David Arioch – Jornalismo Cultural

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Morrer como se jamais tivesse existido

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Mais do que um escritor, Borges foi um enigma literário 

O escritor argentino Jorge Luis Borges  dizia que, quando chegasse a sua hora, gostaria de morrer como se jamais tivesse existido, existe poesia nisso; claro, talvez não para todo mundo ou especialmente para aqueles que ignoram a finitude. Quando Borges falou isso, pensei na questão do desapego, da construção de legados, dos tributos e de tudo aquilo que fazemos para nós, não para os que se foram.

Muitos se incomodam com a ideia de pessoas que não vivem para construir nada pomposo ou tangível, a não ser elas mesmas e algo em torno daqueles com quem se comunicam no decorrer da vida. Ainda somos ignorantes a ponto de acharmos que todos querem viver como nós, que todos querem criar laços ou viver e morrer como se fossem muito maiores do que realmente eram.

Há quem se assuste com a ideia de pessoas que ao longo da vida se comunicam de forma profunda, mas fortuita e transitória com os outros, sem criar vínculos concretos, complexos ou objetivos. Apenas existem sem se preocupar em definir coisa alguma. O que não deveria ser visto como aberrante, já que não fomos feitos em série.

Nem todos querem deixar algum legado, assim como nem todos buscam fazer algo pelo que ser lembrado. Há aqueles que querem apenas viver para algo que parece mínimo a tanta gente, mas que dê algum sentido ao existir. Nem todo mundo quer fazer planos de curto, médio ou longo prazo. Tem gente que prefere cultivar apenas a própria consciência, uma consciência que também pode reverberar a possibilidade de que o fim pode ser hoje ou amanhã.

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Written by David Arioch

March 5th, 2017 at 7:56 pm

A ilusão do highlander

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Sempre que vejo pessoas na rua arrumando confusão, seja no trânsito ou em qualquer outro lugar, ou se colocando em situações desnecessárias de perigo, me recordo de quando eu era criança e assisti Highlander pela primeira vez. Eu realmente sonhava com a imortalidade. Afinal, quem iria contestar uma criança, tirar dela o direito de sonhar?

Claro que isso não durou muito tempo, porque a maturidade se encarregou de desfazer esse sonho, de mostrar que a finitude não existe só para os outros, mas também para mim. Porém, quando vejo pessoas arriscando a própria vida por nada, penso que provavelmente elas se veem como highlanders.

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January 20th, 2017 at 11:09 pm

Beleza na finitude singela

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Por mais que tenhamos receio do fim, admito ver beleza na finitude singela de quem chegou a um ponto da vida em que vaidade, ganância e antagonismo tornaram-se palavras vazias porque já não representavam mais nada.

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December 4th, 2016 at 4:12 pm

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A morte serena

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A forma como a vida pode se esvair sem transparecer cruel ou atemorizante

Pintura "A Morte de Elaine", do canadense Homer Watson

Pintura “A Morte de Elaine”, do canadense Homer Watson

Ontem, sentado sobre a calçada e diante de um céu anilado que jamais prenunciaria a borrasca de hoje, comecei a conversar com um amigo sobre a morte enquanto seu gato siamês rolava de um lado para o outro embaixo da cadeira com cordas de nylon, cutucando meu calcanhar esquerdo com suas garras.

O assunto era a morte serena ou a forma como a vida pode se esvair sem transparecer cruel ou atemorizante. Como contraponto, em um primeiro momento lembramos de casos em que conhecidos e amigos morreram em tragédias. Foram sepultados dentro de caixões fechados porque nada havia restado que pudesse ser associado a quem foram um dia.

Ele me relatou a experiência que teve ao ver na juventude o seu cunhado morrer eletrocutado enquanto trabalhava. Emocionada com a notícia, mais tarde sua irmã não resistiu ao anseio de ver o marido e abraçá-lo pela última vez. Ao toque vigoroso dos braços e mãos da moça, o corpo já reduzido do rapaz se desfez como se diante dela estivesse um grande pacote de cinzas.

Lembrei de histórias de pessoas da minha família que morreram dormindo, deitados sobre suas camas, trazendo no rosto uma clássica expressão de serenidade. Admito que não sei se sofreram em algum momento, mas prefiro a poesia do não porque a ideia da partida preservando todas as características da última vez em que foram vistos sempre me pareceu tão digna quanto misericordiosa e lírica.

Por mais que tenhamos receio do fim, admito ver beleza na finitude singela de quem chegou a um ponto da vida em que vaidade, ganância e antagonismo tornaram-se palavras vazias porque já não representavam mais nada. Percebi isso em algumas pessoas dias e meses antes de falecerem.

Dedicamos muito tempo conhecendo o significado de tantas coisas e é justo que na etapa final dessa caminhada seja preservada somente a semântica e o valor daquilo que é essencialmente minimalista. Acredito que quem vive à sua maneira, dignificando o autoconhecimento, evitando o remorso e o rancor, lá na frente pode ter o privilégio de partir como se o passamento fosse um presente tão valioso quanto a vida.

A morte serena me traz lembranças de Seu Sátiro, de 94 anos, que conheci em 2012. De fala remansosa e ponderada, recebia visitas diárias em casa, inclusive de estranhos interessados em ouvir suas velhas histórias. Um dia, deitado na cama, Seu Sátiro disse: “Espere só um pouquinho.” E dormiu sorrindo para não acordar mais.

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Written by David Arioch

April 26th, 2016 at 7:37 pm

Pequenas reflexões sobre a morte

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Ainda assim lutamos para preservar a convicção de que “somos eternos enquanto vivemos”

Pequenas reflexões sobre a morte

A morte não nos convida para uma partida de xadrez como a educada e ponderada Döden da obra Det Sjunde Inseglet (Foto: Reprodução)

É sempre difícil lidar com a morte sem questionar alguns valores que regem a vida. Conviver com a perda é imprescindível, é humano, assim como enfrentar esporádicas crises existenciais em momentos extremos; quando perdemos alguém, por exemplo. Há acontecimentos que fazem o ser humano se questionar, se autoavaliar diante de tudo aquilo que até então lhe parecia pleno porque ele julgava como inconcebível ou até impossível.

É um pensamento que remete à infância quando atribuímos aos nossos familiares e amigos um status de intangíveis, imortais. Queremos sempre que aqueles de quem gostamos sejam eternos, independente das mais estoicas adversidades. Alimentamos essa ilusão como verdade plausível, diuturnamente tangível, até quando na adolescência ou diante de situação inesperada a ideia da finitude nos arrebata pela experiência.

A morte consegue ser menos seletiva do que nossas escolhas. E ela pode ser aparentemente cruel com a nossa ingenuidade, fiel companheira capaz de alimentar e ao mesmo tempo diluir nossa realidade. Ainda assim lutamos para preservar a convicção de que “somos eternos enquanto vivemos”. Precisamos, de fato, tratar quem importa para nós como heróis, sempiternos, pois a morte não é dada a avisos muito claros. Não nos convida para uma partida de xadrez como a educada e ponderada Döden da obra Det Sjunde Inseglet (O Sétimo Selo), do sueco Ingmar Bergman.

É justo e sensato reconhecer que a vida também pode afastar os seres humanos enquanto a morte é capaz de promover uma grande união de reflexões entre pessoas de tantas gerações que se conhecem ou se desconhecem. Humanos das mais diferentes formas, estilos e perfis – que se complementam e se antagonizam. Pessoas são microcosmos como réplicas ou paródias do macrocosmo, dependendo da concepção em voga. Somos tudo ao mesmo tempo que não somos nada.

Mesmo reconhecendo nossa pequenez, não precisamos negar que o fim de quem quer que seja há de abalar o mundo, mesmo que seja um mundo pessoal, onde um diminuto fragmento, mesmo que invisível à maioria, surge sempre que alguém se vai. A morte deixa seus vestígios – uma talisca de luz, sim, ínfima, não geográfica, que resplandece vaporosa sobre quem tem aptidão para notá-la.

Temos a natural necessidade de vivificar quem se foi porque o tributo clama não somente pela paz dos que partiram, mas também por um algo inominado e indefinível que assegure a manutenção da vida e a sanidade dos que ficaram. Acredito também que a morte é um sopro de vida, uma aragem curta, fugaz, tímida e melindrosa que muitas vezes se esforça para ser reconhecida, principalmente quando a ignoramos.

Written by David Arioch

April 7th, 2016 at 4:27 pm

Meu pai e eu, a despedida que não aconteceu

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Quando segurava sua mão, eu a sentia fria e frágil. Queria apertá-la, mas temia lhe ferir os dedos

Douglas, meu pai e eu dois anos antes de descobrirmos a doença (Foto: Acervo Familiar)

Douglas, meu pai e eu dois anos antes de descobrirmos a doença (Foto: Acervo Familiar)

No dia 21 de setembro de 1997, domingo, uma semana antes do meu aniversário, eu dormia em um colchão no quarto do meu irmão Douglas quando ouvi minha mãe chamando. Olhei para a porta e a vi nos observando naquela manhã que nem a primavera antecipada garantiu o sol aquecendo nossa janela. As luzes estavam apagadas, assim como o sol que costumava invadir nossa casa com um esplendor enternecido e jubiloso.

Cães e gatos, que se engalfinhavam por brincadeira todas as manhãs, também endossavam um silêncio que ecoava um vazio inenarrável. “David, Douglas, preciso muito dizer uma coisa… É muito sério… Seu pai não resistiu e morreu…”, revelou minha mãe com olhos afogueados e um tom de voz aluído que denunciavam ter ensaiado aquele momento por várias horas. Nos calamos por segundos que pareciam minutos. Então ela se afastou, se esforçando para reprimir a emoção.

Levei as mãos ao rosto e esfreguei os olhos que formigavam mais do que lã em eczema. “Poderia ser apenas uma alucinação, vai saber.” Prossegui com a fleuma, me negando a aceitar a gravidade da situação. Afinal, na minha concepção juvenil de finitude ninguém morria até que eu o visse morto. “Não, ele não pode ter morrido. É meu pai e pais não podem viver menos de 100 anos. Como ele tem 56, ainda restam 44. Não sei onde ele tá, mas tenho certeza que vai se levantar.”

Apesar da descrença no passamento, me sentei, aproximei os joelhos do peito e divaguei pelo passado recente. Lembrei das vezes em que fiquei de castigo sentado no chão ao lado da cabeceira enquanto meu pai lia um dos quatro ou cinco livros escolhidos a cada semana; um castigo que não era tão castigo porque me permitia ler junto. Recordei também das noites em que eu tinha de tocar polca no quarto. Com o passar das horas, parecia um martírio e eu só pensava em dormir. Criança que era, não tinha a mínima ideia de que um dia sentiria falta de suas cobranças, castigos, reprimendas, discursos bravios e das vezes em que simulou me bater e judiou da cama.

Algum tempo depois, me levantei, fui até o quintal e observei o céu. Apesar de tudo, ele continuava igual, na sua apatia que prenunciava a aurora primaveril. Até a pequena plantação de hortelã seguia galharda, exalando profuso frescor. Aquilo era uma ofensa pra mim que perdi meu pai na madrugada. “Vou lá fora!”, pensei. Abri o portão, coloquei os pés na calçada e notei que o mundo não mudou porque meu pai partiu. Crianças atravessavam a rua rindo e correndo. Cães de diversos tamanhos latiam e mostravam os dentes entre as grades dos portões, tudo para tentar intimidar os passantes.

Logo ouvi o sino da igreja simulado por um disco de vinil e dezenas de pessoas caminhando até ela, assim como se repetia todo domingo. A padaria a 50 metros de casa estava aberta, recebendo os fregueses. “Por que ninguém se importa?”, me perguntei enraivecido. Quando vi sombras e vozes em frente ao portão de casa, me afastei e retornei a passos rápidos para o quarto do meu irmão.

Deitei no colchão e fiquei por lá, aventando minhas voláteis conclusões: “Claro! Se tá tudo igual é porque meu pai não morreu. Deve ser algum tipo de engano.” Então mirei o teto com a visão ligeiramente difusa e pensei que talvez fosse uma boa ideia ir até o hospital vê-lo. Em poucos minutos, veio um novo choque de realidade. Minha mãe retornou e perguntou se preferíamos ir ao velório ou ficar em casa.

Ilusão desfeita, eu e meu irmão nos entreolhamos e hesitamos por alguns instantes. No entanto, numa situação como essa, a resposta era previsível. “Prefiro ficar…”, respondemos juntos. Ela entendeu e respeitou nossa decisão, pois desde sempre não tínhamos o hábito de ir a velórios nem a enterros. No caso do meu pai em especial, a ideia de jamais vê-lo morto não era simplesmente uma forma de preservar a imagem que tínhamos dele, mas também a esperança de que um dia ele poderia retornar.

Por um momento, fui até o quarto do meu irmão Juninho, contíguo ao da minha mãe, e o observei no berço. Balançava as perninhas rechonchudas com o vigor de uma pedalada. Seus olhos grandes, redondos e castanhos cintilavam como avelãs envernizadas. A agitação hasteava a camisetinha com estampa do “Tico e Teco”, expondo a barriguinha farta. Nascido há um ano, sorria com doçura, mostrando a vivaz gengiva nua e os poucos dentinhos enquanto apontava a mão para um móbile de animaizinhos que giravam sobre sua cabeça.

A vida me parecia um jogo de chegadas e partidas. “Mas por que a partida tinha de ser do meu pai?”, reclamava. E assim minha mãe assumia total responsabilidade sobre três crianças que sabiam nada ou quase nada da vida, do mundo e dos seres humanos. Apesar de tudo, eu e Douglas não choramos, não gritamos, não brigamos com ninguém. Seguimos nossas vidas em silêncio. Nem mesmo na escola tocamos no assunto. Entre nós a reticência também era imperativa. Por que deveríamos dizer algo a alguém? Era um mundo distorcido, tanto quanto uma pintura do Otto Dix.

Com o tempo a consternação se intensificou, despertada num rompante insólito. A ausência tinha consequências progressivas – fustigava e dava lições de vida e morte. Crescia aos poucos, abrindo espaços entre o coração e o cérebro, como se formasse raízes no cerne da existência. O vácuo deixado pelo meu pai amplificava a impressão de um mundo oco em que não é dado aos bons seres a oportunidade de corrigirem suas falhas e renascerem. Com 13 anos, concluí e amarguei no coração diminuto, como uma noz prestes a ser esmagada, a ideia de que o mundo nunca foi justo porque não cabe a ele fazer qualquer tipo de justiça. Apenas segue de acordo com o curso das nossas ações, independente do nosso estado de consciência ou passionalidade.

Tardiamente, me via na esteira da dualidade, interpelando: “Que seja! Por que a vida não poderia imitar um jogo de videogame? Continuar de onde paramos. A morte deveria ser sinônimo da vida, um reinício e não um fim.” Era impossível esquecer que durante um ano e oito meses vi meu pai definhando aos poucos. Ele se esforçou para tentar levar uma vida normal. Quando recebeu a notícia de que estava com câncer de pulmão, deu um sorriso e, com um olhar sereno, comentou: “Vai dar tudo certo. É só um probleminha passageiro.”

Em Maringá, acompanhei meus pais até o Hospital Paraná em muitas sessões de quimioterapia e radioterapia. No começo, tudo ia bem. Meu pai continuava se alimentando normalmente e fazia brincadeiras enquanto aguardava atendimento. Em meses, perdeu os cabelos, mais de 20 quilos e sua pele que era rosácea se tornou translúcida e esquálida. As maçãs do rosto se afundaram a ponto de abrir fendas nas laterais que raleiam o maxilar.

Ele continuava acreditando na própria recuperação, assim como nós. Após um ano recebemos a melhor notícia de nossas vidas. Meu pai estava curado! Saímos até para festejar. Era incrível! Então a doença voltou… Depois de buscar métodos alternativos que não funcionaram, ele começou um novo tratamento no Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo. O resultado foi ainda mais agressivo e o seu peso caiu pela metade.

Era difícil reconhecê-lo, e eu já não o via tanto porque precisava ir para a escola. Em casa, meu pai repousava em um quarto adaptado à sua situação. Quando segurava sua mão, eu a sentia fria e frágil. Queria apertá-la calorosamente, mas temia lhe ferir os dedos. Seus olhos estavam mais baixos do que nunca. Quebrantado, fazia poucos movimentos com a boca e seus lábios tinham de ser umedecidos constantemente para não ficarem ressequidos e sangrarem.

Seu corpo escanzelado ocupava pouco espaço em um colchão d’água que evitava escoriações na pele delgada. Era azul como o mar e o céu que contemplou tantas vezes com uma expressão enlevada. Um dia, quando eu estava ao lado da cama sentado em uma cadeira, me pediu, com a voz embargada e paulatina, para ler um trecho de “O Andarilho das Estrelas”, do Jack London.

“…Sorri para mim mesmo um imenso sorriso cósmico e mergulhei na imensidão da pequena morte que fazia de mim o herdeiro de todas as eras e o cavaleiro de reluzente armadura a cavalgar o tempo.” Meu pai me olhou, fechou os olhos e dormiu sem desfazer o terno sorriso. Foi a última vez que conversamos.

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Congelando o tempo no âmago da vida

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Ninguém escapa do tempo, mas o ser humano tem a seu favor a jovialidade espiritual

Mitológica Fonte da Juventude, do pintor alemão Lucas Cranach

Mitológica Fonte da Juventude, do pintor alemão Lucas Cranach

Quando se fala de velhice, os mais jovens ficam despreocupados, pois ainda estão desfrutando dos prazeres propiciados pela jovialidade. Já quem tem idade avançada começa a se preocupar com os traços do tempo que afetam o perfil estético. A consequência é que muitas pessoas passam a encarar a vida com uma visão pessimista envolta por piedade, medo e constrangimento; uma nebulosidade que começa a transcender.

Enquanto alguns acreditam que a temporalidade é um grande inimigo para quem não quer envelhecer, outros preferem aceitá-la, defendendo que é a melhor forma de encarar a vida de forma saudável. Pessoas assim creem que ninguém deve preocupar-se, sequer com o tempo, porque isso pode impedi-lo de aproveitar a vida.

Um exemplo de quem optou por viver sem grandes preocupações é o escritor belorizontino João de Freitas, 50, que escreveu o livro “A fonte da juventude” que traça um paralelo entre tempo, idade e saúde. “Nunca fiquei pensando que daqui a tantas décadas vou estar velhinho. Procuro agir da forma que acho mais adequada para minhas energias não se esgotarem rápido”, diz.

A fonte da juventude tem origem mitológica e explica que Júpiter, o deus dos deuses, transformou a ninfa Juventa em uma fonte cuja água devolvia a mocidade. Mas Júpiter escondeu a fonte, e ninguém sabia onde a encontrar. Isso mostra que alguns mitos representam o sonho da humanidade de “driblar” um de seus maiores receios e ter controle sobre o que lhe foi imposto como fator da natureza.

Muitas pessoas já devem ter assistido algum filme ou lido algum livro que mostra uma mística fonte em que qualquer pessoa que beber daquela água vai ter a oportunidade de retardar o envelhecimento e assim manter-se jovem para sempre. Pois é, essa fonte ao certo a maioria não sabe se existe ou onde pode ser encontrada, mas especialistas afirmam que para envelhecer com saúde é preciso boa alimentação e prática regular de atividades físicas. Assim poderão trilhar o caminho da velhice “de mãos dadas com o tempo”.

João de Freitas “Nunca fiquei pensando que daqui a tantas décadas vou estar velhinho” (Foto: Arquivo Pessoal)

João de Freitas “Nunca fiquei pensando que daqui a tantas décadas vou estar velhinho” (Foto: Arquivo Pessoal)

Das mudanças físicas trazidas pela inexorabilidade do tempo ninguém escapa, mas o ser humano ainda possui a seu favor a tenaz vivacidade de manter a jovialidade espiritual. “Depois do trabalho chego em casa cansado, tomo banho e logo em seguida me sinto como se tivesse 50 anos, isso porque mantenho uma vida ativa, o trabalho faz com que eu me sinta assim”, explica o empreiteiro João Mariano, 80.

A temporalidade que pode fazer do homem jovem de hoje um ancião no futuro é o triunfo de quem consegue enxergar o lado positivo com o avanço da idade. “O indivíduo vai ganhando mais sabedoria. O conhecimento é o que podemos acumular de bom com o tempo. Se eu soubesse desde a infância tudo que sei hoje, poderia estar em posição muito mais vantajosa”, conta Freitas.

Em contraponto, o tempo traz a finitude, um dos grandes medos da humanidade, fazendo com que porventura cada um se agarre em explicações que para si pareçam as mais “plausíveis”. “Diante da certeza da morte, uns pensam em ressurreição, outros em reencarnação, e ainda há aqueles que acreditam na sobrevida à morte, cada ideia visa amenizar a grande certeza que temos, que um dia morreremos”, frisa o escritor.

O médico e escritor norte-americano Peter kelder fez um estudo sobre o assunto e lançou um livro em 1939 intitulado “A fonte da juventude”. Na obra, os princípios básicos para se envelhecer com saúde estão em rituais milenares tibetanos que mantêm o corpo em harmonia por meio de sete vórtices localizados no corpo humano, assim retardando o envelhecimento. Além disso, o autor explica que a boa alimentação por meio de alimentos naturais, e pouco variados, é de suma importância para se alcançar a longevidade.

Bons hábitos alimentares devem estar positivamente adequados ao organismo do indivíduo. É imprescindível para evitar problemas que surgem com o tempo. Apesar do empreiteiro de 80 anos nunca ter lido o livro de Peter kelder ou ter recebido recomendação médica, revela que come pouca carne vermelha, pois prefere carne branca como frango ou peixe, e evita ingerir refrigerantes, doces, enlatados e conservas.

Os cuidados com a saúde, envolvendo atividades físicas e alimentação, além da busca da paz espiritual, são algumas das formas encontradas pelo ser humano que tem o desejo de prolongar a vida em substituição da mitológica fonte da juventude que por enquanto ninguém sabe onde Júpiter escondeu, nem mesmo os cientistas. Mas para se chegar a terceira idade arraigado no âmago da vida basta cada um buscar a sua própria “fonte da juventude”, afastando-se dos preceitos determinados pela crescente cultura do comodismo que leva somente à displicência.

Written by David Arioch

June 30th, 2009 at 2:59 pm