaí (Femup). Também recebeu prêmios de menção honrosa no 15º e 19º Jogos Florais de Barreiro, Portugal, e no 1º Concurso de Romances Juvenis da Academia Paranaense de Letras.
Tem contos publicados pela Empresa Tipográfica Casa Portuguesa, de Lisboa, em Portugal, e Casa da Cultura dos Trabalhadores da Quimigal, de Barreiro, também em Portugal. Ademais, é autor de “O Lendário Capitão”, de 2012, e “Xondó e o Furto da Vassoura”, de 2013. O livro “Encantamento”, de 2015, contém ilustrações do próprio escritor e traz um conto sobre a história de um casal que se apaixonou em Paranavaí nos tempos da colonização.
Saiba Mais
Caso queiram adquirir o livro, vocês podem entrar em contato com o autor através do e-mail pmmssi@yahoo.com.br.
Soneto que integra o livro e faz referência ao pássaro que empresta seu nome a uma das áreas históricas de Paranavaí:
O Canto do Surucuá
Voa o lindo passarinho
Ao vento que vem lá,
No quadro, tudo mais belo,
Ao canto do Surucuá
As dores vão se afastando,
Em busca d’outro lugar…
Levando mágoas prá longe,
O canto do Surucuá
Segue o moço a cavalo,
Batendo o peito por ela
(Um amor que vai buscar)
Na fazenda, a donzela
Suspira, lá da janela
Ao canto do Surucuá
O menino que virou escravo em Paranavaí
Velhos endinheirados ofereciam pequenas fortunas para ter uma noite de “prazeres” com o jovem caiuá
Em 1938, Urissanê tinha oito anos quando foi vendido em Paranavaí, no Noroeste do Paraná, para um cafeicultor que possuía uma grande propriedade nas imediações da velha sede da Vila Montoya, fundada pela Companhia Brasileira de Viação e Comércio (Braviaco). De etnia caiuá, o garoto foi privado do convívio familiar com dois anos, após ser sequestrado por uma tribo rival que vivia na região do Porto São José, na divisa do Paraná com o Mato Grosso do Sul.
“Parece bicho do mato, mas é bem dócil. Pode passar a mão, não tenha medo. Esse aí não sabe nem de onde saiu ou pra onde vai”, dizia e gargalhava o fazendeiro em algumas festas realizadas em sua propriedade, segundo o pioneiro Salvador Marcondes que aos 18 anos começou a trabalhar como capataz para o cafeicultor.
Nas festas, a criança de origem indígena era exposta como um brinquedo para um grupo de magnatas que a encaravam como um pequeno e exótico animalzinho indefeso. As celebrações restritas atraíam muita gente de longe, não apenas do Paraná. “Mais tarde, me dei conta que fiquei frente a frente com pessoas que entraram para a história como figuras revolucionárias e heroicas”, destaca Marcondes que hoje tem 96 anos e uma lucidez invejável.
Alguns velhos endinheirados se ofereciam para pagar pequenas fortunas para ter uma noite de “prazeres” com o menino de olhos pequenos, lábios carnudos, traços femininos e pele tão coruscante que despertava inveja em mulheres de todas as idades. Apesar disso, o fazendeiro, que se dizia um representante dos anseios de Deus na Terra, jamais consentiu tal libertinagem. Também afirmava ser contra a pederastia.
“Cheguei a ver a patroa na cozinha praguejando o menino, dizendo a um padre que não entendia como Deus poderia permitir que um diabinho pagão tivesse uma pele tão bonita, enquanto ela, de origem cristã, uma fiel dizimista da igreja que investia muito dinheiro em produtos de beleza importados, pouco via resultados em sua pele e na de suas filhas”, narra o ex-capataz. O que encolerizava a patroa era o fator genético que afetava sua “linhagem” há mais de um século. Na infância, as mulheres de sua família já desenvolviam acne severa e tipos raros de erupções cutâneas.
Incentivada pela mãe, um dia a filha mais velha do fazendeiro, que tinha cerca de 14 anos, pediu a Urissanê para preparar um pouco de chá de erva-doce. Depois de pronto, o garoto caminhou até o quarto da jovem e, se esforçando para equilibrar uma pesada bandeja de prata, bateu na porta e perguntou se poderia entrar. Ela consentiu e, sentada na cama, ordenou que ele a servisse. Assim que bebericou o chá, o semblante da garota mudou. Enraivecida, retirou o bule da bandeja e lançou todo o chá no rosto de Urissanê.
Enquanto os lábios do garoto tremiam e as lágrimas deslizavam, misturadas ao líquido quente que escorria por toda a fronte queimada, a moça gritou: “Você queria queimar minha boca, não é mesmo, seu vermezinho? O que achou do chá? Gostoso, não é?”, escarneceu, sem se importar com o sofrimento da criança que se contorcia de dor, esfregando os pés pequenos e descalços – um contra o outro, sem emitir som.
Depois de ouvir os gritos da menina, a patroa de Urissanê correu até o quarto, acompanhada das outras duas filhas. Ignorando o rosto severamente ferido do menino, deu atenção somente ao estado emocional da própria filha. “O que você fez com ela, seu macaquinho? O seu lugar é na floresta, não aqui com pessoas de bem”, berrava, sacolejando o garoto que desmaiou e caiu no chão, batendo a cabeça contra o piso de tacos.
A grazinada chamou a atenção de Marcondes que foi até o quarto, onde encontrou o menino caído, quase irreconhecível, com a pele do rosto encorrilhada e disforme. “Era como ver outra pessoa. Pedi ao patrão que me deixasse cuidar do menino. Ele fez uma cara feia fumando um daqueles charutos importados de Cuba, tomou um trago de whisky Evan Williams, o seu preferido, esfregou os dedos na barba e falou: ‘Tá! Agora sai daqui e dê um jeito na situação. Não quero ficar no prejuízo’’’, revela o ex-capataz.
Pela manhã, ouvia-se de longe o fazendeiro discutindo em seu escritório com a mulher e as filhas. “Sua endemoniada, muita gente de nome vinha de longe só pra ver o menino. Ele atraía bom negócio pra mim. O que eu vou fazer agora? Bando de tapadas!”, vociferou esmurrando a mesa.
Quando o marido não estava por perto, as mulheres da casa comemoravam os ferimentos no rosto de Urissanê. Não velavam o prazer de ver o menino padecendo. “Acabou pra sempre aquela pele e aquele rostinho bonito e delicado. Como Deus é generoso!”, celebrava a esposa ajoelhada e levantando as mãos para o céu, ladeada pelas filhas que a imitavam.
Apesar dos ferimentos, o cotidiano de Urissanê em nada mudou – continuava trabalhando dia e noite. Aprendeu a dominar a dor e todos os dias antes de dormir recebia visitas de Marcondes e sua noiva Ruth Moreno. Sem dizer nada a ninguém, os dois se tornaram responsáveis pelo seu bem-estar. A rápida recuperação do menino também chocou a patroa. Não levou mais de três meses para o rosto de Urissanê voltar ao estado normal, sem qualquer indício de que algum dia tivesse sido queimado.
Ainda assim, antes de dormir, para não fugir da propriedade, o fazendeiro obrigava um pistoleiro de sua confiança a acorrentar Urissanê no canto de uma tulha abandonada com chão forrado de palha. Seus punhos severamente machucados ganharam cicatrizes com as formas irregulares de braceletes rudimentares. “Tinha dó daquela criança. Só que se eu o libertasse, o patrão mandava Tonho [um pistoleiro] matar nós dois antes que a gente percorresse um quilômetro. Eu era muito novo e também tinha medo”, diz Marcondes.
O garotinho acordava sempre às 5h e em jejum percorria quilômetros a pé até chegar ao cafezal. Acostumado a trabalhar na área rural de Paranavaí desde os quatro anos, já entendia tanto do plantio quanto da colheita do café. Mas o que mais intrigava os colonos que dividiam o serviço com aquela criança era a sua astúcia para reconhecer as mudanças de tempo e clima. “Ô indiozinho, fala pra nós se o dia vai ser bom ou ruim”, gritou um homem em meio à multidão de colonos numa manhã ensolarada de 1939. Enquanto muitos sorriam, outros ficavam em silêncio prestando atenção na criança mística, considerada pelos mais humildes como alguém que jamais seria corrompido pela maldade.
Urissanê, que usava apenas uma bermuda velha feita a partir de um saco de estopa, cheirou o ar por um instante. Descalço, se ajoelhou, inclinou o rosto no chão e aspirou. “Avatim! Avatim! É o cheiro da terra que conta. Vem vento! Vem água! E derruba até ambição e teimosia”, advertiu o menino com uma voz cantada mais suave que o balanço das folhas verdes do cafeeiro.
Alguns levaram a sério o vaticínio e lamentaram que seria mais um dia de serviço perdido, já que o patrão não pagava a quem não trabalhasse quando chovia. Outros zombaram da predição do menino, reclamando que não iriam abandonar o trabalho por causa de conversa fiada de criança. Uma hora depois, o sol desapareceu, principiando a chegada de uma escuridão intempestiva. O vento intenso, que soprava envergando com fúria os galhos dos cafeeiros, esparramou flores brancas pelo chão de terra, formando um tapete natural convidativo e perfumado.
Subitamente o vento cessou e a chuva começou a cair leve sobre os colonos ainda indecisos sobre ficar ou partir. Aqueles que confiavam nas palavras do menino se protegeram do vento e da chuva dentro de uma grande tulha do outro lado do carreador. Quando cessou, os mais céticos dançaram em torno dos cafeeiros, gritando: “Êêê indiozinho que num sabe de nada. Acha que vamo credita nessa conversa? A gente precisa é de dinheiro no bolso!” Menos de um minuto depois, um raio caiu sobre Josué, o homem que achincalhou Urissanê, matando-o instantaneamente diante de todos os colonos. Seus companheiros correram horrorizados até a tulha onde os mais precavidos se protegiam da intempérie.
Apesar da condição cativa, o garoto trabalhava com o vigor de um adulto. Nunca demonstrava tristeza, raiva ou qualquer sentimento negativo. Era como se fosse motivado a viver por um motivo que jamais seria entendido pelos homens, mulheres e crianças com quem convivia. “Parecia que nada o abalava. Ele tinha uma paz enorme dentro dele e isso incomodava muita gente”, explica Salvador Marcondes.
No final da tarde, logo que o trabalho no campo terminava, Urissanê retornava para a casa da fazenda, onde era obrigado a atender aos caprichos da família do patrão até as 22h. Às vezes, quando estava sozinho lavando os pés da patroa na sala de descanso, o menino levava golpes de relho e mesmo assim não se queixava ou reagia. A observava atentamente com um olhar plácido e reflexivo, dando a impressão de que sua mente era independente do corpo. “Uma vez vi a reação dele. Era de arrepiar. Pedi pra patroa não judiar do menino e ela alegou que estava educando ele”, lembra.
Nos raros momentos em que tinha tempo livre e podia brincar, ainda que sob supervisão de alguém, Urissanê deitava na relva e observava o céu. A noite o agradava muito por causa do brilho das estrelas e da acentuada olência fresca da selva. A mata nativa, não muito distante, parecia trazer lembranças de um tempo que nunca viveu. Estirado no chão e com as mãos apoiadas na cabeça, cantava uma curta canção chamada “O Sereno da Lua”. Falava de uma criança que todos os dias tentava enxergar na lua a sua própria história. Se a lua não fosse capaz de realizar esse desejo, que pelo menos o preenchesse com uma nova história.
O capataz se apegou tanto ao menino que um dia decidiu libertá-lo. Ele e sua noiva, Ruth, planejaram a fuga uma semana antes do Natal de 1939. Quando relatou o plano, Urissanê recusou a partida. Embora vivesse como um animalzinho que desconhecia outra realidade que não a da gaiola, argumentou que nunca se sentiria livre se fugisse. “Agradeço a bondade do senhor, mas não sei o que fazer sozinho lá fora. Não sei se existe algo pra mim, até descobrir vou vivendo dentro de mim”, justificou.
Salvador ficou decepcionado e perguntou como o menino poderia aceitar viver daquele jeito. “Sei quase nada sobre a vida, mas sinto que minha dor é passageira, mais passageira do que a dor do patrão ou da patroa. Esse povo tá marcado por um sofrimento que nunca vou carregar comigo. Quando apanho sinto mais pena deles do que de mim”, confidenciou, deixando o capataz em silêncio.
Na véspera de Natal, o jovem caiuá teve uma surpresa quando Salvador e Ruth o surpreenderam, abrindo a porta do barracão onde ele dormia. Assustado, saltou da cama de palha e só se tranquilizou quando reconheceu o casal. Transportando uma grande variedade de alimentos, ofereceram um banquete jamais visto por Urissanê, acostumado a se alimentar mal. Ocasionalmente comia escondido as parcas sobras da boa comida que a mulher do patrão mandava jogar no lixo.
Durante a ceia, Salvador e Ruth insistiram mais uma vez na fuga, deixando claro que partiriam com Urissanê. O menino acabou concordando. Marcondes então rompeu a machadadas as longas correntes que prendiam os punhos de Urissanê, o impedindo de dar mais de quatro passos. Depois de juntarem os poucos pertences, invadiram um barracão e furtaram um caminhão Dodge 1937 do patrão. O barulho atraiu a atenção do pistoleiro Tonho que não conseguiu dormir e saiu para caminhar por aquelas bandas. “Que tá acontecendo aí dentro? Vamos, Salvador! Saia já daí!”, gritou, em seguida mirando a espingarda na altura do peito de Marcondes.
Crente de que não escapariam com vida, o capataz fez uma proposta. Mostrou todo o seu dinheiro guardado dentro de um pequeno saco e o ofereceu a Tonho. Ele hesitou, franziu a testa, fez careta e recusou. Prestando atenção em Marcondes e mantendo os olhos em direção ao veículo, o pistoleiro viu Ruth e Urissanê lá dentro. O menino sorriu para ele como um filho que reencontra o pai depois de muito tempo. “Quero nada não. Pode ir embora. Vá, Salvador! Vá logo!”, ordenou.
Tonho virou as costas, cuspiu um naco de fumo no chão e desapareceu na escuridão sem olhar para trás, com a espingarda apoiada no ombro. Quando o caminhão se afastou da fazenda, Urissanê observou a casa do patrão até desaparecer do seu campo de visão. Marcondes e Ruth assistiram a reação do menino sem dizer palavra. “A lua também me acompanha. Acho que agora também consigo viver fora de mim”, disse o menino.
Saiba Mais
Graças a Salvador Marcondes e Ruth Moreno, Urissanê reencontrou a família em 1946. O jovem caiuá continuou se correspondendo com o casal até 1965, quando perderam completamente o contato.
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Livro sobre a história de Paranavaí está à venda na Fundação Cultural
A obra de autoria do escritor Paulo Marcelo foi publicada pela primeira vez em 1988
Está à venda na Fundação Cultural de Paranavaí, por R$ 30, a nova versão do livro “História de Paranavaí”, do escritor Paulo Marcelo Soares da Silva, publicado pela primeira vez em 1988.
Relançado após 27 anos com recursos do Fundo Municipal de Cultura, o livro oferece aos leitores entrevistas integrais com pioneiros já falecidos há muito tempo e que fizeram parte das primeiras gerações de moradores de Paranavaí – nos tempos da Vila Montoya e Fazenda Brasileira. Tentando ser o mais imparcial possível, Paulo Marcelo apresenta várias versões de muitos fatos históricos, o que foge da unilateralidade e favorece o debate.
E mais importante, com a reedição do livro “História de Paranavaí”, o autor abre um novo caminho para despertar nos mais jovens a identificação com Paranavaí, o reconhecimento da própria identidade cultural regional e a valorização das histórias de luta e sofrimento que centenas de pioneiros viveram, principalmente nas décadas de 1920, 1930, 1940 e 1950.
Além de escritor, Paulo Marcelo é bacharel em direito e possui licenciatura em geografia. Participou e foi premiado em muitas edições do Festival de Música e Poesia de Paranavaí (Femup). Também recebeu prêmios de menção honrosa no 15º e 19º Jogos Florais de Barreiro, Portugal, e no 1º Concurso de Romances Juvenis da Academia Paranaense de Letras.
Tem contos publicados pela Empresa Tipográfica Casa Portuguesa, de Lisboa, em Portugal, e Casa da Cultura dos Trabalhadores da Quimigal, de Barreiro, também em Portugal. Ademais, é autor dos livros “O Lendário Capitão”, de 2012, e “Xondó e o Furto da Vassoura”, de 2013. “Encantamento”, a sua mais recente obra, contém ilustrações do próprio escritor e traz um conto sobre a história de um casal que se apaixonou em Paranavaí nos tempos da colonização. Para mais informações, ligue para (44) 3902-1128.
Paranavaí, uma colonização centenária
A Braviaco começou a desbravar a atual área do Noroeste do Paraná em 1910
A história de Paranavaí teve início em 1910, quando a Companhia Brasileira de Viação e Comércio (Braviaco), de propriedade do jornalista e empresário baiano Geraldo Rocha e do agrônomo baiano Landulpho Alves de Almeida, começou a desbravar o Noroeste do Paraná, mais tarde nominando Paranavaí e região como Gleba Pirapó.
Em 1926, o engenheiro agrônomo baiano Joaquim da Rocha Medeiros, funcionário da Braviaco, coordenou a derrubada de uma área para o plantio de 1,2 milhão de cafeeiros. À época, tiveram de criar uma estrada com 110 quilômetros de extensão ligando a Fazenda Ivaí, da qual a Vila Montoya faria parte, ao Porto São José, com a finalidade de promover transações comerciais com Guaíra e Porto Mendes, no Oeste do Paraná, e Argentina, para onde o café produzido seria transportado. Pelo mesmo caminho foi enviado todo o equipamento necessário para a viabilização de uma serraria, empreendimento sem o qual jamais seria construída a sede da Fazenda Ivaí, onde mais tarde surgiria Paranavaí.
Joaquim Medeiros viajou a Pirapora, Minas Gerais, em 1927, onde buscou 300 famílias de migrantes para trabalharem no plantio de café. Os levou até Presidente Prudente em um trem especial. Suportaram chuvas torrenciais que perduraram por 40 dias. Para piorar, a estrada estava intransitável. A única ponte que existia, do Rio Santo Anastácio, tinha caído, então tiveram de reconstruí-la assim que parou de chover. O engenheiro e os migrantes chegaram à Fazenda Ivaí uma semana depois. “Só mesmo o nordestino para suportar tanto desconforto”, registrou Medeiros em um diário pessoal.
A década de 1920 é apontada como a mais difícil para os moradores da colônia pelo fato de terem vivido isolados no meio da mata, correndo o risco de serem atacados por animais selvagens. Além disso, o difícil acesso a outras localidades complicava mais ainda a situação. Era preciso percorrer mais de cem quilômetros para encontrar algum povoado. Até mesmo a carne consumida na Fazenda Ivaí vinha de muito longe, era comprada no Mato Grosso (atual Mato Grosso do Sul), para onde um encarregado e alguns peões viajavam enfrentando uma série de desventuras para trazer a boiada em um barco a vapor. A viagem durava até semanas. Às vezes, era preciso percorrer mais de 500 quilômetros.
Quem cuidava dos negócios da Braviaco na colônia e em toda a região de Paranavaí era o diretor e engenheiro agrônomo Landulpho Alves de Almeida, que se tornaria senador e interventor federal da Bahia. Irmão de Landulpho, Humberto Alves de Almeida era o responsável por coordenar o transporte de café e tinha como empregado de confiança o pioneiro pernambucano Frutuoso Joaquim de Sales, considerado o primeiro cidadão de Paranavaí, homem que evitava falar abertamente sobre o início da colônia.
Em 1928, a Vila Montoya, baseada na monocultura cafeeira, ganhou contornos de cidade. A colônia oferecia tudo que era necessário à sobrevivência dos mais de seis mil moradores. No entanto, o único acesso ao distrito era a estrada do Porto São José, na divisa com o atual Mato Grosso do Sul. Todos que iam para Montoya usavam a mesma via, que servia também para ligar a colônia ao Porto Ceará e a Presidente Prudente, no Oeste Paulista, de acordo com dados do livro “História de Paranavaí”, do escritor Paulo Marcelo Soares Silva, e publicado pela Prefeitura de Paranavaí.
No passado, pela mesma estrada se chegava à Gleba-1 Ivaí, Piracema e Povoado de Cristo Rei. Quem precisava viajar para outras cidades do Paraná era obrigado a atravessar a divisa com o Estado de São Paulo, embarcar em um trem que percorria a antiga Estrada de Ferro Sorocabana até Ourinhos, e de lá partir para Tibagi, no Centro Oriental Paranaense, a quem a Vila Montoya pertencia. Por muitas vezes, o pioneiro Frutuoso Sales fez esse trajeto. Percorria parte do caminho a pé e depois a cavalo até chegar à Sorocabana. Para Sales, que quando se mudou para a região atravessou o Rio Paranapanema a nado, por maiores que fossem as dificuldades da época, nada superava o empenho e a vontade dos migrantes, principalmente nordestinos, de se restabelecerem sob o signo do ouro verde, que já despontava no Noroeste e amealhava os sonhos de muita gente.
Em 1930, foram trazidas a Montoya cerca de 1,2 mil famílias de migrantes para trabalharem nas lavouras de café sob regime de colonato. O trabalho foi interrompido inesperadamente um ano depois. Após a Revolução de 1930, o título de propriedade da Gleba Pirapó foi cassado, o que comprometeu o desenvolvimento da Vila. De acordo com Joaquim da Rocha Medeiros, essa foi a punição do Governo Federal contra a Braviaco, de Geraldo Rocha e Landulpho Alves, que apoiou a candidatura de Júlio Prestes, eleito, mas deposto pelos aliados de Getúlio Vargas.
“Colonos e funcionários da empresa, inclusive eu, tiveram que abandonar Montoya, obrigados a deixar tudo para trás e percorrer a pé, levando família, uma distância de 220 quilômetros”, revelou o engenheiro agrônomo em registro pessoal. Em vez de assegurar o emprego dos milhares de trabalhadores que viviam na Vila Montoya, assumindo a colonização da região ou repassando a concessão a uma nova colonizadora, supostamente o Governo Federal preferiu, por questões ideológicas políticas, ignorar toda a problemática socioeconômica que surgiu na colônia.
Em 1932, o tenente-coronel Palmiro, da Polícia Militar do Paraná, e o diretor da Companhia Brasileira de Viação e Comércio, o engenheiro agrônomo Landulpho Alves de Almeida, retornaram a Montoya. De acordo com informações do livro “Pequena História de Paranavaí”, de autoria do juiz de direito Sinval Reis, e publicado em 1962, Palmiro e Almeida se surpreenderam ao ver a colônia desabitada. Se depararam com muitas casas destruídas, completamente queimadas. Restaram poucos moradores, dispersos por vários pontos. “Estavam aqui Frutuoso Joaquim de Sales, José Firmino da Silva, João Clariano, Velho Caboclo, Marins, Velho Roque e mais alguns”, citou o juiz.
Os remanescentes continuaram na fazenda porque não achavam que valeria a pena migrar novamente, reviver as mesmas dificuldades que tiveram quando chegaram ao distrito. Além disso, ainda havia cafeeiros para serem explorados. Os poucos colonos deram continuidade à produção, levando o café para ser comercializado em Presidente Prudente, no Oeste Paulista, conforme fazia a Braviaco antes de ter a concessão de terras da colônia revogada. Quem também veio à região em 1932 foi o arrendatário Mario Pereira que construiu em Montoya a residência mais luxuosa do Noroeste do Paraná, criada sob o padrão estético europeu. A mansão também foi consumida pelas chamas. Sobre tais fatos, ao longo de décadas, os pioneiros de Paranavaí levantaram três possíveis suspeitas.
Especula-se que o Governo Vargas, em represália à Braviaco, tenha enviado uma tropa do Exército Brasileiro ao distrito para promover a destruição das residências, além da queima de milhares de pés de café. A segunda hipótese levantada por pioneiros é a de que a própria companhia poderia ter feito isso para se vingar do Governo Federal e também evitar que outros usufruíssem de suas benfeitorias. Já a terceira suspeita diz respeito aos grupos de criminosos que viajavam pelo Oeste Paulista e Norte do Paraná no princípio dos anos 1930, realizando atos de vandalismo, assaltos e saques em colônias pouco povoadas.
Em novembro de 1930, quando Vargas se tornou presidente do Brasil, o Paraná ainda preservava 87% de vegetação primitiva. O Governo Federal tinha grande interesse na quase inabitada Vila Montoya. A área então, antes colonizada pela Companhia Brasileira de Viação e Comércio, foi repassada ao jornalista e político gaúcho Lindolfo Collor, um dos participantes da Revolução de 1930, que se tornou o responsável legal pela região de Paranavaí por alguns meses, até que decidiu se afastar do Governo Vargas, tornando-se oposicionista.
Em 8 de abril de 1931, ano em que a extinta Vila Montoya foi nominada como Fazenda Brasileira, o interventor federal do Paraná, o general Mário Tourinho, assinou um decreto retomando as terras da localidade e autorizando o início dos loteamentos. A morosidade para se conseguir um lote fez muitos moradores irem embora para outros povoados, locais onde o acesso era mais fácil e menos burocrático. O ponto positivo é que o decreto afastou muitos colonizadores que exploravam os colonos nordestinos e nortistas, vistos como mão de obra barata. A informação de que o governo acompanharia de perto tudo que acontecia intimidou muita gente, principalmente os exploradores.
Em 1933, o interventor Manoel Ribas visitou a Fazenda Brasileira para acompanhar de perto a situação da colônia. O acesso ao povoado era muito difícil e se restringia a mesma estrada que findava no Rio Paranapanema. Para facilitar o contato com outras colônias e cidades do Paraná, além de diminuir a influência paulista na localidade, Ribas pediu que o engenheiro civil Francisco Natel de Camargo iniciasse a abertura de outra estrada que começava em Arapongas, no Norte Central, se estendendo até a antiga Estrada Boiadeira. Entretanto, é válido ressaltar que a colonização da Brasileira só voltou a ser intensificada em 1935, fato que gerou especulações sobre o destino da colônia, pois surgiram incertezas sobre quais procedimentos seriam adotados pelo governo para o repovoamento.
A década de 1930 entrou para a história de Paranavaí como um período bastante obscuro, marcado por muitos crimes e injustiças. Quem fixava residência na brasileira para trabalhar nas lavouras de café, e mais tarde tomava a decisão de ir embora, era punido brutalmente. Ingênuo, não raramente o migrante insatisfeito ia até o encarregado para quem informava o desejo de partir, então acertava os vencimentos e recolhia os pertences. Enquanto aguardava às margens do Rio Paranapanema a chegada de uma balsa com destino ao Porto Ceará, no Estado de São Paulo, o colono e toda a sua família eram assassinados a tiros por jagunços que trabalhavam para os colonizadores.
Alguns eram mortos às margens do rio. Outros eram abatidos quando estavam de costas, durante a travessia. Segundo relatos de pioneiros, os capangas abriam os corpos das vítimas, extraíam todas as vísceras, enchiam de pedras, costuravam e jogavam no Paranapanema, conhecido pelo enorme cardume de piranhas. Os relatos sobre os crimes praticados contra os colonos impediram que muita gente fosse embora da Fazenda Brasileira. As histórias que disseminavam terror e medo se espalhavam pelo Paraná, São Paulo e Mato Grosso.
Nem mesmo os balseiros do Porto Ceará ousavam se aproximar do povoado, inclusive alertavam todos os passageiros sobre os perigos da Brasileira. Tal experiência foi vivenciada pelo pioneiro paulista Natal Francisco e seu irmão que seguiram a recomendação de um balseiro e deixaram um veículo Ford movido a gasogênio no porto. “Ele disse que perderíamos o veículo se o guiássemos até a Brasileira”, justificou Natal Francisco em entrevista registrada no livro “História de Paranavaí”, do escritor Paulo Marcelo Soares da Silva. Após a visita que teve duração de oito dias, Francisco e o irmão estavam retornando ao Porto Ceará quando ouviram o som de um acordeão. Surpresos, mas curiosos, adentraram a mata. Antes que vissem qualquer coisa, uma mulher gritou.
“Pelo amor de Deus, não mata nóis. Tamo fugindo, mas tamo quase morto.” Mesmo assustado, Natal e o irmão ligaram a lanterna para ver se tinha mais alguém ali. O marido da moça estava caído no chão com a roupa rasgada e uma sanfona sobre o peito todo ensanguentado. O casal de colonos enganou os jagunços e fugiu da Fazenda Brasileira. Às margens do Paranapanema, improvisaram uma jangada para a navegação. Enquanto isso, alguns capangas chegaram até a beira do rio. De lá, atiraram e acertaram o rapaz. A ambição e a ganância custaram muitas vidas, e não apenas de colonos, mas também de quem era capaz de enfrentar qualquer conflito por questões de posse.
Mesmo com o esvaziamento populacional, a briga por terras acirrou-se. Posseiros trocavam ameaças sem se importar com os transeuntes, o que já dava a ideia de que algo muito ruim viria depois. Quando o Governo do Paraná decidiu intervir, dando prazo de 90 dias para os grileiros desocuparem as áreas invadidas, a situação já estava fora de controle. Chegou um momento em que ninguém mais trocava ameaças, simplesmente matava o seu desafeto. À luz do dia, não era raro ouvir tiros vindo de várias direções. Cadáveres eram vistos no centro da Brasileira, caídos sobre o solo arenoso. Dependendo da intensidade da corrente de ar a terra cobria superficialmente o morto. Aqueles que não tinham familiares eram deixados onde estavam, abandonados sobre o chão, até começarem a se decompor. Apenas quando o odor da volatização de cadaverina e putrescina começava a tomar conta do ambiente que alguém dava um jeito de se livrar do corpo.
Estima-se que dezenas de pessoas foram assassinadas nesse período, embora seja impossível precisar o total de vítimas. Muitos crimes eram ocultados pelos jagunços que se livravam dos cadáveres nas imediações do Porto São José, na Lagoa do Jacaré, confluente do Rio Paraná. Lá, os corpos eram despejados porque os jacarés eliminavam as provas do crime. Em 1936, quando a Fazenda Brasileira já era famosa pela onda de crimes, o Governo Federal exigiu uma medida radical do interventor federal Manoel Ribas. A decisão foi enviar o tenente gaúcho Telmo Ribeiro, famoso por métodos menos ortodoxos de impor ordem. Com o tenente, conhecido como rápido no gatilho, veio um grupo de mercenários paraguaios de Pedro Juan Caballero. Não levaram mais do que alguns meses para dar fim ao clima de faroeste que imperava na Brasileira. Segundo pioneiros, melhoraram a situação, mas também mataram muita gente.
Em 1942, Ulisses Faria Bandeira, funcionário da Inspetoria de Terras do Estado, dirigida por Francisco de Almeida Faria, foi transferido de Londrina à Fazenda Brasileira para demarcar a primeira via da colônia, a Avenida Paraná. O trabalho de Bandeira tinha relação direta com a chegada de migrantes e imigrantes à Brasileira. Aparentemente a demarcação simbolizava o interesse do Governo do Paraná em investir no desenvolvimento do povoado, o que atrairia a atenção de todos que por aqui passassem. A estratégia deu certo, e em setembro de 1943 um grande número de pessoas chegou à Fazenda Brasileira, onde compraram muitos lotes de terras.
Naquele tempo, atrair quem buscava melhores condições de vida era uma tarefa complicada, pois o acesso a Paranavaí era tão precário que nenhum caminhoneiro de Londrina, no Norte Central Paranaense, cidade por onde passavam os muitos migrantes que vieram para cá, aceitava realizar um frete até a Brasileira por menos de 1,5 mil cruzeiros, preço muito elevado se comparado a outros destinos. Ainda assim, muitos insistiam na viagem, pagavam o que fosse necessário para chegar ao povoado do qual ouviam falar muito bem. Mas como a propaganda sempre supera a realidade, a verdade é que a colônia era bem desorganizada, se resumia a um amontoado de pessoas de diferentes etnias dispersas por todos os lados. “Quando cheguei aqui só a Gleba 1-A tinha sido demarcada, um trabalho do engenheiro Alberto Gineste”, lembrou o pioneiro Ulisses Faria Bandeira.
No ano seguinte, o marceneiro curitibano Hugo Doubek estava participando de uma exposição de artes em Curitiba quando conheceu o diretor do Departamento de Geografia, Terras e Colonização (DGTC) do Governo do Paraná, Antonio Batista Ribas. O diretor convidou Doubek para ser o administrador geral da Fazenda Brasileira; o marceneiro aceitou. Hugo Doubek já conhecia a Brasileira, onde trabalhou desmanchando casas em algumas áreas para reconstruí-las em outros pontos. Em 1942, não havia mais residências disponíveis na Brasileira, pois as que restaram da época de Montoya foram desmanchadas e realocadas em outras áreas. Por muitas vezes, os colonos pensaram em ir para o mato derrubar árvores para aproveitar a madeira. Porém, ninguém na colônia tinha equipamento necessário para o serviço e o transporte. A madeira ainda era trazida de Marialva, até que decidiram construir uma serraria.
O inspetor Ulisses Faria e o administrador da colônia, Hugo Doubek, fizeram o trabalho de demarcação territorial da colônia a pé, tendo como referência a localização de todos os moradores do povoado. “Recebi a ordem para achar toda aquela gente, obedecendo certa metragem que margeava córregos e rios. Foi tudo feito sem condução, e só achei os primeiros colonos a vinte quilômetros da Inspetoria de Terras”, destacou Doubek.
Em 1944, a Gleba 1-A, ocupada principalmente por paulistas, mineiros, cearenses e pernambucanos, já somava 30 quilômetros de estrada que a ligava à Fazenda Brasileira. Em entrevista ao jornalista Saul Bogoni, Bandeira revelou que havia inúmeras colônias em Paranavaí porque muitos pioneiros chegaram antes de 1940, o que foi percebido somente durante o trabalho de campo. A Gleba 2 foi a única área da Brasileira não demarcada por Doubek e Bandeira. Quem se encarregou do trabalho em janeiro de 1944 foram os engenheiros Artur Oliva e Lota Chimoca, que percorreram uma área superior a 15 mil alqueires, onde ainda havia muita vegetação primitiva. “A Gleba 2 tinha como ponto de partida a estrada que vai para o Porto São José”, garantiu Ulisses Faria que naquele ano tomou a iniciativa de investir no abastecimento de água. Bandeira conseguiu uma bomba com motor a gás para fazer a captação. A ideia beneficiou mais de cem famílias.
Pelo fato da colônia ter surgido sob a égide da cafeicultura, as principais ruas e avenidas foram traçadas visando o escoamento das produções, não o desenvolvimento da cidade. Prova de tal fato é que mesmo com o passar dos anos as vias foram asfaltadas, mas não redimensionadas para atender a demanda advinda com o progresso. Exemplos são as ruas e avenidas estreitas do centro da cidade. As vias dos bairros mais tradicionais de Paranavaí, como o Jardim Ibirapuera, Jardim Iguaçu, Jardim Ouro Branco e região do Colégio Estadual de Paranavaí (CEP), também foram abertas para facilitar o transporte de café, arroz e outras culturas. Paranavaí se ligava ao Porto São José, para onde toda a produção era escoada até outros estados, como Mato Grosso e São Paulo.
Embora a colonização de Paranavaí tenha sido uma consequência da formação da Gleba Pirapó em 1910, o nome Paranavaí surgiu apenas em 1944, por sugestão do engenheiro Francisco de Almeida Faria que destacou a necessidade de batizar a cidade com nome único. Pouco tempo depois, a partir do neologismo que é uma junção dos Rios Paraná e Ivaí, surgiu a Colônia Paranavaí. Naquele ano o povoado tinha cerca de 500 habitantes, distribuídos por 80 casas feitas de tabuinhas velhas. Os pontos de referência da colônia eram o Hotel da Imigração, que ficava ao lado do Fórum Dr. Sinval Reis, a Inspetoria de Terras, o primeiro Grupo Escolar e o Hospital Professor João Cândido Ferreira, conhecido como Hospital do Estado, onde se situa a Praça da Xícara e o Colégio Nobel. Muitos investidores se interessaram pela região considerada ideal para a cafeicultura em função das grandes áreas de solo virgem. Um dos colonizadores que apostou no progresso do Noroeste do Paraná foi o engenheiro civil Francisco Beltrão, da Sociedade Técnica Engenheiro Beltrão, que começou a comercializar lotes da Colônia Paranavaí em 1946.
O interesse de Beltrão pela região surgiu bem antes, no final da década de 1930, porém, só recebeu o aval do Ministério da Justiça em 14 de dezembro de 1943. Depois ainda teve de aguardar a expedição do título de propriedade liberado pelo Ministério da Agricultura em junho de 1946, segundo informações do escritor Paulo Marcelo Soares da Silva. Todos os documentos diziam respeito à compra de 17 mil hectares de terras que até então pertenciam ao Governo Federal em área próxima às propriedades da Companhia Norte do Paraná. Boa parte das posses do engenheiro na região de Paranavaí se situava em áreas que mais tarde se tornariam o município de Tamboara, Seara, Suruquá e Anhumaí. Na década de 1950 foi a vez de pioneiros como Carlos Antônio Franchello e Enio Pipino, da Sociedade Imobiliária Noroeste do Paraná (Sinop), apostarem no progresso regional.
Em 14 de dezembro de 1951, com o empenho do primeiro vereador de Paranavaí em Mandaguari, Otacílio Egger, que teve ajuda do pioneiro paulista Paulo Tereziano de Barros, a colônia conquistou a emancipação política por meio da lei estadual nº 790. No entanto, foi necessário esperar mais um ano para a elevação de Paranavaí a município, após a eleição que elegeu o médico José Vaz de Carvalho como prefeito de Paranavaí. Ele obteve 2702 votos contra 1607 do adversário Herculano Rubim Toledo. De acordo com informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Paranavaí contava com 22.260 habitantes em 1951. À época, Mandaguari tinha 15.434 e Maringá possuía 8.898 moradores. Em 14 de dezembro de 1952, quando Paranavaí se tornou município, a população local somava 25.520 habitantes, segundo o IBGE.
A colonização na região de Paranavaí, intensificada em 1946, ganhou tanta força que anos depois superou as regiões de Maringá e Umuarama. O que contribuiu para o desenvolvimento local foi o trabalho das colonizadoras de capital privado. Além disso, de acordo com dados do Instituto Ambiental do Paraná (IAP), a região de Paranavaí somou 90 milhões de pés de café antes do final da década de 1950, uma marca que deu visibilidade nacional ao Noroeste do Paraná. As campanhas publicitárias veiculadas por todo o Brasil, mas principalmente em cidades do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, surtiram tanto efeito que em Paranavaí foram vendidos milhares de imóveis, entre lotes urbanos, chácaras e sítios. Segundo informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), isso justificou os 307 mil habitantes da região de Paranavaí em 1960.
Entre os anos de 1940 e 1950, já viviam em Paranavaí, além de migrantes de todas as regiões do Brasil, portugueses, italianos, alemães, poloneses, russos, ucranianos, espanhóis, japoneses, franceses, suíços, húngaros, sírios e libaneses, além de povos de outras etnias. Muitos moradores diziam que Paranavaí tinha tudo para ser a “terceira capital do Paraná”, logo atrás de Curitiba e Londrina. Os habitantes se baseavam no fato de que a região de Maringá somava 237 mil habitantes e a de Umuarama cerca de 253 mil, conforme registros do IBGE. Em 1960, com exceção de Curitiba, se tratando de desenvolvimento, Paranavaí só perdeu para a região de Londrina que chegou aos 600 mil moradores. Paranavaí teve uma evolução exemplar. A cidade era vista como símbolo de progresso no Paraná, uma imagem que ganhou solidez em 1956, quando uma pesquisa da Associação Brasileira dos Municípios apontou Paranavaí como uma das cinco cidades com maior índice de desenvolvimento do país.
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O ensaio “Paranavaí, uma colonização centenária” foi premiado em Curitiba em 2011, no Concurso Estadual de Ensaios, realizado pelo Instituto Histórico e Geográfico do Paraná (IHGPR), com curadoria da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Referências
SILVA, Paulo Marcelo Soares – História de Paranavaí – 1988.
GOEVERT, Ulrico – História e Memórias de Paranavaí – 1992.
FOERST, Alberto; WUNDERLICH, Henrique; LIPPERT, Burcardo; Deckert, Adalberto – As Aventuras de Três Missionários Alemães em Paranavaí – 2011.
BECK, Jacobus – Minha Viagem à Região Missionária de Paranavaí – 1952.
REIS, Sinval – Pequena História de Paranavaí – ?
STECA, Lucinéia Cunha e FLORES, Mariléia Dias – História do Paraná: do século XVI à década de 1950. Editora UEL. Londrina – 2002.
FILHO, José Vicente – As Nossas Histórias – 2005.
Revista Grande Noroeste – edição de dezembro de 1991.
Jornal Diário do Noroeste – edição de 14 de dezembro de 2002.
Pesquisa oral feita com pioneiros de Paranavaí.
Depoimentos do projeto Memória e História de Paranavaí.
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Vila Montoya estava abandonada em 1932
Em 1932, o tenente-coronel Palmiro, da Polícia Militar do Paraná, e o vice-diretor da Companhia Brasileira de Viação e Comércio (Braviaco), o engenheiro agrônomo Landulpho Alves de Almeida, encontraram a Vila Montoya, hoje Paranavaí, no Noroeste do Paraná, destruída, com muitas casas queimadas.
De acordo com informações do livro “Pequena História de Paranavaí”, de autoria do juiz de direito Sinval Reis, Palmiro e Almeida se surpreenderam ao ver a colônia desabitada. Os dois se depararam com centenas de casas destruídas, completamente queimadas. Na fazenda que recebeu o nome de Vila Montoya restaram poucos moradores, dispersos por vários pontos. “Estavam aqui Frutuoso Joaquim de Salles, José Firmino da Silva, João Clariano, Velho Caboclo, Marins, Velho Roque e mais alguns”, afirmou o juiz.
Os remanescentes continuaram na fazenda porque não achavam que valeria a pena migrar novamente, reviver as mesmas dificuldades que tiveram quando chegaram à região. Além disso, ainda havia cafeeiros para serem explorados. Na fazenda, os poucos colonos deram continuidade a produção, levando-a para ser comercializada em Presidente Prudente, no Oeste Paulista, conforme já o fazia a Braviaco antes de ter a concessão de terras da colônia revogada.
Quem também veio à região em 1932 foi o arrendatário Mario Pereira que construiu em Montoya a residência mais luxuosa do Noroeste Paranaense, criada sob o padrão estético europeu. A mansão também foi consumida pelas chamas. Sobre tal fato, ao longo de décadas, os pioneiros de Paranavaí levantaram três possíveis suspeitas. A primeira atribui ao presidente Getúlio Vargas o fim de Montoya.
Especula-se que o Governo Vargas tenha enviado uma tropa do Exército Brasileiro à Vila Montoya para promover a destruição das residências, além da queima de milhares de pés de café. “O presidente Vargas anulou o contrato com a Braviaco e pegou todas as terras de volta porque a colonizadora apoiou um adversário político, o Júlio Prestes. Então mandar soldados para fazer esse tipo de serviço era uma forma de mostrar a companhia quem mandava aqui, caso alguém da Braviaco aparecesse de novo por essas bandas”, disse o pioneiro cearense João Mariano.
A segunda hipótese culpa a Companhia Brasileira de Viação e Comércio pelo que aconteceu. “A própria Braviaco poderia ter feito isso para se vingar do Governo Federal e também evitar que outros usufruíssem de suas benfeitorias. Muito dinheiro foi gasto. Você acha que eles deixariam outro se beneficiar disso? Acho que não!”, justificou o pioneiro gaúcho João Alegrino de Souza. Já a terceira suspeita diz respeito a grupos de criminosos que viajavam pelo Oeste Paulista e Norte do Paraná no princípio dos anos 1930, realizando atos de vandalismo, assaltos e saques. “Esses bandos visavam apenas colônias abandonadas e povoados que não contavam com força policial”, comentou o pioneiro catarinense José Matias Alencar.
Sobre a destruição de Montoya, há apenas inferências, pois os pioneiros que viveram esse período faleceram há muito tempo e nunca se dispuseram a falar abertamente sobre o assunto, nem mesmo o pernambucano Frutuoso Joaquim de Salles, homem que participou de praticamente todos os acontecimentos mais importantes do princípio de Paranavaí.
O que aconteceu com a população de Montoya?
Como o direito de concessão de terras da Companhia Brasileira de Viação e Comércio (Braviaco) foi revogado em 1931, os mais de seis mil colonos que viviam na Vila Montoya ficaram sem trabalho. Muitos eram analfabetos e jamais desempenharam qualquer atividade que não a de empregado em lavouras. Por isso, sem terem como se sustentar, foram obrigados a partir em busca de serviço em outras colônias e cidades.
Supostamente, em vez de assegurar o emprego dos milhares de trabalhadores de Montoya, assumindo a colonização da região ou repassando a concessão a uma nova colonizadora, o Governo Federal preferiu, por questões ideológicas políticas, ignorar toda a problemática socioeconômica que surgiu naquele momento. A área só voltou a ser colonizada em 1935.
Há quem acredite que foi uma tentativa de mais tarde negar a existência do lugarejo, a partir da anulação histórica, já que restariam poucas testemunhas para futuramente relatarem o que aconteceu. Tal iniciativa pode ter contado com a conivência dos primeiros pioneiros de Paranavaí que ao longo da vida sempre evitaram falar sobre o assunto.
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A proibição de bebidas alcoólicas em 1927
Quando o álcool foi banido de Paranavaí pela Braviaco
Em 1927, a entrada de bebidas alcoólicas foi proibida na Vila Montoya, atual Paranavaí, no Noroeste do Paraná, medida que foi mantida até 1930, ano em que a concessão da Companhia Brasileira de Viação e Comércio (Braviaco), subsidiária da Brazil Railway Company, foi revogada pelo presidente Getúlio Vargas.
Quando a Braviaco começou a construção de 110 quilômetros de estrada em 1926, ligando as imediações dos rios Pirapó e Paranapanema à fazenda que receberia o nome de Vila Montoya, os diretores da Braviaco, Geraldo Rocha e Landulfo Alves, foram informados que muitos de seus trabalhadores tinham o costume de consumir bebidas alcoólicas todos os dias. Por isso, tomaram a decisão de impor uma lei baseada na palavra para impedir a entrada de álcool na região de Paranavaí. Quem fosse flagrado bebendo era despejado e mandado embora.
A iniciativa foi colocada em prática em 1927, quando cerca de seis mil pessoas, somando centenas de famílias, viviam na colônia, em áreas que hoje pertencem ao Jardim Ipê, Jardim Iguaçu e Jardim Ouro Branco. A medida que tinha um caráter de “diplomacia rural” não foi bem recebida por todos os migrantes, inclusive alguns optaram por deixar o povoado afirmando que não valia a pena trabalhar em um lugar sem poder pelo menos tomar uma dose de cachaça no fim do dia.
Como havia dezenas de capangas na fazenda, ninguém é capaz de afirmar se aqueles que abandonaram a Vila Montoya chegaram aos seus destinos. “A proibição da entrada de bebidas alcoólicas na região foi uma providência salutar”, disse o engenheiro agrônomo Joaquim da Rocha Medeiros em entrevista à Prefeitura de Paranavaí décadas atrás. Medeiros era funcionário da Braviavo e coordenava o trabalho da companhia na região.
“O veto não atrapalhou muito, mas teve gente que partiu para outras cidades do Paraná e do interior de São Paulo. Penso que a ideia de proibir o álcool era pra evitar todos os tipos de problemas. Depois de umas pingas, o peão ficava agitado, com o sangue quente e, como a vida já era difícil, qualquer coisinha era motivo pra coçar a mão e arrancar a faca da cintura”, avaliou o pioneiro cearense João Mariano.
A proibição de bebidas alcoólicas em Montoya durou cerca de três anos. Ainda assim, alguns tinham acesso ao álcool. “Como era um produto proibido, saía mais caro, mas a gente sabe que até os jagunços da fazenda davam um jeito de arrumar a bebida para a ‘peãozada’. Claro que não era todo mundo que bebia, mas alguns nem que fosse de vez em quando conseguiam uma pinguinha sim”, enfatizou.
“Quando se aproximou, viu um cadáver apodrecendo”
Como não havia autoridades policiais o suficiente para cuidarem dos seis mil moradores do Distrito de Montoya, a Braviaco costumava intervir, pensando em ações que evitassem conflitos entre os colonos. Nem sempre dava certo, tanto que em 1927, o álcool já havia trazido como consequências muitos desentendimentos e brigas entre os trabalhadores.
“Tinha peão que ia trabalhar alcoolizado, assim arrumava confusão com extrema facilidade. São problemas que já existiam. Para a Braviaco, não era uma questão humana. A maior preocupação era que caso alguns se matassem, isso poderia afetar a produção de café, exigindo novos colonos para substituir os que morriam. É claro que eles não iriam se queixar disso, mas quem viveu aquela época sabia que o que importava pra eles era o lucro”, desabafou Mariano.
Havia três policiais para garantir a segurança dos moradores da Vila Montoya. Eram profissionais que nem sempre iam até as áreas de conflito, mesmo após alguns crimes. De acordo com João Mariano, não foram poucas as mortes em meio aos cafezais. “Tive um compadre que uma vez estava cruzando a roça e sentiu um mau cheiro perto de um pé de café. Quando se aproximou, viu um cadáver apodrecendo embaixo de um monte de folhas e galhos pequenos”, revelou. O homem ficou com medo e não contou nada a ninguém. No dia seguinte, a “consciência pesou” e ele voltou ao mesmo lugar. Para a surpresa do colono, já tinham removido o corpo.
“Como havia uns rastros de sangue no chão, meu compadre foi pedir informação pra polícia, só que como quem não quer nada. Falaram que fazia tempo que não acontecia nenhum crime por essas bandas”, confidenciou o pioneiro João Mariano, denunciando que os policiais contribuíam na ocultação de crimes para não comprometer a imagem da companhia. É importante lembrar que as bebidas alcoólicas foram banidas até 1930, quando a Braviaco teve de se retirar do distrito, sob ordem do presidente Getúlio Vargas que revogou a concessão de terras em represália ao apoio prestado ao político Júlio Prestes.
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A Vila Montoya pertencia ao município de Tibagi, no Centro Oriental Paranaense.
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O pioneirismo de um curitibano em Paranavaí
Aldo Silva viabilizou a construção do Cemitério Municipal de Paranavaí
O advogado Aldo Silva que chegou a Paranavaí nos anos 1940, além de atuar na promotoria pública, se elegeu vereador por quatro mandatos consecutivos. Como presidente da Câmara Municipal foi o responsável pela viabilização da construção do Cemitério Municipal.
O curitibano Aldo Silva se mudou para Paranavaí em 20 de maio de 1948. Com 34 anos, terminava o mandato como deputado estadual. “Quando cheguei à colônia havia cerca de 300 moradores. Me hospedei na pensão de Artur de Melo, perto da hospedaria do “Seu Rodrigo” [Rodrigo Ayres de Oliveira]. Passei uma noite horrível porque estava muito frio e o vento entrava pelas frestas na parede de pau-a-pique”, relatou Silva.
Em Paranavaí, Silva logo conheceu diversos personagens que fazem parte do pioneirismo local, como Rodrigo Ayres de Oliveira, Família Palmiano, Zé Peão, José Cândido de Freitas, Manoel Paulino e Ulisses Faria Bandeira. “Este último veio pra cá ainda muito menino”, comentou o advogado que foi transferido a Paranavaí para exercer a função de promotor de justiça, cargo que lhe rendeu boa popularidade, além de estar sempre em contato com a política local.
Não são poucos os que apontam Aldo Silva como uma das pessoas mais influentes da história de Paranavaí. Ainda assim, o advogado jamais se considerou pioneiro. “Não fui um dos desbravadores, mas sim um dos primeiros que vieram para cá quando aqui passou realmente a existir como Paranavaí. Foi um tempo de afluxo muito grande de gente”, destacou, acrescentando que pessoas de vários países e de todos os estados do Brasil fixavam residência na colônia.
Em 1952, Aldo Silva foi eleito vereador e no ano seguinte assumiu como presidente da Câmara Municipal. No dia 16 de novembro de 1953, assinou um decreto que viabilizou a construção do Cemitério Municipal. O bom trabalho desempenhado pelo advogado lhe rendeu a reeleição. Em 1956, o candidato do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) se elegeu com 727 votos. E não parou por aí. Aldo Silva garantiu uma vaga na Câmara de Vereadores até 1968. Foram 16 anos dedicados à política municipal.
As curiosidades do passado
Entre os fatos mais curiosos lembrados pelo pioneiro Aldo Silva está um que envolve o primeiro prédio da administração pública. “O local onde funciona hoje a Prefeitura de Paranavaí já era usado com essa finalidade naquela época, a diferença é que era maior e abrigava todos os serviços públicos, inclusive estaduais”, frisou Aldo Silva, acrescentando que antes o espaço servia como hospedaria.
O vereador conheceu o primeiro advogado de Paranavaí, Dalio Zippin Grinspun, de origem polonesa, que anos depois se mudou para Curitiba. “Era um sujeito que dormia de dia e de noite, em pé, sentado, até conversando com a gente”, disse. Outra personalidade da história local com quem o vereador teve bastante contato foi Oscarlino Carvalho Duarte, apontado como o pioneiro que desbravou a região de Santa Isabel do Ivaí. “Ele foi o primeiro a ter geladeira, fogão, automóvel de luxo e também a construir um sobrado em Paranavaí”, revelou o advogado que em suas viagens pelo Noroeste do Paraná se deparou com fatos inimagináveis.
Nas imediações do Rio Paranapanema, Aldo Silva teve a oportunidade de conhecer o “Ranchão de Zinco”, um local que nos anos 1940 e 1950 ficou conhecido como “cemitério de veículos”. “Lá, havia muitos caminhões e automóveis deteriorados que foram abandonados. Os que vieram pra cá no início, sempre passavam pelo Paranapanema”, justificou. Segundo pioneiros, era comum os migrantes abandonarem veículos nas estradas e jamais retornarem para buscar, então surgiu a iniciativa de remanejá-los para uma área que depois recebeu o nome de “Ranchão de Zinco”. No local, o que surpreendia é que havia automóveis e jipes com a lataria em ótimo estado de conservação.
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O curitibano Aldo Silva nasceu em 1914 e faleceu no dia 7 de junho de 1977 em Paranavaí.
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Aventuras para chegar a Paranavaí
Migrantes enfrentaram adversidades para chegar ao povoado entre os anos 1920 e 1940
A travessia do Rio Paranapanema a nado
Uma das histórias mais surpreendentes de chegada de migrantes a Paranavaí, no Noroeste do Paraná, é a do pernambucano Frutuoso Joaquim Salles. Considerado o primeiro cidadão local, o homem foi um dos poucos remanescentes da Vila Montoya a viver aqui até os seus últimos dias. Aos 19 anos, Salles recebeu uma proposta de trabalho no Paraná e aceitou na hora. Era a chance de fugir da miséria que assolava o sertão pernambucano na década de 1920.
Deixou a terra natal, Sítio do Moreira, no primeiro semestre de 1929. A vontade de fugir da pobreza era tão grande que foi embora do povoado a pé. Salles caminhou até a cidade de Salgueiro, onde conseguiu carona em um barco a vapor até Juazeiro, na Bahia.
“Peguei outro barco até Pirapora, em Minas Gerais”, relatou o pioneiro em entrevista ao jornalista Saul Bogoni décadas atrás, acrescentando que foi de trem até São Paulo. Na capital paulista, o pernambucano teve que se submeter a um procedimento típico aplicado aos migrantes nordestinos. “Fui vacinado como se vacina égua”, frisou. Por toda a vida, carregou no braço a marca daquele dia: uma cicatriz bem visível.
De São Paulo, Joaquim Salles viajou para Presidente Prudente, no Oeste Paulista, acompanhado de quase 300 pessoas com menos de 30 anos. De lá, seguiram para o Porto Ceará, na divisa com o Paraná. Como a balsa não comportava tanta gente, os centenas de migrantes tiveram de atravessar o Rio Paranapanema nadando. Do outro lado da margem, percorreram mais de cem quilômetros a pé até chegarem à Vila Montoya no dia 24 de julho. A sede administrativa da colônia ficava onde é atualmente o Distrito de Piracema.
Nove dias esperando uma carona
Aventuras também foram vividas mais tarde pelos paulistas João Silva Franco e Salatiel Loureiro. Os dois pioneiros pegaram um trem em Ourinhos, no interior paulista, e viajaram até Apucarana, no Norte Central Paranaense.
“Apucarana era do tamanho do Distrito Deputado José Alfonso [Quatro Marcos], tinha pouca gente e algumas casinhas. Ficamos ali nove dias esperando uma carona pra trazer a família pra cá”, ressaltou Franco, lembrando que passaram por Lovat, atual Mandaguari, antes de virem para a Fazenda Brasileira, atual Paranavaí.
De acordo com a pioneira catarinense Francisca Schueroff, nas viagens de caminhão, os passageiros que iam na carroceria tinham de se abaixar muitas vezes para evitar que fossem atingidos pelos galhos das árvores. Outro fato interessante é que na época da Brasileira não se via quase veículos motorizados. Era um bem acessível a poucos, tanto que muitos migrantes chegaram ao povoado inclusive de carona ou a pé. “O movimento mesmo era de carroças e cavaleiros”, enfatizou João Franco, se referindo ao tempo em que o pioneiro paulista Valdomiro Carvalho e muitos outros migrantes ganhavam a vida realizando fretes com carretão de bois.
Caminhões patinavam na estrada
Automóveis começaram a fazer parte da rotina dos paranavaienses somente no início dos anos 1950. Segundo o pioneiro mineiro José Alves Oliveira, conhecido como Zé do Bar, Paranavaí se situava no meio do nada e o picadão para chegar ao povoado era tão precário e arenoso que os caminhões até patinavam, quase indo ao encontro da mata virgem.
“Cheguei aqui com um caminhão que quebrou no caminho, lá perto da Capelinha [atual Nova Esperança]. Acontecia muito isso”, revelou Zé do Bar. Imprevistos custavam dias de atraso. O pioneiro catarinense Carlos Faber sabia o que isso significava. Nunca se esqueceu das viagens para visitar os parentes em Rolândia, no Norte Central Paranaense.
Naquele tempo, entre os veículos motorizados, o mais popular na região da Brasileira era o jipe Land Rover, de fabricação britânica, que se destacava pela capacidade de trafegar no solo arenoso e irregular da colônia. O veículo comercializado até por 20 mil réis perdeu espaço na década de 1950, quando a população do povoado começou a viajar com as jardineiras e os monomotores.
Povoado não tinha carro, mas tinha mecânico
O pioneiro paulista José Ferreira de Araújo, conhecido como Palhacinho, lembrou que quando chegou a Fazenda Brasileira havia apenas um automóvel.
“Era um pé de bode, um ‘fordinho’ cabeça de cavalo do Lindolfo Alves que tinha uma oficina com aparelho de solda. Aqui não tinha carro, mas tinha mecânico”, garantiu Araújo. Sem automóveis para consertar, a oficina de Alves era mais requisitada para soldar ferramentas de trabalho e cortar madeiras para a construção de casas.
Curiosidades
Nos anos 1940, uma viagem de caminhão custava até 1,5 mil cruzeiros.
O primeiro posto de combustível da colônia foi fundado pelo pioneiro espanhol Thomaz Estrada.
Em 1929, a Companhia Brasileira de Viação e Comércio (Braviaco) mantinha uma frota de 25 caminhões na Vila Montoya.
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