Archive for June, 2017
Tom Regan: “Não há justificativa para causarmos dor aos animais”
“O direito à vida pertence não apenas aos seres humanos, mas também aos animais que exploramos”
Falecido em 17 de fevereiro de 2017, Tom Regan foi um importante filósofo da teoria dos direitos animais. Professor de filosofia da Universidade Estadual da Carolina do Norte, onde lecionou por 34 anos. Conquistou prestígio internacional por sua produção prolífica voltada ao abolicionismo animal. Em 2006, Regan teve o seu livro “Empty Cages”, ou “Jaulas Vazias”, publicado no Brasil.
Na obra, o filósofo diz que o que ele aprendeu ao longo da vida sobre direitos humanos provou ser diretamente relevante para a sua reflexão sobre os direitos animais: “Se os animais têm direitos ou não depende da resposta verdadeira a uma pergunta: Os animais são sujeitos-de-uma-vida? Esta é a pergunta que precisa ser feita sobre os animais porque é a pergunta que precisamos fazer sobre nós.”
Segundo Tom Regan, não podemos nos colocar diante do mundo e declararmos que o motivo pelo qual nós enquanto seres humanos temos direitos é porque somos igualmente sujeitos-de-uma-vida, mas outros animais, que são exatamente como nós enquanto sujeitos-de-uma-vida, bem, eles não têm nenhum direito.
“Isso seria como se colocar diante do mundo e gritar: ‘Um Volvo não é um carro porque um Volvo não é um Ford!’ Ninguém quer ser, nem parecer, tão idiota. Então, eis nossa pergunta: Entre os bilhões de animais não humanos existentes, há animais conscientes do mundo e do que lhes acontece? Se sim, o que lhes acontece é importante para eles, quer alguém mais se preocupe com isso, não é? Se há animais que atendem a esse requisito, eles são sujeitos-de-uma-vida. E se forem sujeitos-de-uma-vida, então têm direitos, exatamente como nós. Devagar, mas firmemente, compreendi que é nisso que a questão sobre direitos animais se resume”, argumenta na página 77 de “Jaulas Vazias”.
Em “The Case for Animal Rights”, de 1983, o filósofo escreveu que não faz sentido usar o argumento de que os seres humanos podem subjugar outros animais, já que o leão faz o mesmo para a sua sobrevivência. Tom Regan usou como argumento o fato de que os leões não têm conhecimento da dor que causam à sua presa. “Na verdade, precisamente porque se espera a indiferença dos animais, mas piedade ou misericórdia dos seres humanos, pessoas que podem ser cruéis quando insensíveis ao sofrimento que causam, e muitas vezes são chamadas [pejorativamente] de ‘animais’ ou ‘brutos’”, observa.
Um exemplo clássico da conduta humana cotidiana em minimizar o valor da vida animal é dizer que os piores assassinatos parecem trabalho de animais, pela ausência de piedade. Porém, os animais não fazem isso por um prazer sádico, ao contrário de quem comete um assassinato bárbaro.
Regan faz oposição aos animais explorados nos laboratórios quando afirma que eles não são um “recurso” cujo status moral no mundo é servir aos interesses humanos. Eles próprios são sujeitos-de-uma-vida que pode ser melhor ou pior para eles como indivíduos, logicamente independente de qualquer utilidade que possa ter ou não relação com os interesses dos outros”, defende.
Quando reduzimos o valor dos animais aos interesses humanos, como ocorre na indústria da exploração animal, somos injustos, porque violamos o direito moral básico que é tratar outras vidas sencientes com respeito. Segundo Regan, há leis que legitimam os testes em animais, mas por outro lado não mostram a contradição de que como esses experimentos são moralmente toleráveis.
Para o filósofo, isso prova que as próprias leis são injustas e devem ser mudadas. E mais, que essa perspectiva científica, do ponto de vista dos direitos animais, é anti-científica e anti-humana. Nós, como humanos, temos o direito de garantir que ninguém seja prejudicado. Isso é algo que a perspectiva de direitos visa iluminar e defender, colocando como desafio para farmacologistas e cientistas a busca de formas científicas que sirvam ao interesse público sem violar os direitos individuais.
Regan declara que a farmacologia tem como responsabilidade primária a redução de riscos para quem usa drogas lícitas; e deveria sempre alcançar isso sem prejudicar aqueles que não as usam. Não se empenhar nisso é a reafirmação de uma conduta verdadeiramente anti-científica. Pretensamente, cientistas dizem que a maior justificativa para a realização dos testes de toxicidade em animais são os benefícios que podem se estender tanto a humanos quanto a animais. Como podemos falar em benefício para os animais quando os prejudicamos na criação de um produto farmacológico?
“Esses testes violam os direitos dos animais. […] Os benefícios que esses testes proporcionam aos outros são irrelevantes de acordo com a visão de direitos, uma vez que os testes violam os direitos individuais dos animais. Os animais de laboratório não são nossos provedores, e nós não somos seus reis. […] Não devem ser tratados como meros recipientes ou como recursos renováveis”, argumenta o filósofo em “The Case for Animal Rights”.
Sem fazer concessões, Regan deixa claro que os testes em animais devem ser findados, isto porque o valor dos animais não deve ser baseado na sua utilidade em relação a interesses que não são deles. “Também há algumas coisas que não podemos aprender usando humanos, se respeitarmos seus direitos. A visão de direitos requer consistência moral a este respeito”, pondera. Sendo assim, para o filósofo a ciência que prejudica rotineiramente os animais em busca de seus objetivos é moralmente corrompida, porque é injusta no seu núcleo.
Tom Regan cita ainda médicos veterinários como profissionais que deveriam inspirar exemplo para a sociedade no cuidado com os animais. Porém, a realidade é bem diferente. Regan enfatiza que encontrar tantos profissionais da área prestando serviços para indústrias que violam rotineiramente os direitos animais é desalentador.
Em “All That Dwell Therein”, publicado em 1982, o filósofo estadunidense diz que tanto o direito moral de não sofrer quanto o direito à vida pertencem não apenas aos seres humanos, mas também aos animais que exploramos e comemos. A justificativa de que os humanos gostam de carne, e por isso a comem, não é aceitável porque ignora o direito à vida de seres sencientes. Ademais, mesmo que o “abate humanitário” se estendesse a todos os animais reduzidos a produtos de consumo, isso jamais asseguraria que seus direitos não fossem violados.
E a realidade hipermoderna é a maior prova de como ainda há muito a ser feito para que os animais sejam vistos como sujeitos-de-uma-vida. No século 20, o apetite humano pelo consumo de carne se tornou tão exagerado que deu origem aos métodos intensivos de criação de animais. Ou seja, práticas que asseguram que a maior quantidade de carne seja produzida no menor período de tempo e com as menores despesas possíveis. Assim, muitos animais foram e são obrigados a viver em condições de lotação e sem a possibilidade de manifestar seus desejos naturais.
Tanto em termos de dor física quanto psicológica, não há dúvida de que não raramente os animais experimentam uma realidade imerecida. E conforme nos alimentamos da carne desses animais, ajudamos a criar demandas cada vez maiores de métodos de criação intensiva. Basicamente, financiamos a privação e o sofrimento animal quando compramos e consumimos carne.
Temos o costume de acreditar que uma prática cultural, por pior que seja, sempre tem algum respaldo moral. Afinal, se muitos a praticam é porque é no mínimo socialmente aceitável. Só a partir do momento que são apresentadas as falhas dessa suposta moralidade que as pessoas começam a refletir e a se questionar. E nesse percurso, muitos sempre lutarão para que essa prática não seja vista como imoral, por saber que a imoralidade exige mudanças; que deve ser suprimida, principalmente quando há muitos prejudicados.
“Somos sempre tentados a negar que os animais sentem dor e, embora pareçam sofrer, diremos que eles realmente nunca o fazem. […] Que evidências precisaríamos além de seus gritos, gemidos, corpos e olhar desesperado? De minha parte, não sei o que mais poderia exigir. […] E uma linha de argumento semelhante pode ser dada, penso eu, ao considerar a visão de que os animais têm experiências agradáveis que, embora possam ser de baixo nível em comparação com, digamos, as alegrias da filosofia ou êxtase da visão beatífica, ainda assim são prazeres”, escreveu Tom Regan em “All That Dwell Therein”.
No entendimento do filósofo, se é justo evitar que um ser humano, que também é animal, sofra imerecidamente, levando em conta que a dor é má e o ser humano é inocente, portanto não merece o mal que recebe, então não há justificativa para causarmos dor aos outros animais. “Todos nós temos motivos para supor que restringir os conceitos de tratamento justo e injusto aos seres humanos é um preconceito”, enfatizou.
Saiba Mais
Tom Regan nasceu em Pittsburgh, na Pensilvânia, em 28 de novembro de 1938.
Referências
Regan, Tom. Empty Cages. Rowman & Littlefield Publishers (2005).
Regan, Tom. The Case for the Animal Rights. University of California Press (1983-2004).
Regan, Tom. All That Dwell Therein. University of California Press. First edition (1982).
Contribuição
Este é um blog independente, caso queira contribuir com o meu trabalho, você pode fazer uma doação clicando no botão doar:
“Mããããe, olha que lindo aquele boi!”
No açougue do mercado, uma criança ficou eufórica ao ver um quadro de um boi sorrindo.
— Mããããe, olha que lindo aquele boi!
— É sim, querida.
A criança coçou a cabeça, olhou para os lados e estranhou o fato de que ninguém mais estava admirando o mesmo quadro que ela. Praticamente invisível.
— Por que será que ele parece tão feliz?
— Não sei, filhinha.
— Já sei, mãe!
— O quê, filha?
— É porque ainda não mataram ele, né?
Contribuição
Este é um blog independente, caso queira contribuir com o meu trabalho, você pode fazer uma doação clicando no botão doar:
Se você tivesse um filho, ele seria criado como vegano?
— Se você tivesse um filho, ele seria criado como vegano?
— Com certeza. Não tenho dúvida nenhuma disso, já que o veganismo é um imperativo moral.
— Mas não seria uma forma de imposição?
— Acredito que imposição seria eu condicioná-lo a se alimentar de animais. Seria uma imposição aos animais que não escolheram morrer em vez de viver.
— Mas e se seu filho não quisesse ser vegano?
— Bom, ele seria criado como vegano, educado com total transparência em relação à exploração animal, ao valor da vida independente de espécie. Mas, se um dia, mesmo depois de receber todas as informações disponíveis sobre o processo que envolve a produção de produtos de origem animal, ele decidir por não ser vegano, não farei nada sobre isso. Afinal, cada um é responsável pelas próprias decisões e consequências quando há discernimento para tais.
Contribuição
Este é um blog independente, caso queira contribuir com o meu trabalho, você pode fazer uma doação clicando no botão doar:
A criança e o sofrimento animal
O fato de um ser humano sentir-se mal diante do sofrimento animal é uma reação natural e prova de que não nascemos para nos alimentarmos de seres sencientes.
E quando tal sofrimento não nos sensibiliza, isso é um reflexo da banalização da vida não humana, ou seja, de que nos afastamos da nossa vocação humana em decorrência de um condicionamento.
A criança é uma prova disso. Ainda muito pequena, antes de ser condicionada, levada a aceitar a naturalização da exploração animal, ela jamais verá com bons olhos a ideia de um ser vivo que morreu para tornar-se comida em seu prato. É por isso que a criança é mantida no obscurantismo até certa idade.
E se a criança perde essa característica natural, que é reconhecer a importância da vida independente de espécie, isso ocorre fatalmente por influência do meio, dos pais ou de outras pessoas. Assim, ensina-se que se os animais são comida, logo eles têm pouco valor.
Contribuição
Este é um blog independente, caso queira contribuir com o meu trabalho, você pode fazer uma doação clicando no botão doar:
Na banca de caqui
Saí da academia e passei no mercado. Enquanto eu selecionava caqui em uma banca de canto, uma mulher se aproximou e fez o mesmo. De repente, o marido ou namorado dela se achegou.
— Vá lá ver se tem salsinha, cebolinha, essas coisas. Deixe que escolho as frutas.
— Mas você nunca escolhe as frutas.
— Vá lá, deixe que me viro aqui.
— Tá bom!
— Camarada, essa fruta que você pegou está passada – comentei.
— Ah, cara! Não preciso da sua ajuda.
— Ah sim. Tudo bem.
Me afastei e caminhei em direção ao caixa.
Piadas sobre bacon não são engraçadas
Quando alguém faz piada sobre bacon, não consigo rir porque a minha mente logo faz uma rápida associação com a realidade. E a realidade é a contumaz degradação de um ser vivo. Ademais, fechar os olhos para o sofrimento animal não vai fazer ele desaparecer. Muito pelo contrário, só vai ajudar a crescer, já que ele depende basicamente de conivência e omissão.
A crueldade da debicagem na indústria de ovos
A debicagem é um dos processos mais cruéis da indústria da exploração animal, e o que sustenta tal prática é a produção e comercialização de ovos. Nas granjas, corta-se o bico de pintinhos com até 10 dias de idade para evitar que eles machuquem uns aos outros. E por que fariam isso?
Simplesmente porque, afastadas de um estilo de vida natural e convivendo em pequenos espaços com muitos animais, as aves que se tornarão galinhas poedeiras ficam extremamente estressadas e chegam a praticar canibalismo. A dor pós-debicagem pode durar de 20 a 30 dias, e os animais sofrem tanto que muitos não conseguem dormir até o ferimento cicatrizar.
Para quem tem dúvidas sobre se essa prática é pontual ou recorrente, é possível encontrar vídeos de amadores e profissionais no YouTube cortando os bicos de pintinhos, galinhas e frangos.
Contribuição
Este é um blog independente, caso queira contribuir com o meu trabalho, você pode fazer uma doação clicando no botão doar:
“Animais mortos por asfixia. Eu não gostaria de morrer assim”
Animais mortos por asfixia. Eu não gostaria de morrer assim. É justamente por isso que não desejo tal fim a ninguém, nem mesmo a um peixe. Enquanto alguém comemora a satisfação de tirar um peixe da água, o animal agoniza. Há espécies como o arenque, bacalhau e badejo que sofrem por até 50 minutos após a pesca.
Outros, por até quatro horas, como é o caso do linguado. Será que um peixe agonizar por tanto tempo, enquanto luta pela vida, é resultado do acaso? Não, é porque ele não nasceu para morrer dessa forma. Nunca vi um peixe morto com uma expressão que não fosse similar ao do desespero ou estranhamento humano.
Contribuição
Este é um blog independente, caso queira contribuir com o meu trabalho, você pode fazer uma doação clicando no botão doar:
Quando temos filhos…
Quando temos filhos, gostamos de contar-lhes histórias de amor e respeito aos animais; de amizade entre todas as espécies; de narrar historietas sobre a harmonia entre os seres vivos, o respeito a todas as formas de vida.
Porém, nossa própria realidade e nossos hábitos, mais cedo ou mais tarde deixam claro que tudo que foi dito ou lido era apenas ficção, um frágil e ilusório pseudo-alimento para a mente. Provamos com atitudes que não acreditamos naquilo.
E logo as crianças crescem e esquecem o que os pais disseram, e os pais esquecem o que disseram aos filhos. As histórias desaparecem, ou não. Talvez sejam lembradas como artifício jocoso, risível, alegórico ou mesmo insignificante e utópico.
E a vida segue diante de uma mesa em que celebramos os nossos, porque nós somos importantes, e os outros existem para nos servir; para figurar como coadjuvantes de suas próprias vidas.
Contribuição
Este é um blog independente, caso queira contribuir com o meu trabalho, você pode fazer uma doação clicando no botão doar:
Por que você não se alimenta de animais?
— Por que você não se alimenta de animais? O que existe de tão errado nisso?
— Você já viu um boi, uma vaca e um bezerro pastando livremente? Um peixe serpenteando pelas águas? Um porco rolando na relva? Uma galinha ciscando sem pressa?
— Algumas dessas coisas, sim.
— O que você acha disso?
— É divertido, bonito de ver.
— Pois então. Se eu fosse um animal, provavelmente eu não ficaria feliz de ser privado dessas coisas que me trariam algum tipo de satisfação. Se me alimento de animais, não consigo ignorar minha culpa sobre aqueles que são privados de uma vida natural. Eu não gostaria de nascer, viver e morrer para atender supostas necessidades dos outros. Seria como viver sem um propósito próprio.
— Mas animais são criados com essa finalidade. Você não os veria se não fosse por causa da demanda por produtos de origem animal.
— Você tem razão, mas aqueles que vivem merecem gozar de uma vida sem exploração, privação ou sofrimento. Os animais que são reduzidos à comida depreciam a vida bem menos do que nós. Jamais deixariam de lutar diante da iminência da morte. Isso não é um exemplo de vontade de viver? Maior prova disso é que no chamado bem-estarismo os enganamos antes de matá-los. E claro, para parecermos mais humanos aos nossos olhos. Quero dizer, sou um sujeito tão bom que não o mato violentamente, apenas dissimulo uma situação antes do golpe final. Penso que enganar um ser vivo para matá-lo sem que supostamente ele sofra também é triste, porque é uma forma de traição, já que o animal segue seus comandos em confiança. Você já viu um animal oferecer alguma parte do corpo para que você a retalhe? Se um dia eles deixarem de existir, não será algo tão aberrante, penso. E por que seria? A vida deve seguir seu curso natural, e não existe nada de natural, por exemplo, em manipulação genética para atender caprichos humanos. Muitas vezes os animais nem se reconhecem como animais por causa da interferência humana. Tornam-se seres confusos, deslocados de sua própria vocação. Isso não é triste e preocupante?
— É…acho que faz sentido.
— Imagine se alguém o criasse e o colocasse para trabalhar o dobro do que você trabalharia normalmente, em sua capacidade natural. Como você se sentiria?
— Não concordo com essa comparação, é desleal.
— Tudo nos parece desleal quando observamos os outros como se estivessem abaixo dos nossos pés. Nos recusamos a exercer a empatia ou o reconhecimento do valor da vida animal porque isso exige uma revisão de valores. E também porque isso significa mastigar com a boca aberta e olhos esgazeados diante de um espelho convexo que mostra quem somos e o que fazemos; que revela a face que negamos na nossa relação com os animais.