Archive for the ‘Direitos Animais/Animal Rights’ tag
Respondendo perguntas sobre veganismo
Me perguntaram qual seria a melhor forma de reverter a exaltação ao consumo de alimentos de origem animal na atualidade. Qual a melhor estratégia para ajudar os animais?
É importante se aprofundar cada vez mais nessas questões, até porque acho importantíssimo ampliar sempre as possibilidades de argumentação. Mas, a princípio, acredito que o primeiro passo, sem dúvida alguma, é a conscientização. Mostrar para as pessoas que elas não dependem da exploração animal, que isso é um fator cultural, não essencial.
Talvez pareça “essencial” hoje para muita gente porque elas não levam em conta que os animais sempre foram vistos como matérias-primas de alta disponibilidade, logo eles são explorados porque a indústria deu a entender que sem esse tipo de exploração a vida como conhecemos hoje não seria possível. Mas isso é um grande engano. Exploramos os animais por comodismo e facilidades; porque quando começamos a reduzi-los à comida, o ser humano percebeu que seria ainda mais rentável aproveitar mais do que sua carne.
“Se já fazemos comida com os animais, se eles vão morrer de qualquer jeito, por que não usar inclusive os cascos e os chifres?”, alguém pensou, e assim a vida animal acabou sendo ainda mais desvalorizada do que já era antes da Revolução Industrial. Todos esses produtos criados a partir de animais como fonte de matéria-prima existem basicamente porque a indústria viu nisso um negócio altamente lucrativo, de baixo custo.
A maior prova disso é o processo de fabricação de artigos de couro. Uma peça de couro cru de pouco mais de um metro pode custar menos de R$ 50 no varejo hoje em dia. Esse é o valor da pele de um animal que um dia respirou, assim como eu e você. Com essa peça, não é difícil obter um lucro de 1000% dependendo do produto a ser feito.
Acredito que a reflexão sobre a questão animalista deve ser estimulada não apenas de forma passional, mas com argumentos, mostrando as falhas desse sistema e suas consequências. A conscientização, mais do que nunca, precisa estar acompanhada de pesquisas que apresentam alternativas para suprir as lacunas que devem ser deixadas pela indústria, até para realocação de recursos, empregabilidade, entre outras consequências que poderiam gerar crises econômicas.
Além disso, o aprofundamento é uma boa forma de rebater falsos argumentos disseminados por uma indústria que não poupa esforços, que patrocina a produção de muitos artigos acadêmicos com finalidades escusas, assim ampliando o escopo de desinformação. Sem dúvida, na atualidade muita gente depende do sistema de exploração animal, e claro que porque isso não se firmou agora.
Estamos falando de um sistema que começou a se desenvolver exponencialmente e nos moldes industriais no período da Revolução Industrial, ou seja, desde o século 18. É muito tempo incutindo na mente das pessoas uma quantidade absurda de falsas necessidades. Infelizmente, é um fator negativamente cultural, reforçado por meio de propaganda. E os meios de comunicação, como vetores, têm grande parcela de culpa nisso.
Creio que hoje a missão mais importante seja fazer o caminho reverso da indústria de exploração animal. As transformações, as mudanças, devem acontecer dia a dia. Por enquanto, é imprescindível a contínua disseminação de informações que induzem à discussão, à reflexão, à produção de soluções e de provas de que o abolicionismo animal busca e prevê o melhor futuro para a humanidade e os animais.
Também acho importante mostrar que os vegetarianos e veganos nunca estiveram sozinhos. A história do vegetarianismo e do veganismo precisa ser contada sempre, para mostrar que não se trata de uma tendência. Sempre tivemos bons representantes dos direitos animais e do vegetarianismo, e, desde 1944, do veganismo. Essa preocupação sempre existiu, ao contrário do que muitas vezes é veiculado de forma equivocada pelos meios de comunicação. Em síntese, quanto mais informação e mais pesquisa, melhor.
Sobre textos que tentam desqualificar o veganismo
Acredito que muita gente tem lido e compartilhado dois textos que desmerecem o veganismo. Um deles se chama “Os Veganos e os Vegetarianos acreditam que não matam animais mas isso não é verdade”, publicado pelo Pensador Anônimo, e o outro é intitulado “O Mito do Veganismo”, publicado pelo blog Kataklysma, que se autointitula de ecologia radical e anticivilização. A fonte original do segundo é o blog Matar o Morir Ediciones.
Os dois seguem uma linha de raciocínio que se distanciam no decorrer de cada texto. O primeiro apresenta uma perspectiva obtusa em relação ao veganismo e bem-estarista em relação aos animais. Já o segundo, ao mesmo tempo que desqualifica o veganismo, propõe logo de cara uma transformação extremamente estoica e utópica para o momento atual, que mais parece saída de um filme de ficção científica.
Só para resumir, na minha opinião o maior equívoco desses dois textos é afirmar que o veganismo já começa errado quando fala que é uma filosofia de vida que exclui todas as formas de exploração e crueldade para com o reino animal. Não, não é exatamente isso que fala a Vegan Society.
Ela fala de buscar excluir, se esforçar para evitar todas as formas de exploração. Versa sobre a contribuição de cada um para reduzir cada vez mais a exploração, e tudo dentro das nossas possibilidades. O veganismo em essência nunca foi um movimento radical, muito pelo contrário, é um movimento pró-vida, e movimentos pró-vida nunca são radicais. Quem tem dúvidas disso, é só estudar a vida de Donald Watson, fundador da Vegan Society, o criador do veganismo como conhecemos hoje.
Ele era um sujeito bastante sociável, que simplesmente acreditava que os animais têm o direito de partilhar da mesma justiça dos seres humanos. Sim, ele foi um humanista antes de ser vegano. E quando alguém que discursa sobre isso vem com papo de anticivilização, já é possível perceber que há um nível desconcertante de incoerência conceitual.
Watson via o veganismo como uma forma de reparação moral e ética em relação ao tratamento que os seres humanos dispensam aos animais. Era alguém com um peculiar senso de justiça, não uma pessoa radical que disseminava um discurso totalmente fora da realidade como os detratores do veganismo tentam pincelar.
Como sempre digo, e acho que meu raciocínio vai ao encontro do que preconizava Donald Watson: “Minha prioridade é proporcionar o menor impacto possível aos seres vivos enquanto eu viver, e vou me adaptando às novidades sem problema algum.”
Bashevis Singer: “Não sou vegetariano pela minha saúde, mas pela saúde dos animais”
“Vou continuar sendo vegetariano, mesmo que o mundo inteiro comece a comer carne”
Vencedor do Prêmio Nobel de Literatura de 1978, o escritor polonês Isaac Bashevis Singer foi uma importante voz em defesa dos direitos dos animais no século 20. Vegetariano, o autor de clássicos como “A Família Moscat”, “O Mágico de Lublin”, “Spinoza da Rua do Mercado” e “Gimpel O Tolo”, abordou o animalismo em muitas de suas histórias. Entre as mais impactantes estão “O Açougueiro”, “O Escritor de Cartas”, “Sangue” e “Debaixo da Faca”.
Em “O Açougueiro”, que assim como muitos contos de Singer possui elementos surrealistas, ele narra os conflitos de um açougueiro kosher que reconhece a própria negação moral na morte de cada animal reduzido à carne, além da legitimação da injustiça e da naturalização da crueldade. A história se passa no século 19, em um shtetl, ou seja, em uma cidadezinha de população predominantemente judia.
No matadouro, o protagonista começa a ter devaneios com vacas e galinhas se preparando para uma retaliação. Elas querem se vingar por toda a violência perpetrada contra os de suas espécies. Em um determinado momento, os animais berram: “Todo mundo pode matar e todo assassinato é permitido.” Embora tenha sido publicado na revista The New Yorker em 25 de novembro de 1967, “O Açougueiro” continua sendo um conto bastante atual, em que o escritor judeu aborda a realidade da produção de carne e atua como uma consciência moral, uma luz para a sociedade.
Singer dedicou pelo menos 35 anos de sua vida ao vegetarianismo, qualificado por ele como a sua própria religião. Sua principal motivação era a compaixão pelos animais. Antes de falecer em 24 de julho de 1991, aos 88 anos, o polonês concedeu uma entrevista ao escritor estadunidense Rynn Berry que o questionou se ele havia se tornado vegetariano por questões de saúde. “Não sou vegetariano pela minha saúde, mas pela saúde dos animais”, respondeu.
Isaac Bashevis, que escrevia principalmente em iídiche, não raramente questionava em seus contos a hipocrisia humana de consumir carne, e a incapacidade de ponderar sobre o real custo dela. Exemplo disso é um excerto do conto “Sangue”, do livro “Breve Sexta-Feira”, lançado em 1963.
Segurando o ganso, Reuben olhou Risha com intensidade, o olhar subindo e descendo e, afinal, detendo-se no peito. Ainda a fitá-la, golpeou o ganso. As penas brancas tingiram-se de sangue. O ganso torceu o pescoço, ameaçador, e súbito pulou, conseguindo voar alguns metros. Risha mordeu o lábio.
— Dizem que vocês nascem com instinto de assassinos, mas tornam-se açougueiros — disse ela.
— Se é tão delicada assim, por que me trouxe as aves?
— Por quê? Ora, é preciso comê-las!
— Pois para comer carne é preciso matar.
Em “O Escritor de Cartas”, publicado na revista The New Yorker em 13 de janeiro de 1968, Singer narra a história de Herman Gombiner, um sobrevivente do Holocausto que vive em companhia de um rato. O vínculo entre os dois é tão intenso que Gombiner desenvolve uma consciência animalista: “O que eles sabem? Todos esses filósofos, todos os líderes do mundo? Convenceram-se de que o homem, o pior transgressor de todas as espécies é a coroa da criação. Todas as outras criaturas foram criadas apenas para fornecer-lhe comida e pele, para serem atormentadas e exterminadas. Em relação a elas, todas as pessoas são nazistas. Para os animais, há uma Treblinka eterna.”
O escritor polonês viu semelhanças entre a realidade das vítimas do Holocausto e dos animais transformados em comida, isto porque os dois viveram a experiência do confinamento em espaços apertados, sendo transportados sem água e alimento. “A diferença é que os nazistas tentaram varrer os judeus da face da Terra enquanto os pecuaristas visam sempre aumentar a produção e a quantidade de vítimas”, avalia o escritor Jeffrey Cohan, autor de “Isaac Bashevis Singer, Yiddish Food Writer”.
“Três açougueiros matavam aves sobre uma pia de mármore que refletia a luz de um lampião de querosene, estendendo-as depois a depenadores, que as depenavam e amontoavam-nas, ainda vivas, num cesto.” Excerto de “Debaixo da Faca”, página 66 de “Breve Sexta-Feira”.
De acordo com Isaac Bashevis Singer, quando um ser humano mata um animal para comer, ele negligencia sua própria fome de justiça. “O homem reza por clemência, mas não se dispõe a estendê-la aos outros. Por que então ele deve esperar misericórdia de Deus? É injusto esperar algo que você não está disposto a oferecer”, registrou no texto publicado como prefácio do livro “Diet for Transcendence: Vegetarianism and the World Religions”, de Steven Rosen, de 1987.
Questionado sobre o que diz a Bíblia em relação à sua filosofia de vida, Singer argumentou que a defesa do vegetarianismo pode ser encontrada no Velho Testamento. “Às vezes, eles dizem que Deus quer que animais sejam sacrificados e mortos. […] Mas eu acredito que Deus é sábio e mais piedoso do que isso. E há interpretações das escrituras religiosas dizendo que o vegetarianismo é um grande ideal. Se as pessoas aceitam ou não a interpretação do que é ser vegetariano no contexto da religião, isso não me importa. […] Vou continuar sendo vegetariano, mesmo que o mundo inteiro comece a comer carne”, declarou o premiado escritor na obra “Diet for Transcendence”.
Para Bashevis Singer, ser vegetariano é um protesto, um ato de discordância em relação ao status quo. “Poder nuclear, fome, crueldade, nós temos que nos posicionar contra essas coisas”, recomendou. Mas nada o entristecia mais do que o sofrimento animal. Citava como exemplo o fato dos animais serem capazes de demonstrar benevolência mesmo diante de uma faca ou outra arma a ser usada para matá-los.
“Isso me dá um sentimento de miséria e às vezes de raiva em relação a Deus. Você precisa de sua glória para estar conectado com o sofrimento de tantas criaturas ingloriosas, que apenas gostariam de passar alguns anos em paz. Sinto que os animais estão tão confusos quanto nós, exceto que eles não são capazes de comunicar isso”, desabafou em entrevista à revista Newsweek em 16 de outubro de 1978, após receber o Prêmio Nobel de Literatura.
Segundo o escritor polonês, o homem não tem o direito de matar um animal e torturá-lo simplesmente para “encher sua barriga de carne”, ainda mais levando em conta que os animais podem sofrer tanto quanto os seres humanos. Na realidade, a sensibilidade e as emoções animais são ainda mais intensas porque eles não têm a capacidade de verbalizá-las. “Vários religiosos e filósofos tentaram convencer seus discípulos e seguidores de que animais não são nada mais do que máquinas sem alma, sem sentimentos. No entanto, qualquer pessoa que viveu com um animal, seja um cão, um pássaro ou um rato, sabe que esta teoria é uma mentira descarada, inventada para justificar a crueldade”, critica.
“O vento não era dos mais fortes, e no entanto Cunegunde sabia de onde vinha. Tinha o poder de sentir o odor de carvões fumegantes, carne e outra coisa oleosa e rançosa, cuja fonte somente ela podia perceber. Sua boca desdentada franziu-se num arreganho: “É uma pestilência, uma pestilência. A aproximação da morte…” Excerto de “Cunengunde”, página 138 de “Breve Sexta-Feira”.
Isaac Singer jamais deixou de se surpreender quando lia sobre humanistas, poetas altamente sensíveis, pregadores da moralidade e benfeitores de todos os tipos que sentiam prazer em caçar – perseguindo pobres lebres e raposas, e ensinando seus cães a fazerem o mesmo. “Pessoas dizem que quando se aposentar vão se dedicar à pesca. Falam isso com um entendimento de que a partir de então não farão mais mal a ninguém. Como se uma época de caridade e tranquilidade fosse começar em suas vidas. Nunca lhes ocorre por um momento que esses seres inocentes vão sofrer e morrer por causa de um esporte ‘inocente’. Às vezes, tenho medo de que a caça aos seres humanos também se torne um esporte”, lamentou.
No livro “Food for the Spirit: Vegetarianism and the World Religions”, de Steven Rosen, lançado em 1987, Singer afirmou que os seres humanos não terão paz enquanto continuarem derramando o sangue dos animais. “Foi necessário um pequeno passo baseado na matança de animais para que fossem construídas as câmaras de gás de Hitler e os campos de concentração de Stalin. Todas essas ações foram praticadas em nome da justiça social. Não haverá justiça enquanto o homem empunhar uma faca ou outra arma para destruir seres mais fracos que ele”, queixou-se. Por outro lado, o escritor reconheceu que sempre vão existir pessoas dispostas a protestarem contra a tortura e a matança de animais.
“Antes de morrer, chamou o rabi e os sete anciãos e informou-lhes que seu nome era Reuben, o açougueiro, com quem Risha cometera pecados. Durante anos vagueara ele de cidade em cidade, sem comer carne, jejuando às segundas e quintas-feiras, usando um saco à guisa de camisa e arrependendo-se de suas abominações.” Excerto de “Sangue”, página 31 do livro “Breve Sexta-Feira”.
Saiba Mais
Isaac Bashevis Singer nasceu em 21 de novembro de 1902 em Leoncin, na Polônia, e faleceu em 24 de julho de 1991 em Surfside, Flórida, nos Estados Unidos, em decorrência de um acidente vascular cerebral (AVC).
Em Tel Aviv, em Israel, foi construído o Isaac Bashevis Singer Humane Education. O centro, que possui uma extensa biblioteca e uma grande videoteca, faz um trabalho de prevenção à crueldade contra animais. A entidade possui um programa específico para educar crianças judias e árabes sobre como elas podem ajudar os animais.
Referências
Singer, Bashevis Isaac. Breve Sexta-Feira (1963). Tradução de Hélio Pólvora. Livraria Francisco Alves Editora (1978).
Singer, Bashevis Isaac. The Collected Stories of Isaac Bashevis Singer. Farrar, Straus and Giroux (1983).
Noiville, Florence. Isaac B. Singer: A Life. Northwestern University Press (2008).
Berry, Rynn. Famous Vegetarians and Their Favorite Recipes: Lives and Lore from Buddha to the Beatles. Pythagorean Publishers (1993). Eight Printing (2003).
Rosen, Steven. From Food for the Spirit: Vegetarianism and the World Religions. Bala Books (1987).
Rosen, Steven. Diet for Transcendence: Vegetarianism and the World Religions (1987). Torchlight Publishing; Revised Edition (1997).
Cohan, Jeffrey. Isaac Bashevis Singer, Yiddish Food Writer (20 de novembro de 2012). Disponível em http://forward.com/food/166228/isaac-bashevis-singer-yiddish-food-writer/
Contribuição
Este é um blog independente, caso queira contribuir com o meu trabalho, você pode fazer uma doação clicando no botão doar:
Coetzee: “Animais não precisam do meu amor. Não me preocupo com amor, me preocupo com justiça”
“Basta apenas um olhar para que uma criança se torne vegetariana por toda a sua vida”
Basta apenas um olhar para que uma criança se torne vegetariana por toda a sua vida. Com essas palavras, o escritor sul-africano John Maxwell Coetzee, vencedor do Prêmio Nobel de Literatura em 2003, e considerado um dos maiores autores de língua inglesa da atualidade, emocionou uma grande plateia em Sidney, na Austrália, no dia 22 de fevereiro de 2007, quando falou sobre os direitos dos animais. A repercussão foi tão positiva que seu discurso foi publicado em alguns dos mais importantes jornais do mundo.
“Animais felizes transformados de forma indolor em nuggets, o sorriso da vaca do comercial de leite que diz doar o próprio leite para nós. Dada a chance, as crianças sempre verão além das mentiras com as quais somos bombardeados pelos anunciantes. A respeito disso, crianças nos fornecem as mais brilhantes esperanças. Elas têm corações ternos, que não foram endurecidos por anos de conivência com a crueldade e com o comportamento antinatural”, declarou o vegetariano J.M. Coetzee.
Para o escritor avesso a entrevistas, qualquer pessoa disposta a refletir sabe que há algo de muito errado na relação entre os seres humanos e os animais, e isso se tornou mais aberrante nos últimos 100 anos, quando a pecuária se apropriou dos métodos industriais de produção. “A indústria de alimentos supera o comércio de peles e o uso de animais em laboratórios quando falamos em números de vidas animais afetadas. A grande maioria usa e consome produtos dessas indústrias, mas se sente mal quando pensa no que acontece nas fazendas industriais e nos matadouros. Por isso, eles organizam suas vidas de tal maneira que eles evitam pensar nisso. Também fazem de tudo para garantir que seus filhos sejam mantidos na escuridão, porque sabemos que crianças têm bom coração e mudam facilmente”, enfatizou.
Para Coetzee, o primeiro sinal de que os animais já não eram mais vistos como algo além de produtos apareceu no século 19, com o surgimento das primeiras fazendas industriais. Desde então, a humanidade tem se negado a reconhecer que animais não são meras unidades disponíveis à exploração humana. “Este aviso veio tão alto e claro que parecia ser impossível ignorá-lo. Mais tarde, um grupo sanguinário da Alemanha [em referência aos nazistas] teve a ideia de adaptar a metodologia dos currais industriais. Eles foram pioneiros nesse sistema que eles não chamavam de matadouro, mas sim de área de processamento de seres humanos”, assinalou.
Segundo o escritor, naturalmente esse horror chocou a humanidade. Muitos diziam: “Que terrível! Tratar seres humanos como gado!” Considerando isso, ele observou que se talvez as pessoas tivessem refletido um pouco mais à época, a queixa teria sido bem diferente: “O mais justo seria falar: ‘Que crime terrível! Tratar seres humanos como meras unidades de um processo industrial.’ E assim veríamos com outros olhos a proporção desse crime, já que é um crime contra a natureza resumir qualquer ser vivo a uma unidade de um processo industrial”, ponderou.
Independente do que diz os utilitaristas, Coetzee argumentou que a pecuária tradicional sempre foi suficientemente brutal. Sobre a exploração animal, pessoas sempre dirão: “Sim, é terrível a forma como vivem as porcas reprodutoras e os vitelos. Mas, quem vai, em seguida, encolher seus ombros e perguntar: ‘O que posso fazer sobre isso?’”, criticou o escritor sul-africano.
O papel do movimento em defesa dos direitos dos animais é oferecer opções para que as pessoas saibam o que fazer logo que descobrem o que acontece com os animais. “As pessoas precisam saber que há alternativas aos produtos de origem animal. Que essa alternativa não exige sacrifícios em saúde e nutrição, e nem mesmo são caras. O único sacrifício envolvido nisso é dos próprios animais não humanos”, destacou J.M. Coetzee.
O escritor também apontou para um fenômeno alentador. O fato de que atualmente as indústrias que exploram animais estão sendo empurradas para a defensiva. Ou seja, hoje, elas são sempre questionadas sobre suas ações. “As organizações de direitos dos animais mostram que as práticas indefensáveis e injustificáveis da indústria têm tão e somente motivações econômicas. A indústria está indo ladeia abaixo e já prevê que uma tempestade vai arrastá-la. Na medida em que há uma guerra de relações públicas, a indústria prova que já perdeu essa guerra”, analisou.
No dia 30 de junho de 2016, J.M. Coetzee também abordou os direitos dos animais no auditório do Museu Reina Sofia, em Madrid, na Espanha. “Eu não sou um amante dos animais. Animais não precisam do meu amor. Não me preocupo com amor, me preocupo com justiça”, informou Coetzee de antemão. Vegetariano, o escritor sul-africano tem ajudado a promover os direitos dos animais há várias décadas.
Uma de suas obras mais importantes, e que fala justamente sobre o assunto, é a novela metaficcional “The Lives of Animals”, publicada pela editora da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, em 1999. A obra de caráter filosófico gira em torno dos conflitos vividos por uma professora e conferencista vegetariana que, ao advogar os direitos dos animais, encontra resistência no âmbito familiar e no trabalho. “Humanos pensam que são muito mais importantes do que os animais. Por isso, rejeitam a consciência animal. As pessoas precisam cultivar sua empatia”, defendeu J.M. Coetzee.
Saiba Mais
John Maxwell Coetzee nasceu em 9 de fevereiro de 1940 na Cidade do Cabo, na África do Sul.
Referências
Coetzee, J.M. Exposing the beast: factory farming must be called to the slaughterhouse. Opinions – Article. The Sydney Morning Herald, Austrália (22/02/2007).
Coetzee, J.M.. Animals can’t speak for themselves – it’s up to us to do it. Opinions – Article. The Age, Austrália (22/02/2007).
AFP. Nobel laureate J.M. Coetzee speaks against animal cruelty. Daily Mail, Reino Unido (01/07/2016).
Contribuição
Este é um blog independente, caso queira contribuir com o meu trabalho, você pode fazer uma doação clicando no botão doar:
A galinha garnizé de 20 anos
No quintal da casa da aposentada Lindinalva Silva Santos vive Jurema, uma galinha garnizé de 20 anos. Falo com ela e ela se aproxima. Miudinha e esperta, continua calma e dócil, mesmo depois de ter sofrido tanto ao longo da vida. Escapou da morte várias vezes quando era mais jovem. Uma vez se esforçaram para arrastá-la com linha e anzol.
Naquele dia, Jurema perdeu a língua, mas foi bem cuidada e se recuperou. Também sobreviveu a outras tentativas de ladrões querendo transformá-la em comida. Acho incrível como ela inspira vida. É atenta a tudo. Nada passa despercebido.
Mais surpreendente ainda é ver como Jurema gosta de brincar com outros animais. Será que vale a pena explorar uma ave ou transformá-la em comida? Levando em conta tudo isso, a lição que ela transmite ao existir até hoje, com seus 20 anos. Pelo que pesquisei, Jurema tem potencial para chegar pelo menos aos 25, e não tenho dúvida de que isso é resultado de uma vida sem exploração.
Saiba Mais
A galinha garnizé mora na Vila Alta, na periferia de Paranavaí, no Noroeste do Paraná.
Percy Shelley, um ativista “vegano” no século 19
“Seria muito melhor a um ser senciente jamais ter existido do que existir para suportar a miséria absoluta”
Em países que não têm o inglês como língua nativa, não raramente o poeta britânico Percy Bysshe Shelley é relegado à sombra de sua esposa Mary Shelley, autora do clássico “Frankenstein”, uma das obras mais famosas da literatura inglesa. No entanto, o que pouca gente sabe é que o livro foi influenciado pelas ideias do escritor romântico, sua interpretação do mito de Prometeu aliado à sua filosofia de vida vegetariana, também partilhada por Mary.
Um dos personagens mais influentes do romantismo, Shelley foi muito além da poesia, fazendo da Era Romântica um período em que arte e filosofia estreitaram sua relação com o vegetarianismo. Ao publicar os poemas “Queen Mab” e “Alastor, or The Spirit of Solitude”, e os ensaios “A Vindication of Natural Diet” e “On The Vegetable System of Diet”, o poeta chamou a atenção para os direitos dos animais e os benefícios da dieta vegetariana. Considerado moderno demais para a época, seu idealismo visto como intransigente e pouco ortodoxo fez dele uma persona non grata em muitos círculos sociais europeus.
Controverso, defendia o vegetarianismo, o amor livre e o direito ao ateísmo em uma sociedade visceralmente cristã. Abordava a importância dos direitos das mulheres e incentivava a esposa Mary Shelley a tornar-se ativista na busca por igualdade entre homens e mulheres, o que fez dela uma referência para o feminismo na Inglaterra e nos Estados Unidos. Além disso, ele lutou por justiça social para as classes trabalhadoras.
O poeta britânico se tornou vegetariano depois de testemunhar maus-tratos contra animais domesticados para o abate. Com uma visão filosófica progressista, ele defendia que os animais não precisavam de privilégios, mas de equidade, pois, assim como os seres humanos, também têm direito à vida. Para Shelley, o abate de animais, com a mera intenção de transformá-los em comida, não é apenas a raiz dos crimes cometidos pela raça humana, mas também a causa de todos os comportamentos imorais e criminosos da humanidade.
Ele argumentava que a adoção de uma dieta vegetariana e a cessação do abate animal levaria ao fim as injustiças sociais em decorrência da pobreza, do crime e da violência. Também tinha fé que esse seria o caminho para a implantação de um sistema que substituiria o capitalismo e daria fim às guerras. De acordo com o poeta britânico, o vegetarianismo era o único meio de alcançar a perfeição moral; pensamento que influenciaria o russo Liev Tolstói, um dos maiores nomes da literatura mundial.
“Somente através do amolecimento e do disfarce da carne através da preparação culinária que ela se torna suscetível de mastigação e digestão, e só assim a visão dos seus sucos sangrentos e o seu horror cru não desperta ódio e desgosto.”, lamentou. Mais do que o decano do vegetarianismo no século 19, é justo dizer que Percy Shelley era um protovegano, ou seja, alguém que, despreocupado com denominações e terminologias, teve grande influência sobre o surgimento do veganismo, uma ideologia mais austera, sólida e completa em relação à defesa dos animais.
“Eu sustento que a depravação da natureza física e moral do ser humano começou com seus hábitos não naturais de vida. A origem do homem, como a do universo do qual ele faz parte, envolve um mistério impenetrável”, escreveu Shelley em “A Vindication of Natural Diet”, ensaio em que se opõe radicalmente à exploração animal em todos os aspectos. Na obra, argumenta que uma sociedade baseada na igualdade, justiça social e espiritualidade deve ter como ponto de partida uma alimentação livre da tortura e do sofrimento animal.
O interesse de Percy Shelley pelo vegetarianismo começou cedo. Quando estudava na Universidade de Oxford, o poeta britânico se alimentava como um eremita, levando em conta a pureza e a simplicidade dos alimentos. Em 1812, quando completou 20 anos, adotou a dieta vegetariana estrita. E sua crença no vegetarianismo foi reforçada quando ele conheceu a Família Newton, formada por uma longa linhagem de vegetarianos estritos.
Seus amigos Thomas Jefferson Hogg e Thomas Love Peacock não gostaram da influência dos Newton sobre Shelley. Eles viam a família de vegetarianos como “um grupo de monges tolos”, e logo começaram a zombar do poeta. Porém mudaram de opinião e mais tarde se tornaram vegetarianos. Na biografia “Life of Shelley”, Hogg fala de sua aprovação e adesão ao vegetarianismo.
Frugal, a comida preferida de Shelley era pão, alimento que sempre comprou em uma mesma padaria enquanto estudou em Oxford. Em Londres, durante a permanência do poeta em Bishopsgate em 1815 e depois em Marlow em 1817, Thomas Hogg notou que o amigo seguia firme na defesa do vegetarianismo, assim como fez até os seus últimos dias de vida.
Percy Shelley influenciou os mais importantes reformadores vegetarianos dos séculos 19 e 20, o que garantiu-lhe o título de primeira grande personalidade vegana da história do Ocidente, segundo a obra “In Pursuit of Percy Shelley, ‘The First Celebrity Vegan’: An Essay on Meat, Sex, and Broccoli”, de Michael Owen Jones. Antes de se tornar vegetariano, o poeta romântico era um humanista e humanitarista que se alimentava com simplicidade; o que à época, e paradoxalmente, foi encarado como uma extravagância e uma excentricidade inofensiva propagada por um artista e pensador que seguia os preceitos do evangelho da gentileza e do amor universal.
Assim como o filósofo suíço Jean-Jacques Rousseau, Shelley foi influenciado pelos filósofos gregos Pitágoras e Plutarco – principalmente pelo ensaio “Do Consumo da Carne”, que qualifica a “dieta da carne” como não natural ao homem. O britânico escreveu que os seres humanos eram naturalmente frugívoros, logo deveriam ter uma dieta baseada em água e vegetais. Também via como importante a abstenção de álcool. Considerava o licor fermentado como uma das bebidas mais nocivas ao homem. “Tão venenoso quanto a carne”, sentenciou.
Abdicando do consumo de alimentos de origem animal e retornando à dieta natural dos primeiros seres humanos que habitaram a Terra, não tardaria para a humanidade vivenciar uma evolução moral, melhorias em relação à saúde e restauração da longevidade. “O que se come é o que se é”, dizia o poeta, crente de que a identidade humana tem relação substancial com a alimentação.
E enquanto o homem não retornar às suas origens, ele há de ser punido, assim como foi o mitológico titã Prometeu que roubou o fogo para dar aos homens. Em represália, o acorrentaram ao Monte Cáucaso, onde assistiu um mesmo abutre se alimentando diariamente de seu fígado que se regenerava.
“O homem em sua criação foi dotado com o dom da eterna juventude, isto é, ele não foi feito para ser uma criatura doente como vemos agora. Ele deveria desfrutar de sua juventude e aos poucos afundar no seio da mãe terra, sem contrair qualquer doença ou sofrimento físico. Porém Prometeu ensinou ao homem como transformar os animais em comida. Depois explicou como usar o fogo para que a carne animal se tornasse digerível e agradável ao paladar. Júpiter e os outros deuses, prevendo as consequências dessas ações, ficaram irritados com a visão que tiveram dessas novas criaturas. E para puni-los decidiram deixar que experimentassem os tristes efeitos do consumo de carne. (…) E assim o homem perdeu o dom inestimável da saúde que recebeu dos céus. Ele ficou doente, sua saúde se tornou precária, e não mais desceu lentamente até a própria sepultura”, registrou Percy Shelley em “A Vindication of Natural Diet”, publicado em 1813.
Na obra, Prometeu representa a raça humana que contrariando a própria natureza, usou o fogo com fins culinários. Então os sinais vitais dos seres humanos foram devorados pelo abutre, simbolizando a emergência das doenças. “Seu ser é consumido em cada forma de sua repugnante e infinita diversidade”, registrou.
Shelley também encontrou no mito da criação uma alegoria semelhante, a de que Adão e Eva alçaram à posteridade a ira de Deus e a perda da vida eterna, isto porque se alimentaram da árvore do mal, fazendo florescer a violência e a doença através de uma dieta não natural. “O homem e os animais a quem ele infectou com sua sociedade, ou os depravou através de seu domínio, estão sozinhos e doentes. O porco selvagem, o muflão, o bisão e o lobo são perfeitamente isentos de doenças e, invariavelmente, morrem de violência externa ou de velhice. Mas os porcos domésticos, as ovelhas, as vacas e os cães estão sujeito a uma incrível variedade de enfermidades e, como os corruptores da natureza, há médicos que prosperam com suas misérias”, queixou-se.
O ativismo de Percy Shelley fez com que o famoso e controverso poeta Lord Byron também aderisse ao vegetarianismo na juventude. Na realidade, Shelley tinha um grande poder argumentativo. Não possuía dificuldade em convencer aqueles que estavam mais próximos a ele de tornarem-se vegetarianos.
“As misérias, as doenças que assolam o mundo, são uma maldição conquistada pelo ser humano desde que ele se colocou acima de seus companheiros animais. (…) Comparativamente, a anatomia sempre me ensinou que o homem se assemelha mais aos animais frugívoros, não aos carnívoros. Ele sequer tem as garras adequadas para aproveitar sua presa, e nem mesmo caninos verdadeiramente pontiagudos e afiados para dilacerar corretamente as fibras da carne. Pensem no trabalho que o ser humano tem para preparar a carne, amolecê-la e disfarçar suas características naturais”, apontou em seu ensaio.
Na obra, o autor convida o leitor a refletir sobre o aspecto cru da carne e o seu suco que geram desgosto em quem a consome, alegando que o homem come carne porque finge não ver carne. A quem se considera um carnívoro nato, Shelley, assim como Plutarco, faz um convite: “Experimente rasgar um cordeiro vivo.”
No século XIX, ele compartilhou sua filosofia com todos os seus contemporâneos, estendendo seus questionamentos morais e éticos a muitos outros artistas e pensadores, estreitando a relação dos românticos com o vegetarianismo. Em “Queen Mab”, de 1813, escreveu sobre sua transição: “E o homem…não agora, mata o cordeiro de quem observa a face, e terrivelmente devora sua carne mutilada.”
O mesmo excerto abre o ensaio “A Vindication of Natural Diet”. Em “A Refutation of Deism”, uma prosa publicada em 1814, ele aborda a sua filosofia vegetariana, assim como no poema lírico do quinto canto de “Laon and Cythna” ou “The Revolt of Islam”, de 1818, conhecido como “A Lírica do Vegetarianismo”. Com a delicadeza e humanidade que lhe era peculiar, sua crença no vegetarianismo também pode ser observada na abertura do poema “Alastor”, de 1816, onde ele invoca a comunhão entre a terra, o oceano e o ar através da amada fraternidade da natureza.
Shelley, na dedicação sincera a todos os seres sencientes escreveu: “Se o uso de comida animal é, em consequência, subversiva à paz da sociedade humana, quão injustificável é a injustiça e a barbárie exercida contra essas pobres vítimas. Esses animais são chamados à existência pelo artifício humano de garantir uma existência curta e miserável de escravidão e doenças, em que seus corpos podem ser mutilados e seus sentimentos sociais suprimidos. Seria muito melhor a um ser senciente jamais ter existido do que existir simplesmente para suportar a miséria absoluta.”
Referências
Shelley, Percy Bysshe. A Vindication of Natural Diet, Londres. Smith & Davy. 1813.
Salt, Henry. Percy Bysshe Shelley: A Monograph. Swan, Sonnenscheim, Lowrey & Co., Londres. Originalmente publicada no The Vegetarian Annual, de 1887 (1888).
Jones, Michael Owen. In Pursuit of Percy Shelley, “The First Celebrity Vegan”: An Essay on Meat, Sex, and Broccoli. Journal of Folklore Research. Volume 53. Número 2. Agosto de 2016.
Medwin, Thomas. The Life of Percy Bysshe Shelley, Londres. Biblioteca Britânica. Domínio Público (1847).
Hogg, T.J. The Life of Percy Bysshe Shelley, Londres. Editora Edward Moxon (1888).
Blunden, Edmund. Shelley – A Life Story, Londres. Collins St. James’s (1946).
Contribuição
Este é um blog independente, caso queira contribuir com o meu trabalho, você pode fazer uma doação clicando no botão doar:
Como o romantismo influenciou o veganismo
Tenha cuidado, porque quando um verme você esmagar, a alma de um irmão você pode encontrar
O romantismo foi a corrente artística que ajudou a sedimentar o vegetarianismo moderno e o veganismo no mundo ocidental. E não por acaso, já que os escritores da Era Romântica argumentavam a favor de uma dieta isenta de ingredientes de origem animal, levando em conta o estado da humanidade, a saúde e os direitos animais, a economia e a divisão de classes sociais.
Embora pouca gente saiba, o aforismo “você é o que você come”, tão divulgado de forma equivocada nos séculos 20 e 21, foi criado pelos românticos na defesa do vegetarianismo, ao ponderarem que tudo que serve de alimento ao ser humano tem implicações físicas e morais. De acordo com o escritor britânico Percy Bysshe Shelley, um dos precursores do veganismo, o consumo de carne não apenas profanou o corpo humano, mas também encorajou o consumo excessivo de álcool e a adoção de outros hábitos destrutivos.
“Acredito que a depravação da natureza física e moral do ser humano se originou com seus hábitos não naturais de vida”, escreveu Shelley em A Vindication of Natural Diet, publicado em 1813. Na obra, ele afirma que o homem naturalmente saudável foi comprometido pela sociedade moderna. “Um corpo tornado doente por uma sociedade doente”, alegou.
Estudando a relação do ser humano com a carne, o escritor percebeu que o suposto alimento não representava apenas mais uma opção nutricional, mas também a legitimação e naturalização da crueldade, tirania e escravidão dos animais. Se não temos qualquer direito sobre seus corpos, como podemos nos colocar em posição de destruí-los? Não há nenhum tipo de permissão, nem mesmo sobre pardais que povoam os céus ou sobre peixes mais modestos que habitam os rios, defendiam.
No século 19, médicos e cientistas que apoiavam os românticos descobriram que a anatomia humana era muito semelhante a animal, principalmente no que diz respeito à senciência e às respostas emocionais. E isso ajudou a reforçar o discurso de que o consumo de animais já era moralmente errado. Sendo assim, o ser humano deveria retornar à dieta de base vegetal.
O escritor inglês e ensaísta Joseph Ritson também contribuiu com novas constatações. Ele registrou que os dentes e os intestinos do homem são muito parecidos com os dos animais frugívoros, portanto ele não deve consumir carne. A existência de caninos curtos e a falta de garras também ajudaram a contestar a ideia de que o homem é um predador ou caçador natural, pois ele não possui capacidades físicas para matar um animal sem usar as ferramentas apropriadas. “Além disso, o comprimento de seu intestino faz com que a digestão da carne seja muito difícil”, justificou Ritson em An Essay on Abstinence from Animal Food, as a Moral Duty, publicado em 1802.
O médico escocês George Cheyne, proeminente figura da medicina nos séculos 17 e 18, ajudou a fundamentar a defesa do vegetarianismo na Era Romântica ao concluir que o surgimento de doenças e a queda da longevidade estavam relacionados à incorporação da carne na alimentação. Para os românticos, a decadência humana começou a partir do momento que o homem fez do consumo de carne um hábito, se negando a aceitar o fato de que os primeiros humanos tinham uma alimentação muito próxima da dieta vegetariana.
E como consequência, as doenças atingiram tanto a humanidade quanto os outros seres vivos. Muitos animais foram diagnosticados pela primeira vez com enfermidades que surgiram com a crescente oferta e demanda de carne. O agravante foi o confinamento de animais em fazendas, tornando-os condutores de doenças que se espalhavam para outros animais. Até mesmo a comida servida a eles, desde o princípio, era um facilitador da proliferação de doenças.
Então os românticos fizeram da arte, da filosofia e da política um instrumento de conscientização contra a natureza opressiva humana – algo que deu origem a uma dieta considerada cruel e brutal que até hoje o afasta de seu verdadeiro papel em relação à natureza. Os vegetarianos do romantismo também foram os primeiros a se preocuparem com o meio ambiente no Ocidente, despertando uma consciência muito próxima da atual. Entendiam que o consumo de carne afetaria cada vez mais a natureza conforme a demanda crescia.
Shelley argumentava que a quantidade de matéria vegetal nutritiva utilizada na engorda do gado poderia alimentar dez vezes mais pessoas se os vegetais usados em sua nutrição fossem destinados às pessoas. Logo a criação de animais para o abate era um desperdício e um assalto à relação entre a capacidade da natureza de fornecer alimentos e o desmedido desejo do homem em explorá-la sem pesar critérios ambientais.
Em An Essay on Abstinence from Animal Food, as a Moral Duty, Ritson afirma que é tão antinatural ao homem o consumo de carne que chega a ser impossível não incitar nele nenhum tipo de ferocidade. Os românticos se preocupavam com o embrutecimento humano, o distanciamento em relação às suas origens; até porque uma das principais características do romantismo era a evocação do passado, incluindo a defesa da natureza, da vida e da imaginação.
“Ele é um homem de paixões violentas, de olhos vermelhos e veias inchadas, que sozinho consegue empunhar a faca do assassinato”, escreveu Shelley em A Vindication of Natural Diet, em referência à prática selvagem e fisiologicamente conflituosa do derramamento de sangue. E ao contrário do que muitos acreditam, os românticos se preocupavam com as classes mais desfavorecidas. Tanto que o vegetarianismo era uma forma de resistência à cultura do luxo.
Reformistas literários como Percy Shelley, de origem burguesa, apostavam no boicote à carne como uma forma de combater também o consumismo. A carne figurava como um dos principais símbolos de distinção social e segregação de classes nos séculos 18 e 19. Para os românticos, que viam a divisão de classes como um dos grandes males da sociedade, a carne foi incluída na dieta humana não para beneficiar o ser humano, mas simplesmente para gerar lucro, aceitação e atrair visibilidade.
Os vegetarianos do romantismo chamavam a atenção para a opressão hierárquica dentro das classes econômicas e para a forma como a humanidade estava deslocada do mundo natural. Portanto consumir carne não era mais do que um vício burguês, e os abastados eram os únicos em condições de consumi-la com regularidade. Paradoxalmente, a dieta mais saudável era a das classes mais baixas. Eles comiam pães, mingau, batatas e vegetais.
Outra curiosidade é que os vegetarianos da Era Romântica eram, em sua maioria, intelectuais de classe média que desprezavam a ganância e o desperdício tão inerente à alta burguesia. O escritor inglês Thomas Tryon, importante defensor do vegetarianismo no século 17, declarou que os seres humanos jamais teriam transformado os animais em comida se fosse apenas por desejo, necessidade ou manutenção da vida. Ele acreditava que a humanidade mergulhou em uma forma de ira amplificada pelo retorno financeiro que os animais poderiam proporcionar enquanto produtos. Assim os humanos deixaram de amá-los e vê-los como indefesas criaturas da natureza.
Os românticos apostavam na expansão do vegetarianismo. Mostravam o quanto a dieta vegetariana era acessível. Eles tencionavam elaborar um plano para aumentar a oferta de alimentos vegetais, forçando a diminuição da demanda por terra na criação de animais, o que significava também reduzir os conflitos de classes. Shelley e outros pensadores entendiam que a comida era um tipo de personificação material de todas as práticas sociais. Por isso o boicote ao consumo de carne era a melhor solução para frear o consumismo.
Entre os séculos 18 e 19, Inglaterra, Alemanha e França eram os países com mais adeptos do vegetarianismo, não apenas como dieta, mas também como filosofia de vida, já que muitos acabaram se tornando vegetarianos por uma questão moral e ética envolvendo os direitos animais. Com a expansão do vegetarianismo, cresceu a disponibilidade e variedade de vegetais. À época, muitas das grandes cidades da Europa tinham seus próprios jardins que ofereciam gratuitamente frutas e vegetais à população.
E tudo isso graças à influência literária dos românticos na ficção, antropologia, teorias de consumo e evolucionismo. Contudo é importante frisar que no final do século 19 o romantismo foi influenciado pelo humanismo durante o iluminismo, quando os europeus começaram a repensar suas atitudes em relação à justiça, liberdade e fraternidade.
Um exemplo foi o filósofo inglês e idealizador do liberalismo John Locke. Ele percebeu que os animais tinham grande potencial de comunicação, além de condições de expressar emoções e capacidade de sentir dor. Então o humanitarismo foi estendido ao reino animal, considerando que não havia tantas diferenças entre os seres humanos e os animais.
Graças a Locke, ampliou-se a crença de que todos os seres vivos tinham uma forte ligação, sugerindo a ideia de que ser cruel com algum animal significava ser capaz de ser violento com qualquer criatura viva, inclusive humana. Com tais princípios, o vegetarianismo se tornou uma filosofia apropriada que ajudou a fortalecer o humanismo e a compaixão em relação aos animais.
Por meio do trabalho de estudiosos como o naturalista francês Louis Lecrerc, o Conde de Buffon, a sociedade passou a reconhecer a complexidade física, biológica e emocional dos organismos que compõem a natureza. Lecrerc defendia a ideia da ancestralidade comum em relação a humanos e animais, o que curiosamente ia ao encontro do que advogavam os românticos. No século 19, o naturalista britânico Charles Darwin, mais famoso pela autoria de On the Origin of Species, de 1859, foi influenciado por Lecrerc e pelos românticos, constatando que realmente animais e seres humanos estão naturalmente interligados.
Com ideologia enraizada na estética romântica da compaixão e da comunhão com a natureza, os adeptos do romantismo também foram pioneiros em outras linhas de frente. Prova disso foi o papel desempenhado pela escritora vegetariana Mary Shelley, autora do clássico Frankenstein que, incentivada pelo marido Percy Shelley, se tornou ativista dos direitos animais e das mulheres. Outros nomes importantes desse período são os britânicos Alexander Pope e Lord Byron – os maiores poetas do romantismo junto com Percy Shelley.
O trabalho deles culminou na fundação da Vegetarian Society em Londres em 1847, e no uso formal do termo vegetariano em substituição a pitagorianos, muito usado para se referir a quem não se alimentava de animais. Os românticos também tiveram grande influência na criação da Vegan Society, a pioneira do veganismo no Ocidente. “O vegetarianismo é o caminho para que as pessoas voltem a ter uma relação mais respeitosa com a natureza”, dizia Percy Shelley.
As contribuições do vegetarianismo à sociedade moderna
O movimento vegetariano durante o Período Romântico foi marcado pela defesa dos direitos animais e das mulheres. Também teve grande importância sobre os direitos civis no século 19. E seus ideais eram sustentados pelo legado de pensadores gregos. “Não faça aos outros o que não gostaria que fizessem com você”, diziam os românticos, em referência à Regra de Ouro de Pitágoras.
Nenhum ser humano tem mais direito à natureza do que qualquer outro ser vivo. Todos devem ser vistos como iguais, declaravam. Eles rejeitavam a ideia da superioridade humana defendida por quem alegava que o homem era o elo entre a natureza e Deus. “Usurpar autoridade sobre qualquer animal é excesso de orgulho e altivez da alma”, condenou o escritor inglês Robert Morris.
A defesa do vegetarianismo por meio do romantismo reavivou valores morais perdidos pelo homem ao longo dos séculos. Inclusive inspirou religiões baseadas em velhas doutrinas que optaram por rever a relação entre Deus, seres humanos e animais. Nesse período, os cristãos reconheceram que só após o dilúvio foi dada ao homem a permissão para comer carne, não antes, o que endossa a ideia de que a carne não fazia parte da dieta natural humana.
Com isso, religiões que abordam a reencarnação começaram a discutir sobre a alma animal e a reconhecer a importância de outros seres sencientes. “Tenha cuidado, porque quando um verme você esmagar, a alma de um irmão você pode encontrar”, escreveu a poetisa inglesa Anna Laetitia Barbauld, importante nome do romantismo, na obra The Mouse’s Petition, publicada em 1773.
Referências
Shelley, Percy Bysshe. A Vindication of Natural Diet. London. Smith & Davy (1813).
Ritson, Joseph. An Essay on Abstinence from Animal Food, as a Moral Duty, London, 1802. Kessinger Publishing (2009).
Pope, Alexander. Against Barbarity to Animals, The Guardian, No. 61 (1713).
Morton, Timothy. Cultures of Taste/Theories of Appetite: Eating Romanticism; New York: Palgrave Macmillan (2004).
Morton, Timothy. Joseph Ritson, Percy Shelley and the Making of Romantic Vegetarianism, Romanticism. Vol. 12. The University of California (2006).
Preece, Rod. Sins of the Flesh: A History of Ethical Vegetarian Thought; Vancouver; Toronto: UBC Press (2008).
Spencer, Colin. The Heretic’s Feast: A History of Vegetarianism; Great Britain: Hartnolls Ltd, Bodmin (1993).
Oerlemans, Onno. Romanticism and the Materiality of Nature. Toronto; Buffalo: University of Toronto Press (2002).
Ruston, Sharon. Vegetarianism and Vitality in the Work of Thomas Forster, William Lawrence and P.B. Shelley. Keats-Shelley Journal. Vol. 54 (2005).
Perkins, David. Romanticism and Animal Rights. Cambridge, UK; New York: Cambridge University Press (2003).
Stuart, Tristram, The Bloodless Revolution: A Cultural History of Vegetarianism from 1600 to Modern Times; Great Britain. HarperPress (2006).
Kenyon-Jones, Christine. Kindred Brutes: Animals in Romantic-Period Writing; UK: Ashgate Publishing (2001).
Contribuição
Este é um blog independente, caso queira contribuir com o meu trabalho, você pode fazer uma doação clicando no botão doar:
Sobre os escritores do passado e o veganismo
Fico surpreso quando escrevo sobre a relação de algum escritor(a) do passado com o vegetarianismo e alguém aparece rebatendo de forma passional; tentando desconsiderar a sua contribuição, alegando que ele(a) não consumia carne simplesmente porque tinha nojo ou porque queria fazer frente a um princípio estético no ambiente burguês.
Então quer dizer que há escritores(as) que não consomem alimentos de origem animal e publicam livros abordando as questões morais e éticas do vegetarianismo simplesmente para aparecer? No mínimo curioso alguém dedicar tanto tempo a algo em que não acredita. E mesmo que fosse verdade, isso não anularia a sua colaboração, caso tenha transformado vidas.
Quando falamos em vegetarianismo e veganismo, penso que o maior cuidado que devemos ter é um só – não desmerecer alguém simplesmente porque é diferente de nós em diversos aspectos. O mais importante é que haja união em torno do que preza o vegetarianismo e o veganismo.
Sei que muitas vezes somos reféns das armadilhas do ego e passamos a querer que os outros tenham os mesmos parâmetros de vida que nós. Porém o mundo não se pauta na nossa vida, nem as outras pessoas. Então devemos aprender a respeitá-las nas suas diferenças, desde que isso não signifique prejuízo a nada ou ninguém.
Na minha opinião, tudo que contribui com o vegetarianismo e o veganismo é bem-vindo. Vejo como um equívoco julgar os vegetarianos do passado com ênfase em conceitos atuais. É muito importante entender que foi a contribuição de cada um desses pensadores, independente de motivação, que ajudou a moldar o vegetarianismo ao longo dos séculos, inclusive culminando no surgimento do veganismo como o conhecemos.
Embora há quem despreze os românticos porque eram burgueses, claro que não todos, é importante reconhecer sim que eles foram determinantes na história do veganismo no mundo ocidental, inclusive estou preparando um artigo que fala exatamente disso. E as pessoas que costumam desqualificá-los são aquelas que têm inclinação política sob viés fundamentalista, e muitas vezes não percebem como isso pode ser nocivo.
Acredito que não devemos julgar a consciência vegetariana de séculos atrás usando como referência o presente. Ademais, penso que já temos pessoas demais trabalhando contra o que o veganismo defende. “Não mais agora, ele mata o cordeiro que o observa e terrivelmente devora sua carne mutilada”, escreveu o escritor romântico Percy Shelley na obra A Vindication of a Natural Diet, publicada em 1813.
Machado de Assis: “Devíamos adotar o são e fecundo princípio vegetariano”
“Nada de ovos, nem leite, que fediam a carne. Ervas, ervas santas, puras, em que não há sangue”
“Quando os jornais anunciaram para o dia 1º deste mês uma parede de açougueiros, a sensação que tive foi muito diversa da de todos os meus concidadãos. Vós ficastes aterrados; eu agradeci o acontecimento ao Céu. Boa ocasião para converter esta cidade ao vegetarismo”, escreveu o escritor Machado de Assis no primeiro parágrafo da crônica “Carnívoros e Vegetarianos”, publicada na Gazeta de Notícias do Rio de Janeiro em 5 de março de 1893.
Na obra, um dos mais importantes escritores brasileiros de todos os tempos critica com a ironia e luminescência que lhe era peculiar o hábito humano de consumir carne. “A arte disfarça a hediondez da matéria. (…) Deus, ao contrário, é vegetariano. Para mim, a questão do paraíso terrestre explica-se clara e singelamente pelo vegetarismo. Deus criou o homem para os vegetais, e os vegetais para o homem. Comei de tudo, disse-lhe, menos do fruto desta árvore. Ora, essa chamada árvore era simplesmente carne”, registrou. Machado de Assis se identificava com o vegetarianismo no final do século 19, tanto que ele criou um cenário em que até aqueles que jamais se imaginariam sem carne poderiam aprender a se satisfazer sem ela:
“Enfim, chegou o dia 1º de março, quase todos os açougues amanheceram sem carne. Chamei a família; com um discurso mostrei-lhe que a superioridade do vegetal sobre o animal era tão grande, que devíamos aproveitar a ocasião e adotar o são e fecundo princípio vegetariano. Nada de ovos, nem leite, que fediam a carne. Ervas, ervas santas, puras, em que não há sangue, todas as variedades das plantas, que não berram nem esperneiam, quando lhes tiram a vida. Convenci a todos; não tivemos almoço nem jantar, mas dois banquetes. Nos outros dias a mesma coisa.”
Para o escritor, o vegetarianismo é o caminho da não violência, da simplicidade, da ojeriza à barbárie e da evolução moral e ética. “Porque o vegetariano não cobiça as coisas alheias; mal chega a amar as próprias”, declarou em “Vegetarianos e Carnívoros”. Quando Machado de Assis escrevia para a Gazeta de Notícias, ele descobriu que não havia nenhuma entidade de proteção aos animais no Brasil – a primeira foi a União Internacional Protetora dos Animais (Uipa), sediada em São Paulo. E provavelmente incomodado com o fato, ele escreveu “Direitos dos Burros”, crônica publicada na Gazeta em 10 de junho de 1894. Na obra, o escritor dá voz a um burro que se vê obrigado a falar para reivindicar os próprios direitos:
“Ah! Meu amigo, é justamente o que me traz a seus pés, disse o burro ajoelhando-se, mas levantando-se logo, a meu pedido. E continuou: ‘Sei que o senhor se dá com gente da imprensa, e vim aqui para lhe pedir que interceda por mim e por uma classe inteira, que devia merecer alguma compaixão…” Durante o diálogo, o animal confidencia que os burros deitam a alma pela boca, puxando carros e ossos. Também apanham de chicote, de ponta de pé, de ponta de rédea e de ponta de ferro. Bonançoso e ingênuo, o burro dá mostras de sua incapacidade em reconhecer a literalidade da crueldade humana quando deixa transparecer que a dor talvez seja uma consequência da falta de vigor. “Os burros modernos, esses são mais teimosos e resistem à pancadaria”, comenta, como se o sofrimento pudesse ser justificado.
Bem informado, o animal cita que na Inglaterra os proprietários de animais são condenados por maus-tratos. Cita o caso de um homem que depois de privar quatro potros de comida e água foi condenado a pagar quatro libras esterlinas. Outro sujeito acabou preso. “Um rapaz tirou um ovo de faisão de um ninho; quatorze dias de cadeia. Um senhor maltratou quatro vacas, cinco libras e custas. Condenem a um mês ou um ano os que tirarem ovos ou dormirem na rua; mas condenem a cinquenta ou cem mil réis aqueles que nos maltratam por algum modo, ou não nos dando comida suficiente, ou, ao contrário, dando-nos excessiva pancada”, pede o burro.
Em referência à ganância humana, o animal diz que o burro ama somente a própria a pele, enquanto o homem ama a própria pele e o dinheiro. “Dê-se-lhe na bolsa; talvez a nossa pele padeça menos”, sugere em “Direitos dos Burros”. Outra obra machadiana que reconhece os direitos, singularidade e inteligência dos animais é “Ideias de Canário”, conto originalmente publicado na Gazeta de Notícias em 1895. Na história, o autor apresenta um pássaro que vive cativo em uma pequena gaiola no fundo de uma loja. Lá, o animal falante crê que o mundo é basicamente aquilo que está ao alcance de seus olhos. Ainda assim, não deixa de ter um diferenciado, porém cândido, senso de percepção da vida.
“Que dono? Esse homem que está aí é meu criado, dá-me água e comida todos os dias, com tal regularidade que eu, se devesse pagar-lhe os serviços, não seria com pouco; mas os canários não pagam criados. Em verdade, se o mundo é propriedade dos canários, seria extravagante que eles pagassem o que está no mundo”, argumentou a ave. Depois de explicar que o mundo é muito maior do que ele imagina, o pássaro zomba do homem.
No entanto, quando o homem o leva para casa, apresentando-lhe uma nova realidade, o canário passa por gradual transformação. Em pouco tempo, a gaiola grande e a visão privilegiada das cercanias deixam de ser suficientes, até que o canário foge. “Ideias de Canário” é um conto em que Machado de Assis transparece possível depreciação em relação a quem cria animais em cativeiro, impedindo-os de trilharem seu próprio caminho ou conhecerem o mundo como realmente é.
Em “Reflexões de um Burro”, obra publicada em 8 de abril de 1894, o escritor se coloca como o protagonista que encontra um burro aguardando o próprio fim, caído entre a grade do Jardim da Praça Quinze de Novembro e o lugar onde era o antigo passadiço, ao pé dos trilhos de bonde, no Rio de Janeiro. A cena teve tanto impacto sobre Machado de Assis que ele imaginou como seria um exame de consciência feito pelo animal:
“Por mais que vasculhe a consciência, não acho pecado que mereça remorso. Não furtei, não menti, não matei, não caluniei, não ofendi nenhuma pessoa. Em toda a minha vida, se dei três coices, foi o mais, isso mesmo antes de haver aprendido maneiras de cidade e de saber o destino do verdadeiro burro, que é apanhar e calar.”
Na crônica 15 de março de 1877, do livro “História de Quinze Dias”, o autor evidencia o seu repúdio pelas touradas. Um amigo tenta dissuadi-lo ao justificar que ele nunca viu uma, logo não tem motivos para criticar. Machado de Assis responde que não precisa ver a guerra para detestá-la.
“Nunca fui ao xilindró, e todavia não o estimo. Há coisas que se prejulgam, e as touradas estão nesse caso. E querem saber por que detesto as touradas? Pensam que é por causa do homem? Ixe! é por causa do boi, unicamente do boi. Eu sou sócio (sentimentalmente falando) de todas as sociedades protetoras dos animais”, rebate e acrescenta que touradas e caridade são pouco compatíveis. Também critica a contradição de se fazer corrida de touros para beneficiar necessitados.
Para a pesquisadora Angela Guida, Machado de Assis problematizava a questão da animalidade como uma questão política, de outridade, e não pela via da metáfora animal. “Machado apresenta-nos textos que fogem à representação depreciativa do animal e, de alguma forma, contém certa dose de ativismo”, declara no artigo “Para uma política da animalidade”, publicado na revista Darandina, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).
Dois dos maiores clássicos machadianos, “Memórias Póstumas de Brás Cubas” e “Quincas Borba” também trazem à tona a empatia e preocupação com os animais. No primeiro, o protagonista, ressentido pela desesperança nas relações humanas, e tendo como referência a própria vida infecunda, dedica suas memórias, com o usual viés satírico, ao verme que se alimenta de sua carne; assim deixando claro que não raramente os seres humanos não estão acima dos parasitas. Além disso, no pós-morte, Brás Cubas divaga e tem como guia espiritual um hipopótamo que o leva ao reencontro da natureza e de um paraíso que ele jamais conheceu em vida.
Outro personagem emblemático é o cachorro Quincas Borba, da obra homônima da fase realista de Machado de Assis, a quem é destinada toda a herança do falecido. E mais, ao cão deve ser dispensado o máximo de cuidados. O que surpreende também é a apresentação do animal que pode ser facilmente confundido com um ser humano, a partir do tratamento descritivo dado por Machado de Assis. O que inclusive ajuda a reforçar o fato de que animais não são seres de pouco valor.
A caracterização humana do cachorro também é reconhecida pelo seu guardião, Rubião, do início ao fim do livro. O amigo do falecido crê que o cão carrega a alma e a essência do homem Quincas Borba. Levando em conta que os animais normalmente são subestimados, não é difícil imaginar o choque que a ideia de um cachorro com alma pode ter despertado nos leitores brasileiros em 1891. Ademais, Machado de Assis foi muito feliz ao definir o nome do livro, que se refere tanto ao homem quanto ao animal.
“Não podia ver as estrelas, que já então rutilavam, livres de nuvens. Rubião descobriu-as; chegara à porta da igreja, como quando entrou na cidade; acabava de sentar-se e deu com elas. Estavam tão bonitas, reconheceu que eram os lustres do grande salão e ordenou que os apagassem. Não pôde ver a execução da ordem; adormeceu ali mesmo, com o cão ao pé de si. Quando acordaram de manhã, estavam tão juntinhos que pareciam pegados”, escreveu Machado de Assis na página 156 de “Quincas Borba”.
Saiba Mais
Machado de Assis nasceu no Rio de Janeiro em 21 de julho de 1838 e faleceu na mesma cidade em 29 de setembro de 1908. Não há registros consistentes sobre os hábitos alimentares do escritor, mas é inegável a sua contribuição em favor da conscientização em relação ao vegetarianismo e os direitos dos animais.
Referências
Assis, Machado de. A Semana I e II. Editora Globo (1997).
Assis, Machado de. História de Quinze Dias. Editora Unicamp (2009).
Assis, Machado de. Memórias Póstumas de Brás Cubas. Editora Ática (2015).
Assis, Machado de. Quincas Borba. Editora Martin Claret (2001).
Guida, Angela. Para uma política da animalidade. Darandina Revisteletrônica (2011). Disponível em http://www.ufjf.br/darandina/files/2011/08/Para-uma-pol%C3%ADtica-da-animalidade.pdf
Filho, Nelson Aprobato. Machado de Assis e as touradas. Scientific American Brasil. Disponível em http://www2.uol.com.br/sciam/noticias/machado_de_assis_e_as_touradas.html
Contribuição
Este é um blog independente, caso queira contribuir com o meu trabalho, você pode fazer uma doação clicando no botão doar:
A história do veganismo
“Enquanto o ser humano for implacável com as criaturas vivas, ele nunca conhecerá a saúde e a paz”
“Enquanto o ser humano for implacável com as criaturas vivas, ele nunca conhecerá a saúde e a paz. Enquanto os homens continuarem massacrando animais, eles também permanecerão matando uns aos outros. Na verdade, quem semeia assassinato e dor não pode colher alegria e amor”, disse o filósofo grego Pitágoras por volta de 500 anos antes de Cristo.
No mesmo período, Siddhārtha Gautama, o Buda, conversou com seus seguidores sobre a importância da alimentação isenta de ingredientes de origem animal. Assim, Pitágoras e Siddhārtha se tornaram as primeiras referências de uma consciência que mais tarde ajudaria a moldar o veganismo.
Muito tempo depois, no século I, o filósofo grego Plutarco escreveu “Do Consumo da Carne”. No Discurso Primeiro, ele define o apetite humano por carne como uma manifestação de luxúria, lascívia supérflua. “Aos inocentes, aos mansos, aos que não têm auxílio nem defesa – a esses perseguimos e matamos. Só para ter um pedaço da sua carne, os privamos da luz do sol, da vida para que nasceram. Tomamos por inarticulados e inexpressivos os gritos de queixume que eles soltam e voam em todas as direções”, registrou.
Mas foi só a partir do século XV que houve um crescimento exponencial de pensadores e artistas que viram no vegetarianismo uma filosofia de vida em condições de contribuir para a libertação animal e humana, já que ao se alimentar da carne o ser humano torna-se prisioneiro de si mesmo, das suas próprias incoerências.
“Além de ajudá-los, se aproxima deles para que eles possam gerar filhos que saciem seu paladar, assim criando sepulturas para todos os animais. E devo dizer mais, se me for permitido dizer toda a verdade: Não acha que a natureza já produz alimentos o suficiente para que se satisfaça?”, questionou Leonardo da Vinci em citação publicada na obra Quaderni D’Anatomia, I-VI, preservada na Inglaterra pela Biblioteca Real de Windsor.
Em 1580, o filósofo e humanista francês Michel de Montaigne publicou o livro “Ensaios”, dando origem ao gênero situado entre o poético e o didático. E foi nessa obra que dedicou espaço para comentar que as índoles sanguinárias do ser humano em relação aos animais atestam propensão natural à crueldade.
“Em Roma, depois que se acostumaram aos espetáculos de mortes dos animais, chegaram aos homens e aos gladiadores. A própria natureza, temo, fixou no homem um instinto de desumanidade. Perdera-se o prazer de ver os animais brincando entre si e acariciando-se; e ninguém deixa de senti-lo ao vê-los se dilacerarem e se desmembrarem. Os animais foram sacrificados pelos bárbaros para os benefícios que deles esperavam”, enfatizou.
Para Montaigne, a ideia da superioridade do ser humano diante dos animais corrobora a máxima presunção e um falso direito de violência sobre outras espécies. Ele defende que, como racional, o ser humano tem um dever moral em relação aos animais, seres que têm vida e sentimento.
No século XIX, surgiram as primeiras obras dedicadas à filosofia de vida vegetariana. E o que impulsionou a concepção mais moderna de vegetarianismo foi o romantismo, movimento artístico, político e filosófico que fez oposição ao iluminismo e ao racionalismo. Pautando-se na natureza, os românticos exaltavam os animais e apontavam as falhas humanas embasadas na crença supremacista.
“Envolvido em um turbilhão social, basta que ele não se deixe arrastar nem pelas paixões, nem pelas opiniões dos homens; veja ele pelos seus olhos, sinta pelo seu coração; não o governe nenhuma autoridade, exceto a de sua própria razão”, declarou o suíço Jean-Jacques Rousseau, precursor do romantismo e defensor do vegetarianismo, em “O Bom Selvagem”.
Em 1802, Joseph Ritson lançou o livro “An Essay on Abstinence from Animal Food: as a Moral Duty”, seguido por “The Return to Nature, or, a Defense for the Vegetable Regimen”, de 1811, escrito por John Frank Newton. Em 1813, Percy Bysshe Shelley publicou “A Vindication of Natural Diet”. Já em 1815, William Lambe endossou o discurso em favor do vegetarianismo com a obra “Water and Vegetable Diet”.
Esses quatro escritores britânicos, que também eram ativistas vegetarianos e lutavam pelos direitos dos animais, se tornaram precursores do que conhecemos hoje como veganismo. Suas inspirações vieram de pensadores como Pitágoras, Plutarco e John Milton.
Por causa da estreita relação entre romantismo e vegetarianismo que, influenciada pelo marido Percy Shelley, a escritora britânica Mary Shelley publicou em 1817 o famoso romance gótico “Frankenstein”. Em uma das passagens do livro, o monstro vegetariano criado por Victor Frankenstein, repudia o hábito humano de se alimentar de animais:
“Não tenho que matar o cordeiro e a cabra para saciar o meu apetite. Bolotas e bagas são o suficiente para a minha alimentação. Minha companheira vai ser da mesma natureza que a minha, e vai se contentar com o mesmo que eu. Faremos a nossa cama de folhas secas; o sol vai brilhar sobre nós da mesma forma que brilha sobre os homens, e ele vai amadurecer a nossa comida. A imagem que apresento a vocês é humana e pacífica.”
O filósofo utilitarista britânico Jeremy Bentham também advogou pelos animais até falecer em 1832. Afirmava que eles sofrem tanto quanto os seres humanos e qualificou a defesa da superioridade humana como uma forma de racismo. No entanto, foi somente na Inglaterra de 1847 que surgiu formalmente a primeira Sociedade Vegetariana, presidida por James Simpson e vinculada à Bible Christian Church.
Três anos depois, Sylvester Graham, inventor da popular indústria Graham Cracker, fundou nos Estados Unidos a Sociedade Vegetariana Americana. Ministro presbiteriano, Graham incentivava seus seguidores a levarem uma vida virtuosa pautada no vegetarianismo, na moderação e na abstinência, assim como já faziam no Oriente os seguidores do budismo, hinduísmo e jainismo. Em 1897, a pioneira Sociedade Vegetariana, sediada na Inglaterra, já contava com cinco mil membros.
No Brasil, um dos divulgadores do vegetarianismo era o jornalista e poeta paraibano Carlos Dias Fernandes, autor do livro “Proteção aos Animais”, de 1914. Na obra, Fernandes, que não era religioso, cita religiões e crenças que endossam o papel do ser humano como protetor dos animais e da natureza. Polêmico, chegou a discutir com profissionais de saúde da época que defendiam o consumo de carne. Talvez o maior exemplo tenha sido a sua rixa com o então conceituado médico José Maciel.
A seu favor, o poeta e jornalista tinha o médico higienista Flavio Maroja que publicou no jornal A União de 30 de agosto de 1916 um artigo intitulado “Hygiene Alimentar: Regimen Vegetariano e Regimen Carneo, confronto de opiniões, como penso a respeito”, que fala dos benefícios do vegetarianismo.
Em 26 de janeiro de 1917, Carlos Dias Fernandes comemorou a fundação da Sociedade Vegetariana Brasileira, sediada no Rio de Janeiro, e publicou matéria sobre o assunto. “Vai ganhando surto em todo mundo civilizado o regime vegetariano como solução prática do problema moral, economico e therapeutico dos povos. (…) Vegetarianismo quer dizer vida de accôrdo com a natureza”, registrou.
Em 1931, e de volta a Londres, o indiano Mahatma Gandhi ingressou no comitê executivo da Sociedade Vegetariana e deu um discurso argumentando que a alimentação livre de carne era uma questão de ética, não de saúde. Sem demora, surgiram discussões sobre o tratamento dado às galinhas e vacas leiteiras. Os debates foram transformados em artigos publicados no boletim informativo Vegetarian Messenger, dividindo opiniões.
Receosos com o que viria a ser o veganismo, muitos vegetarianos enviaram cartas queixosas à Sociedade Vegetariana. Eles entendiam a consistência moral e ética de se abdicar de todos os alimentos de origem animal, porém consideravam o estilo de vida como impraticável. Alegaram que por ser uma forma mais radical de vegetarianismo, seria impossível atrair novos adeptos, assim como seria difícil encontrar comida vegana em encontros sociais.
Em agosto de 1944, o marceneiro Donald Watson, secretário da Sociedade Vegetariana de Leicester, tentou garantir a criação de uma seção para publicação de artigos sobre veganismo. A proposta foi declinada pela entidade. Então, no início de novembro do mesmo ano, Watson reuniu cinco vegetarianos estritos no Attic Club, em High Holborn, Londres, para discutir sobre a elaboração de uma filosofia de vida que pudesse beneficiar muito mais os animais. Watson se incomodava com o fato de que muitos vegetarianos da época se alimentavam de ovos e laticínios.
Ele enfrentou forte oposição, mas perseverou. Também inventou um novo termo – vegan (vegano) – para se referir a quem não consome nenhum alimento de origem animal. Além de vegan, uma abreviação de “vegetarian”, entre os nomes sugeridos estavam “dairyban”, “vitan” e “benevore”. “Foi o início e o fim do vegetariano”, disse Donald Watson, fundador da Sociedade Vegana que tinha Elsie Shrigley como co-fundadora.
No início, em vez da pronúncia “vígan”, os adeptos começaram a pronunciar “víjan”. À época, o marceneiro criou o boletim informativo Vegan News, que poderia ser adquirido por uma moeda de dois pence. Na publicação, ele deixou claro qual era a pronúncia correta.
A primeira edição foi lida por mais de 100 pessoas, incluindo o renomado escritor irlandês e defensor do vegetarianismo George Bernard Shaw, que ao saber a verdade envolvendo a produção de leite e ovos, abdicou completamente do consumo. E o que ajudou Watson a popularizar o veganismo foi o fato de que 40% das vacas leiteiras da Grã-Bretanha contraíram tuberculose em 1943.
“Animais são meus amigos…e eu não como meus amigos. Enquanto formos os túmulos vivos dos animais assassinados, como poderemos esperar uma condição ideal de vida nesta terra? Quando um homem mata um tigre, ele chama isso de esporte, mas quando um tigre mata uma pessoa dizem que isso é ferocidade”, registrou Shaw em seu diário.
Em novembro de 1945, a Sociedade Vegana mudou o nome do boletim informativo de Vegan News para The Vegan. Com mais de 500 assinantes, eles publicavam receitas, notícias sobre saúde, classificados e uma lista de produtos livres de ingredientes de origem animal. Com a popularidade do veganismo, surgiram livros como “Vegan Recipes”, de Fay K. Henderson e “Aids to a Vegan Diet for Children”, de Kathleen V. Mayo.
Outra curiosidade é que somente em 1949 a Sociedade Vegana definiu com clareza os objetivos do veganismo, e por sugestão do teólogo e vice-presidente da entidade, Leslie J. Cross, vegano desde 1942. Ele sugeriu que a prioridade seria a luta pelo fim da exploração animal, no que diz respeito a alimentos, commodities, trabalho, caça e vivissecção.
Interessante também é o fato de que Cross, preocupado em oferecer opções aos veganos, fundou a Plantmilk Society em 1956, dando origem à produção de leite de soja, orchata, maionese vegana e barras de chocolate e de alfarroba sem ingredientes de origem animal. Mais tarde, sua indústria se tornaria uma das maiores distribuidoras de leite de soja do Ocidente.
No continente americano, a iniciativa pioneira foi da Sociedade Vegana dos Estados Unidos, fundada na Califórnia por Catherine Nimmo e Rubin Abramowitz em 1948. A princípio, eles se baseavam nas ações da inglesa Sociedade Vegana, inclusive distribuíam boletins informativos do The Vegan, antigo Vegan News. Em 1960, H. Jay Dinshah criou a Sociedade Vegana Americana (AVS), aliando veganismo e ahimsa, princípio ético-filosófico, muito comum no budismo e no hinduísmo, que consiste em não causar mal a outros seres vivos.
Em 1979, a Sociedade Vegana informou que, além da exclusão de todas as formas de exploração e crueldade, eles se dedicariam a promover o desenvolvimento e criação de alternativas sem uso de animais, beneficiando também o meio ambiente.
Com o crescimento do veganismo no mundo, a Sociedade Vegana instituiu em 1º de novembro de 1994 o Dia Mundial Vegano em comemoração aos 50 anos de fundação da entidade. No entanto o objetivo maior sempre foi promover a conscientização em torno da exploração animal. Atualmente a estimativa é de que há 250 mil adeptos do veganismo na Grã-Bretanha e dois milhões nos Estados Unidos. No Brasil não há dados sobre o número de veganos, mas, de acordo com informações da Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB), 20 milhões de brasileiros se consideram vegetarianos.
Saiba Mais
Antes de falecer aos 95 anos, em 16 de novembro de 2005, Donald Watson concedeu uma entrevista ao seu amigo George Roger, argumentando que veganismo não se trata simplesmente de buscar alternativas para ovos mexidos ou um bolo de Natal. “É algo realmente grande, que desconhecíamos quando criamos o veganismo, uma filosofia criticada por muitos, mas sobre a qual ninguém tem nenhuma prova contra. Se você é vegetariano, saiba que falta apenas um salto para se tornar vegano”, enfatizou Watson.
A palavra vegan apareceu pela primeira vez em um dicionário em 1962. No Dicionário Ilustrado Oxford o termo era definido como um vegetariano que não consome manteiga, ovos, leite e queijo.
No século 19, Percy Shelley e Willam Lambe já defendiam que laticínios e ovos deveriam ser excluídos da alimentação vegetariana.
Referências
Wynne-Tyson, Jon. The Extended Circle. Paragon House; 1st American ed edition (1989).
Plutarch: Moralia, Volume IX, Table-Talk, Books 7-9. Dialogue on Love (Loeb Classical Library No. 425). Harvard University Press (1961).
Vangensten, Ove C.L. Fonahn A. H. Hopstock. Christiana: J. Dybwad. Leonardo da Vinci. Quaderni D’Anatomia, I-VI. Windsor Castle, Royal Library (1911-1916).
Montaigne, Michel de. Os Ensaios: Uma Seleção. Companhia das Letras (2010).
Fortes, Luis Roberto. Rousseau: o bom selvagem. 2º ed. – São Paulo: Humanistas: Discurso Editorial (2007).
Shelley, Mary. Frankenstein. CreateSpace Independent Publishing Platform (2015).
Shelley, Percy Bysshe. A Vindication of Natural Diet: Being One in a Series of Notes to Queen Mab (Disponível em ivu.org)
Bellows, Martha. Categorizing Humans, Animals and Machines in Mary Shelley ’s Frankenstein – pg. 6. University of Rhode Island (2009).
Williams, Howard. The Ethics of Diet. University of Illinois Press (2003).
Sena, Fabiana. A tradição da civilidade nos livros de leitura no Império e na Primeira República. João Pessoa, PB. Tese de doutorado. PPGL/UFPB (2008).
Sena, Fabiana. A imprensa e Carlos Dias Fernandes: o processo de legitimação como autor de livro didático. Educação Unisinos, vol. 15, núm. 1, enero-abril, 2011, pp. 70-78.
Henderson, Archibald. George Bernard Shaw: Man of the Century. N.Y. Appleton-Century-Crofts (1956).
Vegan Society – History. We’ve come a long way. Disponível em https://www.vegansociety.com/about-us/history
Suddath, Claire. Brief History of Veganism. Time Magazine. Disponível em http://time.com/3958070/history-of-veganism/
A History of Veganism. A Candid Hominid. Disponível em http://www.candidhominid.com/p/vegan-history.html
Davis, John. Were There Vegans In The Ancient World? Veg Source. Disponível em http://www.vegsource.com/john-davis/were-there-vegans-in-the-ancient-world.html.
Dia Mundial do Vegetarianismo: 8% da população brasileira afirma ser adepta do estilo. Disponível em http://www.ibope.com.br/pt-br/noticias/Paginas/Dia-Mundial-do-Vegetarianismo-8-da-populacao-brasileira-afirma-ser-adepta-ao-estilo.aspx
Roger, George. Interview with Donald Watson (2002). Disponível em http://www.abolitionistapproach.com/media/links/p2528/unabridged-transcript.pdf
Contribuição
Este é um blog independente, caso queira contribuir com o meu trabalho, você pode fazer uma doação clicando no botão doar: