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O tesouro da Fazenda Brasileira

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O dia em que um colono encontrou um pote cheio de moedas de ouro na serraria da Braviaco

Paranavaí no ano em que João desenterrou um tesouro em uma velha serraria (Foto: Toshikazu Takahashi)

Paranavaí no ano em que João desenterrou o tesouro em uma velha serraria (Foto: Toshikazu Takahashi)

Em 1958, João Mariano, colono de uma das maiores fazendas de café de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, foi convidado por um amigo, também chamado João, para procurar um tesouro enterrado na velha serraria da Companhia Brasileira de Viação e Comércio (Braviaco) nos tempos da Fazenda Brasileira.

“Ele estava bem animado em trabalhar na fazenda porque ganhou dinheiro o suficiente para comprar uma potranca e uns porquinhos para criação. Um dia, chegou pra mim e disse: ‘Aqui, Graças a Deus, estou muito bem, João!”, lembra Mariano que visitava o amigo com frequência quando anoitecia.

Em uma noite, o companheiro fez uma sugestão: “Ô, João, vamos arrancar um tesouro ali naquela serraria velha?” Sem entender do que se tratava, Mariano titubeou. “Tesouro?”, interpelou. Com olhar sereno e voz remansosa, o homem respondeu: “Sim, um pote cheio de moedas de ouro que enterraram lá há muito tempo, na época da Brasileira.”

Ainda com dúvidas sobre a proposta do amigo, Mariano questionou se ele recebeu algum aviso, teve um sonho ou visão com o tal tesouro enterrado. Depois de acenar negativamente com a cabeça, e justificar que apenas acreditava na crença de que todo lugar abandonado esconde algo surpreendente, o homem se calou. “Procurar algo à toa, sem base, sem cabimento? Falei que assim eu não iria não!”, argumentou.

Um dia, sem fazer alarde, João reuniu seus pertences e partiu com a família. Antes, sem explicar o motivo, avisou ao amigo que decidiu retornar para São Paulo, seu estado de origem. “Só estranhamos porque ele estava bem aqui. Mas no fim achamos aquilo normal, né? Afinal, era comum um ou outro deixar Paranavaí para tentar a vida em outro lugar”, comenta Mariano.

Mais tarde, caminhando em meio à invernada, o colono João Mariano decidiu dar um passeio pela velha serraria da Braviaco. Quando chegou lá, teve uma surpresa. “Vi um buraco no chão e uma marca ainda brilhante, arredondada e exata de um pote. Lá dentro tinha uma moedinha de ouro. Aí falei: ‘Puta merda! Agora sei porque ele foi embora. Voltei e contei pro meu irmão que me lembrou que quando alguém acha um tesouro tem de deixar uma moedinha pra trás, num sinal de boa fé”, narra.

Quando o proprietário da fazenda soube do acontecido, gritou: “Filho da puta! Esse dinheiro estava na minha fazenda, então era meu. “Mas o senhor não foi arrancar o tesouro, não é mesmo?”, questionou Mariano que nunca mais teve notícias do amigo afortunado.

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A fazenda situada entre a estrada para Tamboara e a Vila Operária somava mais de 400 alqueires.

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Written by David Arioch

January 15th, 2016 at 6:15 pm

Colonizadoras compravam terras a “preço de banana”

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Era possível comprar centenas de alqueires pelo preço de um hectare

Entre os anos 1920 e 1950, inúmeras colonizadoras compraram milhares de alqueires de terras a “preço de banana” na região de Paranavaí. Naquele tempo, a prática já era considerada como “negociação de valor simbólico”.

Colonizadores ganharam “rios de dinheiro” na região (Acervo: Casa da Cultura de Paranavaí)

O dinheiro usado hoje na compra de um hectare de terra na região de Paranavaí, no Noroeste Paranaense, era o suficiente para a aquisição de uma área de centenas de alqueires de mata virgem nos tempos da colonização. “A única exigência do governo era que o colonizador se comprometesse em fundar uma colônia”, relatou o pioneiro e padre alemão Ulrico Goevert em texto publicado na revista alemã Karmelstimmen nos anos 1950.

O primeiro passo era enviar centenas de homens com traçadores e outras ferramentas para desmatarem a área tendo o suporte de caminhões e tratores. Segundo Goevert, a mata era derrubada e queimada, dando lugar a loteamentos e estradas. “A queimada era uma das piores partes, pois era demorada e atingia tudo em um raio de até quilômetros”, comentou o pioneiro cearense João Mariano.

Rancho construído em Paranavaí na época da colonização (Acervo: Casa da Cultura de Paranavaí)

As colonizadoras mal começavam a investir na divulgação da venda de terras e logo estavam lucrando. “Se ganhava rios de dinheiro assim”, afirmou o padre, acrescentando que as pessoas que mais compravam lotes eram comerciantes e outros trabalhadores urbanos. Porém, com o tempo, a comercialização de terrenos estagnava, então os investidores autorizavam a doação de até 500 lotes.

Quem ganhava um imóvel assinava um documento se comprometendo a construir uma residência em um prazo médio de três meses, do contrário, perdia o direito de posse. “Esse tipo de especulação atraía muita gente. Entretanto, com o tempo, mais de 30% das casas foram abandonadas”, revelou Ulrico Goevert. Isso acontecia quando muitos não acreditavam na evolução da colônia, principalmente em função da má qualidade de vida.  As primeiras residências criadas pelos colonizadores se resumiam a ranchos, eram cobertas com tabuinhas.

Na região, as colonizadoras enviavam primeiro uma família de bom nível cultural e bem comunicativa, como estratégia para atrair novos moradores. Era uma prática bastante eficaz na região de Paranavaí e que serviu para conquistar o interesse de milhares de pessoas. “Essa família também se responsabilizava pelo desbravamento e pelas queimadas”, disse o padre.

Com o tempo, mais de 30% das casas foram abandonadas (Acervo: Casa da Cultura de Paranavaí)

Quando a colônia já reunia centenas de famílias era deliberada a fixação de uma grande cruz em área que os moradores definiam como a ideal para a futura construção de uma igreja. Normalmente, a bênção da cruz e a celebração da primeira missa marcavam o início das atividades religiosas no povoado. “Tudo era feito com a presença do padre da paróquia ao qual o lugarejo pertencia. Era sob a sombra da grande cruz que a colônia se desenvolvia”, frisou Goevert. Segundo pioneiros, para a população, a cruz não era apenas um símbolo religioso, mas também de paz, confiança comunitária e cumplicidade.

As serrarias quase sempre surgiam após a fixação da cruz. Onde tal símbolo religioso se erguia havia uma legião de moradores crentes no desenvolvimento do povoado. De acordo com Ulrico Goevert, a serraria representava um marco para a colônia, pois logo desapareciam os primitivos ranchos que cediam espaço às belas casas de madeira. Semanas após a criação da marcenaria, o pároco retornava, reunia a comunidade e pedia para formarem uma comissão eclesial para a construção de uma capela ou igreja. “Era normal todos ajudarem nessa empreitada”, enfatizou o alemão.

João Franco: “Ficamos no mato por mais de vinte anos”

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Pioneiro chegou a Paranavaí quando a colônia era coberta por mata virgem

Em 1954, o desmatamento ganhou força em Paranavaí (Acervo: Fundação Cultural)

Em 1944, havia tanta vegetação nas imediações da Fazenda Brasileira, atual Paranavaí, no Noroeste do Paraná, que a mata virgem cobria toda a colônia. Tudo tinha de ser improvisado, até mesmo estradas e pontes. “Ficamos no mato por mais de vinte anos”, afirmou o pioneiro paulista João Silva Franco.

Franco conta que deixou a família no interior de São Paulo quando decidiu conhecer a Brasileira. Somente depois trouxe a mulher e a filha. Quando chegou a futura Paranavaí, antes de fixar residência, acampou onde é hoje a Praça dos Pioneiros. “Lá, naquele capoeirão que cobria os cafezais, ficamos 16 dias queimando lata. Foi assim até comprar uma terrinha pra fazer um ranchinho de colonião e sapé, tempo em que só havia movimento de carroças e cavaleiros”, declarou o pioneiro.

Em 1944, o ponto preferido dos peões e outros migrantes era uma praça localizada entre as Ruas Minas Gerais e Manoel Ribas. “Uma espécie de boca maldita”, sentenciou o pioneiro Oscar Geronimo Leite em entrevista ao jornalista Saul Bogoni há algumas décadas. Até aquele ano, não havia mais que 30 casas em Paranavaí, todas feitas de tabuinhas, e muitas estavam desocupadas há mais de dez anos, quando a Companhia Brasileira de Viação e Comércio (Braviaco) foi expulsa do Distrito de Montoya, após a Revolução de 1930.

“Até mesmo uma grande serraria que ficava no fundo de um buracão no Jardim São Jorge foi abandonada”, lembrou João Franco, referindo-se ao empreendimento fundado em 1929 pela Braviaco. Ainda em 1944, o pioneiro comprou uma propriedade na “Água do 22”, no Distrito de Graciosa. Enfrentou todas as dificuldades que atingiram Paranavaí nos anos 1940 e 1950; desde problemas com golpes, tempestades, animais silvestres, falta de higiene, doenças e até escassez de alimentos.

“Tudo que aconteceu aqui nós vimos ao vivo. Os contratantes judiavam do povo. Queriam que trabalhasse sem direito a nada. Na hora de pagar, eles batiam demais e se teimasse era morto e jogado no rio”, desabafou. À época, para ampliar o tráfego de pessoas, animais e veículos, os pioneiros abriram picadões. O trabalho era bem simples. Um tratorista apenas empurrava o mato para o lado.

As pontes eram improvisadas com coqueiros derrubados, uma alternativa à morosidade do poder público em enviar profissionais qualificados para a construção de pontes e vias. “Trabalhei muito na abertura de estradas. Desmatei de Paranavaí até Capelinha [Nova Esperança]”, ressaltou Franco que sobreviveu na Brasileira porque tinha resistência para viver em lugares isolados, mesmo sob precárias condições. O pioneiro já tinha trabalhado como foiceiro, enxadeiro, serrador e lavrador.

Em 1940, de acordo com o pioneiro mineiro José Antonio Gonçalves, muitos dos migrantes que chegavam à Brasileira eram peões. “Foi assim até 1945, quando o Governo do Paraná parou de dar terras”, enfatizou o pioneiro paulista José Ferreira de Araújo, conhecido como Palhacinho. Um ano depois, com o crescimento populacional, as terras da Colônia Paranavaí começaram a ser bem valorizadas.

Segundo o pioneiro paulista Paulo Tereziano de Barros, só a partir de 1946 surgiu a preocupação em nominar as ruas e avenidas da cidade. “Em 1948, chegava gente aqui todos os dias. Era como a corrida do ouro”, avaliou o pioneiro paulista Salatiel Loureiro. Entretanto, a erosão hídrica já era um problema para o solo do arenito Caiuá nos anos 1940, o que foi se intensificando décadas depois. Migrantes que não tinham adquirido terras aproveitavam as áreas sem donos, como os buracões, para plantar feijões.

Em 1954, o desmatamento ganhou força em Paranavaí, conforme palavras do frei alemão Henrique Wunderlich em carta enviada à revista alemã Karmelstimmen. O padre alemão Alberto Foerst fez coro às palavras de Wunderlich. “O mato era derrubado e ficava no chão algumas semanas até ser queimado”, confidenciou no artigo “Die Stimme Der Mission”, publicado em outubro de 1954 na Karmelstimmen.

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As ruas de cascas de peroba

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As primeiras vias de Paranavaí foram pavimentadas com restos de madeira

Zé Ebiner pavimentou a Avenida Paraná e a Rua Getúlio Vargas com cascas de peroba (Foto: Reprodução)

Na década de 1940, quando as vias de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, eram compostas por faixas de areia, os pioneiros usaram cascas de peroba como alternativa de pavimentação para o tráfego de veículos.

O marceneiro José Ebiner é o pioneiro da pavimentação em Paranavaí. Na época em que a colônia era chamada de Fazenda Brasileira, teve a ideia de cobrir as vias, que se resumiam a faixas de solo arenoso batido, com cascas de peroba. “A Velha Brasileira era puro areião. Então o Zé Ebiner inventou o calçamento. Isso não começou com os nossos prefeitos não. Foi com a gente usando cascas de madeira”, afirmou o pioneiro paulista José Ferreira de Araújo, conhecido como Palhacinho, em entrevista à Prefeitura de Paranavaí décadas atrás.

O marceneiro tomou a iniciativa de cobrir o solo arenoso da Avenida Paraná e da Rua Getúlio Vargas com os muitos restos de madeira que sobravam na serraria. “O Zé Ebiner foi um dos primeiros pioneiros. Quando cheguei aqui a primeira coisa que fiz foi comprar madeira dele”, relatou Palhacinho. O pioneiro paraibano Cincinato Cassiano Silva faz coro às palavras de José Ferreira. “A primeira serraria privada de Paranavaí foi do Ebiner”, comentou.

Pioneiros lembram que a comunidade se uniu para transportar as cascas de peroba e esparramá-las pelas vias da Brasileira. “Era só jogar nas ruas que já dava um pavimento bom pra passar um pé-de-bode”, declarou José Ferreira. Os restos de madeira proporcionavam mais firmeza as vias e também beneficiavam os pedestres.

Em dias de Sol, os transeuntes podiam caminhar sobre as cascas para evitar sujar os calçados. Já quando chovia, o pavimento improvisado permitia que escapassem da lama. “A ideia do Ebiner ajudou muito a gente”, enfatizou Araújo, acrescentando que é impossível falar de madeira nos tempos da colonização sem citar o marceneiro.

O pioneiro paulista Valdomiro Carvalho prestou muitos serviços a José Ebiner. Carregou um grande número de toras de árvores que serviram para a construção de residências, casas comerciais e pavimentação. “Eu puxava tudo com um carretão de bois. Ia lá pra mata bruta derrubar figueiras, perobas, paus d’alho e palmitos. Quase todos os tipos de madeira”, complementou Carvalho.

Ebiner ajudou a construir o estádio e o Grupo Escolar

De acordo com o pioneiro paulista Natal Francisco, Ebiner contribuiu na criação do primeiro estádio de Paranavaí, onde é atualmente a Praça dos Pioneiros. “Ele me ajudou muito. Cobrou pouco pela mão-de-obra e pela madeira”, destacou. O marceneiro também teve participação importante na viabilização do primeiro hospital local.

“O Zé Ebiner deu madeira para construir o Hospital do Estado e também o Grupo Escolar [primeira escola de Paranavaí, onde se situa hoje o Colégio Estadual Marins Alves de Camargo]”, revelou o pioneiro gaúcho Otávio Marques de Siqueira. Parte da madeira aproveitada pelo marceneiro, que também forneceu matéria-prima para a construção da primeira igreja, pertenceu a Companhia Brasileira de Viação e Comércio (Braviaco) nos tempos em que Paranavaí era conhecida como Distrito de Montoya.

O pioneiro José Ferreira desabafou que nos anos 1940 a vida na colônia era muito difícil. O povoado era praticamente ignorado pelo Governo do Paraná. “A gente teve que fazer muitos sacrifícios como esse da pavimentação. Vivíamos no completo abandono, autoridades estaduais nunca vinham pra cá confortar o povo. Éramos obrigados a decidir tudo. O que valia era a palavra de cada um que vivia aqui”, reclamou.

Só a partir de 1946, a Colônia Paranavaí ganhou outras serrarias. Um homem conhecido como “Seu Pombalino” abriu uma na Avenida Distrito Federal, próxima ao Posto São José. Era pequena, mas também ajudou bastante. “Depois veio a marcenaria do Otto”, ressaltou Cincinato Cassiano.

O dia em que a água acabou

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Em 1957, Joaquim Pereira Briso abasteceu Terra Rica com água de um poço particular

Moradores exibem como troféu a água trazida do centro de Terra Rica (Crédito: Reprodução)

Moradores exibem como troféu a água trazida do centro de Terra Rica (Foto: Reprodução)

Em 1956, durante a colonização, a população de Terra Rica, no Noroeste do Paraná, enfrentou muitas dificuldades envolvendo saneamento básico. Mas o diferencial veio no ano seguinte, quando uma eventualidade fez um serrador se tornar o principal fornecedor de água da cidade.

De acordo com o pioneiro Antônio Carlos Lage, ex-vice-prefeito e ex vereador, a população de Terra Rica enfrentou problemas com o abastecimento de água de janeiro de 1957 a 1970. À época, o município ainda não tinha sistema de saneamento. “A gente tinha que buscar água em um caminhão pipa que ficava parado no centro”, conta Lage.

Segundo o pesquisador Edson Paulo Calírio, a situação era tão complicada que muitos moradores perdiam horas do dia carregando grandes baldes até a região central, onde os enchiam com água e, mesmo muito pesados, percorriam quilômetros até chegar em casa. Naquele tempo, o déficit era tão grande que as famílias se reuniam para decidir se a água seria usada para lavar roupa ou louça.

Centro da cidade na época da chegada de Joaquim Briso (Crédito: Reprodução)

Centro da cidade na época da chegada de Joaquim Briso (Foto: Reprodução)

Tudo ficou mais difícil em 1957, quando, certo dia, os moradores foram até o centro da cidade e não encontraram água. O problema se tornou calamidade ao saberem que, por uma eventualidade, ficariam sem o caminhão pipa por tempo indeterminado. O veículo era o único meio para transportar a água do rio até o cidade. “Terra Rica foi fundada por pessoas pobres e humildes. Então naquele tempo era difícil encontrar alguém com condições financeiras para fazer um poço”, relata o pioneiro Joaquim Luiz Pereira Briso.

Naquele ano, Briso era o único morador de Terra Rica que tinha um poço. Segundo ele, não como um artifício de luxo, mas de necessidade, pois constantemente precisava de água no trabalho. “Eu tinha uma serraria, e o poço foi feito ali mesmo pra abastecer a minha máquina a vapor. Mas quando soube do problema, resolvi ajudar. No mesmo dia, o pessoal foi lá buscar água. Alguns iam a pé, outros iam de carroça”, lembra Joaquim Briso emocionado.

O pioneiro passou dias sem dormir ajudando a população a tirar água do poço que tinha pouco mais de 50 metros de profundidade. Segundo Antônio Lage, era uma época de muita solidariedade. “As pessoas naturalmente tinham muito calor humano para dar”, salienta o ex-vice-prefeito em tom calmo e reflexivo.

No início da década de 1960, as primeiras torneiras foram instaladas no centro de Terra Rica. Porém, Edson Calírio reitera que a água ainda era limitada. “Agora a gente vê a recompensa. Não dependemos diretamente do governo estadual. Temos uma autarquia municipal que oferece água e rede de esgoto para toda a população. Além disso, a nossa água atualmente é a mais barata do Paraná”, assegura o pesquisador.

“Viajava porque era obrigado”

O pioneiro Joaquim Luiz Pereira Briso chegou a Terra Rica em 1956, já com a intenção de construir uma serraria. “Dava para contar nos dedos das mãos quantas casas tinha aqui”, afirma Briso que descobriu a cidade por acaso.

Durante uma viagem, deixando a cidade natal de Paraguaçu Paulista, em São Paulo, Joaquim Briso atravessou a fronteira com o Paraná e chegou ao Porto São José. Viajou motivado pela curiosidade. “Tinha só um boteco montado aqui. O resto, era só mata, daqui até Nova Londrina”, explica.

Surpreso pela quantidade exorbitante de terras devolutas, o pioneiro não pensou duas vezes e decidiu começar uma nova vida no Paraná.  Retornou a Paraguaçu Paulista para avisar os familiares e se mudou para Terra Rica.

A motivação foi determinante para aguentar uma nova viagem de 14 horas dentro de um jipe. “Não existia nem estrada, só carreador. Então viajar naquele tempo era visto como coisa de aventureiro”, conta o pioneiro. Joaquim Luiz tinha pouco ou nenhum prazer durante as viagens, já que toda vez corria o risco do veículo atolar. Segundo o pioneiro, era muito comum encontrar caminhões e carros abandonados pelo caminho.

“Viajava porque era obrigado. Tinha negócios em São Paulo e no Rio de Janeiro. Então pegar a estrada era uma luta. Saía daqui hoje para chegar a uma cidade próxima amanhã. Quando viajava, demorava uns dias pra voltar, cansava demais”, revela.

À época, os moradores de Terra Rica mantinham mais contato com Estados da região Sudeste do que do Sul. “Nossa ligação era com o Estado de São Paulo”, complementa Briso em referência aos primeiros pioneiros que eram paulistas.

Viagem a Paranavaí durava cinco horas

Até o final da década de 1950, uma viagem de Terra Rica a Paranavaí durava em média cinco horas. O pioneiro Antônio Carlos Lage é testemunha disso. Ele e o também pioneiro Joaquim Luiz Pereira Briso tinham negócios com o Banco Comercial, então quando precisavam vir a Paranavaí, iam até um boteco em frente a Estação Rodoviária de Terra Rica e convidavam mais pessoas para viajarem de graça.

Antônio Lage buscava pessoas em frente a Estação Rodoviária (Crédito: Reprodução)

Antônio Lage buscava pessoas em frente a Estação Rodoviária (Foto: Reprodução)

Mas a cortesia de vez em quando tinha um preço. Quando o jipe atolava, todo mundo tinha de descer e ajudar. “Eram 60 quilômetros. Hoje, um trajeto curtíssimo. Naquele tempo, por causa da precariedade da estrada, parecia que estávamos no fim do mundo”, avalia Lage que, acompanhando Joaquim Briso, chegou a Terra Rica em 1956.

Briso se recorda com clareza de outra desventura muito comum na década de 1950: o atraso na entrega de correspondências. Certa vez, a mãe de Joaquim Briso adoeceu e, como não havia serviço telefônico na região, a mulher do então serrador enviou um telegrama para informá-lo do acontecido.

A correspondência despachada de Paraguaçu Paulista, São Paulo, chegou em Terra Rica depois de 20 dias. “Fiquei aqui seis dias e depois decidi viajar para a minha terra. Quando cheguei lá, vi minha mãe doente. Fiquei uns dias lá e retornei. Passaram-se mais uns dias antes do telegrama chegar”, assinala Joaquim Luiz.

Frases de destaque – Antônio Carlos Lage

“Tudo faz parte do começo de uma cidade, mas ela não se faz logo com tudo, surge aos poucos.”

“Terra Rica é uma cidade onde um dava a mão ao outro, até por questão de necessidade.”

Saiba mais

Em 1965, Terra Rica chegou ao ápice da produção cafeeira: 400 mil sacas de café beneficiado.

A colonização de Terra Rica foi feita por pioneiros paulistas que vieram ao Paraná com a intenção de produzir café.

As derrubadas de mata começaram em 1949 e se intensificaram de 1950 a 1952.

A colonização de Terra Rica foi feita pela Sociedade Imobiliária do Noroeste do Paraná (Sinop).