Archive for the ‘Humanização’ tag
Humanize a criança que você colocou no mundo
Se você colocou uma criança no mundo, a humanize por meio da cultura, da arte. Apresente o mundo da cultura popular, da literatura, do cinema, da música, do teatro e das artes plásticas. Não há maior exemplo de diversidade do que a arte.
Sensibilize vossa criança antes que ela seja embrutecida por vias desconhecidas. Desde cedo, a estimule a se tornar uma pensadora, não uma repetidora de discursos fragilizados. Mostre que ela não está sozinha no mundo, que ela pode se reconhecer no outro, assim como o outro é capaz de se ver nela.
A leve também para conhecer os menos favorecidos. Desperte nela o entendimento de que o ser humano, independente de posição social, tem sua história e seu valor para além dos descaminhos.
Sobre os animais, não a deixe enclausurada no universo dos bichos domésticos. Mostre que todo animal tem aptidão para viver à sua maneira, e não cabe a nós julgá-los sob os enganosos augúrios da nossa superioridade e racionalidade.
Deixe claro que é na inaptidão da fala que eles se mostram mais cordiais e mais sensíveis do que nós, até porque, diferentemente do ser humano, desconhecem a pesporrência.
Contribuição
Este é um blog independente, caso queira contribuir com o meu trabalho, você pode fazer uma doação clicando no botão doar:
A lição do malabarista
Num reflexo inimaginável, o malabarista segurou a pedra no ar
Em frente a um semáforo no centro de Paranavaí, um artista de rua fazia malabarismo quando um rapaz dentro de um carro arremessou uma pedra em sua direção. Num reflexo inimaginável, o malabarista segurou a pedra no ar. Sem mudar o semblante, continuou movimentando as bolinhas que, mesmo com a inesperada adição do calhau, formaram um arco aéreo multicolorido e extremamente vívido.
O responsável pela pedrada agiu como se nada tivesse acontecido. Desviou o olhar, simulou expressão serena e fingiu que estava guardando alguma coisa dentro do porta-luvas. Faltando uma bolinha para o sinal ficar verde, o sorridente artista de rua finalizou a apresentação e, acompanhado de um amigo, se ajoelhou no asfalto gelado e áspero.
No mesmo instante, abriu os braços e pediu que os motoristas aguardassem um momento. “Por favor, esperem! Agora o sinal que está vermelho não vem do alto!”, disse. Todos ou quase todos entenderam o recado. Então ele se levantou e exibiu as palmas das mãos. Eu estava na primeira fileira e vi que as duas tinham inúmeras cicatrizes, mas somente a mão direita sangrava. O sangue escorria pelo seu braço e respingava na rua.
“Por favor, você aí, meu jovem! Venha aqui!”, falou o malabarista para o seu agressor, a poucos metros de distância de mim. O rapaz fingiu que não entendeu e virou o rosto para a calçada à sua direita. O artista de rua caminhou até ele e acenou gentilmente para que saísse do carro. Diante de tantos olhares curiosos e inquiridores, o jovem acabou cedendo.
Fora do automóvel, o agressor ficou constrangido e rubro. Mais do que isso, temeu a reação do malabarista. “Não se preocupe! Só vou dar a você a única coisa que tenho a oferecer. E ela não vem de baixo, não vem de cima, não vem da frente nem dos lados. Ela vem de dentro! É tão poderosa que toca até o intocado”, declarou o artista.
De repente, o malabarista apertou a mão direita do rapaz, fazendo com que ele sentisse o ferimento e o sangue que começava a engrossar em sua mão. Sem dizer mais nada, o abraçou com ternura e devolveu-lhe o calhau tornado vermelho por causa do sangue. “Que nenhum moribundo se entregue ao terror profundo! Porque sem gentileza só resta a aspereza!”, gritou o artista de rua, tão jovem quanto o próprio agressor, antes de subir na calçada.
Contribuição
Este é um blog independente, caso queira contribuir com o meu trabalho, você pode fazer uma doação clicando no botão doar:
As transformações da Vila Alta
Era um abandono total e você pode não concordar, mas acredito que o nosso trabalho tem parte nisso
Fiquei feliz e emocionado hoje quando visitei o artista plástico Luiz Carlos Prates de Lima, o Tio Lú, idealizador da Oficina do Tio Lú, na periferia de Paranavaí. Durante um tranquilo bate-papo, ele me relatou que a Vila Alta não é mais o mesmo bairro de três anos atrás.
“Aqui antigamente você via briga direto nas ruas, nem que fosse bate-boca e confusão por bobagem. Assassinatos ou outros tipos graves de crimes não acontecem no bairro tem muito tempo. São raros. Nem sei te dizer quando foi a última vez. E notei que até moradores agressivos estão mais tranquilos, mais civilizados, mais tolerantes. Sempre fico sabendo de novos casos de criminosos que abandonaram a vida errada. Até as crianças estão mais conscientes de certo e errado, de suas obrigações. Parece que muita gente do bairro hoje se sente mais humana, menos insignificante. É como um renascimento. Aqui era um abandono total e você pode não concordar, mas acredito que o nosso trabalho tem parte nisso. Foi só depois que você começou a frequentar o bairro, ajudando, dedicando tempo, fazendo documentários e reportagens sobre a oficina e a vida dos moradores da Vila Alta, que surgiram melhorias, que a atenção se voltou um pouco para este lugar, melhorando até a autoestima da população. Você fez a Vila Alta existir para quem nem sabia que existia periferia em Paranavaí. Claro, não somos perfeitos, a oficina tem suas falhas, mas acredito que ela também tem feito a diferença no bairro, principalmente na vida dos mais jovens. E vejo os pais e avós também reconhecendo isso, o que é muito importante. Estou perto de completar 86 anos e às vezes tenho a impressão de que estou chegando no fim da linha, mas quero persistir e ver novas mudanças. Com a sua ajuda, quero continuar sonhando mais pelos outros do que por mim. Não tenho mais ambições pessoais na vida, a não ser ajudar essa molecada.”
A Oficina do Tio Lú é um dos trabalhos mais belos que conheci e tive o privilégio de acompanhar de perto. Durante a conversa, não pude deixar de dizer como é admirável ver alguém se doar tanto aos 85 anos, ainda mais levando em conta que nessa etapa da vida o ser humano tem grande facilidade em sofrer com crises existenciais. Também acho justo dizer que não consigo enxergar meu trabalho como tão importante, mas é muito gratificante ouvir algo assim do Tio Lú, de quem me tornei amigo no início de 2009.
Hospital João de Freitas, a saúde com face humana
Referência nacional em cardiologia, hospital de Arapongas se destaca pelo atendimento humanizado
Chego às 8h no Hospital Regional João de Freitas, de Arapongas, no Norte do Paraná, numa manhã nublada e chuvosa. O estacionamento está movimentado e vejo uma moça correndo para dentro do hospital com uma grande bacia cheia de pequenos pedaços de bolo cobertos com papel alumínio. Em pouco tempo, ela retorna para buscar mais. Despreocupada com a água que cai impetuosa e gelada sobre seu corpo, a jovem se inclina, crente de que o mais importante é proteger os alimentos.
A chuva se intensifica e mais pessoas passam rapidamente pela porta de entrada em direção à recepção. Lá dentro, muitos aguardam atendimento sentados em quatro e cinco fileiras de bancos, cadeiras e poltronas. Os mais jovens cedem espaço aos mais velhos que ocupam quase que completamente os assentos. Não há gritaria, desordem, brigas ou queixas.
Em pé, a poucos centímetros da entrada, assisto tudo à minha volta. Escuto risadas, vejo sorrisos, olhares apreensivos, melancólicos e auspiciosos. Cada pessoa tem uma maneira particular de lidar com um grave problema de saúde. Como distração, enquanto não chega a hora do atendimento, alguns contam piadas. Outros relatam a própria história antes e depois da enfermidade. Há também quem prefere se calar, observando atitudes ou mantendo-se disperso nos próprios pensamentos.
Ao meu lado, um senhor diz que gostaria de ter cuidado mais da saúde quando era jovem. “Hoje pago o preço dos meus excessos, da minha falta de cuidados. Deveria ter dado mais importância à vida. Mas tudo bem. O mais importante é que continuo vivo e sou muito bem atendido aqui. Este hospital é um dos poucos que entrei que não tem cheiro de morte”, defende o aposentado João Oliveira, de 87 anos, sorrindo e aguardando internamento para tratar de um problema cardíaco.
Na recepção, ninguém é deixado de lado. Percebo que quem se aproxima para pedir alguma informação é prontamente atendido pelas recepcionistas. Com voz cordial, elas tratam todos com exímia educação. Também chama atenção o fato de não usarem uniformes ou muita maquiagem, garantindo mais informalidade ao ambiente, inclusive fazendo os pacientes sentirem-se mais próximos, como corrobora uma senhora acompanhando o pai.
Por volta das 8h30, uma fila espontânea se forma no fundo da primeira e principal sala de espera. Me aproximo e vejo que estão servindo os alimentos entregues pela mulher que caminhava a passos rápidos na chuva. Além de bolos e pãezinhos, são oferecidos café e chá. Sem necessidade de fiscalização, cada pessoa se limita a pegar uma unidade de cada alimento ou bebida. Quem vai além normalmente entrega o adicional para o pai, mãe ou outro familiar que aguarda atendimento.
Ainda assim, muitas pessoas não consomem nada. Alguns justificam que é importante deixar alimento e bebida disponível para quem não tem condições de pagar pelo café da manhã, já que a qualquer hora alguém pode passar pela porta de entrada com fome. Outra ação de solidariedade é colocada em prática por um jovem proprietário de três restaurantes em Arapongas.
Cumprindo uma promessa de que faria algo por seus semelhantes caso conseguisse abrir um restaurante, o rapaz visita o hospital toda terça-feira, às 12h, onde entrega pessoalmente 50 marmitas para pacientes internados. “Só pega marmita quem realmente precisa. As pessoas aqui têm consciência de certo e errado. Ninguém aceita nada sem necessidade”, justifica a pensionista Maria Neuza Silva.
No Hospital Regional João de Freitas, referência nacional em cardiologia, é fácil encontrar pessoas das mais diversas regiões do Brasil. Além de pacientes do Paraná, alguns informam que vieram de Brasília, Porto Velho, São Paulo, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Cuiabá e Campo Grande, entre muitas outras cidades. Quem vem de longe para acompanhar algum parente com menos de 65 anos pode ficar na Casa de Apoio mantida pelo hospital, caso não tenha dinheiro para custear hospedagem e alimentação.
No local, os hóspedes recebem um tratamento até melhor do que em muitos hotéis espalhados pelo país – com direito a várias refeições. Assim como todo hospital, por melhor que seja, o João de Freitas também tem suas falhas, mas que são facilmente ofuscadas pelas boas qualidades. Referência em cirurgia cardíaca, a prioridade é a humanização e a renovação das esperanças dos pacientes.
“A ouvidoria funciona muito bem. Até me perdi aqui de tão grande que é o hospital. Eles investem no ser humano, têm misericórdia e tratam todos da mesma forma. O atendimento demora um pouco, só que vale a pena. Cirurgias de ponte de safena, por exemplo, podem custar até R$ 80 mil numa clínica particular e aqui o SUS cobre tudo”, declara Maria Neuza que acompanhou o pai na realização de um exame de cateterismo pelo Sistema Único de Saúde. Se tivessem que pagar, teriam de desembolsar de R$ 3 a R$ 8 mil.
Quem chega ao João de Freitas com a guia de internamento precisa aguardar em uma segunda sala de espera a liberação de uma vaga na enfermaria. Lá, cada quarto recebe oito pessoas. E os pacientes se sentem bem mais tranquilos com a companhia, ainda mais levando em conta que acompanhantes são permitidos somente para quem tem 65 anos ou mais. “Isso ajuda a passar o tempo”, garante Maria Neuza.
Além de cinco refeições por dia, os pacientes recebem garrafinhas de suplementos proteicos de fabricação alemã, selecionado pela nutricionista do hospital. “Já me deram duas dessa. Rapaz, cada uma custa de R$ 15 a R$ 20. Eles realmente investem no nosso bem-estar”, comenta João Oliveira sorrindo. Interessante também é ver como os pacientes se ajudam dentro do quarto. Para não sobrecarregar as enfermeiras, os mais saudáveis ajudam os mais debilitados a trocar de roupas e a desinfetar os colchões pela manhã.
Não há queixas contra médicos ou enfermeiras. Muito pelo contrário. Além disso, há uma pesquisa diária avaliando a satisfação de pacientes e visitantes. “O cardiologista visita meu pai todos os dias. E toda hora recebemos enfermeiras checando como ele está se sentindo. O bom humor deles é contagiante, mesmo pra quem está numa situação tão delicada”, afirma a pensionista.
A alimentação não lembra em nada a típica comida de hospital. Segundo João Oliveira, parece mais comida caseira ou de restaurante. “Me sinto em casa, comendo arroz, feijão, cenoura e peito de frango cozido. O mesmo que a gente come, os médicos, as enfermeiras e outros funcionários também comem. Não existe diferença”, garante sem velar a satisfação. Antes de ser internado, o idoso recebeu na sala de espera uma sopa reforçada.
A limpeza também chama atenção. É praticamente impossível encontrar sujeira nas dependências do hospital. “Eles passam álcool em tudo”, assegura Maria Neuza, lembrando que cada quarto tem um líder que é o responsável por conservar o ambiente limpo. Conversando com pacientes do Hospital João de Freitas, muitos declaram que só não morreram porque o maior diferencial é a qualidade do atendimento e o carinho dispensado aos mais fragilizados.
“Só que tem que seguir as regras. Eu, por exemplo, como sou acompanhante, só posso sair em horário de visitação. Tenho uma hora à tarde e uma à noite pra me ausentar do hospital”, revela a pensionista. Entre os pacientes de um quarto da enfermaria está o jovem artista de rua Everton Luiz Rodrigues, de 33 anos. Malabarista desde a adolescência, e sem residência fixa, anualmente ele passa por tratamento no Hospital João de Freitas, onde conhece praticamente todos os profissionais do setor de cardiologia.
Everton, que tem um defeito cardíaco congênito, não pode correr ou fazer qualquer atividade que acelere demais os seus batimentos cardíacos. Ainda assim, vive cada dia como se fosse o último e aprendeu dentro do João de Freitas que sempre há motivos para ter esperanças. No corredor silencioso, aproveitando a pouca movimentação, ele coloca um bonezinho sobre a cabeça e faz uma rápida performance, indo de um lado para o outro, exibindo um sorriso genuíno para a plateia composta por uma pessoa. “Adoro dança e teatro. Artes cênicas são a minha vida”, confidencia.
Saiba Mais
Fundado em 16 de dezembro de 1993, o Hospital João de Freitas surgiu com o objetivo de suprir a necessidade de um hospital regional com tecnologia e mão de obra especializada. Acesse também: www.hospitaljoaodefreitas.com.br