David Arioch – Jornalismo Cultural

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As trapalhadas de Alexandre Dumas

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Célebre autor de Os Três Mosqueteiros viveu aventuras dignas de um mosqueteiro trapalhão

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Depois de discutir com um soldado durante uma partida de bilhar, Dumas o desafiou para um duelo (Foto: Nadar)

Famoso por obras como Os Três Mosqueteiros e O Conde de Monte Cristo, o escritor francês Alexandre Dumas, o Père (Pai), viveu aventuras dignas de um mosqueteiro trapalhão. Uma das mais célebres transcorreu quando ele tinha 23 anos.

Depois de discutir com um soldado durante uma partida de bilhar, Dumas o desafiou para um duelo, confiante de que o impasse seria resolvido com pistolas. Porém, para sua surpresa, ficou decidido que eles deveriam duelar com espadas. Mesmo preocupado, ele compareceu ao compromisso pontualmente. Uma hora mais tarde, seu oponente ainda não havia chegado. Então o escritor soube que o soldado continuava dormindo, e assim o desafio foi adiado.

No dia seguinte, 5 de janeiro de 1825, apesar do frio, Dumas aceitou retirar a capa e aproveitou para remover a parte de cima do seu traje. No mesmo instante, sua calça foi arriada e os espectadores foram às gargalhadas. Com ar de irritado e confuso, ele deu o passo inicial do duelo, fazendo seu oponente saltar para trás, tropeçar em uma raiz e dar uma cambalhota na neve.

Sentindo-se enganado perante a evasiva, Alexandre Dumas esbravejou: “Eu mal o toquei!” O combate foi encerrado após o oponente argumentar que ficou chocado ao perceber como a lâmina da espada de Dumas estava fria. “São histórias que ele definiu como o início de sua carreira como um romântico. No entanto, é preciso levar em conta que suas memórias são tão confiáveis quanto suas obras em que mistura história e ficção. Mesmo assim não deixam de ser relatos cômicos e gloriosos”, declara o escritor canadense e professor de literatura Steve King.

Entre outras aventuras protagonizadas por Alexandre Dumas está uma em que o seu oponente não pôde comparecer ao duelo porque ficou resfriado depois de atravessar o canal a nado. E o terceiro desafio também não aconteceu porque o desafiante perdeu dois dedos em um combate anterior. Mais tarde, prevendo que uma das armas poderia falhar em um duelo de pistolas, Dumas e um político com quem se desentendeu em uma discussão concordaram com um novo tipo de peleja.

Arremessaram uma moeda e quem perdesse deveria atirar em si mesmo. Derrotado, o escritor francês foi até um quarto e fechou a porta. Quando o silêncio já deixava o público apreensivo, ouviram um disparo e correram até o quarto. Assim que a porta se abriu, Dumas apareceu: “Cavalheiros, o mais lamentável aconteceu. Eu perdi!”

Ao longo da carreira, Alexandre Dumas escreveu 250 livros com a ajuda de 73 assistentes. E muitas de suas obras trazem passagens de outros autores que jamais foram citados. Porém, como à época não havia nenhum impedimento legal, seus leitores não se importavam ao saber a verdade. E mesmo em outras circunstâncias ainda o defenderiam.

“Ele era alguém que levava sua espada e seu talento com um sorriso”, enfatiza King, acrescentando que no capítulo um de Os Três Mosqueteiros os leitores estão diante de um Dom Quixote de 18 anos, vestido com um gibão de lã. Assim como o ingenioso hidalgo, D’artagnan também foi humilhado. Derrotado até pelos camponeses das grandes cidades, o jovem viu a espada de seu pai sendo quebrada ao meio. Depois zombaram dizendo que ele deveria montar seu cavalo engraçado e voltar donde veio.

Saiba Mais

Alexandre Dumas nasceu em 24 de julho de 1802 em Villers-Cotterêts, no departamento de Aisne, e faleceu aos 68 anos em 5 de dezembro de 1870 em Puys, no departamento de Seine-Maritime.

Referências

http://www.todayinliterature.com/

http://www.dumaspere.com/pages/vie/biographie.html

Ross, Michael. Alexandre Dumas. Newton Abbot, London, North Pomfret (Vt): David & Charles (1981).

Gorman, Herbert. The Incredible Marquis, Alexandre Dumas. New York: Farrar & Rinehart (1929).

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Jack Kerouac, o beat que não queria ser beat

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Kerouac desprezava a cultura pop e nunca quis ser um ícone

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Sem base ficcional, Kerouac criava somente genuínas, instantâneas e despretensiosas confissões baseadas em suas experiências (Foto: Reprodução)

Ao longo de nove anos, Jack Kerouac foi de Nova York a São Francisco e do México ao Alasca. Quando não estava viajando, ele passava seus dias com Allen Ginsberg e William Burroughs. Já com uma extensa produção, e logo depois de lançar seu livro mais popular – On The Road, o autor publicou o curto romance The Subterraneans.

Em 1958, a novela narrada em primeira pessoa, e que tem a estrutura de um livro de memórias, despertou controvérsias porque Kerouac apresentou os afro-americanos como personagens humildes e primitivos, sem levar em conta os aspectos culturais e sociais em que estavam inseridos. Porém, mesmo que o livro tenha sido considerado à luz da superficialidade, o potencial de Kerouac era inegável. Sob os efeitos de benzedrina, ele escreveu The Subterraneans em apenas três dias de prosa espontânea. “Depois ele descobriu o Buda e redescobriu Thoreau”, diz o escritor canadense e professor de literatura Steve King.

Mais tarde, refugiado em uma cabana nas imediações do Desolation Peak, situado nas montanhas cascadas de Washington, Jack Kerouac passou dois meses sozinho. Nesse ínterim, escreveu 12 novelas, produziu haicais e escreveu cartas. De volta a São Francisco, celebrou seu retorno em um clube de jazz. Suas impressões daquela noite foram registradas na novela Desolation Angels (Anjos da Desolação), lançada em 1965.

Alguns dizem que o termo geração beat foi cunhado pelo próprio Kerouac no início dos anos 1950. Quando On The Road foi publicado em 1957, nove anos depois de escrever o esboço de Three Weeks, um trabalho registrado em 36,5 metros de rolo de teletipo, e que exigiu muita revisão e acabou leiloado por 2,4 milhões de euros, ele se tornou o mais famoso personagem da geração beat.

Considerado um escritor dedicado que desprezava a cultura pop, Kerouac percebeu dez anos após o lançamento de On The Road que ele criou um novo estilo de literatura, sem base ficcional e profissionalismo – somente genuínas, instantâneas e despretensiosas confissões baseadas em suas experiências. Ele estava mais interessado em escrever poesia para composições de jazz e produzir um filme experimental sobre a disciplina de fazer da mente uma escrava da língua. Ele não queria ser um beat ou um ícone.

O alcoolismo foi a ruína do maior nome da geração beat (Foto: Reprodução)

O alcoolismo foi a ruína do maior nome da geração beat (Foto: Reprodução)

Kerouac colocou a bebida entre as suas prioridades na década de 1960, sem saber que ela o levaria à ruína. À época, deu inúmeras entrevistas e provocou má impressão em todas. Declarou que os hippies eram um bando de comunistas e que as mulheres eram como demônios que deveriam ser mantidos dentro de casa. Falou também que negros e judeus eram um problema nacional. E contrariando a consciência popular, revelou que seu maior desejo era ser um fuzileiro naval no Vietnã. Esse comportamento fez com que Jack Kerouac não fosse mais levado tão a sério. Visto como um alienado, seguiu na contramão de amigos pacifistas como Ginsberg.

Após ser informado que seu grande amigo Neal Cassady, que o inspirou a escrever On The Road, se tornou motorista do grupo de escritores Merry Pranksters, Kerouac disse que ele foi sugado pelos hippies e pelo LSD. Quando soube disso, Cassady comentou apenas que era triste ver como Jack tinha desistido de tudo, entregue ao alcoolismo. “Agora ele é apenas um bêbado famoso em seus próprios termos”, frisou Neal.

Vítima de overdose, Neal Cassady morreu nas montanhas mexicanas em 4 de fevereiro de 1968. Próximo dele havia uma bíblia e cartas antigas de Jack e Allen. No mesmo ano, Kerouac finalizou a produção da sua 14ª novela biográfica – Vanity of Duluoz (Duluoz, O Vaidoso). Na obra, ele se recorda que era chamado de Memory Babe pelos colegas de classe por causa de sua memória extraordinária. “Vivendo novamente em Lowell [Massachussets], sua cidade natal, Kerouac não conseguia se recordar de seus ataques de fúria em decorrência do alcoolismo. Numa noite, ele arremessou uma faca na parede atrás de sua mãe”, relata Steve King.

Jack Kerouac faleceu aos 47 anos em 21 de outubro de 1969, um ano e sete meses após a morte de Cassady. A causa foi uma hemorragia gastrointestinal provocada pela cirrose. Apesar dos altos e baixos, ele foi considerado pelo jornal The New York Times como o mais importante escritor moderno desconhecido dos Estados Unidos. Até hoje muitos jovens visitam seu túmulo em Lowell, onde deixam baseados, garrafas de vinho e mensagens.

“Durante o funeral de Kerouac, o padre escolheu uma passagem bíblica que fala da reflexão de dois discípulos que acompanhavam Jesus até Emaús. ‘Não era como um fogo queimando dentro de nós quando ele falava conosco na estrada?’”, cita King.

Referências

http://www.todayinliterature.com/

Michael J. Dittman, Jack Kerouac: A Biography, Greenwood Publishing Group ( 2004).

Nicosia, Gerald. Memory Babe: A Critical Biography of Jack Kerouac. Berkeley: University of California Press (1994).

Bukowski: “Não vou deixar muito, só algo para ler, quem sabe”

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“Depois que eu partir, haverá mais dias para os outros, outros dias, outras noites, cães caminhando…”

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Bukowski: “O mundo tinha falhado com nós dois” (Foto: Reprodução)

Após publicar mais de 50 livros de poesia e prosa ao longo de meio século, Charles Bukowski se tornou o Grand Old Man da literatura marginal dos Estados Unidos. Abordando a rotina dos trabalhadores de colarinho azul e a realidade das áreas urbanas mais pobres de Los Angeles, habitadas por andarilhos, mendigos, usuários de drogas e outros tipos de rejeitados sociais, ele mergulhou em um universo onde homens de mau hálito e pés grandes parecem sapos e hienas. Eles caminham como se a melodia nunca tivesse sido inventada, e ao final ainda são execrados.

Depois de ser mandado ao inferno, Bukowski observava os braços gordos e suados do senhorio exigindo o pagamento do aluguel. “O mundo tinha falhado com nós dois”, escreveu. O jeito era abrir uma nova garrafa retirada da sacola enquanto ela se sentava na esquina fumando e tossindo como uma velha tia de Nova Jersey. Nos anos 1970, a vida de Charles Bukowski mudou.

Fez várias aparições com Allen Ginsberg e Lawrence Ferlinghetti. Deu entrevistas à Rolling Stone e todas as suas leituras pela Europa estavam com ingressos esgotados. Ele trocou as duas caixinhas de seis unidades de cerveja por quatro garrafas de bom vinho francês. Assim que sua história deu origem ao filme Barfly, de 1987, protagonizado por Mickey Rourke, com direção de Barbet Schroeder e roteiro do próprio Bukowski, ele se distanciou ainda mais da miserável realidade que o acompanhou por tanto tempo.

O seu deteriorado fusquinha 1967, com o qual viveu tantas aventuras, inclusive um dia sua namorada fez um furo no para-brisas com o salto, foi substituído por um novo BMW com teto solar. Em seus tempos de bebedeira, Bukowski deixava os atendentes baterem nele em troca de bebidas. Em 1992, com tuberculose, câncer e sentindo o peso da idade, foi convencido por sua esposa a experimentar uma das chamadas curas da nova era. Mesmo aceitando tudo, Bukowski não deixava de ser irônico.

Um dia, às 8h, enquanto estava sentado nu e sua esposa passava óleo de gergelim pelo seu corpo, o Grand Old Man comentou: “Jesus, como cheguei a esse ponto?” Mesmo na iminência da morte, sua mulher prosseguiu tentando purificá-lo. E pra isso contou com alguns monges budistas que conduziram o serviço. O seu bom humor o acompanhou até o fim.

“Depois que eu partir, haverá mais dias para os outros, outros dias, outras noites, cães caminhando, árvores balançando com o vento. Não vou deixar muito, só algo para ler, quem sabe. Uma cebola selvagem numa estrada eviscerada. Paris no escuro”, escreveu antes do último suspiro. Ele pediu que colocassem em seu túmulo a inscrição: ‘Don’t Try’ [Não tente]. Bom, a interpretação vai até onde a sua mente te conduz.

Saiba Mais

Charles Bukowski nasceu em Andernach, na Alemanha, em 16 de agosto de 1920 e faleceu em 9 de março de 1994 em San Pedro, Los Angeles.

Referências

http://www.todayinliterature.com/
http://bukowski.net/

Miles, Barry. Charles Bukowski. Random House (2009).

Como Nora Barnacle inspirou James Joyce

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Camareira de Galway influenciou o dublinense a escrever Ulysses

James Joyce (à esquerda) e Nora

James Joyce (à esquerda) e Nora (à direita), um relacionamento que impediu a decadência do escritor (Foto: Reprodução)

Foi a partir de um encontro com a camareira Nora Barnacle, de Galway, na Irlanda, que o escritor James Joyce teve a ideia de criar o seu icônico Ulysses, obra tão influente que os irlandeses decidiram instituir em 1954 o Bloomsday, um dia dedicado ao personagem Leopold Bloom, protagonista do romance.

Celebrado no dia 16 de junho, o evento ganhou popularidade mundial. Já foi comemorado nos Estados Unidos, Hungria, Itália, Austrália, Canadá, República Tcheca, Reino Unido e França. “Acredito que se o encontro entre James Joyce e Nora Barnacle não tivesse acontecido, provavelmente não teríamos o Bloomsday nem mesmo Ulysses. Ainda assim há pesquisadores que até hoje discutem até que ponto Nora é ou não é Molly Bloom”, diz o escritor canadense e professor de literatura Steve King.

Apesar das controvérsias levantadas em livros como Nora: The Real Molly Bloom, de Brenda Maddox, e também no filme Nora, de Pat Murphy, uma verdade irrefutável é a de que James Joyce teve com ela um relacionamento insubstituível. Ela era a única que podia chamá-lo de Jim.

Quando se conheceram nas ruas de Dublin, Joyce era um beberrão de 22 anos com um discurso cativante que o deixou conhecido em círculos de poetas e em inúmeros pubs. Nora, uma camareira de 20 anos que buscava um futuro melhor na “cidade grande”, não tinha a mínima ideia de quem ele era ou o que fazia.

“Naquele encontro em 16 de junho de 1904, durante uma caminhada ao longo do Rio Liffey [no Condado de Wicklow], quem causou a maior impressão foi ela. Nora disse algumas coisas que o sabe-tudo Joyce desconhecia. Após quatro meses, eles retornaram ao porto e viajaram juntos pela Europa”, relata King.

Ao saber que seu filho favorito fugiu com uma jovem de Galway, John Joyce comentou o seguinte: “Barnacle? Ela nunca vai deixá-lo!” Logo que James Joyce terminou de produzir Ulysses, Nora se recusou a ir além das primeiras páginas, o qualificando como um livro nonsense. “Ela não era uma companheira do tipo tranquila”, comenta o professor de literatura. Ainda assim, Nora Barnacle foi quem conseguiu preservar a lucidez de Joyce. Ela era um ponto de equilíbrio em sua vida.

Décadas de pobreza, rejeição literária, um filho alcoólatra e uma filha considerada louca, tudo isso Nora suportou ao lado do marido que também se sentia frustrado por considerar a si mesmo como um expatriado, alguém sem raízes. “Ela foi a âncora na vida de um errante”, define Steve King.

Não foram poucas as vezes que Nora teve de buscar Joyce tarde da noite em um pub enquanto ele conversava, ouvia algum medley de baladas irlandesas e esperava outra garrafa de vinho branco. Quando não conseguia convencê-lo a partir, ela ameaçava abandoná-lo. Porém, assim como o pai John Joyce previu em 1904, Nora nunca o deixou.

A origem do Bloomsday

James Joyce sempre falava de seu desejo em ficar longe de Dublin. O fazia como um filho magoado com o pai que nunca deu-lhe o devido valor. Ao longo de décadas, a considerou a cidade das injustiças, do rancor e da infelicidade. E ela talvez o visse de forma similar, já que seu livro foi menosprezado por tanto tempo. Entretanto, tudo começou a mudar em 16 de junho de 1954, quando um grupo de escritores irlandeses se reuniu na torre de Sandycove, a nove quilômetros de Dublin.

Partiram de lá com o objetivo de refazer a trajetória de Leopold Bloom, ou pelo menos ficar bêbado tentando. A iniciativa voluntária deu origem ao Bloomsday, que hoje se tornou uma comemoração com duração de vários dias. É praticamente uma Bloomsweek, e o evento está entre as celebrações que mais levam turistas à Irlanda. Em meio ao mercantilismo, o mais importante é que a causa essencial ainda sobrevive. No Bloomsday, as pessoas continuam lendo Ulysses em voz alta, como Joyce sempre quis. É a maior prova de que o livro pertence às ruas, não ao meio acadêmico.

Saiba Mais

James Joyce e Nora Barnacle se casaram em 1931.

Em 1924, James Joyce narrou e gravou um trecho de quatro minutos de Ulysses em áudio.

James Joyce nasceu em Dublin em 2 de fevereiro de 1882 e faleceu em 13 de janeiro de 1941 em Zurique, na Suíça, após uma cirurgia para úlcera.

Nora Barnacle nasceu entre 21 e 24 de março de 1884 e faleceu em 10 de abril de 1951.

Ulisses, página 909

Em Ulisses, um mergulho no mundo íntimo de Molly Bloom nos revela as suas reações extremamente femininas, provocadas pelas últimas palavras de Bloom antes de adormecer. De fato, ele pede a Molly que lhe traga o café da manhã na cama, fato inusitado que não ocorria desde a morte do filho Rudy, havia onze anos. Durante todo aquele tempo, fora ele que se incumbira dessa tarefa. Revela ainda este episódio que, embora não seja o modelo de virtude conjugal do original grego, Molly não é aquela mulher devassa e desonesta, decantada por alguns. É, na verdade, acima de tudo, uma criatura espontânea, romântica, extrema e inconformadamente solitária, assim como sedenta de carinho, que não receia dizer sim à vida e ao amor.

Referências

http://www.todayinliterature.com/

Ellman, Richard. James Joyce (1959).

Maddox, Brenda. Nora: Biography of Nora Joyce. Hamish Hamilton (1988).

Joyce, James. Ulisses. Círculo de Leitores (2010).

Esperando por Samuel Beckett

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Waiting For Godot e a importância da Resistência Francesa na literatura de Beckett

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Waiting For Godot traz referências das experiências de Beckett na guerra (Foto: Reprodução)

Durante a Segunda Guerra Mundial, o dramaturgo e escritor irlandês Samuel Beckett, famoso principalmente pela obra Waiting For Godot (Esperando Godot), um dos maiores clássicos do teatro do absurdo, foi um importante membro da Resistência Francesa, chegando a receber duas condecorações por serviços prestados em prol da humanidade.

Porém, antes da homenagem e do reconhecimento, Beckett por pouco não foi morto durante a guerra. No outono de 1942, um informante se infiltrou em seu grupo e forneceu valiosas informações aos nazistas, resultando na morte e na captura de muitos dos amigos do partisan irlandês. Percebendo que seu disfarce foi descoberto, Beckett e sua companheira Suzanne Deschevaux-Dumesnil vestiram seus casacos e deixaram o apartamento em Paris como se estivessem apenas saindo para uma caminhada.

Depois de dois meses vivendo em diversos esconderijos, o casal fugiu a pé em direção a uma remota montanha no sudeste da França. À época, eles andavam à noite e dormiam durante o dia. Até que se cansaram e optaram por esperar o final da guerra. Essa experiência marcou tanto a vida de Samuel Beckett que ele a usou como base para criar os dois personagens mais importantes de Waiting For Godot – Vladimir e Estragon.

Sobre a ideia do nome da obra, a hipótese mais aventada é a de que o irlandês um dia estava andando pelas ruas de Paris quando parou e perguntou a uma multidão o que eles estavam fazendo. “Estamos esperando por Godot”, disseram, em referência ao ciclista mais velho da Tour de France, e que ainda não havia passado por ali. “Ele escreveu uma das peças mais intrigantes do Século XX. Beckett nunca explicou o título dela. Ele preferia zombar de todos que tentassem explicar o seu significado”, comenta o escritor canadense e professor de literatura Steve King.

A verdade é que o dramaturgo era um exímio apreciador da privacidade, e não abria mão disso por nada. Também se tornou cético em relação à linguagem literária e passou a vida entre a agonia psicológica e filosófica. Há quem acredite que tentaram transformá-lo em um homem romântico, mas ele não era nada disso. “Não, ele não era um sujeito charmoso, caridoso ou com uma polidez típica do Velho Mundo. Na realidade, ele não fazia questão de saber o que as pessoas achavam de suas palavras ou de sua vida”, revela o escritor canadense.

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Peça estreou em 5 de janeiro de 1953 no Théâtre de Babylone, em Paris (Foto: Reprodução)

Waiting for Godot foi uma evasiva na vida de Samuel Beckett. Ele decidiu escrever a peça para se distrair e fugir de uma “horrível prosa” que estava concebendo em 1948. “Samuel Beckett queria criar algo divertido e fácil de produzir, uma obra para pagar as contas. Waiting For Godot não foi apenas uma mudança de ritmo e gênero, mas de linguagem. Ele esperava escrever a peça em francês para tentar desencadear algo novo”, comenta King.

A peça foi um divisor na vida do escritor. Um crítico chegou a dizer que, diante de Waiting For Godot, todas as peças francesas pareciam escritas com espinhos, não com canetas. Próximo da meia-idade, Beckett inovou ao aproximar o público da realidade do teatro do absurdo.

Com uma peça baseada em dois atos, e onde nada acontece duas vezes, os personagens mais parecem foragidos de um teatro de variedades. “É como se trancassem os Irmãos Marx, Charlie Chaplin e um palhaço em um horror tão absurdo que, sem nenhum tipo de antídoto, só restaria ao público as gargalhadas”, avalia Steve King.

Por anos, Suzanne Descheveaux-Dumesnil fez o trabalho que o dramaturgo depreciava. Ou seja, foi ela quem ofereceu a obra para mais de 40 produtores que se mostraram confusos e medrosos em relação à viabilização da peça. Quando realmente conseguiram encontrar alguém interessado no projeto, o desespero veio à tona através do elenco. Os atores sempre perguntavam o que Beckett queria dizer com os diálogos. E ele simplesmente encolhia os ombros, sem dar respostas.

Na noite de abertura, no dia 5 de janeiro de 1953, houve um burburinho sem precedentes no Théâtre de Babylone, em Paris. Os espectadores chegaram a disputar as cadeiras dobráveis de um café que ficava ao lado do teatro. Alguns qualificaram a peça como um embuste, uma fraude. Deixou muita gente confusa. Só que a maioria concordou com as impressões publicadas na primeira resenha: “Uma peça que faz jus ao nosso tempo”, escreveram.

Àquela altura, a pressão sobre Beckett cresceu muito. Todos queriam vê-lo, inclusive a imprensa e o diretor do espetáculo. No entanto, embora o escritor tenha comparecido a todos os ensaios, ele não prestigiou a estreia. Samuel Beckett desapareceu por duas semanas. Com o crescimento das controvérsias e da repercussão de Waiting for Godot, o dramaturgo foi cuidadoso e evitou a fama o máximo que pôde. “Estou cansado de todos esses mal-entendidos. Por que as pessoas têm que complicar uma coisa tão simples?”, lamentou.

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Samuel Beckett nasceu em Dublin, na Irlanda, em 13 de abril de 1906 e faleceu em Paris em 28 de dezembro de 1989.

Vivendo em Paris em 1937, o escritor sobreviveu por quase uma década traduzindo obras de outros escritores. Durante esse período, publicou alguns poemas, ensaios e seu romance Murphy, lançado em 1938, depois de tantas dificuldades para encontrar um editor que acreditasse em seu trabalho.

Entre seus melhores trabalhos estão Waiting For Godot, Murphy, Molloy, Malone Dies, The Unnamable e Endgame.

Diálogo da página 23 de Esperando Godot

POZZO – (Cortante) Quem é Godot?
ESTRAGON – Godot?
POZZO – Vocês me tomaram pelo Godot.
VLADIMIR – Oh, não senhor! Nem por um momento, senhor.
POZZO – Quem é?
VLADIMIR – Pois é um …, é um conhecido.
ESTRAGON – Mas, vamos, não o conhecemos quase.
VLADIMIR – Evidentemente…, não lhe conhecemos muito bem…; não obstante…
ESTRAGON – Eu, certamente, não lhe reconheceria.
POZZO – Vocês me confundiram com ele.
ESTRAGON – Bem…, a escuridão…, o cansaço…, a debilidade…. a espera…; reconheço…que por um momento… acreditei…
VLADIMIR – Não leve em conta, senhor, não faça caso!
POZZO – A espera? Então, esperavam-lhe?
VLADIMIR – Quer dizer…
POZZO – Aqui? Em minhas terras?
VLADIMIR – Não pensávamos fazer nada de mau.
ESTRAGON – Tínhamos boas intenções.
POZZO – O caminho é de todos.
VLADIMIR – É o que nós dizíamos.
POZZO – É uma vergonha, mas é assim.
ESTRAGON – Não HÁ NADA A FAZER.

Referências

http://www.todayinliterature.com/

http://www.samuel-beckett.net/speople.html

Bair, Deirdre. Samuel Beckett: A Biography. Vintage. (1978).

Fletcher, John. About Beckett. Faber and Faber, London (2006).

Beckett, Samuel. Waiting for Godot: A Tragicomedy in Two Acts. Grove Press (2011)

Balzac e o seu apetite voraz pela escrita

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A morte do escritor foi atribuída a uma parada cardíaca após muito café e tantas noites sem dormir

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Balzac: “Se eu não alcançar a grandeza com La Comédie humaine, vou pelo menos obtê-la de outra forma no fim de minha vida” (Imagem: Reprodução)

Os últimos meses de vida do prolífico escritor francês Honoré de Balzac foram tão agitados quanto todos os anos de sua vida, o que diz muito sobre a sua inspiração para criar 17 volumes de La Comédie humaine, além de muitos outros trabalhos. São obras que entraram para a história da literatura mundial e influenciaram autores como Marcel Proust, Émile Zola, Charles Dickens, Fiódor Dostoiévski, Henry James, Italo Calvino, Machado de Assis e Camilo Castelo Branco.

“A condessa polonesa com quem Balzac se correspondeu ao longo de seis anos se comprometeu em se casar com ele assim que ficou viúva. Mas ela preferiu agir com cautela quando soube das dívidas, decepções e apetites do autor”, narra o escritor canadense e professor de literatura Steve King. Ainda assim, faltando cinco meses para o falecimento do francês, a condessa Ewelina Hańska concordou com o casamento, declinando uma proposta também recebida do compositor húngaro Franz Liszt.

Ao saber da boa notícia, Balzac se apressou e a visitou em sua propriedade, onde ele esteve pela primeira vez em 1943 e ficou impressionado ao saber que ela possuía uma área de aproximadamente 21 mil acres, três mil serfs (escravos), 300 empregados, a sua própria orquestra e um hospital.  “Ele levou consigo quatro dúzias de pares de luvas para as belas mãos da condessa”, informa King.

Honoré de Balzac passou a maior parte da sua vida adulta oscilando entre os extremos da riqueza e da pobreza. Com peculiar personalidade, um dos motivos que o levou à falência foi sua tentativa em transformar sua casa em Paris numa fazenda de abacaxis. Ele escrevia incessantemente, tanto que seu médico atribuiu sua morte a um coração fraco que parou de funcionar depois de tantas noites sem dormir, consumindo grandes quantidades de café.

Balzac acreditava que todo ser humano tem a seu dispor uma finita reserva do fluido da vitalidade, e ela diminui de acordo com nossas ações e desejos. No caso do escritor francês, foi condenado a morrer precocemente por causa do seu apetite voraz pela escrita.

Mas não sem antes passar os últimos meses de vida buscando a realização pessoal. “Se eu não alcançar a grandeza com La Comédie humaine, vou pelo menos obtê-la de outra forma no fim de minha vida”, comentou Balzac já com a saúde debilitada, em referência ao casamento com a condessa.

A comédia humana ia além das obras de Balzac; era a sua própria vida. Para abordar os aspectos sociais nos seus romances, ele vagava à noite pelas mais famigeradas ruas de Paris, hábito que manteve por anos, assim como fez Dickens em Londres. Ele também gostava de sair de madrugada porque a prisão de devedores era proibida entre o pôr e o nascer do sol, e assim ele não corria riscos.

Como se a vida imitasse a arte, Honoré de Balzac foi enterrado no Cemitério do Père-Lachaise em um túmulo próximo de onde um de seus personagens mais famosos, o jovem Eugène de Rastignac, do romance Le Père Goriot (O Pai Goriot), derramou a última lágrima no velório do velho Goriot.

Trecho de O Pai Goriot (páginas 236-237)

Às seis horas, o corpo do pai Goriot desceu à cova, em torno da qual estavam os criados das filhas, que desapareceram com os religiosos logo que foi pronunciada a curta oração devida ao bom velho através do dinheiro do estudante. Os dois coveiros, depois de atirarem algumas pás de terra em cima do caixão, para ocultá-lo, ergueram-se, e um deles, dirigindo-se a Rastignac, pediu-lhe uma gorjeta. Eugênio revistou os bolsos e, não tendo encontrado nada, foi obrigado a pedir vinte soldos emprestados a Cristóvão.

Esse fato, tão insignificante em si mesmo, causou a Rastignac um horrível acesso de tristeza. Caía a tarde. Um crepúsculo úmido irritava os nervos. Eugênio contemplou a sepultura e enterrou nela sua derradeira lágrima de rapaz, aquela lágrima arrancada pelas puras emoções de um coração puro, uma dessas lágrimas que, da terra onde caem, se elevam até o céu. Cruzou os braços e admirou as nuvens. Vendo-o nessa atitude, Cristóvão o deixou.

Ficando só, Rastignac encaminhou-se para a parte alta do cemitério e de lá viu Paris, tortuosamente deitada ao longo das duas margens do Sena, onde as luzes começavam a brilhar. Seus olhos fixaram-se quase avidamente entre a coluna da Place Vendôme e os Invalides, no ponto em que vivia aquela bela sociedade na qual quisera penetrar. Lançou àquela colmeia sussurrante um olhar que parecia sugar-lhe antecipadamente o mel e proferiu esta frase suprema: — Agora, é entre nós dois! E como num primeiro ato de desafio à sociedade, Rastignac foi jantar à casa da sra. de Nucingen.

Saiba Mais

Honoré de Balzac nasceu em 20 de maio de 1799 em Tours, na França, e faleceu em Paris em 18 de agosto de 1850.

Entre suas principais obras estão La Comédie humaine, Eugénie Grandet, La Peau de chagrin, Le Père Goriot, Colonel Chabert, La Rabouilleuse, Le Lys Dans la Vallée, Illusions Perdues e Splendeurs et Misères des Courtisanes.

Referências

http://www.todayinliterature.com/

http://balzac-museum.com/

Graham, Rob. Balzac: A Biography – W. W. Norton & Company; Reprint edition (1996).

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Virginia Woolf e a improvável amizade com T.S. Eliot

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À época, Virginia e o marido se recusaram a publicar Ulysses, de James Joyce

T.S. Eliot e Virginia Woolf se tornaram amigos através da Hogarth Press (Foto: Reprodução)

T.S. Eliot e Virginia se tornaram amigos através da Hogarth Press (Foto: Reprodução)

“Acabo de terminar de formatar o conjunto do poema do Sr. Eliots [sic] com minhas próprias mãos. Veja como elas tremem”, escreveu a escritora britânica Virginia Woolf em 8 de julho de 1923, em carta endereçada a uma amiga. Ela se referia à finalização da versão britânica do poema modernista The Waste Land, do estadunidense T.S. Eliot, considerado um dos melhores do século 20.

Os tremores de Virginia, que à época tinha 41 anos, foram provocados pela exaustão causada pela dedicação em tempo integral a Hogarth Press, editora que ela fundou com o marido Leonard Woolf em Londres em 1917. O que é até curioso levando em conta que Virginia quis fundar uma editora como hobby, uma forma de ocupar o tempo no período da tarde e ajudá-la a lidar com a depressão. Também era um meio de dar uma oportunidade a novos escritores.

Mesmo que todos os livros da Hogarth não tenham passado pelas mãos dos Woolf, a verdade é que a popularidade de Virginia e sua editora cresceu tanto que logo sua casa ficou muito movimentada e seu tempo dedicado à escrita foi preenchido completamente.

A prensa era operada na despensa da residência enquanto os livros eram encadernados na sala de jantar. A sala de estar era usada na realização de entrevistas com escritores, encadernadores e operadores de prensa, de acordo com a autobiografia de Leonard Woolf publicada em 1967.

Em 1923, o trabalho da editora foi qualificado pelo marido de Virginia como uma tentativa de fazer o impossível. E assim eles assumiram o compromisso de não abandonar a Hogarth Press nem vendê-la. No entanto, Virginia foi se desinteressando pelo trabalho até que em 1938 ela vendeu sua parte na sociedade. Leonard ainda continuou trabalhando como gerente de negócios até 1946, ano em que a Hogarth Press se tornou associada da Chatto & Windus, uma das mais importantes editoras britânicas da era vitoriana.

Embora tenham recusado a publicação de Ulysses, de James Joyce em 1918, o casal Woolf publicou nomes como Vita Sacksville-West, John Maynard Keynes, Robert Graves, Katherine Mansfield, Clive Bell, C. Day Lewis, E.M. Forster e Christopher Isherwood. Todos os escritores tornavam-se amigos deles, inclusive o genioso T.S. Eliot, com quem Virginia, que também era uma autora de personalidade recheada de ambiguidades, teve momentos conflituosos.

A Hogarth Press publicou pela primeira vez um trabalho de Eliot em 1919, e o mais intrigante é que um diário de Virginia com data de agosto do mesmo ano trouxe interessantes informações registradas após um jantar. Nele, ela declara que ainda não via o poeta estadunidense como um amigo, mas se divertia ao notar como ele era perspicaz e fazia questão de demonstrar que não gostava dela.

A intimidade do casal com T.S. Eliot só evoluiu no início dos anos 1920, quando o poeta deixou de ser pomposo e pedante, segundo Leonard Woolf. Um dia, caminhando pelo jardim da casa dos Woolf, Leonard se afastou deles para ir ao banheiro. Quando retornou, encontrou Eliot constrangido e chocado. Acostumado às convenções e formalidades, o autor nunca se viu numa situação como aquela. “Tom disse que nunca seria capaz nem de se barbear na presença da própria esposa”, escreveu Leonard Woolf em sua autobiografia.

Por outro lado, Virginia registrou em seu diário que Eliot não mostrou a menor inibição quando pediram para que ele declamasse a segunda parte de The Waste Land ao final de um jantar. E assim ele o fez:

Que hei de fazer agora? Que hei de fazer?

Vou sair tal como estou, e andar pela rua

Com o cabelo solto, assim. Que havemos de fazer amanhã?

Que havemos de fazer alguma vez?

A água quente às dez.

E se chover, um carro coberto às quatro.

E jogaremos uma partida de xadrez,

A apertar olhos sem pálpebras e à espera que batam à porta.

Referências

http://www.todayinliterature.com/

Woolf, Leonard. Downhill all the way: an autobiography of the years 1919–1939 (1st American ed.). New York: Harcourt, Brace & World (1967).

Bell, QuentinVirginia Woolf: A Biography. Rev. ed. New York: Harcourt Brace Jovanovich (1996).

T.S. Eliot. The Waste Land (1922) (Norton Critical Editions) 1st Edition (2000).

Dorian Gray e a homossexualidade de Oscar Wilde

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“De todos os homens na Inglaterra, sou o que menos necessita de propaganda”

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Relacionamento entre Wilde e Douglas custou a prisão do autor de O Retrato de Dorian Gray (Foto: Reprodução)

Sua frivolidade afeminada, sua insinceridade estudada, seu cinismo teatral, seu misticismo de mau gosto e sua filosofia irreverente estão deixando um rastro de vulgaridade espalhafatosa. Foi com estas palavras que os mais conservadores definiram o romance The Picture of Dorian Gray (O Retrato de Dorian Gray), do irlandês Oscar Wilde, quando a obra apareceu pela primeira vez em 24 de abril de 1891 em uma edição da Lippincot’s Monthly Magazine, sediada na Filadélfia, nos Estados Unidos.

Na revisão para a publicação do livro, Wilde atenuou um pouco a evidente homossexualidade e a decadência enquanto tema, mas adicionou comentários introdutórios que foram vistos como ofensivos na Inglaterra pós-vitoriana. Ele escreveu que não existe tal coisa como um livro moral ou imoral. Livros são bem escritos ou mal escritos. Isso é tudo.

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John Gray, poeta londrino que inspirou Oscar Wilde (Foto: Reprodução)

Se por um lado, o livro vendeu bem. Por outro, Wilde se viu obrigado a aperfeiçoar a sua arte do desprezo, já que as pessoas começaram a apontar o dedo para ele nas ruas, tornando-o um dos escritores mais controversos da época. Sua esposa, Constance Lloyd, reclamava que desde que Oscar escreveu O Retrato de Dorian Gray, ninguém mais queria falar com eles.

O escritor pouco se importou com o fato. “Eu acredito que posso dizer sem vaidade que, de todos os homens na Inglaterra, eu sou o que menos necessita de propaganda. Estou extremamente cansado de toda essa propaganda. Não sinto nenhuma emoção quando vejo meu nome no papel, porque escrevi o livro inteiramente para o meu próprio prazer. Sou indiferente ao fato dele se tornar popular ou não”, declarou Oscar Wilde na época.

O nome do protagonista, Dorian Gray, foi inspirado no poeta inglês John Gray, definido pelo também dublinense George Bernard Shaw como “um dos mais abjetos discípulos de Wilde”. “Independente de qual era a imagem que Gray pintou de sua relação com Oscar Wilde, ele mal tinha começado a assinar suas cartas como ‘Dorian’ quando foi espetacularmente substituído pelo lorde Alfred [Bosie] Douglas, um poeta que viria a ser a mais famosa e fatal atração de Wilde”, declara o escritor canadense e professor de literatura Steve King
Além de ser mais jovem, mais rico e considerado mais bonito que John Gray, Douglas, que era filho do Marquês de Queensberry, tinha lido o romance de Oscar Wilde 14 vezes, depois de tê-lo ganhado de presente de um amigo em comum com o autor irlandês. O seu primeiro encontro com Wilde ocorreu em junho de 1891. E o relacionamento escuso dos dois durou até 1896, quando Wilde foi condenado por ser homossexual. A prova usada em seu julgamento foi uma carta de amor de Oscar para Douglas, apresentada pelo Marquês de Queensberry.

O escritor negou sua homossexualidade até que a correspondência veio à tona. Por causa do escândalo, sua família se mudou para a Suíça e trocou o sobrenome para Holland. Condenado a dois anos de prisão por “indecência grave”, Wilde escreveu na cadeia a obra The Ballad of Reading Gaol (A Balada do Cárcere de Reading), eternizada através da citação: “Para cada homem que mata a coisa que ele ama.” Antes de falecer em 30 de novembro de 1900, aos 46 anos, Oscar Wilde passou os últimos meses de vida em completo abandono. Até mesmo Alfred Douglas virou-lhe as costas.

Saiba Mais

Oscar Wilde nasceu em Dublin em 16 de outubro de 1854.

Suas obras mais notáveis são The Picture of Dorian Gray, The Importance of Being Earnest, The Happy Prince and Other Tales e Salome.

Trecho de O Retrato de Dorian Gray (Página 59)

As cenas pintadas eram o meu mundo. Eu não conhecia nada além de sombras e acreditava que fossem reais. Você veio – oh, meu belo amor! – e libertou minha alma da prisão. Você me ensinou o que a realidade é, de fato. Esta noite, pela primeira vez em minha vida, vi além do vazio, do blefe, da puerilidade, da oca cerimônia que eu sempre interpretei. Esta noite, pela primeira vez, me tornei ciente de que Romeu era horrível, e velho, e pintado, que a luz da lua sobre o pomar era falsa, que o cenário era vulgar e que as palavras que eu tinha de falar eram irreais, não eram as minhas, não eram o que eu queria dizer. Você trouxe algo mais elevado, algo do qual a arte é apenas um reflexo. Você me fez entender o que é realmente o amor. Meu amor! Meu amor! Estou farta de sombras. Você é mais para mim do que toda arte pode ser. O que tenho eu a ver com as marionetes de uma peça? Quando cheguei esta noite, eu não podia entender como foi que tudo isso fugiu de mim. Subitamente, o significado disto amanheceu em minha alma.

Referências

http://www.todayinliterature.com/

Pearce, Joseph. The unmasking of Oscar Wilde. Ignatius Press, 2004.

Oscar Fingal O’Fflahartie Wills Wilde, Alfred Waterhouse Somerset Taylor, Sexual Offences > sodomy, 20th May 1895“. Old Bailey Proceedings Online. Acessado em 3 de junho de 2016.

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Sophia, uma mulher por trás de “Guerra e Paz”

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Título da obra mais importante de Liev Tolstói também definia o relacionamento do autor com a esposa

Liev Tolstói e sua esposa Sophia, também sua companheira de trabalho (Foto: Reprodução)

Liev Tolstói e sua esposa Sophia, também sua companheira de trabalho (Acervo: Corbis)

A imagem completa da vida humana, do zeitgeist russo, da história de luta das nações, de tudo que as pessoas consideravam como felicidade, grandeza, tristeza e humilhação sintetiza o significado e a importância do romance “Guerra e Paz”, do escritor russo Liev Tolstói, lançado em 17 de dezembro de 1867.

O anúncio do lançamento da obra que se tornou quase que imediatamente um dos maiores romances da história da literatura foi feito no Moscow News. Os quatro volumes foram vendidos ao preço de sete rublos. Os três primeiros foram entregues com um cupom para o quarto. Os leitores descobriram que viriam mais novidades nos próximos dois anos.

A repercussão da novela de Tolstói foi tão grande que os russos varreram as estantes das livrarias, inclusive para presentear amigos e depois trocarem cartas em que revelavam suas impressões dos personagens. Tolstói dizia que o livro consumiu cinco anos de sua vida, e a obra não era resultado de sua imaginação, mas sim de algo arrancado de suas entranhas. Naquela época, ele e Sophia eram recém-casados. Ela tinha 18 anos e ele 34. Para ajudá-lo, a jovem passava noites sob luz de velas decifrando e transcrevendo os manuscritos de Tolstói.

Além disso, também assumiu a responsabilidade de avaliar a obra e os sentimentos que ele transmitia por meio do livro. Como o russo era um escritor compulsivo e detalhista que não possuía uma boa caligrafia, Sophia teve de reescrever “Guerra e Paz” sete vezes até chegar à versão final. E ela fez tudo isso na esperança de ter um filho com ele. Mais tarde, também desempenhou o papel de secretária, revisora e gerente financeira enquanto o marido escrevia Anna Karenina, lançado em 1877.

Primeira edição integral de Guerra e Paz em russo (Foto: Reprodução)

Primeira edição integral de Guerra e Paz em russo (Foto: Reprodução)

Mas o relacionamento dos dois não era baseado somente em cumplicidade. Quando Liev Tolstói começou a escrever “Guerra e Paz”, Sophia registrou em um de seus diários a seguinte passagem: “Ele está escrevendo sobre a condessa fulana conversando com a princesa quem é. Insignificante”, reclamou. O autor russo se dedicou tanto ao livro que Sophia chegou a ortografar que ele provavelmente já “sentia o crime de matar na guerra”. Alguns pesquisadores afirmam que o casamento deles foi conturbado ao longo de 48 anos.

Em 1910, a saúde de Tolstói já estava bem debilitada, tornando-se uma recorrente preocupação familiar. Em seus últimos dias, pressentindo o pior, ele só escrevia e conversava sobre a experiência de morrer. Depois de muito tempo de renúncia ao seu estilo de vida aristocrata e adoção de uma vida simples, um dia ele saiu de casa com a intenção de se separar de Sophia. O motivo seria os ciúmes que ela começou a sentir quando testemunhou a atenção que o marido dispensava aos seus discípulos.

Talvez com razão e talvez também houvesse um motivo a mais, já que alguns pesquisadores apontam que alguns seguidores mais próximos de Liev Tolstói passaram a exercer influência sobre ele. Na fuga de 20 de novembro de 1910, aquele que foi considerado o homem mais famoso da Rússia faleceu em decorrência de pneumonia na Estação Ferroviária de Astapovo, na Província de Riazan, e talvez imerso na solitude final.

Trecho de “Guerra e Paz” – Volume I (Página 467)  

Pedro, silencioso, olhava, assombrado, o amigo, sem poder apartar os olhos dele, aturdido com a mudança que nele se operara. As suas palavras eram acolhedoras, tinha o sorriso nos lábios, mas aos olhos apagados, como mortos, por mais que fizesse não conseguia comunicar-lhes sombra de alegria. Não que tivesse emagrecido ou estivesse pálido, mas aquele seu olhar e aquela sua fronte sulcada de rugas, sinal de pensamentos concentrados, impressionavam Pedro e causavam-lhe como que uma sensação de repulsa, uma vez não habituado a vê-los no amigo.

Como sempre acontece depois de uma longa separação, não foi fácil encetarem desde logo uma boa conversa. As perguntas e as respostas eram breves, posto abordassem assuntos de que tanto um como outro estavam certos de ser dignos de mais larga explanação. Mas, por fim, voltaram a tratar dos assuntos a que apenas se haviam referido abreviadamente: o passado, os seus planos de futuro, a viagem de Pedro, as suas ocupações, a guerra, etc. A preocupação e o abatimento que Pedro notara no olhar do seu amigo refletiam-se agora mais pronunciadamente no sorriso com que ele acolhia as tiradas de Pedro, especialmente quando o ouviu falar com jovial emoção do passado e do futuro.

Obras mais importantes de Liev Tolstói

“Guerra e Paz”, “Anna Karenina”, “Confissão”, “O Reino de Deus está em Vós” e “Ressurreição”.

Saiba Mais

Liev Tolstói nasceu em 9 de setembro de 1828 em Yasnaya Polyana, a 12 quilômetros de Tula, na Rússia.

Sophia Andreyevna nasceu em 22 de agosto de 1844 e faleceu em 4 de novembro de 1919. Ela teve 13 filhos com Liev Tolstói, mas somente oito sobreviveram à infância.

Referências

http://www.todayinliterature.com/

V.G. Chertkov, The Last Days of Tolstoy. William Heinemann 1922.

Tolstaya, S.A. The Diaries of Sophia Tolstoy, Book Sales, 1987.

Drácula, vegetarianismo e o homoerotismo de Bram Stoker

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Embora o livro seja conhecido no mundo todo, ele não trouxe fortuna ou sucesso ao autor dublinense

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“Em seu último ano de vida, ele ganhou tão pouco escrevendo que teve de recorrer ao Fundo Real Literário” (Foto: Reprodução)

Autor de três livros de contos, quatro livros de não ficção e 12 romances, o escritor irlandês Bram Stoker, contemporâneo de Oscar Wilde, sempre teve o seu nome associado à sua obra mais famosa – Drácula, publicada em 1897. Embora hoje o livro seja conhecido no mundo todo, a obra não trouxe fortuna ou sucesso ao autor dublinense. Nos seus últimos anos, ele ganhou tão pouco escrevendo que teve de recorrer ao Fundo Real Literário, segundo Paul Murray na biografia “From the Shadow of Dracula: A Life of Bram Stoker”, de 2004.

Bram Stoker encontrou um filão literário nas lendárias histórias de terror do século 18, quando contos sobre vampiros vieram à tona. Isso o motivou a trabalhar à sua maneira os mesmos elementos explorados previamente por Byron, Polidori, Goethe, Coleridge, Southey e Dumas.  Na literatura inglesa, o primeiro romance sobre o tema foi “The Vampyre”, do escritor inglês John Polidori, lançado em 1819.

A história surgiu por acaso quando Polidori estava hospedado na residência de Lord Byron na Vila Diodati, nas imediações do Lago de Genebra, na Suíça. Como choveu muito ao longo de três dias, Byron e seus convidados – Polidori, Claire Clairmont, Percy Shelley e Mary Wollstonecraft Shelley decidiram passar o tempo contando histórias. Ao final, o desafio era escrever um conto baseado nas histórias aterradoras que compartilharam. Uma curiosidade é que Byron e o casal Shelley eram vegetarianos.

Após a experiência, Polidori escreveu em apenas três manhãs a sua novela vampiresca inspirada em Byron e na narrativa de “Fragment of a Novel”, de Byron, publicada em 1816. Naquele tempo, Lord Byron condenava ostensivamente os excessos da burguesia na matança e na comilança de animais. Reação que foi poetizada em um excerto de “Canto XVIII”, de “Don Juan”.

Já Mary Wollstonecraft, com a colaboração de Percy Shelley, produziu a partir daquele encontro a obra que se tornaria uma das mais influentes da literatura gótica – “Frankenstein, de 1818.  No livro, Mary moldou um anti-herói vegetariano que nada mais é do que o ser humano em seu estado mais impermisto e natural. A maior prova disso é que ainda isento dos vícios da civilização, o monstro vive na floresta, onde se alimenta estritamente de bagas e oleaginosas, não de carne, já que ele não vê sentido nem necessidade em matar animais para se alimentar.

Décadas mais tarde, Bram Stoker , influenciado por aquele encontro de escritores vegetarianos em 1818, na Vila Diodati, às imediações do Lago de Genebra, na Suíça, encontrou especialmente na história de Polidori, inspirada em Byron, uma inspiração para “Drácula”, de acordo com “Vampyres: Lord Byron to Count Dracula”, de Christopher Frayling, lançado em 1992.  Isso significa que o famoso personagem da cultura popular mundial foi inspirado em um controverso poeta britânico que não se alimentava de animais, já que segundo a biografia “Life of Lord Byron: with his letters and journals”, de Thomas Moore, em uma carta com data de 1811, Byron afirmou que havia se tornado vegetariano há vários anos.

Há biógrafos que defendem que Bram Stoker também levou para a literatura as suas insatisfações pessoais, como a sua velada homossexualidade, também partilhada por Wilde. Possivelmente, além do Byron de Polidori em “The Vampyre”, “Drácula” foi influenciado pelo relacionamento complexo e conturbado de Stoker com o famoso ator  inglês Henry Irving, de quem foi amigo e agente. Quem lê o livro com atenção percebe que “Drácula” manifesta uma transferência homoerótica, além de exercício de domínio e possessividade – como na passagem em que Drácula “defende” o personagem Jonathan Harker de três mulheres e afirma:

“Este homem pertence a mim!”, que, assim como inúmeras passagens, sustenta a perspectiva do vampiro de tê-lo numa relação de subserviência implicitamente sexual e existencial. O homoerotismo de “Drácula” não é nenhuma novidade entre pesquisadores da vida e obra de Bram Stoker. Barbara Belford escreveu a respeito na biografia “Bram Stoker: A Biography of the Author of Dracula,” de 1996; assim como Brigitte Boudreau em “Libidinal Life: Bram Stoker, Homosocial Desire and the Stokerian Biographical Project”, de 2011; e David K. Skal em “Something in the Blood: The Untold Story of Bram Stoker, the Man Who Wrote Dracula”, de 2016. Claro, além de outros diversos autores e pesquisadores.

Primeira edição de Drácula, lançado em 1897 (Foto: Reprodução)

Primeira edição de Drácula, lançado em 1897 (Foto: Reprodução)

Saiba Mais

Importante nome da literatura da era vitoriana, Bram Stoker nasceu em Dublin, na irlanda, em 8 de novembro de 1847 e faleceu no dia 20 de abril de 1912 em decorrência de sífilis terciária.

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