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Bryan Adams: “Se você ama os animais, não os coma”
“Me oponho ao uso de peles de animais e a qualquer outro tipo de produto que use animais”
Considerado um dos artistas mais bem-sucedidos da história da música, o canadense Bryan Adams, que emplacou sucessos internacionais como “Everything I Do”, “Summer of 69″, Heaven” e “Please Forgive Me”, abandonou o consumo de carne em 1988, depois de comer um grande bife e sentir-se muito mal. “Aquele foi o fim para mim. Nunca mais”, contou em entrevista à June Bird, da organização Animal Liberation Front (ALF) em abril de 2000.
A partir daquele dia, Adams se afastou cada vez mais dos velhos hábitos alimentares. “Se você ama os animais, não os coma. Me oponho ao uso de peles de animais e a qualquer outro tipo de produto que use animais. Não como eles, e não me visto com eles”, declarou em entrevista à Peta.
O compositor, que também é guitarrista, produtor e fotógrafo, tornou-se um ativista pelos direitos animais quando abdicou do consumo de carne. A primeira grande campanha de sucesso que contou com a sua participação foi a construção de um santuário de baleias na Antártica na década de 1990. “Distribuímos 500 mil cartões postais pedindo que as pessoas escrevessem a favor do santuário e encaminhassem cada cartão para diferentes líderes governamentais para votarem a nosso favor. E isso funcionou”, contou à ALF.
A aproximação de Bryan Adams com ações em defesa dos animais sempre lhe trouxe lembranças dos seus companheiros caninos na juventude. “Eles se tornaram parte da família. Ajudaram a moldar a minha compaixão. Também amo cavalos, então não é difícil apreciar a beleza e inteligência das outras criaturas. Eu nunca tinha analisado a crueldade animal na totalidade quando eu era jovem. Mas a partir do momento que comecei a entender o que ocorre na nossa relação com os animais, fui para um caminho fez com que eu me tornasse vegano”, informou.
O músico perdeu as contas de quantas pessoas influenciou a tornarem-se vegetarianas e veganas ao longo dos anos. “Consegui com muita calma convencer a minha mãe, meu irmão e minha banda. Todos eles se tornaram vegetarianos. Veganos têm muitas opções, que incluem massas, sopas, assados, pizzas, saladas e batatas. São infinitas as opções”, enfatizou.
Outro ponto positivo é que Bryan Adams conseguiu se livrar de muitas alergias, como eczema, que o acompanharam por muitos anos. Dentro de duas semanas consumindo frutas pela manhã, e nada mais, elas desapareceram. “Achei que essas alergias me acompanhariam por toda a minha vida. Isso nunca mais retornou. Outra coisa brilhante é que por causa desse estilo de vida nunca mais tive problema de peso, e definitivamente tenho mais energia do que a maioria das pessoas que conheço”, assegurou à June Bird.
O músico também tem ojeriza por circos que usam animais e odeia fazendas industriais, o fato de que bovinos, suínos e aves são confinados para sanarem um prazer efêmero humano, que é o consumo de carne. “As pessoas contraem tantas doenças comendo carne, principalmente câncer no intestino. Na Grã-Bretanha eles alimentavam os animais com excrementos, e foi assim que a doença da vaca louca começou”, lamentou à Animal Liberation Front.
Segundo Bryan Adams, é muito fácil para as pessoas irem ao mercado, comprarem um hambúrguer e simplesmente virarem as costas para a realidade em torno daquele pedaço de carne. “Um dia, aquilo fez parte de uma vaca viva. As pessoas não assimilam as duas coisas. Não compactuo com o assassinato de qualquer criatura, sejam focas, vacas, cães, qualquer animal. Sou totalmente contra”, ponderou.
Adams também se recordou que no passado as pessoas duvidaram que ele conseguiria ser vegano por muito tempo. E muitas dessas pessoas tornaram-se vegetarianas e veganas mais tarde. “Preciso de uma boa recomendação de restaurante vegano ou vegetariano. Sem molho de ostra para mim. Obrigado!”, disse à revista Time Out, de Hong Kong, quando estava em turnê em 16 de dezembro de 2016.
Saiba Mais
Bryan Adams nasceu em Kingston, Ontário, no Canadá, em 5 de novembro de 1959.
Lançou 14 álbuns entre os anos de 1980 e 2015. O disco “Reckless”, lançado em 1984, e que ficou em primeiro lugar na Billboard, é considerado um dos seus melhores trabalhos.
Ele também atua como fotógrafo da Peta.
Referências
http://www.animalliberationfront.com/Saints/Interviews/Interview%20with%20Bryan%20Adams.htm
http://www.peta.org/features/bryan-adams-animal-rights-vegan/
https://www.timeout.com/hong-kong/music/interview-bryan-adams-on-his-get-up-tour-and-returning-to-hong-kong
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Henrique Moura e o mundo caótico de Predo Bandeira
Artista de Paranavaí se dedica a produzir clipes e vídeos independentes de animação 2D
Aos 11 anos, Henrique Moura, idealizador da Oficina Raspa Língua, que trabalha com cinema independente de animação 2D, criou um personagem para entreter seus irmãos enquanto seus pais trabalhavam. A partir de micagens transformadas em encenações, nasceu Predo Bandeira, que virou personagem principal de uma história em quadrinhos e depois protagonizou muitos quadros, animações e clipes musicais. “Meus irmãos curtiam muito. Davam muitas risadas. Minha família sempre me incentivou a desenhar. Meu pai me deu muita cartolina, lápis de cor, essas paradas. Gostava de desenhar personagens de Dragon Ball, e o Predo acabava ficando mais oculto. Mas ele já era meu personagem, então eu seguia rabiscando”, conta.
Alter ego de Henrique Moura, Predo é definido pelo artista como a sua própria fuga. Porém, como na adolescência ele não tinha condições de lucrar com o personagem, começou a trabalhar com pintura em tela, criando paisagens, flores, casarios e “coisas depressivas”. “Eu odiava isso. Sempre odiei, mas era o que vendia. Como eu já participava de salões de arte contemporânea, eu fazia o Predo. Sempre gostei do anti-herói, o Predo é o anti-herói, um cara bem feio, peludão”, diz.
A ideia do nome é uma referência à palavra pedra, que tem relação com o fato do personagem ser um sujeito “casca dura”. E ele tem muita história. Morando no lixão, em um lugar chamado Casa do Caralho, Predo vive com um bode chamado Bregnight, um animal bem feio e “acabado” que fuma o tempo todo. “O Predo tem um filho, o Bandeirinha, que ele ama muito, assim como ama o seu bode. No mundo de Predo, não existe Diabo, Deus e Jesus, pelo menos não na concepção religiosa. O inferno é um bairro e o céu também. Eles vivem na Cidade de Saramago.
Enquanto observo um quadro grande em que Predo aparece sentado em uma poltrona, noto que sobre sua cabeça há quadros de Henry Ford e Frederick Taylor. Moura me explica que não é porque Predo vive afastado da cidade que ele é contra o capitalismo. “Ele achou esses quadros no chão. O Predo é um gorila domesticado, um proletário que ao mesmo tempo é proprietário, já que o lixão onde ele vive foi herdado de seus pais”, enfatiza.
Por fora, a casa de Predo se assemelha a um barraco, porém, do lado de dentro é tudo diferente. Ele tem uma área subterrânea onde se situa o seu paraíso, com direito à sala de ferramentas. “Tem um fuscão todo equipado com armas, amortecedores, tudo de melhor para suas aventuras. Também tem um puta computador. Ele é ‘ferrado’ de roupas, mas investe em outras coisas. O Predo é tanto herói quanto vilão. Pra você ter uma ideia, ele sofre de rinite e, quando acorda ‘atacado’, é capaz de matar alguém com uma bazucada. E rinite é uma coisa que eu tenho, então transferi isso para o Predo”, justifica.
Predo é divorciado de Padra desde que Henrique Moura tinha 12 anos. O artista argumenta que o personagem nunca quis viver com uma mulher, precisar de uma companheira ao seu lado. “A não ser para ter o filho. Ele tem amigos e tudo o mais, mas é um cara que vive no mundo dele. Ele gosta de cachaça e adora cigarro. Acabei criando ele como fumante porque não posso fumar, ‘pipoca’ toda a minha garganta. Pelo menos isso é bom pra minha saúde”, avalia rindo e balançando os braços.
A turma de Predo Bandeira inclui também o confuso Jesus, o contrabandista de armas Osama e Imétrio, um personagem que herdou o inferno do avô e fundou as Indústrias Fogo no Kiba, responsável por comercializar mármores no inferno. Por causa disso, Moura define ironicamente o sistema econômico do seu universo fictício e caótico como capetalismo. “Estou aqui falando contigo e o Predo também está aqui. Ele está em tudo que faço”, garante.
A história de Predo Bandeira e seus amigos compõe a série de animação “O Dia a Dia Pedreira de Predo Bandeira”, que já tem seis episódios prontos, com duração de dois a três minutos. “Predo é o livro da minha vida. Estou sempre escrevendo o roteiro dos episódios em um caderno. Só sigo devagar com a série porque atualmente a minha principal fonte de renda é a criação de clipes em animação para bandas e DJs. Mesmo assim, nunca deixo de incluir ele em todos os meus vídeos”, informa.
O primeiro clipe produzido por Henrique Moura foi “Plantando Ganja”, da banda de reggae Cidade Verde Sounds, de São Paulo. O vídeo tem mais de meio milhão de visualizações no YouTube. “Isso chamou a atenção para o meu trabalho, porque a partir daí surgiram novos convites. Hoje, atendemos clientes de todas as regiões do Brasil. Estou feliz porque era isso que eu queria, ser visto também fora de Paranavaí [no Noroeste do Paraná]. Cheguei num patamar em que posso trabalhar tatuado, cabeludo e barbudo. O que importa é o seu trabalho, isso fala por você. Isso é massa!”, comenta sorrindo.
Henrique comemora o fato de que seus clientes ficam felizes em divulgar o nome da Oficina Raspa Língua. Em 2015, outro motivo de celebração foi a produção do clipe “No Mato”, criado para a banda de samba-rock paraibana Seu Pereira e Coletivo 401. No mesmo ano, o vídeo se classificou na categoria “De Olho Neles”, no Anima Mundi, no Rio de Janeiro, um dos maiores eventos de animação do mundo. “Cara, é um festival tão importante que de lá sai até indicação para o Oscar. Fiquei quatro anos tentando ser selecionado. Foi surreal ver o Predo aparecendo assim pra gente do mundo todo. Foram exibidos 1,6 mil filmes de 45 países. Dentre os 373 escolhidos, fui um dos 102 brasileiros selecionados, uma conquista gigante pro Raspa Língua e até pra Paranavaí”, declara.
Enquanto conversamos, Moura me mostra alguns de seus clipes. Seus vídeos são recheados de informações e referências àqueles que o inspiraram como artista e empreendedor. Quem assiste cada vídeo só uma vez, acaba por não entender muito bem o objetivo do artista. É preciso estar atento aos detalhes. “Tem gente que acha que meus vídeos são feitos sob o efeito de algum tipo de droga. O Raspa Língua é a maior prova de que não é preciso nenhum alucinógeno para fazer um trabalho intenso e bem viajado”, pontua.
Nos últimos três anos, desde que a oficina se tornou uma empresa, o artista não para de trabalhar, nem nos finais de semana e feriados. Com uma rotina atribulada, Henrique produz pelo menos um clipe por mês. “Além disso, fiz games em parceria com um grande amigo de São Paulo, o Erick Yamato. Criamos o ‘Predonauta’ que está disponível na appstore da Apple. Eu assino a arte e a direção, e ele a codificação. No futuro, vamos lançar também games para Android. Por enquanto, nosso foco são animações 2D, clipes, ilustrações, games e vestuários. Temos uma grife com estampas exclusivas, além de canecas, adesivos. Mas vem muito mais novidades por aí”, promete.
E assim surgiu o Raspa Língua…
Na adolescência, Henrique Moura ficou extasiado quando viu o clipe “Clint Eastwood”, da banda virtual de trip-rock Gorillaz, lançado em 2001. “Gritei que queria fazer aquilo. Como em Paranavaí não havia cursos da área, anos depois decidi fazer cursos com profissionais de fora. Eu não precisava aprender a desenhar, mas sim a usar as ferramentas. Então descobri que alguns softwares fariam toda a diferença. Desde o início, minha intenção era jogar a minha pintura. Cara, pinto desde os sete anos, pintei a vida toda. Meu sonho era ver meu trabalho se transformando em animação”, confidencia.
A sua primeira escola, segundo ele, onde teve a oportunidade de começar a colocar seus projetos autorais em prática, tanto com desenho e pintura quanto com animação, foi o Centro de Atendimento Especial à Criança e ao Adolescente (Cecap), onde Henrique coordenava uma oficina de arte. “A diretora Líria Balestieri foi um anjo na minha vida, uma pessoa incrível a quem devo muito. Daquela oficina saiu o Gabriel Araújo que foi meu ajudante”, relata.
A ideia do nome Raspa Língua surgiu em Santa Catarina, quando Moura estava viajando com dois amigos. “A gente estava numa serra e ele falou pra eu tomar cuidado com o raspa-língua, uma planta que gruda na pele e esfola. Pedi pra ele me mostrar que planta era aquela. Aí pensei: ‘Que nome interessante! Pode ser algo que tira a sujeira de um lugar para colocar em outro. É isso que costuma acontecer com a sujeira, ela acaba indo pra outro lugar, não desaparece.’ Associei isso com a ideia do meu personagem Predo Bandeira, alguém que raspa a língua de tanto falar, alguém que solta sujeira quando fala, mas uma sujeira limpa”, revela.
Com o Raspa Língua e seus personagens peculiares, Henrique Moura busca enaltecer a diversidade humana e ao mesmo tempo a sinceridade de Predo em um mundo cada vez mais despersonalizado. “Hoje em dia, as pessoas se apagam muito por causa dos outros. Isso é triste. Já passei por isso e posso dizer que consegui redescobrir minha identidade com o Raspa Língua”, assegura o artista que também conta com a parceria de Luciana Moraes e da contabilista Andrea Marques.
Frases de Henrique Moura
“Predo é um cara sem papas na língua, contra o politicamente correto. É um cara que não suporta a hipocrisia. Tem dia que acordo e penso: ‘Hoje tô meio Predo.’ Creio que muita gente se identifica com isso.”
“As pessoas não sabem do Predo hoje, mas elas vão saber. Pode ser que isso aconteça quando eu estiver com 40 anos, mas ela farão uma ligação se eu continuar nesse ritmo intenso de trabalho. Elas vão viajar pra longe e lá vai ter alguma coisa que as faça lembrar de Predo Bandeira.”
“É legal ir num lugar, tirar foto com um cara que atrai mais clientes, o cara com sua camiseta, com boné do Raspa Língua. Que legal, tá em movimento o bagulho!”
“Lembro quando minhas charges do Predo saíam em uma coluna no Jornal do Bairro. Hoje, ele é meu carro-chefe, está nas camisetas do Raspa Língua, em tudo.”
Saiba Mais
Para assistir aos vídeos da Oficina Raspa Língua, acesse: http://raspalingua.com
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George Orwell, a redenção de um artista
As obras de Orwell revelam como ele se sentia em relação ao violento sistema em que estava inserido
Richard Walmesley Blair passou 35 anos trabalhando no Departamento de Ópio do Serviço Civil Indiano, uma agência do governo britânico que abalizava a produção de papoula no país. Mesmo assim, Eric Arthur Blair, que cresceu na Inglaterra sem a presença do pai, se dispôs a seguir um destino semelhante, ou seja, tornar-se um filho fiel do Império Britânico.
Aos 19 anos, Blair foi aprovado em sétimo lugar, de um total de 27 classificados, para ingressar como assistente da superintendência da Polícia Imperial Indiana na Birmânia. De acordo com o escritor e professor de literatura canadense, Steve King, o que Eric testemunhou mudou o rumo de sua vida.
“Suas novelas e ensaios revelariam como ele se sentia sobre o sistema de espancamentos, enforcamentos, vigilância e escravidão social em que estava inserido. Blair escreveu mais tarde que independente de tempo e treinamento, ele nunca conseguiu se sentir indiferente à face humana. Por isso, renunciou à função em 1927, depois de cinco anos de ‘trabalho sujo’”, explica.
Richard recebeu a decisão do filho com decepção, principalmente quando soube que seu desejo era tornar-se escritor. Eric iniciou sua jornada para alcançar um tipo peculiar de redenção por meio da literatura. Estava empenhado em se dedicar a um tipo peculiar de redenção. Como forma de compensação por tudo que viu e viveu na Birmânia, ele se colocou entre os oprimidos para tentar entender como era ser um deles.
Visitou minas e estaleiros, viveu com andarilhos e vagabundos, aceitou os piores trabalhos e passou fome. São experiências que deram origem ao seu livro de estreia Down and Out in Paris and London, de 1933, lançado no Brasil como Na Pior em Paris e Londres. O jovem autor não gostou muito da obra e antes de publicá-la decidiu adotar o nome George Orwell. Pensou também em outros nomes como P.S. Burton, identidade que adotou quando virou andarilho, Kenneth Miles e H. Lewis Allways.
Os 15 anos seguintes da vida do escritor foram dedicados a combater o totalitarismo e defender através de suas obras a forma mais genuína de socialismo. Quando se juntou à causa republicana na Guerra Civil Espanhola, eles queriam que ele contribuísse escrevendo, fazendo propaganda, porém o seu desejo era lutar. E foi o que conseguiu. A experiência o inspirou a escrever o livro Homage to Catalonia (Homenagem à Catalunha), de 1938.
Como voluntário, George Orwell participou de inúmeras incursões, ficando conhecido pela imprudência nos campos de batalha. E o que fazia dele um alvo fácil era a inexperiência e altura – ele tinha mais de 1,90m. Na primavera de 1937, Orwell quase morreu após levar um tiro na garganta.
“Durante a Segunda Guerra Mundial, como ele sempre sofreu com doenças brônquicas e pré-tuberculosas, teve de se contentar em atuar como guarda territorial, dando palestras sobre combate e cuidando de suprimentos de bombas caseiras que ele resguardou na sua própria casa, perto da lareira”, declara King.
Em 1940, o escritor pressionou o governo britânico para custear exibições do filme O Grande Ditador, de Charlie Chaplin, por toda a Inglaterra. Também fez uma campanha para distribuir armas, inclusive granadas, a cada morador, com a intenção de criar um exército civil capaz de se defender se necessário. “Um rifle pendurado na parede de um operário ou de um camponês é um símbolo da democracia”, escreveu George Orwell.
Depois dos 40 anos, Orwell percebeu que não viveria muito. A tuberculose piorou e ele continuou evitando repouso. Contrariando todas as recomendações, se mudou para a remota Ilha de Jura, na costa oeste da Escócia. Sua casa não tinha eletricidade e se situava a 12 quilômetros de uma estrada que só poderia ser alcançada a pé. E a loja mais próxima ficava a 40 quilômetros. Para piorar, sua esposa, Eileen O’Shaughnessy, faleceu repentinamente em 1945. Então o escritor teve de encarar a realidade de criar sozinho o filho Richard, um bebê que adotaram em junho de 1944.
Quando a guerra acabou, em 2 de setembro de 1945, ele começou a criar a sua novela mais famosa – 1984, até hoje considerada um dos maiores manifestos literários contra o totalitarismo. “Seus heróis vieram das fileiras das classes operárias porque ele acreditava que os horrores gerados pela polícia do pensamento, novilíngua e o ritual Dois Minutos de Ódio deveriam ser combatidos pelos Winston Smith do mundo, não pelos Winston Churchill”, enfatiza King.
Em 1946, Orwell tentou encontrar uma companheira que pudesse ajudá-lo a criar Richard, mas suas três propostas foram declinadas, até porque ninguém queria morar na isolada Ilha de Jura. Três anos depois, o escritor foi surpreendido por Sonia Brownell que aceitou se casar com ele. E ela admitiu que foi conquistada por uma frase: “Procuro uma mulher para ser viúva de um homem de letras.”
O romance distópico 1984 foi concluído em dezembro de 1948 e logo o estado de saúde de george Orwell piorou, tanto que acabou internado no The Costwold Sanatorium, em Gloucesterhsire, no sudoeste da Inglaterra. Quando seu editor o visitou em 21 de janeiro de 1949, eles decidiram que seria melhor mudar o título da obra, então chamada The Last Man in Europe (O Último Homem na Europa).
O New York Times Book Review definiu a receptividade do livro como esmagadoramente admirável, com gritos de horror que superaram os aplausos. Muitos viram o título como ameaçador, mas ele só foi escolhido porque 84 é o inverso de 48, ano em que Orwell terminou de escrevê-lo. Ele faleceu em 21 de janeiro de 1950, exatamente um ano depois da escolha definitiva do título.
Saiba Mais
George Orwell nasceu em 25 de junho de 1903 em Motihari, na Índia, e faleceu em 21 de janeiro de 1950, no University College Hospital, em Londres, na Inglaterra. Ele tinha apenas 46 anos.
Obras mais importantes de George Orwell
1984 (1949), Animal Farm (A Revolução dos Bichos – 1945), The Road to Wigan Pier (O Caminho para Wigan Pier – 1937), Homage to Catalonia (Homenagem à Catalunha – 1938) e Down and Out in Paris and London (Na Pior em Paris e Londres – 1933).
Passagens do livro 1984, lançado em 1949 (Página 63)
Era provável que houvesse milhões de proles para quem a Loteria era o principal senão o único motivo de continuar a viver. Era o seu deleite, sua loucura, seu anódino, seu estimulante intelectual. Quando se tratava da Loteria, até gente que mal sabia ler e escrever fazia intrincados cálculos e fantásticas proezas de memória. Havia um exército de homens que ganhava a vida graças à simples venda de sistemas, previsões e amuletos.
Winston nada tinha que ver com a exploração da Loteria, que era administrada pelo Ministério da Fartura, mas sabia (como sabiam todos do Partido) que em grande parte os prêmios eram imaginários. Na realidade, só eram pagas pequenas quantias, sendo pessoas inexistentes os ganhadores da sorte grande. Na ausência de qualquer intercomunicação real entre uma parte e outra da Oceania, não era difícil arranjar isso.
Mas se esperança havia, estava nas proles. Era preciso agarrar-se a isso com unhas e dentes. Quando se traduzia o pensamento em palavras, parecia razoável: mas quando se considerava os homens que passavam pela calçada, a ideia se transformava em ato de fé.
Referências
http://www.todayinliterature.com/
Taylor, D. J. (2003). Orwell: The Life. Henry Holt and Company.
Ingle, Stephen (1993). George Orwell: a political life. Manchester, England: Manchester University Press.
Crick, Bernard R. (1980).George Orwell: A Life. Boston: Little, Brown and Company.
“The Orwell Prize | Life and Work—Exclusive Access to the Orwell Archive”. Pesquisa realizada em 29 de maio de 2016.
A arte em papel de Jennifer Collier
Imagem de uma das muitas obras da artista britânica Jennifer Collier que cria tudo com papel. Ela aproveita livros e revistas já deteriorados ou descartados por causa de manchas de alimentos e bebidas. O trabalho lembra a técnica decorativa découpage, mas é ainda mais complexo.
Acesse: http://www.jennifercollier.co.uk
O Quintal Mágico de Sergio Torrente
“Não tinha como não transformar o lugar onde moro naquilo que vivo diariamente, a arte popular”
Em Paranavaí, no Noroeste do Paraná, quem passa pela Rua Antônio Felipe em direção à Praça dos Pioneiros se depara com uma residência bem chamativa à direita. É lá, no número 1676, que vive o artista popular Sergio Torrente. Num colorido cenário, Sergio prova que na vida poucas coisas são realmente descartáveis, ainda mais quando um artista tem a sensibilidade de dar um novo sentido até para objetos que cabem na palma da mão e já não funcionam mais, como um velho despertador à corda.
Depois de passar por uma sala, onde também fica o escritório de Torrente, vou mais adiante, atravesso a cozinha e a última porta da casa. Então encontro meu destino, o motivo da visita, o Quintal Mágico, dividido em três espaços. “Não tinha como não transformar o lugar onde moro naquilo que vivo diariamente, a arte popular”, justifica o artista sorrindo.
Entre pinceladas de tinta verde, amarela e azul, há três anos surgiu um palco e alguns bancos doados por uma igreja do Jardim São Jorge, agora pintados num azul anilado. Em pouco tempo, chegaram peixinhos, flores e gira-giras, penduricalhos criados por Sebastião Torrente, pai de Sergio, que hoje adornam uma bela e frutífera jabuticeira. “Começou a se transformar e vimos que ele estava mágico, então surgiu a ideia de dar o nome de Quintal Mágico, um espaço onde a arte popular floresce, onde artistas autorais podem se apresentar”, enfatiza.
Pelo local já passaram compositores locais como o próprio Sergio Torrente, Marquinhos Diet, Fernando Bana, Rogério Esquivel e João Henrique. Todos os fazedores de música de Paranavaí podem se apresentar no Quintal Mágico. Ao final da performance é passado um chapéu e quem quiser pode contribuir. “Tem que aproveitar o espaço que é nosso”, comenta. Depois peço que me leve até SáD´Zabumbê, onde uma pequena e estreita abertura no muro exige que cada convidado se abaixe para entrar, fazendo uma reverência ao rei, um boneco grande que tem pés no lugar das mãos e mãos no lugar dos pés.
Após sair de uma limítrofe cobertura de lona escura, piso no solo de SáD´Zabumbê, que é melhor aproveitado se você estiver descalço, sentindo a energia da terra. Há um palco bem rústico, que remete ao início da civilização, delimitado por duas ripas e um tronco fino. No muro se vê sapatos pendurados, uma analogia de que tudo que cobre os pés deve ficar suspenso. As trepadeiras também crescem livremente em várias direções. “A energia foi chamando”, acredita Sergio.
O local conta somente com a iluminação de uma fogueira, lampião ou luz de velas para criar um clima mais tribal, intimista e informal. Torrente não se preocupa com a ordem das coisas no ambiente, pois elas se ajeitam naturalmente. “Terminamos de tomar uma garrafa de vinho e simplesmente a colocamos aqui, junto com todas as outras que fazem parte de uma simbologia do sangue e da despreocupação”, revela e acrescenta que ao trocar a água pelo vinho o homem deixa de ser motivado pela razão e se guia pela emoção.
O palco de SáD´Zabumbê também foi criado para a encenação do espetáculo “Oração”, do renomado escritor, dramaturgo e cineasta espanhol Fernando Arrabal, de quem Sergio Torrente conseguiu autorização para a montagem da peça. “A minha ‘Oração’ tem direção do capixaba Wilson Coêlho, grande dramaturgo e pesquisador que possui os direitos do espetáculo no Brasil. Apresentei ‘Oração’ na versão original, em espanhol, em 2010 em três festivais na Argentina. Agora quero marcar uma reestreia para 30 a 40 pessoas, discutindo as questões da culpa e da des…culpa, da origem do conhecimento”, pontua enquanto empurra sobre o solo de SáD´Zabumbê um carrinho de bebê com três bonecos que fazem parte do espetáculo, representando Fídio, Lilbé e seu filho.
Por dois a três minutos, Sergio manipula os personagens, encenando em espanhol um fragmento criterioso de “Oração”, a busca do casal por um sentido em suas vidas. Em frente ao modesto palco há uma mamoneira envolta por fitas e uma pinheira. A primeira é uma árvore de recordações em que as fitas representam as histórias, a trajetória humana. “A vida nada mais é do que momentos de felicidade e esses momentos são criados por nós, seja na intenção de viver, ouvir coisas boas ou estar presente. E o Quintal Mágico celebra isso”, argumenta. Sobre o nome, SáD´Zabumbê é um neologismo da junção dos termos regionalistas “sassinhora” e “zabumbê” que juntos significam senhora felicidade. “Se você entrar por baixo, ela vai te levantar. A ideia aqui é manter o espírito de luz, a boa energia em alta”, defende.
A Ação B, o segundo e maior espaço do Quintal Mágico, que fica entre SáD´Zabumbê e a futura Fábrica de Brinquedos, possui um palco com três palmos de altura, usado para apresentações musicais de duas ou três pessoas. Foi construído a partir de cacos de telhas, sobras de lajotas, tijolos e outros restos de entulho. “Assim que mudei pra cá, fui limpando e colocando tudo num canto. Quando vi aquele monte de tranqueira feia pra danar, armei uns palanques, espalhei tudo isso e compactei. Assim surgiu outro palco”, narra.
Nas “Terças Encantadas”, a partir das 19h30, a diversão no local é baseada em prosa, viola, violão, risos e fogueira. “A gente brinca até as 22h, é o suficiente, até porque o vizinho tem que dormir e nós precisamos trabalhar no dia seguinte”, avisa. No sábado e no domingo os encontros começam às 15h e terminam por volta das 19h. O sinal de que o Quintal Mágico está aberto para quem quiser entrar são as luzinhas acesas na entrada da casa. “Viu a luz? É só vir pro fundo”, sugere.
O céu aberto permite que os convidados tenham um visão privilegiada da Lua e das estrelas enquanto se divertem em torno da fogueira. Nos finais de semana o Quintal Mágico convida todos a retornarem à infância, em rodas de brincadeiras e de cirandas, tocando tambores. “’Esta ciranda quem me deu foi Lia que mora na ilha de Itamaracá…’ E assim por diante. A gente pede que as pessoas se sintam à vontade, pisem no chão, façam coisas que não estão acostumadas a fazer todos os dias”, recomenda o artista que também pretende realizar rodas de congo e coco.
No terceiro espaço do Quintal Mágico, Sergio e o músico Rogério Esquivel vão coordenar pesquisas para a fabricação de brinquedos populares. A ideia é futuramente oferecer oficinas para adultos e crianças. “Queremos incentivar todo mundo a brincar como antigamente. Chegou a hora de desligar um pouco a TV, o computador e o celular. Aqui eles vão aprender a fazer um traca-traca, um mané gostoso – aquele que pula, um jogo de trilhas, damas. Enfim, joguinhos que meu pai brincava comigo quando criança e o pai dele brincou com ele”, explica.
Cada oficineiro vai assumir o compromisso de produzir três ou quatro brinquedos, feitos principalmente de materiais recicláveis, para doações em comunidades carentes. Além disso, o Quintal Mágico está recebendo brinquedos quebrados para serem consertados e doados. E como diz a letra da música de Torrente: “Uma cidade tem que ter uma canção, um santinho padroeiro para lhe dar proteção. E tem que ter uma bodega sempre aberta, uma cachaça esperta e um louco de plantão. Vamos fazer a nossa bodega aqui”, canta e informa Sergio.
Coordenada por Sol Púrpura, a bodega deve promover ainda mais a interação e a valorização mútua dos frequentadores do Quintal Mágico. “Em breve vamos oferecer pizza, docinhos caseiros, um vinhozinho, uma cachacinha artesanal, os penduricalhos do Seu Tião, brinquedos populares e o que vier. Todo mundo pode trazer alguma coisinha pra expor e vender, inclusive você. Precisamos de pessoas que venham somar, ajudar para que as coisas aconteçam”, declara.
Antes de eu ir embora, Sergio me serve um café fresco, abraça a viola, canta a plenos pulmões e toca percussão com os pés. A cantoria é acompanhada de uma interpretação singular repleta de trejeitos e caretas. A cada batida o chão treme, os objetos passeiam pela estante azul, os penduricalhos se agitam e as cores vibrantes nas paredes reforçam a alegria emanada de um cenário naturalmente festivo. “As cores, a brisa, o olho vibrando, tudo isso faz com que a alma cresça. É muito bom ver que você voltou com vontade de conhecer ainda mais o Quintal Mágico. É bacana. O Quintal Mágico, SáD´Zabumbê, já pegou você!”, anuncia ao notar a minha satisfação em divulgar a magia de um lugar que contrasta com a tecnologia e a célere realidade da vida urbana.
Saiba Mais
Para mais informações sobre os eventos do Quintal Mágico, curta a página no Facebook.
Uma vida em sintonia com a arte
Talise Schneider, a atriz e bailarina que há anos se dedica ao desenvolvimento cultural de Paranavaí
Em 1993, Talise Schneider tinha seis anos quando fazia frente aos outros alunos da Escola Municipal Elza Caselli, em Paranavaí, no Noroeste do Paraná, na hora de declamar nas comemorações do Dia das Mães e da Semana da Pátria. Foi assim, como numa brincadeira de criança, que começou a descobrir na arte uma maneira de transmitir impressões, pensamentos e sentimentos.
“Sempre gostei de teatro e dança. Sou fruto das oficinas de teatro da Casa da Cultura [Carlos Drummond de Andrade] com a atriz e professora Rosi Sanga e também das oficinas do Sesc com a atriz e professora Tânia Volpato. Ou seja, Cia. Oficinas e Grupo Tasp”, explica. Bailarina e atriz profissional, Talise se recorda com nostalgia das dezenas de espetáculos que encenou ao longo dos anos.
Entre os marcantes, cita “O Auto Popular de Romeu e Julieta”, da Cia. Oficinas; “Peter Pan”, “Refúgio das Fadas”, “O Grande Circo Paquita”, “O Mundo na Dança” e “La File Mal Gardé”, da Ballet Devant; “Sapo com Medo de Beijo”, da Vinil Cia. de Teatro, formada por integrantes do Médicos do Humor; “DiverCidade” e “Arte em Movimento”, da Varanda Cia. de Dança; “Ponto Azul”, com o grupo Cogitare; e “Bem Brasil”, “Dancing Movies”, “Dez Anos Dançando pra Você” e “Vem Dançar Comigo”, do Grupo de Dança Maria Teresa Fávero. “Foram muitos espetáculos. É até injusto listar apenas alguns”, admite.
Versátil, participou até de um grupo de viola da Fundação Cultural de Paranavaí e escreveu uma crônica publicada em um livro da escritora Cleuza Cyrino Penha. Na obra, Talise fala dos encontros que a vida proporciona. “Isso é o mais legal da vida. Acho que o que nos move são os encontros e as perguntas”, comenta com um sorriso cativante.
Baixinha e de fisionomia delicada, a artista admite que os seus maiores xodós são os grupos Médicos do Humor e Varanda Cia. de Dança. O primeiro foi fundado em 2008, após o resultado positivo de uma visita em que Talise e alguns amigos se vestiram de palhaço para visitar os pacientes da Santa Casa de Paranavaí. “Géssica Andrade, Jakeline Parron e Adauto Soares me incentivaram e juntos criamos o projeto Médicos do Humor que em julho completa sete anos trabalhando com a humanização”, comemora.
Aos finais de semana, a atriz se dedica exclusivamente ao Médicos do Humor que graças ao seu empenho possui dezenas de participantes. Além de qualificar os voluntários, Talise ministra aulas, coordena encontros e participa dos plantões no hospital, onde os acamados se distraem com brincadeiras e palavras de conforto da trupe. “Atendemos em média 200 pessoas a cada domingo. Já fizemos também visitas aos sábados em asilos, creches e eventos”, destaca.
Questionada se o Médicos do Humor já transformou vidas, Talise Schneider afirma que sim, principalmente a própria. Atribui à arte o seu desenvolvimento humano e o privilégio de ver os amigos que participam do projeto crescendo e “ganhando o mundo”. “Minha vida mudou bastante depois que entrei no grupo. Me tornei uma pessoa mais madura e melhor perante a sociedade graças à Talise. Tudo que ela faz tem um propósito maior. Ensina que você pode ajudar as pessoas e consequentemente ser ajudado”, garante um dos Médicos do Humor, Gustavo Peres.
A opinião também é dividida por Mariana Fusco que ingressou no grupo em 2009, quando se tornaram amigas após se conhecerem no curso de pedagogia da Faculdade Estadual de Educação, Ciências e Letras de Paranavaí (Fafipa). “A admiro muito pela sua preocupação com crianças hospitalizadas e sua disposição com a dança e o teatro. A considero mais que uma amiga, é uma irmã que sempre esteve presente em momentos de alegria e de tristeza”, comenta Mariana.
Talise agora está se preparando para ampliar a área de abrangência do Médicos do Humor. Além de abrir vagas para novos voluntários, vai criar campanhas e montar equipes para ajudar em comunidades carentes. “É um projeto que estimula o contato com pessoas em situações adversas. Temos a chance de conhecer histórias que moldam a nossa jornada, nos fazem avaliar onde estamos errando e o que podemos melhorar. Não tem nada melhor do que ver um projeto sair do papel e se tornar realidade”, enfatiza.
Com o Médicos do Humor, Talise Schneider conseguiu estreitar o relacionamento de muita gente com a arte. Quem antes não tinha o hábito de prestigiar eventos culturais, por exemplo, hoje não perde a oportunidade. “Estimulo todos a serem participativos. É gratificante vê-los assistindo espetáculos de teatro, dança e música. Percebo a grande diferença quando lembro que muitos nem conheciam o Teatro Municipal e a Casa da Cultura”, frisa.
“É uma menina artista, feita de inspiração, luta e coragem”
A bailarina e arquiteta Patrícia Romera relata que sempre quis participar de uma companhia profissional de dança, mas foi somente depois de conhecer Talise Schneider no Grupo de Trabalho (GT) de Dança de Paranavaí que acreditou na possibilidade do sonho tornar-se realidade. “Ela tem o dom de fazer os planos acontecerem. Foi assim que criamos a Varanda, inclusive o nome é uma ideia dela. É uma ótima parceira de criação em todas as horas, profissional exigente e sabe comandar um grupo”, revela.
O projeto deu tão certo que logo começaram a se apresentar em Paranavaí e em outras cidades do Paraná. “Até fomos selecionadas em um edital cultural do Sesi, uma grande conquista para nós”, avalia Talise que atualmente está empolgada com a montagem do espetáculo “Metade”, baseado na música de Oswaldo Montenegro. A intenção é comover o público com coreografias sobre medos, amores, loucuras e desejos. “Com movimentos e expressões, mostramos as metades que somos em cada momento que vivemos”, poetiza a bailarina que também está realizando pesquisas com a Vinil Cia. de Teatro e deve estrear um espetáculo até o final do ano.
A bailarina e professora Cristiane Ferreira, proprietária da Escola de Danças Ballet Devant, uma referência na descoberta de talentos para a Escola de Dança Teatro Guaíra – de Curitiba, e Ballet Bolshoi Brasil – de Joinville, conta que Talise Schneider ingressou no ballet em 2007. “Foi depois que a convidei para fazer um dos personagens principais do espetáculo ‘Peter Pan’, quando ela interpretou o braço direito do Capitão Gancho. Me surpreendi com seu amor pela dança, tanto que ficou sete anos aqui, firme e forte, até se formar em ballet clássico. É muito dedicada como profissional, se entrega completamente”, garante Cristiane que vê na ex-aluna um grande futuro na dança contemporânea, modalidade com a qual Talise mais se identificou.
Além de atriz, bailarina e voluntária, a jovem também atua na Fundação Cultural de Paranavaí. Tudo começou em 2007, quando o seu talento garantiu uma oportunidade de ministrar oficinas de teatro e dança na Casa da Cultura Carlos Drummond de Andrade. Em 2011, se tornou assessora de projetos culturais e em 2013 foi promovida a gerente de desenvolvimento cultural. Hoje, Talise Schneider é diretora geral da Fundação Cultural, o que representa grande responsabilidade sobre o desenvolvimento da cultura de Paranavaí. “Amo muito o que faço. Gosto de ver as pessoas envolvidas no processo. Adoro as produções, bastidores e o frio na barriga antes de subir ao palco. Gosto de todos os segmentos artísticos, me identifico com tudo”, assegura.
De acordo com a bailarina Cristiane Ferreira, 90% de tudo que envolve o Festival de Dança de Paranavaí só é concretizado graças à dedicação de Talise. “Ela tem uma responsabilidade muito grande e consegue lidar com isso muito bem. Organizar um festival é bem mais complicado do que um espetáculo. Há muitas coisas que podem sair de controle e você precisa agir rápido”, pondera Cristiane.
A atual diretora geral da Fundação Cultural também teve papéis determinantes na realização do Festival de Teatro de Paranavaí e Festival de Música e Poesia de Paranavaí (Femup). Talise Schneider é presença constante nos eventos culturais locais. Sempre educada e sorridente, mesmo quando precisa trabalhar aos sábados, domingos e feriados. “É uma menina artista, feita de inspiração, luta e coragem. Faz trabalhos lindos de entrega ao próximo. Ela coloca não apenas o seu suor em cada movimento, mas toda a sua alegria e desejo de fazer cada vez melhor. Que o universo permita que ela continue nesse movimento sempre livre para o sucesso dela e da vida artística de nossa cidade”, elogia a atriz profissional e professora Rosi Sanga.
Frase de Talise Schneider
“A gente sempre tenta mudar o mundo, mas cada um tem um olhar diferente para mudar o mundo. A gente não sabe o que se passa dentro do outro, dentro das pessoas. Mas todo mundo pode agregar, ajudar…”
Depoimentos na íntegra
“A Talise gosta de participar, de se envolver. Lembro quando ela teve a ideia de criar a Varanda. Se empenhou muito e depois me convidou para ser a madrinha da companhia. Fiquei muito feliz. É uma pessoa que gosta de desafios e está sempre apta a superá-los.”
Cristiane Ferreira, bailarina e proprietária da Escola de Danças Ballet Devant.
“É difícil descrever o que você sabe e pensa de uma pessoa em poucas palavras. A Tali deve não saber, mas ela é figura fundamental em minha vida. Desde que entrei no Médicos do Humor e a conheci, minha vida mudou consideravelmente. Se pudesse resumir em uma palavra tudo isso, seria amadurecimento. Ter me tornado uma pessoa mais madura e melhor perante a sociedade, graças a outra pessoa que me influenciou a ser assim. Tudo o que ela faz, tem um propósito muito maior. Ela ensina que você pode ajudar as pessoas e consequentemente, ser ajudado. Ela mostra que você é capaz de fazer coisas que achava não ser capaz. Isso é dom pra poucos. Eu a amo muito e agradeço demais por tudo o que faz por mim. Sempre.”
Gustavo Peres, integrante do Médicos do Humor.
“Em 2009, na faculdade, cursando pedagogia conheci uma grande pessoa por quem tenho um imenso carinho. Na época, ela já desenvolvia o trabalho com o grupo Médicos do Humor, do qual comecei a fazer parte no mesmo ano. Conheci um pouco mais dessa pessoa e comecei a admirá-la por sua relação com a arte. A considero mais que uma amiga, como se fosse uma irmã e que esteve sempre presente em momentos de alegria e de tristeza. Nunca faltei a uma apresentação dela. Me recordo que no ano passado em sua formatura de ballet, eu estava em uma viagem com a escola onde trabalho, e demoramos para voltar. Cheguei em casa e me arrumei em 10 minutos para não perder sua dança de formatura, pois se perdesse ela me mataria. Essas foram suas palavras ao telefone. É apenas uma lembrança de muitas histórias, vivências e cumplicidade que compartilhamos. Sei que posso contar com ela a qualquer momento e sei que este sentimento é recíproco.”
Mariana Fusco, integrante do Médicos do Humor.
“Conheci a Talise por volta de 2009, através da Cristiane Ferreira, da Ballet Devant, quando começamos a dançar juntas nos fins de semana. Em 2011, nos aproximamos mais e em 2012 algumas circunstâncias na vida da Talise mudaram e nós fomos morar juntas. Foi nesse período que comecei a conviver realmente com ela e foi muito tranquilo. Nosso relacionamento era baseado em valores comuns e zero julgamento das atitudes uma da outra. Sempre se pode contar com uma opinião sincera vinda da Talise, mesmo que não seja a que você quer ouvir. Na época em que fomos morar juntas, foi reorganizado o GT de Dança de Paranavaí e éramos membros. Sempre sonhei em participar de uma companhia profissional de dança. No GT, a Talise começou a compartilhar desse sonho comigo e a ver possibilidades de realizações. Esse é o bom de sonhar junto com a Talise! Se eu sonho sozinha, eu continuo sonhando e esperando as coisas um dia acontecerem. Se eu sonho com ela, as coisas se tornam realidade. Esse é o dom dela! Foi a Talise junto com o Amauri Martinelli [atual presidente da Fundação Cultural de Paranavaí] que tornou possível a criação do grupo Varanda (nome que foi ideia dela inclusive). Além de amiga doida, oponente de conteúdo para discussões profundas e parceira de criação em todas as horas, ela é profissional exigente e sabe comandar um grupo para fazer as coisas acontecerem; seja para realizar um trabalho filantrópico com o Médicos do Humor, ajudar um amigo num momento difícil, como o bailarino Mario Gilberto, ou para organizar um grande evento como o Festival de Dança de Paranavaí. Em qualquer momento, fazer parte da equipe da Talise é garantia de diversão, respeito pelo trabalho dos outros, tranquilidade e confiança na liderança e parceria, sempre! Também é uma pessoa espontânea, cheia de projetos e disputada entre os muitos amigos apaixonados por ela.”
Patrícia Romera de Paula, bailarina e sócia da Varanda Cia. de Dança.
“Bem, o que falar de Talise? O que falar dessa menina artista? Digo que um artista não é feito só de talento, que essa moleca tem de sobra. Um artista é feito de inspiração, luta e coragem, qualidades que ela também tem. Vejo isso em sua dança. Ela coloca não apenas o seu suor em cada movimento, mas toda a sua alegria e desejo de fazer cada vez melhor. Vejo isso no seu trabalho com o Médicos do Humor, um trabalho lindo de bem ao outro, de entrega ao próximo. Que o universo permita que ela continue nesse movimento, sempre livre, sempre mais e cada vez melhor – para o sucesso dela e da vida artística de nossa cidade.”
Rosi Sanga, atriz profissional e professora de teatro.
Uma vida dedicada à música
Paulo Magalhães, um dos saxofonistas mais requisitados do Brasil nos anos 1960 a 1980
Em 1948, Paulo Magalhães Lima tinha seis anos quando saiu para comprar um doce com o pai. Naquele dia, dentre as opções por trás de uma vitrine, escolheu uma guloseima que veio colada a uma gaitinha. “Dei o doce a um colega e lambi o que sobrou em volta. Mesmo sem jamais ter tido contato com algum instrumento, toquei “Asa Branca” [de Luiz Gonzaga] e surpreendi meu pai”, conta.
Dias depois, muitos comerciantes de Itaguajé, no Noroeste do Paraná, o convidaram para tocar “Asa Branca” em troca de doces e presentes. O episódio transformou a vida de Paulo que descobriu a vocação para a música e se tornou um dos saxofonistas mais requisitados do Brasil nos anos 1960, 1970 e 1980.
A trajetória como músico começou muito cedo. Aos 13 anos, Paulão, como era mais conhecido no auge da carreira, tocou em seus primeiros bailes em Paranacity e Itaguajé, no Noroeste do Paraná, além de Porecatu, na divisa com São Paulo. “Não demorou e fiz meu primeiro carnaval em Guaraci [na região de Astorga]. Já toquei em 56 carnavais e o mais recente foi este ano aqui em Paranavaí e também em Goiás”, diz.
De 1950 a 1960, Paulo Magalhães se apresentou no Paraguai, principalmente em Coronel Oviedo, a 150 km de Assunção, com o respeitado grupo Los Ases del Ritmo. “Me desenvolvi como músico no quartel, na Banda do Primeiro Batalhão de Fronteira. Foi uma época boa porque saí de lá tocando melhor, lendo partitura e escrevendo, mas minha formação mais sólida veio do que aprendi nas boates e nas zonas”, afirma sorrindo.
A primeira experiência tocando em boate foi em Cascavel, no Oeste Paranaense, onde subiu no palco com Orestes, o primo trompetista. Naquele tempo, Paulão trocou a bateria pelo saxofone. “Lá, conheci o jazz e a bossa nova, os meus gêneros musicais preferidos”, garante. Mais tarde, morando em São Paulo, ao longo de dois anos fez shows em casas noturnas da Rua Augusta.
Na Boate Lancaster, considerada o templo musical da juventude paulistana, conheceu o célebre Hermeto Pascoal, de quem se tornou amigo nos anos 1960. Após o expediente, os dois reuniam alguns músicos para darem uma “palhinha” antes do dia amanhecer. “Foi o melhor momento da minha carreira. Nas boates, eu tocava o que gostava”, destaca. Em São Paulo, também se apresentou no icônico João Sebastião Bar, quando o local recebia artistas como Chico Buarque, Elis Regina, Cesar Camargo, Toquinho, Geraldo Vandré, Ana Lúcia, Claudette Soares, Pedrinho Mattar, Sambalanço Trio e Alaíde Costa.
Paulo Magalhães teve importantes passagens pela TV Tupi, Cultura, Bandeirantes e Record. Trabalhou com o diretor Luiz Aguiar e os maestros Osmar Milani e Edmundo Peruzzi. “Nos tempos da Tupi, toquei muito com o Manito, dos ‘Incríveis’, um clássico do rock brasileiro e da jovem guarda. Fiquei na TV até 1965, quando me mudei para Foz do Iguaçu”, relata. Lá, formou o grupo “Los Brasileños” que fez muito sucesso na Argentina.
No mesmo ano, Paulão trocou o clarinete pelo saxofone. De volta a São Paulo, entrou para a banda da famosa Boate Mugi, onde fez muitos shows com Martha Mendonça. Acostumado a se aventurar por novos projetos, voltou a Cascavel, onde a família morava, e fundou a banda Alta Tensão. “No final da turnê, larguei a banda e fiquei em Itumbiara, Goiás. Logo me chamaram para fazer parte da Orquestra da Chevrolet. Toquei com eles até 1968”, revela.
À época, as irmãs Nalva Aguiar e Norma Aguiar eram as cantoras da orquestra, até que Nalva foi convidada a fazer parte da banda do cantor Roberto Carlos. “Também recebi o convite. Trabalhei com ele até 1973, quando decidi ficar em Uberlândia, Minas Gerais. Um dia, me entregaram um recado do próprio Roberto Carlos me pedindo pra retornar, falando que precisava de mim. Não voltei porque não queria mais aquela vida”, declara.
Por causa da rotina atribulada, Paulo Magalhães enfrentou uma crise no casamento. E para piorar, mal tinha tempo para os dois filhos pequenos. “No fim, perdi a mulher e tive que cuidar das crianças”, enfatiza, deixando claro que até então não tinha vida pessoal, já que a banda fazia pelo menos 20 shows por mês.
Em 1977, se tornou o saxofonista do cantor português Roberto Leal, com quem trabalhou durante 13 anos e gravou 13 LPs. No auge da carreira, Paulão viajou por dezenas de países. Guarda muitas lembranças dos shows por todas as regiões do Brasil, além de Estados Unidos, Alasca, Bélgica, Canadá, Portugal, França, Inglaterra, Alemanha, Suíça, Luxemburgo, Áustria, Austrália e África do Sul. “Conheci muita gente e muitos lugares. Fiquei pertinho até de mafiosos italianos [prova o que diz mostrando uma foto]. Minha vida no Brasil só normalizou depois de 1990. Estava muito cansado e optei por sair da banda”, justifica.
Nos anos 1980, Paulão participou de trilhas sonoras de filmes. Um exemplo é “As Aventuras de Mário Fofoca”, de Adriano Stuart, lançado em 1982 e protagonizado por Cassiano Gabus Mendes. Na obra, o saxofonista aparece tocando, assim como no filme “O Milagre”, sobre a vida de Roberto Leal. Com muitas histórias para contar, Paulo Magalhães se recorda com carinho dos tempos de Mugstones.
Com a banda, um dos maiores clássicos do rock brasileiro dos anos 1960, gravou um LP, dois compactos e ficou em cartaz na Casa de Espetáculos Canecão, no Rio de Janeiro, por mais de seis meses. “Também fiz parte das bandas Flintstones, Fantômas, The Music of Society e muitas outras. Passei por diversos estilos musicais. Ainda me lembro de quando gravei alguns trabalhos com o Amado Batista”, acrescenta.
Embora não tenha lançado nenhum álbum solo, Paulão se orgulha de ter escrito pelo menos 100 músicas ao longo da carreira. Em Paranavaí e região, só para citar mais alguns nomes, integrou as bandas Condor, MR, Corpo e Alma, Cactus, Oásis, Santa Mônica e Fonte Luminosa. Lecionou na Casa da Cultura Carlos Drummond de Andrade e ensinou muita gente a tocar saxofone, trompete, clarinete e gaita.
“Não posso reclamar. Tudo que fiz na vida foi muito especial, então só tenho a agradecer”, comenta. Aos 72 anos, Paulo Magalhães continua na ativa, tanto como músico quanto professor de saxofone e trompete. Para entrar em contato com ele, basta ligar para (44) 9838-4581.
Frase de destaque
“Me tornei músico há muito tempo, mas ainda me considero um eterno aprendiz.”
Curiosidades
Paulo Magalhães Lima nasceu em Presidente Vensceslau, na região de Presidente Prudente, mas passou parte da infância e adolescência em Itaguajé, onde tocou bateria na Orquestra Continental de Itaguajé, sob regência do Maestro Lincoln.
Ao longo da carreira, Paulão teve o privilégio de conhecer Luiz Gonzaga, o homem que o inspirou na infância a tornar-se músico.
Miodrag Petrović e a arte que nasce da guerra
Quando a poesia humanista de um sérvio é capaz de eternizar soldados
Não faz muito tempo que a Biblioteca Nacional da Sérvia (Народна библиотека Србије) lançou um projeto da Coleções Europeana baseado na obra de Miodrag Petrović, um artista que acompanhou todos os passos do Exército Sérvio na Primeira Guerra Mundial (1914-1918).
Pouco conhecido no mundo todo, com exceção da Sérvia, parte do trabalho de Petrović só se tornou público após mais de 90 anos. Seus desenhos e pinturas são acompanhados de poemas e textos alusivos em que amplifica interpretações pessoais, recria metáforas e enigmas. Vez ou outra detalhava o que acontecia no momento de criação de cada imagem, como se reconhecesse a importância de confundir e ao mesmo tempo situar o espectador no contexto da guerra – em situações de conflito ou bastidores.
Para entender a pluralidade do trabalho de Miodrag Petrović é preciso primeiro saber um pouco sobre o seu passado. Nascido em 1888, começou a estudar arte ainda na infância. Mais tarde, migrou para a Alemanha, onde se aperfeiçoou na Academia de Belas Artes de Munique. Com a animosidade do pré-guerra, retornou para a Sérvia e se alistou no Exército. As boas qualificações lhe garantiram um raro reconhecimento como artista militar.
Petrović participou de várias batalhas ao redor de Belgrado em 1914, até que no inverno de 1915 o enviaram para Montenegro, Albânia e ilha grega de Corfu. Antes da guerra chegar ao fim, o artista tinha documentado muitas impressões e criado inúmeras obras das experiências em Tessalônica, na Grécia, e também nos hospitais das campanhas acirradas na Tunísia e Argélia.
Em 1919, Miodrag retomou os estudos de arte em Paris, onde trabalhou e conviveu com alguns dos mais importantes nomes da pintura francesa da época. Apaixonado pelas artes visuais, prosa e poesia, o artista que faleceu em Belgrado em 1950 desenhou, pintou e escreveu até os últimos meses de vida.
Uma de suas obras de maior repercussão é O Funeral no Navio-Hospital Divona, sobre a embarcação para onde eram transportados os soldados e oficiais sérvios e franceses – doentes e feridos na Primeira Guerra Mundial. Em um de seus trabalhos disponíveis na Biblioteca Nacional da Sérvia, Miodrag explica que em 1915 participou de uma missão no Divona para enviar a Bizerta, na Tunísia, os impossibilitados de lutar. “Dois de nossos soldados morreram durante a nossa viagem pelo Mar Mediterrâneo. Um estava ferido e o outro doente. Testemunhei seus corpos sendo lançados ao mar sob a noite enluarada”, contou.
No relato, diz que às 20h a lua cheia engrandecia o céu límpido. Os dois jovens mortos eram mantidos com a cabeça voltada às bordas do navio enquanto os pés miravam o mar. “Incrível como aqueles cadáveres estavam mentindo, cobertos com a bandeira francesa. Claro, a cor vermelha mais próxima do mar e o branco e o azul disperso, ao longe”, comentou. Para Miodrag, o mar estava especialmente azul-esverdeado, assim como o céu, com o acréscimo do brilho do luar que refletia na água com certa magia.
As lâmpadas da parte de trás do navio continuavam desligadas. Apenas uma pequena luz parcial do lado direito iluminava a cerimônia fúnebre capitaneada por um sacerdote. O homem vestido de preto e usando uma estola se voltou para os corpos e o mar quando começou a ler a bíblia em voz baixa, quase em silêncio. Logo atrás estava o capitão do navio, também trajando roupa preta e, pela primeira vez em toda a viagem, com a cabeça descoberta.
À esquerda do capitão, havia um oficial francês ferido e dois sérvios. Os corpos estavam ladeados por dois marinheiros à esquerda e dois à direita. “Era possível ver de longe o azul ao redor de suas cabeças, a cabeleira branca e o topete vermelho. Nossos soldados feridos e doentes vinham logo atrás, acompanhados por duas enfermeiras de branco com a cruz vermelha em torno de seus braços”, detalhou.
Enquanto a cerimônia era iluminada por uma trêmula e pálida luz amarela-esverdeada, os rostos de todos os presentes tinham o mesmo aspecto – de tristeza e solenidade. Assim que o padre terminou a oração, as enfermeiras sussurraram a Oração do Senhor. “Me recordo do padre dando alguns passos para trás, fechando a bíblia, virando-se para o capitão e falando: ‘Terminei’. Em seguida, o comandante fez um rápido sinal e se aproximou dos corpos”, confidenciou Petrović.
No discurso arquivado há quase cem anos, e muito bem preservado pela Biblioteca Nacional da Sérvia, o capitão disse o seguinte: “Camaradas, longe de sua terra natal, vocês deram o último suspiro neste fraternal barco francês. Vão para o outro mundo, confiantes de que seus filhos, esposas e pais muito em breve viverão a liberdade que vocês não puderam desfrutar. Adeus, camaradas. Adeus…Adeus…”
Ao final, o capitão deu um sinal e dois marinheiros levantaram uma parte do tabuleiro e os deslizaram em direção ao mar, onde os corpos afundaram com 30 quilos de ferro presos aos pés. Logo que os cadáveres se chocaram contra a água, um marinheiro soprou bem alto um apito. O ato foi seguido por cinco minutos de silêncio. “Mesmo que tenhamos enterrado tantos companheiros e visto milhares de defuntos, ainda assim era algo que tinha um impacto muito grande sobre todos, a ponto de ninguém ser capaz de dizer uma palavra”, revelou o artista militar.
Prosa, Poesia e a Nova Odisseia (Ulisses)
Em outra de suas obras, intitulada Prosa e Poesia, Miodrag Petrović apresenta um retrato peculiar e bucólico da guerra, baseado na imagem de um soldado sentado debaixo de uma bela laranjeira, abundante em frutos, tentando remover os piolhos que o incomodavam. “O percebi intoxicado pelo cheiro da laranja. As cascas se deitavam ao seu lado. Ele estava encantado com o céu azul e a superfície azul-esverdeada do mar por onde um barco colorido deslizava. Do outro lado da água, podia-se ver a costa da Albânia com as docas cobertas em neve. O rapaz gentilmente retirou o casaco e interrompeu os incômodos insetos aninhados. Tudo para não se distrair da poesia daquele momento”, escreveu Petrović.
Já a obra Nova Odisseia (Ulisses) nasceu de um episódio envolvendo o bombardeamento de um navio por submarinos alemães. A embarcação partia de Bizerta, na Tunísia, para a cidade grega de Tessalônica. Na tragédia, apenas um soldado sérvio, um senegalês e dois franceses – um soldado e um marinheiro – sobreviveram. Os quatro se salvaram graças a uma jangada feita de tábuas grossas, um recurso salva-vidas muito comum nos barcos da Primeira Guerra Mundial.
Chegaram a uma costa rochosa vestindo apenas trapos, morrendo de fome, sede e quase “azuis de frio”. “Só lhe restaram as túnicas de verão. Apesar da exaustão, ficaram muito felizes por sobreviverem depois de remarem tanto com as pernas”, enfatizou. Segundo a obra de Miodrag, o mar ficou extremamente agitado e os quatro só não morreram porque surgiram as nereidas.
Enquanto riam histericamente, as ninfas do mar os rodearam e puxaram a jangada em direção à costa, percorrendo pelo menos cem metros. Os sobreviventes estavam pálidos, assustados e confusos. Sentado sobre uma pedra, o soldado sérvio ficou com o olhar vagando em direção à pátria. Logo atrás, uma nereida em pé tocava uma harpa feita de madeira e cantarolava melodias expansivas, na tentativa de animá-lo. “O mar já estava calmo e o dia claro, mas perto das rochas havia apenas uma caverna”, narra o artista, deixando a interpretação livre.
A saga de um mineiro em Paranavaí
Sátiro Dias de Melo, do Vale do Jequitinhonha para o Noroeste do Paraná
Foi com um facão e um machado de quatro libras que o mineiro aposentado Sátiro Dias de Melo, de 91 anos, conquistou boa fama no Vale do Jequitinhonha nos anos 1930. Mais tarde, colocou o talento à prova no Paraná e Mato Grosso do Sul, onde outra vez surpreendeu pela habilidade na derrubada de mata.
“Tinha essa popularidade porque era bom no traquejo. Com 15 anos, poucos cortavam comigo, tinham dificuldade de acompanhar o ritmo”, conta Sátiro. O facão usado em Minas Gerais e Bahia nos anos 1930 e 1940 também veio ao Paraná na década seguinte. Dentro de uma mala, o instrumento viajou de trem e de ônibus até chegar a Paranavaí em 1952.
Nostálgico, enquanto acaricia o cabo e a lâmina do facão, o pioneiro diz que deixou marcas de corte até nas beiras dos rios Paraná e Paranapanema. “Ajudei a abrir cidades e estradas. Fui muito longe, trabalhei até do lado de lá, quando o Mato Grosso do Sul ainda era Mato Grosso. Ele ‘tá’ acabadinho, tem mais de 70 anos, mas até hoje funciona, é só dar uma afiada”, destaca sorrindo.
Uma carta de Paranavaí
Sátiro teve a primeira notícia de Paranavaí por meio de um ex-namorado da filha que lhe escreveu uma carta elogiando a cidade e contando sobre as oportunidades de trabalho. “Logo pensei: que nome! É quase o mesmo do estado. Deixei a nossa propriedade rural na Bahia e trouxe a minha mulher e dez filhos pra cá”, lembra. O trajeto foi percorrido de trem e de ônibus. Só de Maringá a Paranavaí a viagem durou um dia.
Logo que chegaram, conseguiram abrigo na Pensão da Dona Amélia, onde mais tarde foi construído o antigo Posto Moringão, na Rua Souza Naves. Chovia tanto que a primeira atitude de Melo foi levar todo mundo para se lavar. “Ficamos descalços porque tinha lama pra todo lado. A Dona Amélia viu que a família era grande e falou que pra ajudar faria um sortido pra gente em vez de cobrar o preço de costume por cada refeição”, relata.
Naquele dia, por azar, enquanto se prepararam para o jantar, um ladrão lhes furtou as malas e correu pelos fundos, invadindo quintais e saltando muros. O homem foi alcançado a algumas dezenas de metros do Terminal Rodoviário. “Só consegui recuperar graças a ajuda de um morador que se tornou meu amigo”, lembra o aposentado.
A vida na Fazenda Domingos de Almeira
Em 1952, quando começou a trabalhar na Fazenda Domingos de Almeira, o pioneiro acompanhou o caso de dois colonos que venderam uma vaca da propriedade para um açougueiro local. “Eles achavam que o Almeira nunca iria descobrir. Inventaram uma desculpa de que o animal tinha escapado, mas ele não acreditou”, relata. Para despistar o fazendeiro, a dupla pediu que enviassem uma caminhonete para buscar a vaca próxima a um riacho. Sátiro ouviu um diálogo suspeito e relatou ao administrador da propriedade. Foram até o córrego investigar o desaparecimento do animal e encontraram um bezerro abandonado.
À época, Paranavaí só tinha três açougues. No terceiro, identificaram a vaca pelo couro salgado nos fundos do estabelecimento. “O Edson, que era o gerente da fazenda, voltou para a colônia com a polícia. Foi um terremoto por dois dias. Só não prenderam os colonos porque eram casados e tinham filhos pequenos. Sem direito a nada, foram despejados em São João do Caiuá”, revela. Algum tempo depois, Melo começou a cuidar do gado da fazenda, inclusive entregava o leite ordenhado na cozinha da casa principal. A família ficou muito satisfeita porque tiveram a chance de morar em uma casa fora da colônia.
O preconceito contra os migrantes do Norte
Sátiro ainda se recorda do preconceito que sofreu quando morava perto de outras dezenas de colonos na Fazenda Domingos de Almeira. “Um dia, uma mulher disse para uma comadre cuidar muito bem das galinhas porque chegaram nortistas na colônia. Falou que baiano era tudo ladrão. Me deu vontade de ir embora daqui”, admite. Naquele tempo, muitos dos que deixavam os estados ao Norte para vir ao Paraná eram chamados de “nortistas”, até quem partia da região Sudeste.
O pioneiro atribui o preconceito às experiências negativas que os moradores tiveram com migrantes mal intencionados. Cita como exemplo ladrões e grileiros que buscavam “vida fácil” em vez de trabalharem. “Os bons que sofreram com isso. Lembro que era muito difícil uma pessoa que vinha do Norte conseguir comprar fiado. Vi muitos passarem fome enquanto esperavam o pagamento”, assegura.
A geada negra e o frio
Embora a geada que mais tenha marcado Paranavaí seja a de 1975, as duas anteriores nunca foram esquecidas por Sátiro. “A primeira foi a geada negra em 1953 e a segunda em 1955. Vi muita gente pagando para cortarem café, abandonando mesmo, e começando a fazer invernada. Eu ficava com muito dó. A imagem dos cafezais escuros, queimados e mortos me marcou para sempre. Tudo que era verde ficou preto”, frisa.
O desgosto do mineiro foi grande, mas ainda assim preferiu ficar, ao contrário de muitos outros migrantes. Teve de lidar com o desemprego e assistir ao fim dos pomares. “Nem laranjeira e abacateiro sobreviveram ao frio. Vi até o gado morrer com a geada. Para piorar, nem tínhamos roupas de frio. A gente andava quase nu, com aquelas roupas lisas, cavadinhas. Sofremos demais por isso”, revela. Paranavaí tinha fama de cidade chuvosa e nublada, tanto que era comum ver muitas pessoas nas ruas carregando enxada para desatolar veículos. “Só tinha estrada de chão, então todo dia eu resgatava alguém”, exemplifica Sátiro Melo que testemunhou brigas e assassinatos por causa de terras.
Quem ficasse uma semana longe do próprio imóvel corria o risco de perdê-lo. Sempre havia alguém circulando por Paranavaí, procurando propriedades sem moradores. “Conheci muitos que viviam disso. A pessoa perdia todo o trabalho limpando a fazendinha. Invadiam o local e quando o proprietário voltava não podia nem se queixar. Caso contrário, tinha que estar disposto a matar ou morrer”, pondera.
A amizade com Frutuoso Joaquim de SallesO mineiro Sátiro Dias de Melo foi amigo do controverso pioneiro pernambucano Frutuoso Joaquim de Salles, considerado o primeiro cidadão local, que chegou a Paranavaí em 1929, nos tempos do Distrito de Montoya. “Ele morava num lugar escondido na baixada do Jardim São Jorge. Gostava muito de conversar sobre laços, até porque foi vaqueiro. Ficava muito feliz quando reparavam no seu trabalho”, confidencia.
Já se fizessem perguntas sobre violência e crimes no período da Fazenda Velha Brasileira, Frutuoso desconfiava, mudava o semblante e encerrava a conversa. “Com quase todo mundo, ele era bem fechado, não facilitava o diálogo, mas comigo era diferente. Eu ia lá pra prosear, batia na porta, ele saía, olhava e quando via que era eu a abria na hora. Gostava de conversar com aquele velho pernambucano do bigodão’”, brinca. Sátiro foi parceiro de trabalho de Salles. Apesar do gênio difícil, o pernambucano foi considerado por Melo um homem muito trabalhador e confiável.
“O frutuoso não deixava de fazer nada que lhe pediam. Só que muita gente tinha medo dele, as ‘histórias corriam’. Ele morreu nos anos 1980, mas pra mim foi um bom amigo”, salienta. Em Paranavaí, é raro encontrar alguém que tenha conversado abertamente com Frutuoso Salles sobre o que aconteceu em Montoya e na Velha Brasileira entre os anos 1920 e 1940, quando muitos foram assassinados no povoado. Um dos poucos que tiveram essa chance foi Sátiro Dias.
“Ele era capanga do capitão Telmo Ribeiro e um dia me segredou que matou muita gente em Paranavaí. As vítimas eram enterradas debaixo dos pés de café, tanto que anos depois, quando vieram as geadas e muita gente preferiu acabar com os cafezais, acharam bastante ossada humana”, explica o mineiro. Antes de morrer, o pernambucano falou que os restos humanos encontrados não chegaram nem perto do total de mortos na “Brasileira”. “Uma vez, achamos ossada perto do prédio da antiga Telepar. Acredito que ainda tem muitos restos de gente por aí”, alega o pioneiro.
As aventuras com João do Mato
Não foram poucas as vezes que Sátiro Dias de Melo saiu para caçar com o amigo e caçador João do Mato. Como o fornecimento de carne bovina em Paranavaí nem sempre atendia a demanda, a dupla chegava a ficar de 20 a 30 dias na selva caçando cateto, veado, capivara e outros animais. “No mato, nunca faltava carne. O que passava pela espingarda, a gente atirava. Infelizmente, não tinha aquela consciência de preservação dos bichos”, confessa.
Por muitas noites, Sátiro e João do Mato foram intimidados por onças que passavam perto dos carreadores. Quando a ameaça era iminente, atiravam contra o animal. Os maiores perigos das incursões em território selvagem, a dupla vivenciou na região do Povoado de Cristo Rei e no Morro do Diabo, no Pontal do Paranapanema. Nessas áreas, a biodiversidade animal era tão grande que somente caçadores experientes se aventuravam pela região.
O folclórico cavalo Boneco
O cavalo Boneco foi um personagem popular em Paranavaí no final dos anos 1960 e princípio de 1970. Muito bem educado, o animal adestrado pelo pioneiro Sátiro Dias de Melo gostava de descansar atrás das moitas, mas sempre que ouvia o chamado do proprietário, respondia na hora. “Eu podia deixar ele solto que mesmo assim não fugia nem aprontava nada. Também não deixava ninguém colocar a mão nele, além de mim”, pontua.
Quando circulava pelas ruas da cidade, boneco chamava a atenção pela altivez, beleza e impecável sela feita por Sátiro. Muitos, principalmente mulheres, pediam para tirar fotos com Boneco, a quem precisava convencer durante uma “conversa”. “Era um bicho que nunca tinha apanhado”, acrescenta. Um dia o cavalo deixou que uma pessoa o roubasse. O mineiro passou horas o procurando, chamando o pelo nome, mas não adiantou.
Boneco estava em Tamboara, preso a uma mangueira. Quando quis partir, simplesmente quebrou a cerca e arrastou o arame farpado. Dias depois, Melo ouviu um relinchado ao longe e identificou o cavalo em disparada. “Chegou e ficou junto de mim todo machucado pelo arame. Estava com o peito bem ferido. Dei banho e cuidei dele até ficar bom de novo, então o vendi para um gaúcho. Nunca mais quis saber de ter cavalo”, assume.
A oficina
Famosa também era a oficina do pioneiro que atraía até viajantes de Minas Gerais e Mato Grosso, segundo o artista plástico Luis Carlos Prates. “Ele é um artista. A fama dele ia longe. Pessoas de muitos estados vinham a Paranavaí para contratar os serviços de ferreiro e curtidor do ‘Seu Sátiro’”, testemunha Prates. O mineiro era conhecido na região como o melhor manipulador de alumínio. Fazia desde instrumentos mais simples até peças para maquinários pesados.
“Trabalhei muito com fundição. Foram mais de dez anos. Criava cadeado de qualquer tipo e tamanho”, garante enquanto mostra o local de trabalho no fundo da residência onde reside desde a década de 1960. Aos 91 anos, ainda passa algumas horas do dia produzindo ou consertando alguma peça. A fama de Melo foi longe, tanto que em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul até hoje tem muita gente que se recorda de suas habilidades.
Há alguns anos, Sátiro retornou à terra natal, Jequitinhonha, Minas Gerais, onde nasceu em 12 de janeiro de 1921. Ficou chocado com o que viu depois de mais de 60 anos. “Ajoelhei à beira do Rio Jequitinhonha e chorei. Não era mais o mesmo, virou um córrego”, lamenta.
Curiosidade
Sátiro Dias de Melo se aposentou pela Prefeitura de Paranavaí em 1985, na gestão do prefeito Benedito Pinto Dias. Trabalhou durante muitos anos como “faz-tudo”.
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Sebastião Castro, o artista inclusivo
A arte é um conhecimento que permite uma melhor compreensão do ser humano e do mundo”
O artista e professor Sebastião Soares Castro, de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, chama atenção pela afinidade com as mais diversas formas de arte. O talento descoberto na infância permitiu que mais tarde se dedicasse à arte inclusiva, aquela que não apenas existe para a fruição, mas também para integrar e facilitar o aprendizado. “Ela muda as pessoas. É um conhecimento que penetra em outras áreas e permite uma melhor compreensão do ser humano e do mundo”, comenta o pintor, desenhista, romancista, poeta e ator Sebastião Castro.
Mesmo que a arte seja produzida de forma individualista, somente quando passa pelo crivo da coletividade que assume um caráter transformador. Tal raciocínio é dividido por Castro que descobriu o dom para as artes aos quatro anos, quando começou a usar pó de grafite colorido de lápis para pintar. “Em seguida, tinta acrílica e guache, basicamente aquarela. Mais tarde, antes de ingressar na escola, aprendi a ler com o meu irmão. Logo produzi peças baseadas no livro ‘Meu Pé de Laranja-Lima [de José Mauro de Vasconcelos]’”, conta e acrescenta que a leitura é essencial para quem produz qualquer tipo de arte.
Muito conhecido no Paraná como escultor, Sebastião Castro é o criador de uma alternativa ao papel machê, pois prioriza a dimensionalidade na criação de matéria-prima. “Percebi que o machê me limitava, então optei por um material de refugo diferenciado, baseado em água, cola e jornal velho”, explica. Provavelmente, uma das peças mais conhecidas do artista seja o presépio natalino que faz parte de um conceito de reconstrução de valores e identidade. Outra característica marcante do estilo de Castro é a paródia.
Exemplo é a escultura “A Pensadora” que imita a meditação de “Le Penseur”, de Auguste Rodin. Outras são mais fiéis ao original e evocam fragmentos literários, como a personagem mulata Rita Baiana, de “O Cortiço”, de Aluísio de Azevedo. “São figuras que materializo com técnica de condensação de jornal molhado, papel decomposto mesmo. Misturo com bastante cola para que a base fique o mais sólida possível”, revela o artista que inspirado em um haicai da poetisa paranaense Helena Kolody decidiu homenageá-la criando uma escultura. O maior desafio em cada obra é tentar captar a essência de quem o inspira.
Sebastião Soares, também autor de textos teatrais como “Tempo de Reformar a Casa”, já produziu tanto que considera impossível precisar o total de peças. Atualmente, se dedica mais a literatura, até por estar se preparando para concluir um trabalho de mestrado intitulado “A transformação da obra literária para deficientes visuais”. Ainda assim, o autor que tem formação em inglês, letras e literatura, e é professor do Centro Estadual de Educação Básica para Jovens e Adultos (CEEBJA), não se distancia das artes plásticas por mais de alguns dias. “Estou prestes a finalizar o meu romance ‘A Morte da Primavera’, sobre uma personagem em conflito de identidade”, destaca e lembra que a recepção de toda obra artística oscila conforme o estado emocional e psicológico do receptor, além da capacidade de concepção.