David Arioch – Jornalismo Cultural

Jornalismo Cultural

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Mais diplomacia e menos guerra

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Crise na Ucrânia vai muito além do que a grande mídia informa

Crise na Ucrânia vai muito além da política e da economia (Foto: Getty Images)

Situação envolve mais do que economia e política (Foto: Getty Images)

Penso que a situação na Ucrânia não é menos delicada do que foi a do Kosovo, Tchetchênia, Sérvia e Montenegro. E pra citar dois períodos hoje remotos, o fim do Império Austro-Húngaro em 1918 e a invasão Bolgar muitos séculos antes. Não há nada simplista quando se trata de povos que, embora dividam o mesmo espaço, e estão sujeitos às mesmas conjunturas sociais e econômicas, possuem formações culturais e posições políticas convergentes e divergentes.

Não acho que o problema da crise na Ucrânia seja apenas político e econômico, embora tenha surgido na grande mídia com tal conotação, até porque esse foi o estopim. Vai muito além disso. Infelizmente, a imprensa tem a mania de aproveitar o fato de que não pensamos em plano cartesiano. Então nos bombardeiam com informações que nos confundem demais ou nos permitem julgar algo da maneira mais superficial possível.

Na minha avaliação pessoal, as manifestações na Ucrânia têm a ver com a sua própria trajetória e as muitas transições que surgiram em centenas de anos, começando pelo século 7. É um país com uma história bem complicada de dominância e submissividade. Me recordo que a Ucrânia já sofreu influência russa, búlgara, polaca, lituana, cossaca, mongol, cazar, tártara, viking e bizantina. E acho que tem mais por aí…

Nacionalistas ucranianos mandam mensagens aos russos por meio de depredações (Foto: Reprodução)

Nacionalistas mandam mensagens aos russos (Foto: Reprodução)

Hoje, muitos preferem não pensar muito sobre o assunto, incorrendo no erro de simplesmente amar ou odiar a Rússia, concordar ou discordar das manifestações na Ucrânia. Acho que mais importante do que julgar objetivamente a influência oriental ou ocidental é a necessidade de ponderar sobre uma resolução baseada na diplomacia. Sim, os nacionalistas ucranianos odeiam a Rússia e isso tem muito tempo. Usam símbolos controversos para afrontar os russos.

Nestor Makhno, líder russo perseguido pelos soviéticos até 1921 (Foto: Reprodução)

Nestor Makhno, líder ucraniano perseguido pelos soviéticos até 1921 (Foto: Reprodução)

Não são poucos os jovens que desfilam pelas ruas de Kiev gritando “Heil Hitler”, o popular 88 do movimento nazista, bem como as 14 palavras do slogan “Devemos assegurar a existência de nosso povo e um futuro para as crianças brancas.” São clichês perpetuados há muito tempo. Entretanto, até que ponto e em que proporção isso representa o pensamento do povo ucraniano? Simplesmente não representa. É apenas uma das vozes da Ucrânia moderna, mas está longe de conquistar a simpatia da maioria, como alguns tentam pincelar.

Considero justas algumas reivindicações dos nacionalistas. Embora dentre os defensores do Nacional Socialismo ucraniano tenha muita gente endossando o movimento somente durante as manifestações, há boas justificativas para não simpatizarem com a Rússia. Entre os anos de 1917 e 1921, os soviéticos perseguiram Nestor Makhno, o maior líder da Revolução Ucraniana. Contrário aos bolcheviques, se tornou o principal desafeto de Leon Trotsky.

À época, o intelectual marxista contratou dois homens para assassiná-lo. Não conseguiram porque o ucraniano fugiu para a França, onde viveu até morrer de tuberculose. Nem todos tiveram a mesma sorte. Antes o Exército Vermelho dizimou milhares de ucranianos. Pouco tempo depois, em 1930, foi a vez de Josef Stalin promover dois dos maiores genocídios do povo ucraniano. Com isso, a Ucrânia enterrou parte de sua herança cultural, já que entre os mortos estavam muitos artistas e intelectuais. Isso explica, mas não justifica o ódio generalizado dos nacionalistas ucranianos contra os russos.

O nacionalismo surge como força transformadora em momentos de grande vulnerabilidade. Ele é contraditório em essência porque consegue ser bom e ao mesmo tempo ruim. É bom porque obriga o ser humano a assumir uma posição ativa, olhar para si mesmo, para sua história e a dos seus. Em concomitância, é ruim porque o cega para suas falhas e o faz julgar o que é diferente como uma deformidade, uma degeneração com um viés idiossincrásico bem limitado. Além disso, como defender um Estado e uma cultura homogênea quando a própria arquitetura do país simboliza a diversidade? Uma das sete maravilhas da Ucrânia é o Castelo Kamianets-Podilskyi, um símbolo do multiculturalismo do Leste Europeu.

Castelo Kamianets-Podilskyi, símbolo do multiculturalismo do Leste Europeu (Foto: Ukraine Incognita)

Castelo Kamianets-Podilskyi, símbolo do multiculturalismo do Leste Europeu (Foto: Ukraine Incognita)

É importante levar em conta que a Ucrânia é um país com mais de 7,5 milhões de pessoas de origem russa. Sendo assim, o que aconteceria com os ucranianos de origem russa, caso os nacionalistas assumissem o poder? Quando falo em diplomacia, penso que seria justo os ucranianos terem direito a uma maior “ocidentalização”, se for o desejo da maioria, assim como ouvir e avaliar as queixas dos nacionalistas.

Por outro lado, também é certo assegurar os direitos dos russos que vivem na Ucrânia, afinal, eles também estão lá para contribuir, trabalhar e constituir família. Não devem ser responsabilizados por algo que não fizeram. Ser Pró-Rússia na Ucrânia é ainda uma forma de autodefesa para muitos descendentes de russos e outras minorias.

Ouso dizer que a história da Ucrânia faz parte da história da Rússia e vice-versa. O maior exemplo disso é “A Crônica Primária”, um trabalho que ganhou status de documento em 1767. A obra é de autoria de Nestor, considerado um dos maiores estudiosos da cultura eslava de todos os tempos.

David Arioch, apenas um entusiasta da cultura do Leste Europeu.

украинцев: uma neve vermelha no deserto siberiano

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Grupo de ucranianos viveu um episódio de terror no deserto siberiano (Foto: Reprodução)

Em 1941, os ucranianos Mikhail e Karen Kudha Ludovitch, à época com 89 anos, estavam dormindo em uma casa de repouso em Leningrado, no noroeste russo, quando foram acordados durante a madrugada por cinco soldados soviéticos. O casal foi colocado junto de mais 49 pessoas dentro de um velho caminhão usado no transporte de animais. O destino era a Sibéria. Morreram por inanição e hipotermia depois de serem abandonados a centenas de quilômetros de Omsk, no deserto siberiano.

Dos passageiros, apenas cinco foram encontrados vivos, segundo Mykola Dramenko, um sobrevivente ucraniano de ascendência cossaca que fugiu para a Espanha. O ato foi “justificado” como represália às manifestações separatistas. O neto de Mikhail e Karen, Nikolai Ludovitch, após saber do incidente por intermédio de uma rádio clandestina, localizou Dramenko. O sobrevivente revelou que só não morreu porque decidiram praticar antropofagia. A preferência era por cadáveres que exalavam odor mais tênue. Muitas milícias ligadas ao governo soviético eram contratadas para promover limpeza étnica, incluindo desde crianças a idosos, de acordo com Mykola.

O último judeu de Vinnytsia

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Soldado da Einsatzgruppen D. prestes a assassinar o último judeu de Vinnytsia (Arquivo: Holocaust Research)

Erwin Bingel: “Parecia uma convocação inofensiva”

Em setembro de 1941, o tenente Erwin Bingel, oficial da Wehrmacht, chegou a Vinnytsia, no Sul da Ucrânia, para ajudar o comandante do Distrito de Uman. Líder da Einsatzgruppen D., Bingel sabia que estavam cavando uma quantidade absurda de valas por quase toda a área do aeródromo.

Então no dia 22, o alto comando ordenou que todos os judeus fossem reunidos para o recenseamento demográfico. Obviamente, todos compareceram. No início, houve um diálogo normal entre os prisioneiros e os nazistas, principalmente os homens da SS, responsáveis pelo trabalho direto. “Parecia uma convocação inofensiva, tanto que até mesmo eu me surpreendi e fiquei horrorizado com o que aconteceu nas horas seguintes”, admitiu o tenente da Wehrmacht.

Os nazistas ordenaram que os judeus entregassem todos os pertences, se despissem e avançassem alguns passos. A qualidade das joias mostrava que muitos eram ricos. Nus, os semitas foram obrigados a ficarem em frente as valas, independente de sexo. Em seguida, um grupo da Einsatzgruppen D se afastou até uma linha traçada ao chão e com pistolas automáticas atiraram com destreza e naturalidade.

Muitos caíram nas covas enquanto pás de cal eram arremessadas sobre os corpos ainda se debatendo. A estratégia visava evitar o contato físico direto com as vítimas. O processo de se despir e ficar em frente as valas se repetiu por um sem número de vezes. Alguns eram obrigados a assistir o extermínio dos familiares enquanto aguardavam a vez.

A foto que acompanha o texto mostra um soldado da famigerada Einsatzgruppen D prestes a assassinar o último judeu de Vinnytsia, a vítima número 28 mil. A fotografia foi encontrada décadas depois junto aos pertences de um soldado alemão que participou dos fuzilamentos dos dias 16 e 22 de setembro de 1941. Atualmente a história integra os registros do projeto Holocaust Research, fundado na Polônia.

Referência: Holocaust Research

Jornais chegavam depois de dois meses

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Atraso na entrega dos jornais deixava população alheia aos fatos mais importantes da época

Situação em Paranavaí se estendeu até 1954 (Acervo: Fundação Cultural)

Entre os anos 1940 e 1950, um problema comum vivido pela população de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, era a chegada de jornais dois meses depois da data de publicação. O difícil acesso a Paranavaí se encarregava de impor obstáculos à vida urbana.

Quem era acostumado a ler jornais recém-publicados teve dificuldade de se habituar a receber velhas notícias em Paranavaí. O acesso aos jornais mais importantes da época dependia de quanto tempo os distribuidores levavam para fazer a entrega. O frei alemão Henrique Wunderlich, em carta à revista alemã Karmelstimmen em 1953, frisou que em Paranavaí não havia leitos de estradas, mas trilhos escavados com tratores. Então a entrega dos jornais dependia das habilidades de motoristas que se sujeitavam a trafegar entre a mata virgem e os espaços destruídos pelas queimadas.

Quando chovia e as estradas ficavam intransitáveis, os distribuidores de jornais e revistas recorriam aos aviões. “Tive de ir muitas vezes ao antigo aeroporto para recolher as encomendas”, relatou em 2007 o falecido pioneiro catarinense Wiegando Reinke, proprietário da primeira banca de jornais e revistas de Paranavaí. Antes de 1954, a situação era mais difícil ainda, segundo Henrique Wunderlich. Os jornais eram entregues com pelo menos dois meses de atraso. “Era impossível saber o que acontecia na Alemanha. Informações sobre as eleições e a situação na Alemanha Oriental, onde havia greves, demoravam a chegar. Para piorar, nem tínhamos rádio instalado”, declarou.

Naquele tempo, quem dependia do envio de cartas para comunicar algum fato a um parente distante corria o risco da correspondência não chegar ao destino. “Às vezes, as pessoas enviavam cartas para a terra natal explicando a situação de um parente enfermo. Em alguns casos, a pessoa morria antes da carta chegar, então era algo muito complicado. A notícia era muito tardia”, explicou o pioneiro João Mariano.

Mesmo assim, as correspondências eram o principal meio de comunicação de uma população de não mais que vinte mil pessoas, marcada pela diversidade cultural e étnica. Entre os anos de 1940 e 1950, viviam em Paranavaí, além de migrantes de todas as regiões do Brasil, portugueses, italianos, alemães, neerlandeses, poloneses, russos, húngaros, ucranianos, espanhóis, japoneses, franceses, suíços, sírios e libaneses. “Paranavaí representava bem quase todas as nações”, comentou frei Henrique. À época, o Governo Federal não permitia que os estrangeiros exaltassem a própria pátria em território nacional. “Era obrigado a desprezar tudo que não era brasileiro, inclusive um papel de carta”, disse o alemão.

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