David Arioch – Jornalismo Cultural

Jornalismo Cultural

Archive for the ‘Brasil’ tag

Orgulho em ser ignorante?

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Arte: Pawel Kuczynski

Desde que nasci, acho que nunca vi um Brasil com tanta manifestação exacerbada de ignorância quanto o atual (até porque não vivi a ditadura, mas estudei o suficiente para saber que naquela época imperava mais a ingenuidade e indiferença por parte bastante significativa da população, e prova disso são as releituras equivocadas do período).

Na minha infância, me recordo que eu encontrava pessoas analfabetas que viviam em áreas rurais ou pessoas que viviam em áreas marginalizadas, mas ainda assim não eram conscienciosamente suscetíveis. Isso acontecia em decorrência de uma ignorância ingênua, pueril.

Já hoje, o que me preocupa não é o analfabetismo, mas especialmente os alfabetizados que são voluntariamente semiletrados, e muitos são incapazes de fazer uma análise crítica e fundamentada de suas defesas. E para piorar, hoje já temos uma massa de pessoas que debocham de pensadores sérios, de estudiosos, filósofos, sociólogos, cientistas e etc, porque não se alinham às suas ignorâncias.

E basicamente são pessoas que não leem, que não estudam, que repetem frases à exaustão, que não têm base teórica ou mesmo pragmática para efeitos analíticos ou comparativos. Que não são nem mesmo capazes de analisar a própria realidade. Ingerem e digerem qualquer porcaria, e acham que isso é o suprassumo da sabedoria, porque são preguiçosos, ou porque se alinharam a ideias que, em linhas gerais, nutrem suas insciências, incultura.

Me preocupo mais com essa ignorância que inspira orgulho em muitos, porque é uma ignorância jactante, presunçosa, de quem infelizmente escolheu esse caminho e ainda se orgulha de tê-lo percorrido.

Written by David Arioch

March 17th, 2019 at 6:27 pm

Bolsonaro e seus ministérios

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Para o Ministério da Economia, o economista Paulo Guedes, que não sabe como funciona a Lei Orçamentária Anual (LOA), que está sendo investigado por fraude milionária em fundos de pensão e que declarou que o Mercosul não é prioridade. Sim, afinal não precisamos nos importar muito com países vizinhos.

Para chefiar a Casa Civil, Onyx Lorenzoni que recebeu Caixa 2 da JBS em duas ocasiões, inclusive admitiu o primeiro, mas segue dizendo que é um “combatente contra a corrupção”.

No Ministério do Meio Ambiente, talvez a atriz Maitê Proença, que recebe pensão vitalícia do pai falecido e não se casou para não perder o benefício, além de trazer um histórico polêmico que inclui ofensas aos portugueses. Disse ainda que direitos humanos não é mais importante que comida na mesa. Mas comida na mesa não é uma questão de direitos humanos?

Para o Ministério da Família, que parece ser inclusive considerado mais importante do que o Ministério do Trabalho por Bolsonaro, o pastor Magno Malta, que na eleição de 2014 recebeu R$ 100 mil de Caixa 2 do presidente da cozinha Itatiaia, Victor Penna Costa. Malta também foi acusado de envolvimento na máfia das ambulâncias. Além disso, o pastor acusou falsamente um homem de praticar pedofilia. Graças a Magno Malta, o ex-cobrador de ônibus Luiz Alves de Lima passou nove meses no Centro de Detenção Provisória de Cariacica (CPDC), onde era espancado regularmente, teve dentes arrancados com alicate, sofreu choques, asfixia, ficou cego de um olho e perdeu parcialmente a visão do outro. Luiz Alves foi inocentado mais tarde, após a perícia concluir que ele não havia estuprado a própria filha, e que inclusive ela ainda era virgem.

Para o Ministério da Justiça, Sérgio Moro, um juiz que disse antes que nunca ocuparia um cargo político. E sim, embora a sua função não seja eletiva, cargos baseados em indicação ou comissão, mesmo quando considerados critérios técnicos, não deixam de ser cargos políticos. Afinal, a sua função está vinculada à indicação de um político eleito. Além disso, disse que perdoou o Caixa 2 de Lorenzoni e agora como ministro da justiça pode usar informações privilegiadas de processos e seguir influenciando o judiciário brasileiro, o que em países de Primeiro Mundo é inadmissível e se enquadra como “contaminação política”.

Para o Ministério da Ciência, Marcos Pontes, alguém que embora tenha se formado no ITA, dizem que com bom desempenho, nunca produziu ciência, e que está fora do meio acadêmico desde os anos 1990, e tem como ponto mais alto do currículo uma viagem para o espaço sob os termos de astronauta/turista. Hoje é um empreendedor que atua como um tipo de coach. Não é porque outros governos indicaram alguém que não produz ciência ou que não desenvolve nenhum trabalho muito relevante nesse aspecto que não devemos ser mais criteriosos.

Para o Ministério da Agricultura, Tereza Cristina, uma agropecuarista que é conhecida como a “Musa do Veneno”, e que quer mais relaxamento legal, menos interferência da Anvisa, do Ibama e do ICMBio e mais permissividade na liberação de agrotóxicos proibidos em outras partes do mundo. Não podemos ignorar também que ela mantém negócios com a JBS. Ou seja, aquela mesma empresa que Bolsonaro usou como exemplo a maior parte de sua campanha para criticar o PT.

Para o Gabinete de Segurança Nacional, o general Augusto Heleno, aquele que recebia salário mensal de R$ 59 mil, sendo que o teto no funcionalismo público brasileiro é o salário dos ministros do STF, que era de R$ 33,7 mil e agora vai para R$ 39 mil.

Para o Ministério das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, um diplomata que acredita em teorias da conspiração e que tem uma posição política que se resume ao antipetismo. Além disso, defende o criacionismo e acredita que a globalização é uma “agenda marxista”.

 

Written by David Arioch

November 15th, 2018 at 10:27 pm

Passagem do livro “Infância Roubada: Crianças atingidas pela Ditadura Militar no Brasil”

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Página 17 do livro “Infância Roubada: crianças atingidas pela Ditadura Militar no Brasil”, lançado em 2014 pela Comissão da Verdade do Estado de São Paulo:
 
“A repressão política não poupou nem crianças nem mulheres grávidas. Muitas mulheres abortaram nas dependências dos DOI-CODIs de tanto apanharem e levarem choque na barriga, vagina e demais partes do corpo. Assim como existiram mulheres que tiveram seus partos, na mais ferrenha clandestinidade, outras tiveram seus filhos na cadeia, como Hecilda, Crimeia Schmidt, Linda Tayah. Todas foram presas grávidas e, mesmo sendo muito torturadas, permaneceram grávidas e seus filhos nasceram sob a ameaça de torturas sendo que algumas dessas crianças sofreram a tortura ainda na barriga de suas mães. Nessa seara, temos o caso do Joca, João Carlos Schmidt de Almeida Grabois. Sua mãe, Criméia, foi presa com sete para oito meses de gravidez. Levou choques elétricos, foi espancada em diversas partes do corpo e sofreu socos no rosto. Quando os carcereiros pegavam as chaves para abrir a porta da cela e levá-la à sala de tortura, o seu bebê ainda na barriga começava a soluçar. Nasceu na prisão e, mesmo anos depois, quando ouvia o barulho de chaves, voltava a ter soluços.”

Written by David Arioch

October 21st, 2018 at 9:01 pm

Se alguém tivesse me falado há 15 anos…

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Se alguém tivesse me falado há 15 anos que chegaria um dia em que os brasileiros votariam em massa em um cara que não apenas vê a ditadura militar como um período lindo, mas que além disso fez apologia à tortura, disse que não veria problema em matar 30 mil pessoas para mudar o Brasil, e que homenageou o maior torturador da história moderna brasileira, eu nunca acreditaria. Juro mesmo.

Honestamente, não consigo ver da mesma forma diversas pessoas que votaram e vão votar nesse cara outra vez, ainda mais porque são pessoas que conheço e sei que sabem quem foi o Ustra e tudo que o Bolsonaro já disse a respeito do assunto. A tortura é inadmissível até mesmo contra os piores criminosos condenados à morte em países de “Primeiro Mundo”, vide Estados Unidos. Isso é uma prova de que devemos ser melhores, não piores. Inclusive sou contra a pena de morte.

Eu gostaria que essas pessoas que acreditam na violência como solução para os nossos problemas assistissem um filme do Werner Herzog chamado “Into the Abyss”, sobre a pena de morte, que me fez admirar ainda mais esse cineasta alemão. Não somos bárbaros para endossar tortura. Nada resta se assim como criminosos legitimamos o desrespeito à vida.

Written by David Arioch

October 16th, 2018 at 2:10 am

Manipulação da opinião pública durante as eleições

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Assisti hoje um vídeo (ao final do texto) sobre a manipulação da opinião pública durante as eleições. É realmente interessante. Vale a pena assistir. Eu só faria algumas observações como por exemplo o fato de haver no Brasil um desprezo crônico a um determinado espectro político hoje. Quando se fala em esquerda, há um preconceito e um desconhecimento visceral, e vindo de pessoas que na realidade nem sabem o que é de fato a esquerda, por isso há uma generalização crônica.

Na realidade, são pessoas que nem mesmo entendem o que são espectros políticos (confundem, por exemplo, centro com esquerda e vice-versa). E é fácil conduzir essas pessoas a uma visão equivocada da realidade e da história política nacional, principalmente se não a estudaram parcialmente ou integralmente – desde que o Brasil se tornou presidencialista, e como se deu as transições de poder no processo democrático e fora dele.

Estamos vivendo um momento de grande dissimulação e que tem como terreno fértil as fake news. Quem tem dúvidas, é só pesquisar e ver qual é o partido e candidato que mais tem espalhado fake news nessas eleições. Inclusive recusando-se a firmar um pacto ético. É claro que o PT errou bastante, foi negligente e parte da rejeição vem daí, mas é estranha a maneira como as pessoas desprezam o PT, mas não outros partidos ainda mais corruptos como é o caso do PP, que é o partido do qual Bolsonaro fez parte por 11 anos em dobradinha com Paulo Maluf.

E o que sem dúvida facilita a crença nas fake news é a rejeição e o desprezo. A passionalidade motiva as pessoas a não se importarem com a veiculação de inverdades. Afinal, a má predisposição e a rejeição que desconsidera até mesmo fatos já estava previamente instalada. Há algumas considerações no vídeo que achei interessante sobre como levar alguém com visões de extrema direita ao poder:

Anti-intelectualismo: Steve Bannon disse que é sobre emoção. Afinal, raiva leva as pessoas à eleição.

Você quer que a sua propaganda seja apelativa para as pessoas com limitada formação educacional.

Irrealidade: Você precisa destruir a verdade. Então razão é substituída por teorias da conspiração.

Na política fascista o grupo dominante é melhor que todos os outros. Eles foram os leais, as grandes pessoas do passado, que merecem respeito apenas porque são quem são.

Vitimismo: No fascismo, o grupo dominante são as maiores vítimas.

Lei e ordem: Eles são vítimas de que? Eles são vítimas do outro grupo, que são os únicos criminosos.

Realidade é a maior ameaça ao fascismo, porque o fascismo é construído por meio de um poder que depende da negação, da descrença na realidade.

Eles dizem algo como: “Apenas lembrem-se, o que vocês estão vendo e lendo não é o que está acontecendo.”

Written by David Arioch

October 16th, 2018 at 2:06 am

Bolsonaro quer entregar a economia brasileira para um seguidor do Reaganomics

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Querem entregar o Brasil para um economista que segue um plano econômico instituído nos Estados Unidos da década de 1980. Paulo Guedes, que o candidato à presidência Jair Messias Bolsonaro (PSL) quer nomear como ministro da fazenda, tem como referência o plano econômico de Reagan (Reaganomics). Isso mesmo, que foi presidente nos EUA há mais de 30 anos.

O Reaganomics não apenas cortou impostos dos ricos quando foi instituído, como realizou grandes cortes em gastos sociais. Os cortes foram feitos para compensar a redução no corte de impostos, o que acabou beneficiando os ricos e lesando os mais pobres. Com os cortes sociais, a meta era ampliar os investimentos que favorecessem o crescimento econômico.

Então eles cortaram custos para os negócios visando gerar mais capital que pudesse impulsionar o crescimento econômico. Mas capital próprio não impulsiona crescimento e em vez da economia crescer ela encolheu. Inclusive o último que tentou imitar isso no Brasil foi o Collor. E o resto vocês já sabem.

Pesquisem sobre esse plano Reaganomics. É apontado como logicamente insustentável e matematicamente desacreditado, mas há aqueles que vivem tentando duplicar, triplicar e quadriplicar essa filosofia como política econômica sólida porque não admitem os próprios erros, e também porque acreditam que o segredo da boa economia está em financiar e incentivar sempre os mais ricos. Quando a ganância supera a razão a história nos cega para o futuro.

Written by David Arioch

October 14th, 2018 at 3:06 pm

“Brasil: Nunca Mais”, um livro que não deve ser esquecido

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O livro “Brasil: Nunca Mais” foi lançado em 1985 por dom Paulo Evaristo Arns, quinto arcebispo de São Paulo, e pelo pastor presbiteriano Jaime Wright. A obra é baseada em informações coletadas em mais de um milhão de páginas de 707 processos do Superior Tribunal Militar. E a partir daí, dom Paulo Evaristo, o reverendo Wright e mais 30 pesquisadores mostram a dimensão da repressão política no Brasil dos tempos da ditadura militar.

No livro, é apresentado como funcionavam as agências de investigação, quem eram os principais perseguidos, como eram feitas as prisões e expõe as técnicas de tortura contra presos políticos. Há dados reveladores sobre violência física e psicológica aplicada contra crianças e gestantes. “Brasil: Nunca Mais” foi a primeira obra a denunciar essas práticas.

Entre os principais colaboradores do projeto estavam os advogados Eny Raimundo Moreira, Luiz Eduardo Greenhalgh, Luís Carlos Sigmaringa Seixas e Mário Simas, os jornalistas Paulo Vannuchi e Ricardo Kotscho, além de Frei Betto, a socióloga Vânya Santana e a historiadora Ana Maria de Almeida Camargo. Durante o processo de produção do livro, a equipe teve de mudar de local várias vezes por medidas de segurança. A obra informa que a tortura no Brasil durante o período da ditadura militar foi colocada em prática por 444 torturadores.

No prefácio do livro, dom Paulo Evaristo diz que a tortura é o meio mais inadequado para levar-nos a descobrir a verdade e chegar à paz: “É com penitências, pois, que encaramos este livro. Ele não pretende ser meramente uma acusação, mas sim um convite para que todos nós reconheçamos nossa verdadeira identidade através das faces desfiguradas dos torturados e dos torturadores.”

Sem oposição à ditadura, você não poderia votar para presidente hoje

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Estudante caindo no chão, durante perseguição policial aos manifestantes na Avenida Rio Branco.

Após a ditadura, o direito ao voto para presidente, o surgimento das Diretas Já, foi uma conquista baseada em oposição e luta. Sendo assim, qual foi a contribuição ao processo democrático das pessoas que apenas seguiram suas vidas nos tempos da ditadura militar? Elas simplesmente não contribuíram nesse processo. Quem diz que a ditadura foi uma maravilha deixa claro que não era opositor, e nessa ausência de oposição você confirma que não é graças a você que temos o direito de votar para presidente hoje.

David Arioch, jornalista e historiador.

Written by David Arioch

September 16th, 2018 at 1:35 pm

Reflexão sobre a exploração animal na Inglaterra e no Brasil

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Não tenho dúvida de que o melhor caminho em contrariedade a isso é a completa abstenção do consumo de animais (Foto: Jo-Anne McArthur/We Animals)

Quero te convidar a uma breve reflexão sobre a exploração animal. Publiquei uma notícia sobre uma série de episódios de tortura praticados contra porcos em uma fazenda na Inglaterra. Sim, na Inglaterra, terra de Henry Salt, pioneiro da teoria dos direitos animais, onde surgiu o veganismo em 1944, e onde o respeito aos animais é considerado muito superior ao da maioria dos países.

Ainda assim, isso não impede que na Inglaterra ocorra violência contra os animais. Afinal, animais continuam sendo explorados, privados e mortos para atender um mercado consumidor. E toda essa demanda alavanca a objetificação e ajuda a fazer com que pessoas não vejam os animais como sujeitos de uma vida, mas somente pedaços de carne ambulante, que podem ser submetidos a qualquer tipo de violência; bastando para isso que não haja reconhecimento do valor da vida não humana nem mesmo legislação verdadeiramente favorável aos animais.

Agora vamos falar do Brasil. O Brasil é o quinto maior país do mundo, ou seja, é imenso. O Reino Unido, do qual faz parte a Inglaterra, cabe dentro do estado de São Paulo. O Brasil vive imerso em corrupção, é um país que ganhou fama internacional durante a Operação Carne Fraca como o país que “comercializa carne adulterada” e que possui fiscais da superintendência agropecuária que podem ser comprados, desde que bem pagos.

Além disso, segundo o artigo “A Clandestinidade na Produção de Carne no Brasil”, de João Felippe Cury Marinho Mathias, pesquisador da Embrapa, a produção de carne de origem clandestina no Brasil pode chegar a 50%, o que significa carne sendo consumida sem inspeção, e animais sendo criados e mortos da forma que o produtor e o comprador bem entender.

Não podemos ignorar também que os últimos episódios de exportação de bovinos vivos provaram como a intervenção política pode ignorar qualquer interesse coletivo e bem-estar animal – desconsiderando o fato de animais estarem em situação lastimável e degradante, segundo registros fotográficos que podem ser consultados via Google.

Sendo assim, será mesmo que deveríamos dizer algo como: “Mas isso é fora do Brasil!” “Isso é na Inglaterra!”? Será que em um país onde o respeito à vida não é exemplar, onde há muitos matadouros clandestinos e animais criados irregularmente, a parca exposição da violência contra os animais criados para consumo não é apenas uma questão de poucas denúncias e investigações? Não tenho dúvida de que o melhor caminho em contrariedade a isso é a completa abstenção do consumo de animais. Afinal, de um modo ou de outro, a violência existe e persiste.

 



Alencar Furtado: “Tive a desventura de viver sob a inclemência de duas ditaduras”

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“Uma ditadura é, no mínimo, uma calamidade. Duas, já são uma tragédia” (Foto: Um Pouco de Muitos)

Tive a desventura de viver sob a inclemência de duas ditaduras: a do “Estado Novo” e a de “1964”. Uma, recebeu um nome; a outra, recebeu um número. Ambas fascistas. Soberbas. Plenipotenciárias. Como é da natureza das ditaduras que, sem essas desqualificações, não seriam ditaduras. Deus concedeu-me a ventura de combatê-las. Nas ruas. Na universidade. No Centro de Estudos e Defesa do Petróleo. Na tribuna forense. No Parlamento Brasileiro. Ou no MDB do GRUPO AUTÊNTICO, que travou uma das mais belas lutas políticas deste país.

Uma ditadura é, no mínimo, uma calamidade. Duas, já são uma tragédia. É que as instituições democráticas se vergam sob o vendaval das arbitrariedades. A mídia, vira instrumento de alienação de consciências. A força, sobrepõe-se ao direito. A liberdade é sufocada e proibida. A cultura, fica dirigida. O Parlamento se dobra, ajoelhado, e o Judiciário deixa de ser Poder e passa a obedecer a vontade e os caprichos do ditador.

Enfim, é o terror tocando no futuro, castrando gerações. As ditaduras torturam ou matam opositores, dispondo dos bens e da vida dos que não lhe são gratos. Entre nós, após mais de 20 anos de autoritarismo pleno, o soba tupiniquim é anistiado de todos os crimes, tem assegurados seus direitos políticos, gozando ainda de proteção policial, de veículos, funcionários, e uma pensão vitalícia do presidente da República.

É que tivemos uma abertura democrática negociada, sob a mira dos arsenais da ditadura. E muitos querendo ainda servi-la com benesses injustificadas. A minha geração foi de muita vibração cívica, nas refregas políticas e sociais. Derrubou ditadores; conquistou direitos; lutou, lá fora, contra o nazismo; defendeu as liberdades, reconquistou a democracia, abatendo-se, por isso mesmo, sobre ela todos os flagelos do arbítrio. Foi a luta de toda uma geração que se doou exemplarmente.

Quando do chamado “Estado Novo”, era eu estudante no Ceará. No reinado da ditadura de 1964, eu já residia no Paraná, Estado que me acolheu como seu filho, honrando-me com um mandato de deputado estadual e três outros de deputado federal. Por ter, como líder da Bancada Federal do MDB, denunciado pela televisão as torturas praticadas pelo governo, tive o meu mandato cassado pelo ditador Ernesto Geisel.

A cassação de mandatos era um ato imperial, inapelável e brutal praticado por um sujeito que se achava um semideus. Tanto podia ser uma vindita contra quem, como eu, denunciava tortura e investigava as multinacionais, ou um ato de amor a correligionário, como foi o caso da cassação do mandato de cinco deputados do Rio Grande do Sul, para fazer uma conta de chegar, na Assembleia Legislativa daquele Estado, que desse para eleger, por via indireta, o coronel Perachi Barcelos, governador gaúcho.

O ditador era amigo do candidato indicado. Não precisava de credencial maior. Era a ditadura bastando-se. Cobrindo-se de ridículo com atuação escandalosamente aética. As vicissitudes permearam a minha vida pública. Obtive vitórias e sofri derrotas nos episódios vividos. Levei a minha vida pública na oposição aos governos. Nada de mais. O homem nasce gritando, esperneando, já fazendo oposição. Não é como o feijão, que nasce curvo ou de joelhos, se joelhos tivesse.

O importante é que concorri, de algum modo, para a redemocratização do país. Demérito não é perder eleição. Demérito é não disputar ou omitir-se, podendo agir. Demérito é não ser, podendo ser.

Páginas 189, 190 e 191 do livro “Um Pouco de Muitos – Memorizando”, de autoria do ex-deputado federal Alencar Furtado, publicado este ano. Atualmente ele tem 92 anos e me presenteou com um exemplar do seu novo livro de memórias recém-lançado.

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Written by David Arioch

August 16th, 2017 at 4:52 pm