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Forças de Defesa de Israel oferecem refeições veganas a mais de 50 mil soldados

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A preocupação em atender as necessidades dos soldados veganos começou em 2014

(Foto: Dan Balilty / AP)

Depois que soldados veganos realizaram um protesto em Israel, alegando que não havia nada para eles comerem nos refeitórios – já que quase todos os pratos continham carne, ovos e laticínios, as Forças de Defesa de Israel decidiram oferecer refeições veganas.

Hoje, mais de 50 mil soldados têm a oportunidade de optar por uma refeição livre de ingredientes de origem animal – e tudo isso graças a uma demanda de pouco mais de 500 soldados. De acordo com nota divulgada pela FDI, Israel assumiu um sério compromisso de atender as necessidades individuais de cada combatente, tanto que dedicaram três anos de pesquisa para concluírem um cardápio considerado ideal – nutritivo e benéfico para todos.

A alimentação dos soldados veganos inclui húmus, tahine, feijão em molho de tomate, azeitonas verdes, ervilhas, cuscuz, hambúrgueres de lentilha, halva (um tipo de bolo muito popular no Oriente Médio) e frutas. A maior prioridade é oferecer boas quantidades de proteínas e ferro, o que segundo a FDI é determinante para garantir a força dos combatentes.

A preocupação em atender as necessidades dos soldados veganos começou em 2014, com a reivindicação de uniformes sem pele de animais e lã. Já as refeições veganas, começaram a ser incluídas timidamente no cardápio dos soldados em 2015. Hoje, qualquer um, vegano ou não, pode optar por uma alimentação livre de ingredientes de origem animal.

O fato de haver uma consistente demanda vegana nas Forças de Defesa não surpreende tanto quem avalia o cenário israelense atual. Em meio a uma população de pouco mais de oito milhões de habitantes, já é possível encontrar mais de 400 restaurantes em Israel com opções para veganos, de acordo com a revista The Tower. Esse crescimento se deve ao fato de que atualmente Israel tem cerca de 300 mil veganos, sendo considerado o país onde o veganismo mais cresce, segundo a Jewish Telegraphic Agency.

Referências

Israelis growing hungry for vegan diet

http://www.npr.org/sections/thesalt/2015/12/10/459212839/why-so-many-israeli-soldiers-are-going-vegan

http://www.thetower.org/article/how-israel-became-the-global-center-of-veganism/

Israel has most vegans per capita and the trend is growing

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Written by David Arioch

April 5th, 2017 at 12:19 pm

Renato Esteves, um soldado pacifista no Oriente Médio

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Conhecido como Sete Metros, jovem de Paranavaí se destacou no Batalhão de Suez e recebeu condecoração da ONU em 1962

Renato Esteves ingressou no Batalhão de Suez com 23 anos (Foto: Acervo Familiar)

Renato Esteves ingressou no Batalhão de Suez com 23 anos (Foto: Acervo Familiar)

Em 1961, Renato Esteves Oliveira tinha 23 anos quando foi selecionado para ser um dos boinas azuis da Organização das Nações Unidas (ONU) no Canal de Suez, no Oriente Médio. O soldado deixou Paranavaí, no Noroeste do Paraná, porque queria ajudar a acabar com a guerra entre judeus e árabes, intensificada em 1956, quando Israel invadiu o Egito.

“A gente morava na fazenda e um dia o meu marido Joaquim [Mariano Silva] foi entregar leite e parou na venda de um português conhecido como ‘Seu Augustinho’, perto da Sanepar [Companhia de Saneamento do Paraná]. O comerciante disse que o meu irmão avisou que iria para o Canal de Suez [que liga o Mar Mediterrâneo ao Mar Vermelho]”, conta a aposentada Maria Aparecida Oliveira Silva.

Com a 7ª Companhia do 3º Pelotão do Batalhão de Suez, Renato Esteves, que era conhecido pela família como Lula e pelos amigos como Sete Metros porque tinha 1,92m de altura, precisou suportar uma viagem de navio com duração de 25 dias até chegar ao Oriente Médio, onde começou a patrulhar na Linha de Demarcação do Armistício (LDA). “Lembrei muito de vocês. Foram muitos dias e noites vendo apenas água, mas deu pra passar na África e na França. Se Deus quiser, vou a Jerusalém na Semana Santa. Também quero levar pra vocês um pouquinho de água do Rio Jordão”, prometeu Renato Esteves à família em carta de 19 de novembro de 1961.

Na LDA, o trabalho do soldado era ajudar a garantir a paz. Ou seja, não permitir que a zona neutra fosse ocupada por israelenses e árabes, caso surgissem provocações ou tentativas de transposição. Se houvesse alguma suspeita, deveria avisar os superiores. Como era voluntário, Sete Metros viajou para o Egito sem se preocupar com salário, mas quando chegou lá ficou feliz com a remuneração paga pela ONU. “Sinto saudade de Paranavaí, mas gosto muito daqui porque o ordenado que ganho em um mês equivale ao salário de um ano no Brasil. Já estou com quinhentos dólares na caixa”, escreveu em carta de novembro de 1961.

Sete Metros com um pé no Egito e outro em Israel (Foto: Acervo Familiar)

Sete Metros com um pé no Egito e outro em Israel (Foto: Acervo Familiar)

De natureza pacífica, o soldado, também chamado de Pracinha 4307 por causa do seu número de identificação, se orgulhava de não ter matado ninguém em 1961 e 1962, período em que fez parte do Batalhão de Suez. Na fronteira do Egito com Israel, teve de aprender a lidar com o perigo. Era preciso resistir ao calor escaldante, às frequentes e violentas tempestades de areia e às minas terrestres instaladas nas áreas de patrulhamento. À noite, dormiu muitas vezes em uma barraquinha de tecido branco ao lado da guarita B17. Independente das dificuldades, Sete Metros tentava resolver qualquer situação da forma mais amistosa possível. Só ficava feliz em empunhar uma arma quando era para ser fotografado. Gostava de impressionar a família, amigos e as moças com quem se correspondia.

Na fronteira, teve de aprender a lidar com o perigo (Foto: Acerco Familiar)

Na fronteira, teve de aprender a lidar com o perigo (Foto: Acerco Familiar)

Em 23 de novembro de 1961, o soldado afirmou que quando estava de folga passava o dia escrevendo cartas. “Cida [irmã], compre a revista Sétimo Céu que você vai ver o meu nome na última página. Já recebi mais de 300 cartas. Tem muitas moças aí do Brasil querendo me conhecer. Pergunte ao Sandro [um amigo] se ele ainda está levando um papo com aquela mineira. Estou levando um papo firme com uma de Itajubá [Minas Gerais]. Tem mais algumas de outros estados que vão me esperar na Praça Mauá quando o navio [Soares Dutra] atracar no Rio de Janeiro”, relata. Naquele tempo, como Paranavaí não tinha agência dos Correios, as correspondências eram retiradas na Casa Lusitana na Rua Manoel Ribas ou na Casa Moreira na Avenida Distrito Federal.

Trabalhando no Canal de Suez, Renato Esteves fez muitas amizades com egípcios e israelenses. À época, os boinas azuis tinham à sua disposição um avião para viagens de lazer. “Estou gostando bastante da minha vida aqui. Já conheci Beirute, no Líbano, e também o Cairo, a capital do Egito, além da Grécia. Da última vez, encontramos o presidente Juscelino Kubitschek assim que chegamos. Ele veio visitar o nosso batalhão e nos parabenizar”, narra em carta enviada à irmã no dia 13 de janeiro de 1962, acrescentando que a viagem do Cairo até Jerusalém levava 40 minutos de avião.

Enquanto viveu no Oriente Médio, nada abalou mais o pracinha do que a notícia de que o irmão João Ramos Oliveira morreu envenenado. “O meu irmão era meu amigo. A gente estudava junto e ele morreu. Falei pra ele não ficar triste com a minha partida porque eu voltaria logo”, confidenciou dias depois. Em tributo ao irmão, agendou uma missa em uma igreja católica ortodoxa de Jerusalém e tirou uma foto ajoelhado e orando. O que ajudou Sete Metros a lidar com a perda foi a amizade com uma criança egípcia de menos de dez anos. Todos os dias o soldado recebia a visita do menino que percorria quilômetros a pé para vê-lo. Quando o garotinho não podia visitá-lo, Renato Esteves ia até ele. Os dois se tornaram inseparáveis.

No canto à esquerda, o soldado acompanha a chegada de Juscelino Kubitschek (Foto: Acerco Familiar)

No canto à esquerda, o soldado acompanha a chegada de Juscelino Kubitschek ao Oriente Médio (Foto: Acerco Familiar)

Embora tivesse pai, o menino viu no brasileiro uma nova figura paterna. “O Lula ficava muito tempo em uma guarita e quase sempre aquela criança o acompanhava. Levava o menino para o acampamento, comia com ele, dava presentes. O pai do garotinho também ia de vez em quando e gostava do relacionamento dos dois. Ele via uma rara bondade no meu irmão”, assinala Maria Aparecida.

Uma das brincadeiras preferidas da dupla era deitar no chão quando surgia alguma rápida tempestade. Em poucos segundos, seus corpos sumiam na imensidão desértica, cobertos pela areia. A criança ficou tão apegada ao pracinha que um dia pediu que o trouxesse ao Brasil. Como o garotinho tinha família, Esteves admitiu que não poderia fazer isso. “Você me põe dentro de uma caixa e fecha. Quando for passar na vistoria, eu vou com você”, sugeriu.

Renato em missa em memória do irmão em Jerusalém com os amigos do Batalhão de Suez (Foto: Acervo Familiar)

Rodeado de amigos do Batalhão de Suez na missa em memória do irmão (Foto: Acervo Familiar)

Sete Metros se sentiu tentado a trazer o menino, mas sabia que seria errado. Durante algum tempo ainda trocaram correspondências, até que as mudanças da vida fizeram com que perdessem contato. Quando retornou ao Brasil, o soldado passou um período no Rio de Janeiro, atuando no Exército. De volta a Paranavaí, quis seguir carreira militar. Então foi para Maringá, onde se tornou policial. “Como morávamos em uma fazenda e meu irmão gostava muito de viajar, ele sempre tinha um quarto reservado em um hotel perto do Terminal Rodoviário de Paranavaí. Era tudo muito bonito e bem arrumado”, explica Aparecida.

Após alguns anos, começou a namorar uma moça em Paranavaí, sem saber que a jovem também estava envolvida com outro homem. Um dia, os dois rapazes se encontraram e se estranharam. A discussão terminou em luta e Sete Metros sacou a arma primeiro e atirou no seu agressor que faleceu no local. Familiares de Esteves testemunham que a moça manipulou a situação, colocando um contra o outro. Depois da tragédia, o rapaz que fazia parte do Destacamento Policial de Nossa Senhora das Graças, na microrregião de Astorga, se entregou na delegacia de Paranavaí, alegando que estava preparado para ser punido pelo que aconteceu. Renato Esteves admitiu a culpa e aceitou a sentença.

Se ajoelhou e orou pelo irmão em uma igreja em Jerusalém (Foto: Acervo Familiar)

Orou por João Ramos em uma igreja ortodoxa em Jerusalém (Foto: Acervo Familiar)

Maria Aparecida acredita que o destino poderia ser diferente se o irmão não tivesse retornado a Paranavaí. Pelos serviços prestados no Canal de Suez, Sete Metros recebeu uma condecoração de soldado de destaque da ONU no Rio de Janeiro. O prêmio proporcionou grande visibilidade. “Sempre tinha gente tentando arrumar confusão com ele. Havia muita inveja. O Lula me contava que até os colegas de trabalho implicavam muito com ele”, frisa a irmã que até hoje não entende como o irmão, alguém tão calmo, educado e pacífico se colocou em uma situação tão antagônica à própria natureza.

Quando estava preso em Paranavaí, antes de receber a sentença, foi ameaçado muitas vezes. “Cansado e preocupado, ele pediu que eu falasse com o [deputado federal] doutor José de Alencar Furtado para acelerar a transferência dele”, revela a irmã. Após a mudança para a Penitenciária Central do Estado (PCE), em Piraquara, na região metropolitana de Curitiba, a família começou a visitá-lo aos sábados. “Eu ia sempre à noite, daí amanhecia lá e o encontrava pela manhã”, enfatiza Aparecida Oliveira que não ficava muito tempo sem ver o irmão.

Com o garoto egípcio que se tornou seu melhor amigo (Foto: Acervo Familiar)

Com o garoto egípcio que se tornou seu grande amigo (Foto: Acervo Familiar)

Só que tudo mudou no dia 6 de janeiro de 1970, quando Sete Metros estava na fila do refeitório segurando uma bandeja e aguardando o momento de pegar a comida. Um detento conhecido como Mergulhão que estava logo atrás o golpeou três vezes nas costas com um “estoque” de ferro. Quando o rapaz caiu no chão, um amigo correu para socorrê-lo. Desprevenido, também foi golpeado várias vezes. Os dois morreram no refeitório da penitenciária sem a intervenção de ninguém, nem mesmo de funcionários do complexo prisional.

Mais tarde, a família de Renato Esteves descobriu que o crime foi encomendado por um tenente de Paranavaí. “Meu irmão virou notícia em praticamente todas as emissoras de rádio do Paraná. Fiquei muito revoltada porque os soldados e policiais que eram amigos dele ficaram sabendo da morte no dia do acontecido e não avisaram a gente. Quando eu soube, fui até a barbearia frequentada por eles e discuti com todo mundo. O único que se preocupou em nos procurar foi o compadre Jobi, um ex-soldado já falecido”, garante Aparecida.

Em Curitiba, o deputado federal José de Alencar Furtado designou o próprio motorista para acompanhar a irmã de Renato Esteves até Piraquara. “Foi muito gentil e disse que o motorista poderia me levar onde eu precisasse”, comenta. Na penitenciária, Maria Aparecida entregou uma carta escrita por Alencar Furtado. Se emocionou quando viu que do irmão restou apenas uma mochila pequena com poucos pertences. Muitos itens pessoais foram furtados, não se sabe se por outros detentos ou por funcionários da prisão.

Maria Aparecida: "O Lula ficava muito tempo em uma guarita" (Foto: Acervo Familiar)

Maria Aparecida: “O Lula ficava muito tempo em uma guarita” (Foto: Acervo Familiar)

O corpo de Sete Metros foi transferido do Instituto Médico Legal (IML) para um caixão grande e azul. Antes taparam com algodão os três ferimentos causados pelos golpes. Também o vestiram com uma de suas roupas preferidas, limpinha e perfumada, embora já não pudesse mais senti-la. Na viagem a Paranavaí, a ambulância que trouxe o corpo do rapaz parou em Alto Paraná, onde a família de Renato Esteves era bem conhecida. “Quando chegamos lá, muitos que estavam próximos da prefeitura se aproximaram e falaram: ‘Nossa! Esse é o filho do Aureliano!’”, lembra Maria Aparecida visivelmente emocionada.

Depois de avisar os amigos, a família o velou por uma noite e o sepultou no dia seguinte. A mãe de Sete Metros, a portuguesa Maria Esteves, que já tinha perdido o filho João Ramos Oliveira em 1962, não resistiu a mais uma perda e adoeceu gravemente. Em 1970, faleceu alguns meses após a morte do filho Renato Esteves Oliveira que partiu sem imaginar que em 1988 o Batalhão de Suez receberia o Prêmio Nobel da Paz.

Soldado escrevia todos os dias para a família em Paranavaí

Se tornou amigo de árabes e israelenses (Foto: Acervo Familiar)

Fez amizade com árabes e israelenses (Foto: Acervo Familiar)

Enquanto prestava serviços para a Força de Emergência das Nações Unidas (Unef) no Oriente Médio, o soldado Renato Esteves Oliveira, conhecido como Sete Metros, escrevia todos os dias para a família em Paranavaí. Também gostava de enviar presentes. Curiosamente, as encomendas que saíam do Brasil para o Egito sempre chegavam, mas as que partiam do Canal de Suez para cá muitas vezes eram extraviadas. “O avião que leva as encomendas só vem aqui uma vez por mês. Elas chegam através do Ministério da Guerra, no Rio de Janeiro”, explicou o pracinha em carta de 1º de janeiro de 1962, seis meses antes de retornar ao Brasil.

Entre os produtos enviados por Sete Metros estavam tapetes, chinelos, navalhas, roupas e brinquedos. “Ele enviou ‘chinelo de dedo’ pra gente numa época em que aqui ainda não existia. Mandou também uma réplica de um camelinho bem bonitinho para o Pedrinho [sobrinho já falecido]. Depois de mais de 50 anos, ainda guardo com carinho”, assegura a irmã Maria Aparecida Oliveira Silva.

Sete Metros comemorando o aniversário em 10 de abril de 1962 (Foto: Acervo Familiar)

No Egito, comemorou o aniversário em 10 de abril de 1962 (Foto: Acervo Familiar)

Em 1961, o pracinha experimentou pela primeira vez uma cerveja em lata no Egito, versão que os brasileiros conheceriam só em 1971. Gostou tanto da bebida que em 10 de abril de 1962 comemorou o aniversário rodeado de amigos e uma mesa repleta de latinhas. “Como aqui não existia, ele trouxe de lá. Junto veio um baú com tapetes e roupas para toda a família. Tinha muitas novidades, coisas que não se via no Brasil”, conta Aparecida, lembrando que o irmão geralmente pedia para enviarem jornais, cigarros e revistas, principalmente O Cruzeiro, uma de suas preferidas. No entanto, as remessas não podiam ultrapassar 20 quilos.

Teve de resistir ao calor escaldante, violentas tempestades de areia e minas terrestres (Foto: Acervo Familiar)

Resistiu ao calor escaldante, violentas tempestades de areia e minas terrestres (Foto: Acervo Familiar)

Em carta de 25 de novembro de 1961, Renato Esteves pediu que o pai fosse a uma barbearia para perguntar o preço da navalha alemã Solingen. “Aqui é muito barato. Eu mando pra ele vender. Vou enviar também um embrulho com tapete que não existe aí. Diga para o pai repassar por dois mil cruzeiros. Quem não quiser comprar, é só mandar vir buscar aqui no Egito”, ironizou. No Canal de Suez, o traje tradicional de Sete Metros incluía farda, boina, anel de formatura, cachecol e um cinto de couro com uma pistola 45 e uma submetralhadora INA. “Nunca deixei de mandar uma resposta pra ele. Tenho um pacote enorme de cartas que me enviou. Estão todas velhinhas e amarelas”, revela a irmã.

Sete Metros abominava injustiças

Foi justamente por abominar injustiças que Renato Esteves Oliveira, o Sete Metros, optou por deixar o trabalho no campo para se tornar soldado e depois policial. Nos anos 1960, a Polícia Militar do Paraná não tinha uma divisão específica para lidar com situações de alta gravidade, então no Norte do Paraná convocavam Sete Metros que logo ficou famoso por prender alguns dos criminosos mais perigosos que atuavam na região.

Apesar da curta carreira como policial militar, Renato Esteves desmantelou inúmeras quadrilhas de assaltantes e sequestradores. “Era temido pelos bandidos porque sabia como reagir em qualquer situação. Foi o responsável por acabar com ondas de tiroteios e outras ações criminosas em cidades como Nossa Senhora das Graças, Jaguapitã e Colorado”, garante a sobrinha Maria Neuza Silva. Mesmo quando estava de folga, o policial costumava intervir em casos de injustiça.

Maria Neuza se recorda das vezes em que na infância ela e o irmão Luiz Ademir saíam com o tio para comer pão com sardinha. “Era a comida preferida dele. Ele também adorava o seu jipe e gostava muito de mecânica. Foi criado na roça, mas não se identificava com o campo”, comenta a sobrinha.

Trecho de uma carta escrita por Renato Esteves em 19 de novembro de 1961

Renato Esteves na rampa do navio Soares Dutra quando chegou ao Brasil (Foto: Acervo Familiar)

Renato Esteves na rampa do navio Soares Dutra quando chegou ao Brasil (Foto: Acervo Familiar)

Saudações,

prezada irmã Cida. É com muito prazer que pego na pena para responder a sua cartinha recebida há poucos dias. Que bom saber que todos estão com saúde. Também vou bem graças a Deus. Fiquei muito contente de saber que recebeu carta minha e que continua me escrevendo. Quando for na Casa Lusitana, procure carta no nome do pai porque escrevi muitas. Cida, quero que tu me mande umas cinco revistas, daí quando eu receber vou te mandar um corte de vestido que aí no Brasil não tem desse pano. Tu fala para a mãe que eu mando um pra ela também. O Tim [irmão] mandou eu levar um revólver pra ele. Manda ele preparar a grana que na volta eu passo na Itália e compro a arma direto da fábrica.

Você disse na carta que o Zé [irmão] ainda não voltou e que o Francisco [cunhado] já está bom. Eu desejo felicidades pra eles. Cida, você falou que o pai conseguiu o endereço do Feliciano. Ele foi meu colega quando servimos o Exército no Rio de Janeiro. Ele queria vir pra Suez. Aqui o ordenado de um soldado é de 32 contos por mês e se Deus quiser vai vir aumento pra nós agora com a saída do Jânio Quadros. Você falou na carta que está chovendo aí. Aqui passa até um ano sem chuva. Começou o frio agora em novembro e vai até março. Quando vocês estão jantando, aqui é meia-noite e eu já estou dormindo. Deixo a minha benção ao pai, mãe e meus sobrinhos. Lembranças para todos daí.

Saiba Mais

45 anos após sua morte, o túmulo de Renato Esteves Oliveira, tio-avô do autor da reportagem – David Arioch, ainda recebe muitas visitas no Cemitério Municipal de Alto Paraná.

Sete Metros era tão respeitado que uma semana após a sua morte alguns detentos se uniram e mataram o criminoso conhecido como Mergulhão.

Frases de Renato Esteves Oliveira

“Cida [irmã], quando me escrever, mande perguntar na Fazenda Ouro Verde se tem família nova. Se alguma colega da Clarisse perguntar de mim, dê o meu endereço que é pra eu treinar a caligrafia porque a minha letra está um pouco ruim.”

Nos anos 1950 e 1960, era muito comum os casos de envenenamento em Paranavaí e região. Então um dia Renato disse: “Ô Pai, nunca tome nada que te derem para beber sem antes ver a pessoa abrir a garrafa na sua frente.”

Por que os soldados brasileiros foram enviados para o Canal de Suez?

De acordo com o Manual do Expedicionário Brasileiro em Suez, a Força Internacional das Nações Unidas enviou soldados brasileiros para fazer uma interposição entre árabes, israelenses, franceses e ingleses. O objetivo era evitar que guerreassem. Em 1956, o desentendimento entre os quatro povos teve como estopim a nacionalização do Canal de Suez pelo presidente egípcio Gamal Abdel Nasser, apoiado pela União Soviética. Com isso, franceses, ingleses e israelenses não poderiam mais usar o canal como rota estratégica de navegação para Ásia, África e Europa.

Com o apoio dos Estados Unidos, França, Inglaterra e Israel se uniram para atacar o Egito. Preocupada com a possibilidade do conflito se transformar em uma Terceira Guerra Mundial, a ONU agiu rapidamente e enviou tropas de paz para o Canal de Suez. Lá, brasileiros trabalharam em parceria com soldados da Noruega, Suécia, Dinamarca, Finlândia, Iugoslávia, Índia, Colômbia e Indochina.

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O brasileiro e o suposto atentado da Maratona de Boston

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O brasileiro precisa refletir mais com urgência

Mais uma vez, os supostos culpados são muçulmanos (Foto: Reprodução)

Mais uma vez, os supostos culpados são muçulmanos (Foto: Reprodução)

Tenho acompanhado de acordo com minhas possibilidades o suposto atentado da Maratona de Boston e com base em tudo que li até hoje, até mesmo por parte de estadunidenses e outros estrangeiros, ouso dizer que o brasileiro mediano consegue ser extremamente medíocre quando se trata da falta de análise crítica e profunda dos fatos. Que falta de bom senso e mínima capacidade reflexiva é essa que faz as pessoas acreditarem em qualquer informação divulgada pelos meios de comunicação mainstream de países de “Primeiro Mundo”?

Nem mesmo quem mora nessas nações costuma simplesmente absorver essas informações como se fosse apenas uma mera esponja, um receptáculo de pseudo-elucubrações. E ainda com conteúdo reproduzido copiosamente e com uma conivência surreal dos veículos de imprensa do Brasil que tratam os EUA como se fossem um país exemplar, o que não é. Claro, muitas vezes, a grana que os sustenta costuma vir de lá, principalmente de conglomerados comandados por magnatas sionistas. Curioso que os acusados do atentado em Boston são muçulmanos tchetchenos, não? Para citar um exemplo, o que será que Rupert Murdoch pensa a respeito do assunto?

Afinal, todo estadunidense sabe que recentemente ele tentou assumir o controle de toda a grande mídia dos EUA, o que só não foi possível por causa das limitações legais do oligopólio midiático. Claro, e não posso deixar de mencionar que esse mesmo líder das comunicações é um dos maiores incentivadores do Estado de Israel, inclusive financiando ações do governo que partem de Tel Aviv e Jerusalém.

Por que quando um meio de comunicação de um país pobre, subdesenvolvido ou que vive um sério conflito civil divulga algo sempre há brasileiros colocando em xeque o conteúdo, mesmo sem entender do que se trata? E ainda em um tom de superioridade que demonstra uma severa incapacidade de autorreflexão, para não dizer uma inclinação mais do que obtusa e falseada do pensamento “americanizado”.

Eu não diria que o brasileiro desinformado costuma ser apolítico, ele consegue ser pior que isso. Não se importa em aceitar tudo que lê sem questionar – e quando o faz prefere ser jactante e frívolo. Assuntos complexos envolvem sim abstração de raciocínio e exigem boa bagagem cultural. Criticidade e bom senso parte do princípio de que tudo que você lê deve ser avaliado cuidadosamente como um cardápio de restaurante. Ou seja, é imprescindível descartar aquilo que não faz bem ao nosso organismo.

Veteranos de guerra protestam contra a condenação do tchetcheno à pena de morte (Foto: Nicolaus Czarnecki/Metro)

Veteranos de guerra protestam contra a condenação do tchetcheno à pena de morte (Foto: Nicolaus Czarnecki/Metro)

Sinto vergonha ao ver tantos brasileiros reverenciando os EUA por terem encontrado os supostos acusados do atentado de Boston no dito tempo recorde. Há “leitores” dizendo que isso deveria servir de exemplo ao Brasil. E pior, vejo brasileiros divagando na superficialidade, admirando as fardas dos estadunidenses responsáveis pelo assassinato do jovem Tamerlan Tsarnaev (quando ainda era um suspeito, não um criminoso). Dizem que é algo que impõe mais postura e respeito. Vestimenta agora é uma alusão ao senso de justiça?

Se eu não for preguiçoso e quiser saber sobre o que realmente está acontecendo nos EUA, prefiro buscar informações e discutir sobre o assunto com pessoas que acompanham a mídia considerada independente, seja nacional ou internacional – formadores de opinião que não sejam de extrema direita nem esquerdistas radicais. E claro, sempre partindo da base de que em menor ou maior proporção os livros continuam sendo a melhor fonte de informação para entender esse tipo de situação.

Ainda considero Noam Chomsky uma importante referência para compreender as problemáticas mais extenuantes da Terra do Tio Sam – seja com relação a conflitos internos e relações internacionais. Outros nomes interessantes que posso citar por ora e do próprio EUA são Benedict Anderson, Bruce Bueno de Mesquita, Norman Finkelstein e Harold Lasswell.

Não sou Anti-EUA, muito pelo contrário, admiro muito a arte produzida por eles, mas simpatizo pouco com o sistema político daquele país e principalmente com os meios de comunicação “mais populares” que estão sempre inclinados sobre si mesmos – como se o mundo se projetasse ao redor da “América”.

 

O aliendígena

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Plebeu: “Todo mundo dizia que eu tinha criado um estilo, mas não me deram incentivo algum”

Plebeu produz pelo menos 15 obras por mês (Foto: David Arioch)

Há mais de vinte anos, Roldney Plebeu, de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, encontrou na arte mais do que um hobby e uma profissão: uma razão existencial. Cada uma de suas telas recebe cores e formas que nascem da mistura de impressões e sentimentos. É a arte existencialista de um aliendígena, como o artista define a si e tudo que produz.

Roldney Plebeu, 42, teve o primeiro contato com o desenho e a pintura na infância. “Comecei rabiscando com caneta”, diz. Na adolescência, se tornou um artista autodidata solitário por causa da incompreensão e falta de apoio. Aos 23 anos, sentiu necessidade de amadurecimento artístico e tentou entender melhor as próprias pinturas. Anos depois, insatisfeito em Paranavaí, Roldney se mudou para São Paulo.

Na capital paulista, o artista conheceu alguns empórios, institutos e escolas de artes como a Panamericana Escola de Arte e Design. “Precisava saber se o meu trabalho pertencia a alguma corrente artística, mas apenas me decepcionei. Todo mundo dizia que eu tinha criado um estilo, que sou revolucionário da arte, mas não me deram incentivo algum”, lamenta, sem esconder a decepção.

Plebeu não conseguiu custear as despesas em São Paulo por muito tempo e logo adotou como lar um banco gelado do Terminal Rodoviário da Barra Funda, espaço que dividia com mendigos. “Eu dormia pouco nessa época. Ficava a maior parte do tempo pintando na Avenida Paulista”, relata. O destino era sempre uma viela do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (Masp).

Lá, chamou a atenção de estrangeiros. Turistas dos Estados Unidos, Japão, Inglaterra e Israel compraram muitas de suas obras. “Um norte-americano, Joshua Rodriguez, presidente de uma fábrica de medicamentos do Texas, gostou muito do meu trabalho. Comprou até pinturas inacabadas”, garante Roldney. Convidado a se mudar para Londres, recusou a proposta para não se distanciar da mulher e dos filhos que estavam em Paranavaí.

Não demorou para os seguranças do Masp pedirem para Plebeu procurar outro lugar para pintar. Sem lugar fixo para expor as obras, o artista teve dificuldade em vender o que produzia. “Comecei a dar aula de graça para crianças de rua que eram viciadas em drogas”, explica. Pouco tempo depois, a desvalorização artística levou Roldney à depressão crônica. “Diziam que minhas obras eram complexas demais. Não consegui vender mais quase nada. Me envolvi com pichação e comecei a usar drogas”, revela o artista que abandonou a dependência química quatro anos depois e retornou a Paranavaí.

Emocionado, declara que nunca conquistou estabilidade trabalhando com arte, inclusive há períodos em que enfrenta sérias dificuldades para comprar materiais. “Pintar é uma terapia, mas é uma pena que com essa arte eu não consiga manter a mim e minha família”, desabafa o pintor que também é escultor. Plebeu manipula madeira, pedra-sabão e ferro.

O conceito aliendígena

O estilo aliendígena é uma referência as origens do artista (Foto: David Arioch)

Roldney Plebeu é um artista prolífico. Consegue produzir pelo menos 15 obras por mês. Pinta telas com extrema naturalidade, tanto que abre mão de criar esboços. “Muito do que pinto surge como uma surpresa até pra mim, é algo sem planejamento, um reflexo da maneira como eu encaro o mundo e a vida”, justifica Plebeu que materializa impressões e emoções usando pincel e tinta.

O artista é autor do estilo aliendígena de conceber arte. O neologismo é uma referência às origens de Roldney Plebeu, um sincretismo de europeu e índio. “Eu sou o aliendígena, uma mistura de etnias. Trato das diferenças em meio ao caos mundial. Cada pessoa pode interpretar como quiser”, comenta.

Plebeu: “Muito do que pinto surge como uma surpresa até pra mim” (Foto: David Arioch)

O conceito estético aliendígena parece carregar um pouco de brasilidade, tropicalismo, existencialismo, surrealismo e modernismo; uma arte de origem globalizada e destribalizada que aborda a heterogeneidade cultural do ser humano e descortina as dificuldades do homem em reconhecer a si mesmo diante do semelhante. É possível encarar cada pintura de Plebeu como um quebra-cabeças, tanto na forma quanto no conteúdo, inclusive os personagens do quadro são fragmentos que se encaixam tanto quanto se antagonizam.

Roldney Plebeu também trabalha com paisagismo. É uma maneira de dar novas perspectivas a um ambiente. “É como criar um mundo dentro de outro”, avalia o artista plástico que também é poeta, letrista e escreve até versos de rodeio.

Frase do artista plástico Roldney Plebeu sobre a arte aliendígena

“Em São Paulo, quando era mais jovem, mostrei meus quadros para pessoas com grande formação em arte. Achei que me dariam respostas, mas me enganei.”

Contato

Para mais informações sobre o trabalho de Roldney Plebeu, basta ligar para (44) 9832-3901