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Quando eu raspava a cabeça…
Passei por muitas situações curiosas quando eu raspava a cabeça. Um dia, em Salto del Guairá, no Paraguai, enquanto aguardava meu irmão perto da Queen Anne, três ambulantes, desses que vendem palhetas de para-brisas, se aproximaram. Me recordei de um deles, de quem mais cedo tive pena e acabei comprando um par de palhetas que eu não precisava.
O mesmo rapaz estava de volta. Com um sorriso amarelecido e um olhar sobressaltado e dúbio, veio em minha direção e disse:
“Amigo, usted es federal, es la policía? Por lo tanto, quiero devolver el dinero de las palas que ha adquirido. Ellas son defectuosas. No quiero problemas, por favor. Perdóname, yo no sabía que era la policía. Por favor, quédate con este perfume. No necesita pagar nada.” Sem querer, e após muita insistência, acabei aceitando o perfume. Depois disso, os três foram embora sorrindo e recuando. Mais adiante, dei o “presente” a uma criança que vendia CDs em uma rua paralela.
No final da tarde, saindo do Paraguai, passei pela alfândega. Dois fiscais me cumprimentaram com muita cordialidade e falaram algo que até hoje não sei o que era. Naquele horário, enquanto meu carro foi liberado, os demais foram parados.
Um homem marcado pela tragédia
Quando a riqueza material ofusca a importância da vida
Na infância, meu avô me contou uma história que jamais esqueci. É sobre um homem que teve a vida transformada por uma sucessão de tragédias em 1958 e 1959. Até o ano passado, sempre me questionei se o que ouvi quando criança era verdade ou não. A confirmação chegou até mim há alguns meses, quando encontrei uma sobrinha do protagonista desta sinistra e pitoresca história.
Hésio Oscar Azeredo era um investidor de grandes posses que vivia com a família em uma fazenda a pouco mais de 20 quilômetros da área urbana de Paranavaí, no Noroeste do Paraná. Passava o tempo todo ocupado, tentando encontrar novas formas de multiplicar os lucros. Havia época em que dormia menos de três horas porque achava que repousar mais o impediria de alcançar seus objetivos. “Ele tinha uma boa família e era uma boa pessoa, mas colocava o dinheiro e a ambição acima de tudo”, diz a sobrinha Maria Aparecida Lorelli.
Hésio Oscar era filho único de um falecido casal de multimilionários que até as primeiras décadas do século XX administrava investimentos de capital estrangeiro no Brasil. Ainda jovem, já possuía propriedades rurais em sete estados, além de fazendas no Paraguai e Argentina. Algumas eram maiores do que muitas cidades do Brasil. Também investia em beneficiamento de grãos e cereais, telefonia e transportes fluviais. Era muito influente, tanto que na sua biblioteca particular, um ambiente inspirado no gabinete do presidente dos Estados Unidos – o Salão Oval, deixava em destaque uma grande foto em que aparecia ladeado pelo ex-presidente Dwight Eisenhower.
“A moldura do quadro era de ouro maciço. Poucas pessoas podiam entrar lá. Somente alguns familiares conheciam o lugar. Meu tio ainda pedia que por discrição ninguém falasse sobre o que viu lá dentro”, declara Maria que na infância e adolescência teve três oportunidades de visitar o local. Apesar do apego aos bens materiais, o investidor era considerado pelos empregados como um patrão rigoroso, mas justo. Fazia questão de acompanhar de perto todos os seus negócios. Ainda assim, muitos boatos se espalhavam sobre o Tymbara, apelido que um místico colono de origem kaingang deu a Hésio Azeredo. “Era o único índio da nossa turma. Ele inventou esse apelido e não explicou o significado. Só que ninguém nunca teve coragem de chamar o ‘Dr. Hésio’ de Tymbara, então isso ficava mais entre a gente”, comenta o ex-colono aposentado Inácio Durval Reis que naquele tempo era mais conhecido como Mizim.
Em 1957, já circulava entre os colonos um boato de que Azeredo se referia ao dinheiro como se fosse um tipo de deidade. “Falavam que ele tinha um altar cheio de dinheiro e que não saía de lá sem se ajoelhar e rezar pra ganhar mais um punhado a cada dia”, conta Mizim, acrescentando que talvez tenha sido apenas conversa fiada de gente à toa.
Há quem diga que uma cozinheira da fazenda jurou ter visto paredes forradas com notas de cem dólares em alguns dos cômodos da casa principal. “Todo mundo ouvia falar. Só que não conheço ninguém que testemunhou isso. Sei que tinha cômodos da casa que o ‘Dr. Hésio’ não permitia a entrada de ninguém, nem das empregadas”, enfatiza Reis. Embora as lembranças não estejam mais tão frescas na memória, Maria se recorda com carinho da tia Clara e dos primos Tadeu e Joaquim. “Eram bem espertos e adoravam correr pelo campo. Na fazenda, perto de uma bica de mina, tinha um morrinho coberto por uma grama bem verdinha onde eles adoravam escorregar e rolar. Às vezes eu e uma babá cuidávamos dos dois”, comenta.
Tadeu, de cabelos negros que chegavam a azular com a incidência do sol vespertino, era bem comunicativo e agitado. Já Joaquim, de cabelos loiros, era calmo e parcimonioso. Os dois sofriam de heterocromia. “Tadeu tinha um olho preto e um azul. Joaquim possuía um olho preto e um verde. Por causa disso, eu ficava sabendo de muitas bobagens ditas pelos mais ignorantes”, lembra Maria Lorelli. Hésio Azeredo pouco participava do cotidiano familiar. Assistia ao desenvolvimento dos filhos como um espectador desatento. Tinha o hábito de viajar antes do amanhecer, retornando apenas semanas mais tarde e normalmente de madrugada. A pressa era tanta que nem se despedia dos filhos. Se o lucro fosse muito alto e exigisse mais tempo fora de casa, não se importava em se ausentar por alguns meses. Uma vantagem é que o empresário sempre teve pessoas de sua confiança para garantir o bom andamento dos seus muitos empreendimentos.
Criado em uma família que há várias gerações se dedicava a multiplicar riquezas, Azeredo foi o primeiro a romper o ciclo, e não por vontade própria, mas por uma sucessão de acontecimentos que transformaram sua vida. Em dezembro de 1958, após uma séria discussão com o marido, Clara chamou os dois filhos e disse a eles que iriam passar alguns dias na casa da avó em Curitiba. “Ajudei eles a arrumarem as malas e os acompanhei até o aeroporto da família, onde um avião e um piloto estavam sempre à disposição”, relata Maria. No último momento, apesar da resistência em deixá-los partir, Hésio Oscar achou que contrariar a mulher poderia piorar a situação. No início da noite, se arrependeu amargamente ao receber a notícia de que o piloto Julião Martins Bastina sofreu um mal súbito e perdeu o controle da aeronave. O avião que caiu na região dos campos gerais foi encontrado por um caminhoneiro que viu uma criança ensanguentada acenando e gritando por socorro.
“A tia Clara, o Joaquim e o piloto não resistiram aos ferimentos. Acho que morreram na hora do impacto. O Tadeu sobreviveu por um milagre. Ele teve só escoriações e não precisou ficar internado”, destaca Maria Aparecida. A maior parte do sangue sobre o corpo do garoto era do irmão e da mãe que o envolveu nos braços instantes antes da queda. Pelo menos por dois meses após o enterro, a tragédia fez de Azeredo um homem incomunicável, agressivo e ostracista. Não tinha vontade de ver ninguém, nem mesmo o filho sobrevivente. Depois retornou à rotina sem avisar ninguém. E não aceitava que falassem das mortes da mulher e do filho, negando a si mesmo a partida dos dois, mesmo tendo participado da cerimônia fúnebre.
Sem saber como lidar com a vida pessoal, até mesmo esquecendo que tinha família, se afundou ainda mais em trabalho. Esqueceu muitas vezes que Tadeu continuava morando na mesma casa. “O pai dele tinha atitudes de alguém que perdeu tudo. Em vez de se basear naquele exemplo para mudar de vida, fez exatamente o contrário. Fiquei muito nervosa com a situação”, desabafa a sobrinha. Isolado por Hésio Oscar, Tadeu começou a agir como se o irmão Joaquim continuasse com ele. Maria Lorelli foi a primeira a perceber que o primo divagava e tinha alucinações. Parecia falar com outras pessoas, mesmo quando estava sozinho. Quem o via de longe, pensava que havia alguém acompanhando o garoto.
“Ele corria lá pelos lados das plantações. Se embrenhava no meio do cafezal e brincava de se esconder. Lembro que perguntei se tinha mais alguém com ele. Me respondeu que era o irmão. Achei que fosse uma traquinagem inocente, nem comentei com ninguém”, revela Mizim. Episódio semelhante se repetiu uma semana mais tarde, quando Tadeu estava sozinho no quarto, escondido e cochichando dentro do guarda-roupa. Com a insistência dos mais próximos, Azeredo concordou em procurar um tratamento psiquiátrico para o filho. Tadeu foi diagnosticado com transtorno do estresse pós-traumático. Mesmo com acompanhamento médico, o estado do garoto só piorou. Embora se preocupasse com a situação, Hésio preferia deixá-lo aos cuidados de familiares e empregados.
Um dia, quando se machucou ao saltar sobre uma cerca, a perna de Tadeu começou a sangrar. Ele se aproximou do pai e disse: “Por que o senhor não gosta de mim? É por que o que sai do meu corpo é um líquido vermelho sem valor? Mas e se fosse amarelo e brilhante como ouro?” Azeredo não respondeu. Surpreso, se calou e abraçou o filho, clamando por perdão. A cena foi testemunhada ao longe pela prima Maria. Na semana seguinte, três dias antes de completar 12 anos, Tadeu foi encontrado deitado na própria cama, abraçado a uma foto em que ele aparecia brincando com a mãe e o irmão. Havia um pequeno frasco de estricnina ao seu lado. Tadeu estava morto e com os olhos fechados, como se estivesse se preparando para dormir. Quando viu o filho de pijama e sem vida, Hésio saltou pela janela do quarto que ficava no andar superior. O impacto provocou apenas um corte na cabeça, escoriações e um desmaio que durou cerca de duas horas. Ao acordar, teve uma cefaleia intensa que desapareceu só no fim da noite.
Maria Lorelli tentou conversar com o tio sobre a necessidade de velar e enterrar Tadeu, mas Hésio não quis dialogar. Deixou claro que não precisava da ajuda de ninguém, assumindo o compromisso de fazer tudo sozinho. Só exigiu que dois empregados levassem um enorme refrigerador horizontal, que estava na maior despensa da casa, até um quarto ao lado do seu. Mandou que todos saíssem, tomou Tadeu nos braços e o carregou para a sua suíte. Chaveou a porta do quarto e disse aos familiares que retornaria em algumas horas. Antes que alguém fizesse alguma pergunta, entrou em um jipe Land Rover e desapareceu na escuridão, retornando antes do amanhecer, acompanhado de um húngaro misterioso e com um forte sotaque a quem chamava de Gazda. Transferiram Tadeu para o quarto ao lado da suíte e não permitiu que ninguém entrasse no local.
No dia seguinte pela manhã, Azeredo estava mais calmo e convidou parentes e amigos mais próximos para participarem de enterro do filho no cemitério particular da família. Estranharam a atitude porque Hésio nem mesmo havia planejado o velório. Por comiseração e até por medo de uma má interpretação, ninguém cogitou questioná-lo por não deixar ninguém ver Tadeu antes de fechar o caixão. Algumas das pessoas que participaram da cerimônia, segundo Maria Lorelli, comentaram que Azeredo parecia mais lúcido e provavelmente, após o rompante de desespero, logo entraria na fase de aceitação. Quando todos os parentes foram embora, Azeredo dispensou parte dos empregados, justificando que como estava sozinho não precisava mais de tantas pessoas trabalhando na casa principal. Maria insistiu em continuar com o tio por mais alguns dias, mesmo ciente de que talvez não fosse mais bem-vinda. “Desconfiei de algo estranho acontecendo porque o tal húngaro que ninguém conhecia ficou na casa quase uma semana. Além disso, ele não parecia o tipo de pessoa com quem o tio costumava negociar”, argumenta.
Algumas horas antes de Gazda partir, Maria o ouviu cochichando algumas palavras ininteligíveis a Hésio. Sem motivo para prolongar a estadia, a jovem partiu para Curitiba, onde ingressou no curso de medicina da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Nas férias, Maria sempre passava alguns dias na fazenda do tio para saber como ele estava e também para reviver lembranças do tempo em que ajudava a tia Clara e os primos Tadeu e Joaquim. Azeredo estava mais comunicativo e não viajava com muita frequência. Na realidade, raramente deixava a fazenda. A propriedade do empresário se tornou o seu mundo, tanto que as negociações diminuíram consideravelmente. Em 1962, apenas nove dos empregados continuaram trabalhando na propriedade. Era o suficiente para manter a operacionalização das atividades locais.
No final daquele ano, por intermédio dos pais, Maria ficou sabendo que Hésio, sem dar explicações, desfez de grande parte dos imóveis e empresas que possuía. Mas a surpresa maior veio em janeiro de 1963, quando Maria encontrou a fazenda abandonada. As plantações estavam morrendo e não havia ninguém no campo. Na casa principal, a sobrinha sentiu um forte mau cheiro vindo da cozinha, onde muitos alimentos estragaram há bastante tempo. Maria também se deparou com móveis cobertos por lençóis brancos. Nada disso pareceu tão estranho quanto uma bem disposta e linear trilha de notas de cruzeiro que começava no cemitério particular da família e terminava no quarto de Hésio Azeredo.
Maria Lorelli seguiu as notas e quando abriu a porta do quarto viu o tio deitado na cama abraçado com o filho Tadeu. Mesmo sem vida, o garoto estava com a aparência do dia em que foi encontrado morto. “Como participei do enterro dele três anos antes, pensei que eu estivesse louca. Até a expressão no rosto de Tadeu ainda era a mesma”, comenta. Após o susto, Maria viu que Hésio também estava morto. Ao lado do corpo, somente um frasco quase vazio de estricnina. Preocupada com a repercussão, a família de Maria evitou comentários e fez o possível para impedir que a história fosse divulgada. Até mesmo no registro de óbito consta que a causa da morte foi um ataque cardíaco. O caixão onde supostamente colocaram o corpo de Tadeu em 1959 sempre esteve vazio. O substituíram por outro e realizaram uma nova cerimônia fúnebre para pai e filho. Desta vez, com a participação de cinco pessoas. Antes de morrer, Hésio Azeredo deixou um testamento destinando 80% da fortuna para orfanatos, asilos e entidades sociais que cuidavam de crianças de rua.
O restante foi dividido entre sete familiares e dois irmãos de criação. Em um bilhete queimado no mesmo dia em que foi lido, Hésio explicou brevemente que o húngaro Gazda era um artista da matéria humana que lhe proporcionou, mesmo que por pouco tempo e com certo requinte ilusionista, se comunicar e se despedir do filho de uma maneira que ninguém jamais entenderia. Anos depois, Maria Lorelli ouviu novamente falar de Gazda em São Paulo. Então soube que o homem misterioso foi um dos mais revolucionários taxidermistas do Leste Europeu, onde trabalhou para czares, aristocratas e líderes socialistas. Se mudou para o Brasil nos anos 1940, fugindo da perseguição nazista aos ciganos.
Curiosidade
Tymbara é uma palavra de origem tupi-guarani que significa “aquele que enterra”.
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Uma vida dedicada à música
Paulo Magalhães, um dos saxofonistas mais requisitados do Brasil nos anos 1960 a 1980
Em 1948, Paulo Magalhães Lima tinha seis anos quando saiu para comprar um doce com o pai. Naquele dia, dentre as opções por trás de uma vitrine, escolheu uma guloseima que veio colada a uma gaitinha. “Dei o doce a um colega e lambi o que sobrou em volta. Mesmo sem jamais ter tido contato com algum instrumento, toquei “Asa Branca” [de Luiz Gonzaga] e surpreendi meu pai”, conta.
Dias depois, muitos comerciantes de Itaguajé, no Noroeste do Paraná, o convidaram para tocar “Asa Branca” em troca de doces e presentes. O episódio transformou a vida de Paulo que descobriu a vocação para a música e se tornou um dos saxofonistas mais requisitados do Brasil nos anos 1960, 1970 e 1980.
A trajetória como músico começou muito cedo. Aos 13 anos, Paulão, como era mais conhecido no auge da carreira, tocou em seus primeiros bailes em Paranacity e Itaguajé, no Noroeste do Paraná, além de Porecatu, na divisa com São Paulo. “Não demorou e fiz meu primeiro carnaval em Guaraci [na região de Astorga]. Já toquei em 56 carnavais e o mais recente foi este ano aqui em Paranavaí e também em Goiás”, diz.
De 1950 a 1960, Paulo Magalhães se apresentou no Paraguai, principalmente em Coronel Oviedo, a 150 km de Assunção, com o respeitado grupo Los Ases del Ritmo. “Me desenvolvi como músico no quartel, na Banda do Primeiro Batalhão de Fronteira. Foi uma época boa porque saí de lá tocando melhor, lendo partitura e escrevendo, mas minha formação mais sólida veio do que aprendi nas boates e nas zonas”, afirma sorrindo.
A primeira experiência tocando em boate foi em Cascavel, no Oeste Paranaense, onde subiu no palco com Orestes, o primo trompetista. Naquele tempo, Paulão trocou a bateria pelo saxofone. “Lá, conheci o jazz e a bossa nova, os meus gêneros musicais preferidos”, garante. Mais tarde, morando em São Paulo, ao longo de dois anos fez shows em casas noturnas da Rua Augusta.
Na Boate Lancaster, considerada o templo musical da juventude paulistana, conheceu o célebre Hermeto Pascoal, de quem se tornou amigo nos anos 1960. Após o expediente, os dois reuniam alguns músicos para darem uma “palhinha” antes do dia amanhecer. “Foi o melhor momento da minha carreira. Nas boates, eu tocava o que gostava”, destaca. Em São Paulo, também se apresentou no icônico João Sebastião Bar, quando o local recebia artistas como Chico Buarque, Elis Regina, Cesar Camargo, Toquinho, Geraldo Vandré, Ana Lúcia, Claudette Soares, Pedrinho Mattar, Sambalanço Trio e Alaíde Costa.
Paulo Magalhães teve importantes passagens pela TV Tupi, Cultura, Bandeirantes e Record. Trabalhou com o diretor Luiz Aguiar e os maestros Osmar Milani e Edmundo Peruzzi. “Nos tempos da Tupi, toquei muito com o Manito, dos ‘Incríveis’, um clássico do rock brasileiro e da jovem guarda. Fiquei na TV até 1965, quando me mudei para Foz do Iguaçu”, relata. Lá, formou o grupo “Los Brasileños” que fez muito sucesso na Argentina.
No mesmo ano, Paulão trocou o clarinete pelo saxofone. De volta a São Paulo, entrou para a banda da famosa Boate Mugi, onde fez muitos shows com Martha Mendonça. Acostumado a se aventurar por novos projetos, voltou a Cascavel, onde a família morava, e fundou a banda Alta Tensão. “No final da turnê, larguei a banda e fiquei em Itumbiara, Goiás. Logo me chamaram para fazer parte da Orquestra da Chevrolet. Toquei com eles até 1968”, revela.
À época, as irmãs Nalva Aguiar e Norma Aguiar eram as cantoras da orquestra, até que Nalva foi convidada a fazer parte da banda do cantor Roberto Carlos. “Também recebi o convite. Trabalhei com ele até 1973, quando decidi ficar em Uberlândia, Minas Gerais. Um dia, me entregaram um recado do próprio Roberto Carlos me pedindo pra retornar, falando que precisava de mim. Não voltei porque não queria mais aquela vida”, declara.
Por causa da rotina atribulada, Paulo Magalhães enfrentou uma crise no casamento. E para piorar, mal tinha tempo para os dois filhos pequenos. “No fim, perdi a mulher e tive que cuidar das crianças”, enfatiza, deixando claro que até então não tinha vida pessoal, já que a banda fazia pelo menos 20 shows por mês.
Em 1977, se tornou o saxofonista do cantor português Roberto Leal, com quem trabalhou durante 13 anos e gravou 13 LPs. No auge da carreira, Paulão viajou por dezenas de países. Guarda muitas lembranças dos shows por todas as regiões do Brasil, além de Estados Unidos, Alasca, Bélgica, Canadá, Portugal, França, Inglaterra, Alemanha, Suíça, Luxemburgo, Áustria, Austrália e África do Sul. “Conheci muita gente e muitos lugares. Fiquei pertinho até de mafiosos italianos [prova o que diz mostrando uma foto]. Minha vida no Brasil só normalizou depois de 1990. Estava muito cansado e optei por sair da banda”, justifica.
Nos anos 1980, Paulão participou de trilhas sonoras de filmes. Um exemplo é “As Aventuras de Mário Fofoca”, de Adriano Stuart, lançado em 1982 e protagonizado por Cassiano Gabus Mendes. Na obra, o saxofonista aparece tocando, assim como no filme “O Milagre”, sobre a vida de Roberto Leal. Com muitas histórias para contar, Paulo Magalhães se recorda com carinho dos tempos de Mugstones.
Com a banda, um dos maiores clássicos do rock brasileiro dos anos 1960, gravou um LP, dois compactos e ficou em cartaz na Casa de Espetáculos Canecão, no Rio de Janeiro, por mais de seis meses. “Também fiz parte das bandas Flintstones, Fantômas, The Music of Society e muitas outras. Passei por diversos estilos musicais. Ainda me lembro de quando gravei alguns trabalhos com o Amado Batista”, acrescenta.
Embora não tenha lançado nenhum álbum solo, Paulão se orgulha de ter escrito pelo menos 100 músicas ao longo da carreira. Em Paranavaí e região, só para citar mais alguns nomes, integrou as bandas Condor, MR, Corpo e Alma, Cactus, Oásis, Santa Mônica e Fonte Luminosa. Lecionou na Casa da Cultura Carlos Drummond de Andrade e ensinou muita gente a tocar saxofone, trompete, clarinete e gaita.
“Não posso reclamar. Tudo que fiz na vida foi muito especial, então só tenho a agradecer”, comenta. Aos 72 anos, Paulo Magalhães continua na ativa, tanto como músico quanto professor de saxofone e trompete. Para entrar em contato com ele, basta ligar para (44) 9838-4581.
Frase de destaque
“Me tornei músico há muito tempo, mas ainda me considero um eterno aprendiz.”
Curiosidades
Paulo Magalhães Lima nasceu em Presidente Vensceslau, na região de Presidente Prudente, mas passou parte da infância e adolescência em Itaguajé, onde tocou bateria na Orquestra Continental de Itaguajé, sob regência do Maestro Lincoln.
Ao longo da carreira, Paulão teve o privilégio de conhecer Luiz Gonzaga, o homem que o inspirou na infância a tornar-se músico.
A Batalha de Acosta Ñu e o Dia das Crianças
No paraguai, são prestadas homenagens aos mortos no Día del Niño
Há alguns anos, tive a oportunidade de estudar a perspectiva paraguaia sobre a Guerra do Paraguai graças aos jornalistas e escritores Hugo Montero e Jaime Galeano, da revista argentina Sudestada. A partir disso, em 2007, escrevi uma história de ficção chamada “Rio de Águas Vermelhas” que foi publicada na época e retrata a história de uma família que foi fazer um piquenique às margens do Rio Nhu-Guaçu, onde todos foram assassinados brutalmente pelo Exército Brasileiro.
Me inspirei em alguns fatos que incluem a Batalha de Acosta Ñu em 1869, episódio jamais esquecido pelos paraguaios. Faço questão de destacar que enquanto no Brasil o Dia das Crianças, celebrado no dia 12 de outubro, se resume a fazer algo de bom pelos pequenos, como dar presentes ou levá-los para se divertir em algum lugar, no Paraguai a realidade é bem diferente. O Día del Niño, em 16 de agosto, é marcado por muitas homenagens aos que foram mortos na Batalha de Acosta Ñu, em Eusebio Ayala, no Departamento de Cordillera, onde a maior parte da força paraguaia era formada por garotinhos segurando varas de madeira que simulavam rifles.
Em suma, foi um conflito desigual, pois Uruguai, Argentina e Brasil não contavam apenas com número superior de soldados, mas também mercenários que faziam as rajadas de fogo cortarem o vento. Aos poucos, pilhas de corpos se espalharam pela pradaria conforme a bandeira da Tríplice Aliança assegurava um morticínio sem precedentes numa guerra sul-americana liderada por ingleses.
Na Batalha de Acosta Ñu havia mais de cinco mil crianças entre 9 e 15 anos. Ainda assim, o Conde D’Eu ordenou que os soldados não deixassem vestígios do abate para não precisarem carregar inimigos feridos. No Paraguai, é de conhecimento popular que a verdadeira história da guerra com o Brasil, Uruguai e Argentina foi omitida pelos países da Tríplice Aliança.
Entre 1865 e 1870, a Aliança matou mais de 90% da população masculina paraguaia. Durante a guerra, estima-se que a cada 100 mil homens paraguaios sobreviviam apenas quatro. O episódio representou a perda de quase 61 mil quilômetros quadrados de extensão territorial. Com o fim das beligerâncias, o Paraguai contraiu uma enorme dívida com o banco inglês Baring Brothers, o mesmo que financiou a participação dos países da Tríplice Aliança.
Descendentes de sobreviventes da guerra contam que quando as crianças caíam mortas sobre o solo paraguaio, as mães se juntavam ao grupo com as armas dos filhos falecidos. A realidade era tão caótica que o Marquês de Caxias renunciou ao posto e enviou uma carta para Dom Pedro II. De acordo com o marquês, a megalomania da Tríplice Aliança chegou a um ponto em que a guerra só terminaria quando toda a população do Paraguai fosse transformada em fumaça, quando matassem o último feto no ventre da mulher paraguaia.
Antes de deixar a Batalha de Acosta Ñu, o Conde D’Eu, um dos maiores criminosos de guerra do Brasil e substituto do Marechal Caxias, mandou atear fogo nos últimos feridos e prisioneiros. Eliminaram todos os inimigos que encontraram e levaram consigo apenas os aliados ainda saudáveis.
Capitão Telmo: herói ou vilão?
Telmo Ribeiro é um paradoxo na história de Paranavaí, o herói que se transformava em vilão
Capitão Telmo Ribeiro é um dos personagens mais controversos da história de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, onde viveu entre os anos de 1936 e 1964. Durante esse período, conquistou amigos, inimigos e apatia.
O tenente
Em 1932, o tenente gaúcho Telmo Ribeiro deixou o Rio Grande do Sul e foi para Porto Murtinho, no Mato Grosso (atual Mato Grosso do Sul), lutar na Revolução Constitucionalista. Com o fim dos conflitos, Ribeiro comandou o regimento de cavalaria de uma brigada militar em Ponta Porã. A missão era defender a fronteira brasileira. “Eu era tenente no esquadrão do Telmo. Naquele tempo, quem comandava a brigada era o coronel Mário Garcia”, relatou o pioneiro mato-grossense Alcides Loureiro de Almeida em entrevista à Prefeitura de Paranavaí décadas atrás.
Enquanto trabalhou em Ponta Porã, Telmo Ribeiro morou em Bela Vista, na Fazenda Casualidade, de João Loureiro de Almeida, pai de Alcides Loureiro. “Depois de um tempo, a brigada foi extinta e surgiu o convite para trabalhar na Fazenda Caaporã. Contratamos alguns homens e começamos o plantio e transporte de erva-mate para exportação”, lembrou Loureiro. Mais tarde, Telmo e Alcides retornaram a Ponta Porã. Loureiro continuou trabalhando na cidade e Ribeiro fechou um contrato com a Companhia Mate-Laranjeira para transportar erva-mate através do rio em um barco a vapor.
Em uma das viagens pelo estado, Telmo Ribeiro conheceu o engenheiro Francisco Natel de Camargo que atuava como boiadeiro, levando gado vacum do Mato Grosso para a Fazenda Brasileira, futura Paranavaí. A carne bovina alimentaria os migrantes que viviam no povoado. “O Natel levou o Telmo até Londrina para conversar com o representante do governo, o delegado Achilles Pimpão, intermediário do interventor Manoel Ribas”, revelou o pioneiro Alcides Loureiro.
Ao conquistar a simpatia do delegado e do interventor, Telmo Ribeiro foi contratado para abrir estradas ligando a Brasileira ao restante do Paraná. “Lembro quando ele foi encarregado por Natel de Camargo para abrir uma estrada para a movimentação de gado da Brasileira até a Gleba Roland [atual Rolândia]”, pontuou o pioneiro pernambucano Frutuoso Joaquim de Salles, ex-empregado e amigo do tenente Telmo.
Salles contou que Ribeiro fixou residência onde é atualmente o Jardim São Jorge. Lá, havia uma colônia abandonada, com casas boas e móveis coloniais de finíssima qualidade. “As árvores já tinham varado o teto das residências. Telmo aproveitou o que deu pra aproveitar”, assegurou o pernambucano.
O herói
Em 1936, nas palavras do pioneiro paulista Natal Francisco, o tenente e uma turma de paraguaios acabaram com a onda de assassinatos praticados por grileiros na Fazenda Brasileira. Nessa época, o tenente já se destacava entre a população humilde do povoado. Tinha boa postura e passo firme, mas o que mais chamava atenção era o carisma, o requinte e a elegância. Ribeiro usava paletó de alta qualidade combinando com botas feitas sob medida, além de um cinturão que tinha como fivela a letra T.
Fumava apenas charutos importados da Holanda e só usava perfume francês. “Ele tinha um anel madrepérola feito por um famoso joalheiro carioca. No pescoço, sempre trazia um lenço de cetim preso por um broche de ouro”, detalhou Alcides Loureiro, acrescentando que apesar da fama de violento, Telmo Ribeiro era um homem delicado.
O título de capitão, o tenente gaúcho recebeu por serviços prestados ao Estado do Paraná na Brasileira, segundo o pioneiro paulista Valdomiro Carvalho. Contudo, o pioneiro curitibano Aldo Silva deu outra versão sobre o assunto: “Ele foi promovido a capitão pelo próprio povo da região, então ficou conhecido assim.” Telmo Ribeiro se tornou uma figura tão influente na cidade que a jardineira da Viação Garcia que fazia a linha Paranavaí-Londrina adotou como ponto de parada a casa do capitão.
Ao longo da vida, o pioneiro paulista Salatiel Loureiro nunca se esqueceu de um favor feito por Telmo na década de 1940. “Uma vez, ele foi até Curitiba requerer meu título de terras. Fez isso e não cobrou nada.” Carlos Faber, José Alves de Oliveira, José Ferreira de Araújo (Palhacinho), Severino Colombelli, José Francisco Siqueira (Zé Peão) e Izabel Andreo Machado são alguns pioneiros que sempre tiveram bom relacionamento com o capitão Telmo Ribeiro.
“O meu amigo sempre foi um líder, homem com fibra de pioneiro, com o qual partilhei bons e maus momentos”, destacou Alcides Loureiro. Outro pioneiro que defendia a idoneidade e o caráter de Ribeiro era o paulista João da Silva Franco. “Muita gente falava que ele era ruim e ganancioso. Mas eu acredito que ele nunca matou ninguém. O problema era a cabroeira dele, usavam o nome do Telmo pra fazer coisas erradas aqui”, salientou.
O vilão
Se por um lado, o capitão Telmo Ribeiro foi admirado e fez valiosas amizades nos 28 anos dedicados a Fazenda Brasileira, depois Paranavaí, por outro, também conviveu com pessoas que não aprovavam suas atitudes, não gostavam dele ou lhe eram indiferentes. “Lembro que ele andava com dois revólveres, uns dez capangas e insultava muita gente na rua. Telmo achava que só ele tinha razão”, desabafou o pioneiro cearense Raimundo Leite.
Leite costumava relembrar o episódio em que entrou em conflito com o capitão. “Certo dia, o Raimundo Arruda e o Zé Andrade insultaram ele no Bar do Zé e depois foram pra minha casa. O Telmo apareceu lá e o pau quebrou. Teve gente que apanhou e correu. Eu não tinha nada com o peixe, mas quase sobrou pra mim. A minha sorte foi que chegou um pessoal e pediu pra ele não fazer nada comigo”, enfatizou.
Com o tempo, Ribeiro conquistou muitas inimizades em Paranavaí. “Aqui tinha os capa-preta e me recordo que eles queriam matar o capitão Telmo Ribeiro”, revelou o pioneiro espanhol Thomaz Estrada. Para a pioneira fluminense Palmira Gonçalves Egger, o capitão Telmo perseguiu muita gente e fez muitas coisas que não deveria ter feito.
De acordo com o pioneiro gaúcho Otávio Marques de Siqueira, Telmo ajudou muito Paranavaí, mas nunca permitiu que alguém se lançasse contra ele na política. “No fundo, era boa pessoa, mas também sabia ser violento quando eram com ele”, avaliou. O pioneiro mineiro Enéias Tirapeli pertencia a um grupo que não simpatizava e nem desgostava de Telmo Ribeiro, apenas era indiferente ao capitão.
“Nunca me relacionei com ele, mas achei errado ele ter matado aquele rapaz na cadeia”, ressaltou, referindo-se ao assassinato do jovem Alcides de Sordi, de quem o capitão assumiu a autoria do crime. Fato sobre o qual houve divergências de opiniões. O pioneiro João Franco dizia que Telmo Ribeiro nunca atirou no rapaz. Para ele, o capitão tinha as “costas quentes” e chamou a responsabilidade para si na tentativa de livrar os amigos da prisão.
A decadência do capitão
Nas décadas de 1940 e 1950, Ribeiro conseguiu status e fortuna em Paranavaí. Entre as suas propriedades estava uma fazenda que compreende todo o Jardim São Jorge. Também tinha fama de perdulário. Ostentava um padrão de vida elevadíssimo, gastava muito dinheiro com a própria vaidade, amigos e mulheres em ambientes como a Boate da Cigana.
“Tal extravagância o levou a decadência. Depois de um tempo, começou a vender suas terras”, salientou Alcides Loureiro. Em 1964, às raias da falência, Telmo Ribeiro fixou residência em Maringá. Três anos mais tarde, viajou até Cornélio Procópio, no Norte Pioneiro, para cobrar um devedor e levou um tiro no peito.
O capitão influente e de muitos amigos, conhecido como rápido no gatilho, e que um dia participou da Guerra Paulista, enfrentou grileiros e jagunços, foi surpreendido e morreu no próprio local, longe de casa e sozinho, sem tempo de ao menos tirar a arma do coldre.
Curiosidade
Pioneiros contam que na época da colonização diziam que Telmo Ribeiro ameaçou roubar uma das filhas do pioneiro Arthur de Melo. Para evitar o pior foi enviado reforço policial de Arapongas.
Frases dos pioneiros sobre o capitão Telmo Ribeiro
Carlos Faber
“Nunca vi ele bravo, estava sempre alegre. Embora falassem certas coisas dele, nunca vi nada. O Telmo sempre me oferecia ajuda, mas nunca precisei.”
Raimundo Leite
“Ele me desacatou dentro da minha casa. E eu não morri porque não corri.”
Severino Colombelli
“O capitão Telmo era uma pessoa muito boa e de coração mole.”
Cincinato Cassiano Silva
“A parada era dura com o Capitão Telmo. Ele que expulsou os jagunços daqui. Para alguns ele era bom, mas pra outros não.”
Izabel Andreo Machado
“O capitão era pra nós uma pessoa muito boa.”
José Antonio Gonçalves
“Ele usava um chapéu grande e um lenço no pescoço. Era educadíssimo, mas a coisa com ele era meio brava.”
Valdomiro Carvalho
“Ele era realmente grande aqui. Eu ia com ele buscar boi no Mato Grosso, pra ganhar um dinheiro. Levava um mês. A gente ia pelo Porto São José, pegava um vaporzinho e atravessava a boiada de pouco em pouco.”
Paulo Tereziano de Barros
“O Capitão Telmo trouxe muita gente que ele achava que podia trabalhar no mato.”
José Francisco Siqueira (Zé Peão)
“Meu primeiro negócio com ele foi 30 sacas de arroz e 10 capados. Tudo fiado. Falavam que ele não pagava ninguém, tudo mentira. Depois de três dias, ele acertou comigo.”
Oscar Geronimo Leite
“Telmo Ribeiro era um dos mandões da época.”
José Ferreira de Araújo (Palhacinho)
“O telmo jogava snooker com a gente, andava com nós.”
José Alves de Oliveira
“Ele foi um dos grandes fregueses do meu bar. Nunca me deu um único prejuízo. Ia lá, comprava e pagava direitinho.”
Grileiros tomavam conta da Brasileira
Em 1935, o povoado era habitado apenas por pioneiros corajosos e posseiros
Na década de 1930, quando a Fazenda Brasileira, atual Paranavaí, no Noroeste do Paraná, foi abandonada por grande parte de seus habitantes, ficaram apenas os pioneiros mais corajosos e grileiros que logo começaram a tomar conta do povoado.
Em 1935, a Brasileira se dividia entre pioneiros que não queriam abrir mão do novo lar e grileiros que chegavam de todas as partes do país. Nenhum dos remanescentes se deixava intimidar, mesmo com a intervenção federal de Manoel Ribas. “Havia poucos colonos. Naquele tempo, tinha que ter muita coragem pra vir pra cá, então dá pra imaginar que quem se aventurava na Fazenda Brasileira estava sujeito a duas coisas: matar ou morrer”, relata o pioneiro cearense João Mariano.
Mesmo com poucos moradores no povoado, a briga por terras se acirrou. Posseiros trocavam ameaças sem se importar com os transeuntes, o que já dava a ideia de que algo muito ruim viria depois. Quando o Governo do Paraná decidiu intervir, dando prazo de 90 dias para os grileiros desocuparem as áreas invadidas, a situação já estava fora de controle. “Seria preciso muito mais que isso pra fazer esse pessoal desapropriar as terras”, destaca Mariano, acrescentando que chegou um momento em que ninguém mais trocava ameaças, simplesmente matava o seu desafeto.
À luz do dia, não era raro ouvir tiros vindo de várias direções. Cadáveres eram vistos em meio ao povoado, caídos sobre o solo arenoso. Dependendo da intensidade da corrente de ar, a terra cobria superficialmente o morto. Aqueles que não tinham familiares eram deixados onde estavam, abandonados sobre o chão, até começarem a se decompor. Apenas quando o odor da volatização de cadaverina e putrescina se tornava insuportável que alguém dava um jeito de se livrar do corpo.
“Mas a vida continuava. Afinal, quem tinha peito pra interferir?”, questiona o pioneiro, lembrando que quem quisesse viver na colônia tinha que lidar com a morte como se fosse algo natural e cotidiano. À época, acontecia do moribundo agonizar no chão enquanto suplicava por ajuda. Mesmo assim, as pessoas passavam ao lado ignorando sua presença.
A ambição e a ganância em conseguir por meio da força um pouco dos 317 mil alqueires de terras da Fazenda Brasileira custou a vida de muita gente. Estima-se que dezenas de pessoas foram assassinadas nesse período, embora seja impossível precisar o total de vítimas. Muitos crimes eram ocultados pelos jagunços que se livravam dos cadáveres nas imediações do Porto São José, na Lagoa do Jacaré, confluente do Rio Paraná. “Os corpos eram despejados lá porque os jacarés comiam a carne humana, eliminando as provas do crime”, garante o pioneiro mineiro Sátiro Dias de Melo.
Em 1936, quando a Brasileira começou a ganhar fama em todo o Paraná pela onda de crimes, o governo federal pressionou o interventor Manoel Ribas que enviou para cá o tenente gaúcho Telmo Ribeiro, famoso por métodos menos ortodoxos de impor ordem. Com o tenente, conhecido como rápido no gatilho, veio um grupo de mercenários paraguaios de Pedro Juan Caballero. Não levaram mais do que alguns meses para dar fim ao clima de faroeste que imperava no povoado. Segundo pioneiros, melhoraram a situação ao preço de muitas mortes.
Jesuítas salvaram mais de 12 mil índios caiuás
Antonio Montoya comandou fuga que garantiu a sobrevivência dos índios do noroeste paranaense
Das 13 missões espanholas fundadas pelos jesuítas na Província de Guaíra, somente as de Nossa Senhora de Loreto e de Santo Inácio Mini, nas regiões Noroeste e Oeste do Paraná, resistiram por muito tempo às investidas dos bandeirantes. Em episódio heroico, Antonio Montoya e outros missionários prepararam a fuga de mais de 12 mil índios caiuás.
Em 1628, os bandeirantes Antônio Raposo Tavares e Manuel Preto já tinham capturado milhares de índios nas imediações do Rio Tibagi, na bacia do Rio Paraná, no atual Norte do estado. No entanto, o que eles realmente queriam era um pretexto para invadir as reduções jesuíticas espanholas.
Naquele mesmo ano, um dos prisioneiros, o cacique caiuá Tataurana, capturado pelos bandeirantes Frederico de Melo, João Pedroso de Barros, Antônio Bicudo e Simão Álvares, conseguiu fugir para a Missão de Santo Antônio. Quando soube do acontecido, Raposo Tavares foi até a redução e exigiu que os missionários entregassem o índio.
Os jesuítas se recusaram, e assim os bandeirantes portugueses e paulistas decidiram invadir e destruir a redução, de acordo com o historiador Romário Martins. À época, Raposo Tavares e Manuel Preto contavam com uma guarnição de mais de três mil homens fortemente armados, o suficiente para promover a morte de mais de 15 mil índios caiuás no atual Noroeste do Paraná, antigo território espanhol.
Os indígenas capturados eram transformados em escravos. Muitos foram enviados a mando de Manuel Preto para o Sudeste e Nordeste do Brasil. A situação se tornou tão preocupante que em 1629 os missionários receberam ordens de Assunção, no Paraguai, e Madri, na Espanha, para abandonarem as reduções na Republica del Guayrá.
Os jesuítas italianos José Cataldino, Simón Mascetta e o peruano Antonio Ruiz de Montoya, que eram os responsáveis pela Missão de Nossa Senhora de Loreto e Santo Inácio Mini (atual Noroeste e Oeste do Paraná), acharam melhor acatar a ordem, já que dos mais de cem mil índios catequizados pouco mais de 12 mil escaparam do genocídio bandeirante.
Fuga contou com mais de 700 embarcações
À época, 11 das 13 missões jesuíticas fundadas pelos três padres foram destruídas pelos bandeirantes que invadiram a Província de Guaíra. Em suas cartas, Antonio Montoya escreveu que além de evangelizarem os índios, os padres explicavam sobre a importância da vida política, roupas, monogamia e tecnologia. Segundo Montoya, da Missão de Loreto prepararam uma fuga que contou com o empenho de sete padres, entre os quais Mascetta e Dias Tanhos.
Os índios de Loreto e Santo Inácio construíram mais de 700 embarcações, principalmente jangadas, que foram dispostas às margens do Rio Paranapanema em área que inclui os municípios de Jardim Olinda e Terra Rica. De lá, partiram antes da chegada dos bandeirantes.
Desceram do Paranapanema até o Rio Paraná, passando inclusive pelas Sete Quedas, onde perderam a maior parte das jangadas. Mesmo vítimas de inanição e de inúmeras doenças, os caiuás e os padres resistiram e chegaram a redução de Natividad del Acaray y Santa María del Iguazú, na Província de Alto Paraná, no Paraguai, onde hoje se situa Foz do Iguaçu, no Oeste do Paraná, e Ciudad Del Este, capital do Departamento de Alto Paraná.
Em março de 1632, chegaram às margens do Rio Yabebyry, atual território argentino, onde recriaram as missões de Loreto e Santo Inácio. O padre Montoya foi além e criou novas reduções desde o Rio Paraná até o Rio Uruguai, onde se situa atualmente o Rio Grande do Sul. Pouco tempo depois, o padre recebeu um convite para viajar a Madri, na Espanha, e testemunhar a favor dos índios caiuás em um tribunal que contou com a presença do Rei da Espanha, Filipe IV.
As historiadoras paraguaias María Angélica Amable e Karina Dohmann relatam que por meio de decreto, o rei condenou os ataques dos bandeirantes e ordenou a libertação de todos os cativos. “Antes de morrer em 11 de abril de 1652, Montoya estava na Espanha e disse que não queria que seus ossos fossem enterrados entre os espanhóis, mas sim junto de seus filhos, os índios caiuás”, revelam María Angélica e Karina. O desejo de Montoya foi atendido e seus restos mortais depositados em um túmulo na segunda Missão de Nossa Senhora de Loreto, na Argentina.
Curiosidades
A segunda Missão de Nossa Senhora de Loreto, na Argentina, foi pioneira na arte de produzir e preparar a erva-mate.
Suspeita-se que lá tenha sido criada a primeira prensa literária da América Latina, de onde foram impressos um sem número de livros.
A segunda Redução de Loreto recebeu da Unesco o título de Patrimônio Mundial em 1984.
Frase do historiador Romário Martins
“Antonio Montoya, Simón Mascetta e Dias Tanhos eram figuras formidáveis que a história do cristianismo projetou, como um clarão, nos sertões meridionais do Novo Mundo, que o destino escolhera para salvar 12 mil criaturas perseguidas por toda a espécie de perigos, através da imensidão das distâncias, da inclemência dos inimigos, das precárias condições de êxodo.”
Noroeste do Paraná é habitado por europeus desde o século XVII
Área foi campo de batalha envolvendo portugueses, espanhóis, bandeirantes e índios
O Noroeste do Paraná começou a ser habitado por europeus no século XVII, época em que portugueses e espanhóis deram início a um desbravamento que consistiu na tortuosa abertura de picadões. Os primeiros desentendimentos entre os ibéricos aconteceram anos depois porque nenhum dos envolvidos tinha interesse em dividir as terras.
Na época do maior conflito entre espanhóis e portugueses, o Paraná pertencia ao Paraguai, a Republica del Guayrá (La Piñeria). Em 1592, o governante paraguaio Hernando Arias de Saavedra, mais conhecido como Hernandarias, o primeiro latino-americano a governar nas Américas, colocou em prática um plano para conquistar a área que se tornaria o Sul do Brasil. Entretanto, Saavedra, que em 1596 assumiu como governante do Rio de La Plata, que ia do Rio Paraná ao Rio Uruguai, encontrou forte resistência na Província de Guaíra.
Foi aí que o persuasivo Hernandarias decidiu mudar de estratégia. Fez um acordo com o Rei da Espanha, Filipe III, para a evangelização dos nativos indígenas em vez de suplantar o inimigo pela força. Então a apropriação das terras começou a ser feita de forma pacífica, a partir das missões jesuíticas espanholas.
Em 1610, os missionários italianos José Cataldino e Simón Mascetta iniciaram a catequização nas proximidades do Rio Pirapó. À época, foram criadas 13 missões. A de maior destaque foi a redução Nossa Senhora de Loreto por ser a mais bem estruturada e também reunir maior número de nativos. Inclusive na época ficou conhecida como a capital das 13 reduções. Inconformados com o êxito dos espanhóis e paraguaios, os portugueses contrataram muitos bandeirantes paulistas que se encarregaram de retomar as terras.
Antônio Raposo Tavares e Manuel Preto foram os responsáveis pela conquista definitiva da área que se tornaria a atual região Noroeste do Paraná. No entanto, é importante frisar que as conquistas dos bandeirantes paulistas eram sempre carregadas de violência e crueldade, até mesmo práticas de roubo e estupros. Provas disso são as cartas que o jesuíta peruano Antonio Ruiz de Montoya, que viveu onde é hoje o Extremo Noroeste do Paraná, escreveu em 1638.
Fragmentos da redução de Nossa Senhora de Loreto ainda são encontrados na propriedade do agricultor Lino Clemente Silva, às margens do Rio Paranapanema, em Itaguajé. Lá, no sítio de 40 alqueires, há toneladas de materiais do período colonial. A maior parte só pode ser recuperada por meio de escavações.
“É uma pena que o local ainda não tenha sido transformado em patrimônio histórico. Em função disso, muita gente já passou por ali, pegaram quilos e mais quilos de peças que estavam na superfície e não fizeram nada, a não ser comprometer a nossa própria história”, desabafa um historiador que prefere não se identificar. A área pertencia a redução Nossa Senhora de Loreto, onde viviam centenas de milhares de indígenas Caiuás. Historiadores estimam que até 100 mil índios foram capturados na região, sob comando de Raposo Tavares e Manuel Preto.
Patrimônio Histórico
Segundo moradores de Itaguajé e Jardim Olinda, a Coordenadoria do Patrimônio Cultural, da Secretaria de Estado da Cultura, do Paraná, já esteve nas ruínas da redução de Nossa Senhora de Loreto, no entanto não fez nada, além de extrair peças de cerâmica do local.
Ruínas carregam mais de 400 anos de história
Viagem a um período de guerra entre espanhóis, índios e bandeirantes
Após 400 anos, redução jesuítica localizada no extremo Norte do Paraná, à beira do Rio Paranapanema, é preservada por uma família de agricultores. No local, é surpreendente a quantidade de elementos que remetem à catequização espanhola e ao confronto entre índios e bandeirantes.
No Noroeste do Paraná é raro encontrar alguém que tenha ouvido falar das Ruínas Nossa Senhora do Loreto, fundada no século XVII pelos jesuítas espanhóis. O patrimônio situado em Itaguajé é desconhecido até mesmo pelos moradores.
As ruínas, que fazem parte da propriedade do agricultor Lino Clemente Silva, eram o principal ponto de apoio dos espanhóis. Lá, o privilégio geográfico permitia que avistassem de longe a incursão dos bandeirantes paulistas, defensores da coroa portuguesa. Muitas das estratégias da Província de Guaíra eram articuladas do local onde atualmente está a residência de Lino Clemente.
Quando a família do agricultor adquiriu a propriedade, não havia qualquer registro de que a área compreendia um dos mais ricos sítios arqueológicos do Paraná. “Em 1950, meu pai estava preparando o solo para o plantio e, de repente, viu algumas peças de cerâmica. Eram telhas e utensílios domésticos”, conta Silva.
Depois do primeiro contato com os objetos que pertenceram aos nativos da região, os pais do agricultor, estimulados pela curiosidade, decidiram vasculhar a área. Descobriram que em um perímetro de 60 metros quadrados do sítio de 40 alqueires, havia toneladas de materiais do período colonial. “Para ser sincero, a gente nem precisava procurar. Quando chovia, muitas coisas apareciam na superfície, por cima do solo mesmo”, afirma Lino Clemente.
Para provar o que diz, Silva caminha aproximadamente 30 metros da casa onde vive e esfrega a sola da botina contra o chão forrado por folhas. Em menos de trinta segundos, sorri e aponta uma cerâmica de tonalidade enegrecida. O objeto remete claramente ao pedaço de uma panela feita, de modo artesanal, pelos índios caiuás.
Entre as peças que o agricultor guarda no interior de casa como herança cultural, há muitas cerâmicas com inscrições randômicas e numéricas, representações pictóricas do cotidiano e também de animais, pequenas panelas (forjadas em fogo, tornando o barro resistente o suficiente para existir durante séculos), pratos e copos. De acordo com Lino Silva, são poucas as peças que ainda estão intactas. A justificativa é histórica. Após os padres catequizarem os caiuás, foi deflagrada uma guerra envolvendo posseiros espanhóis, indígenas e bandeirantes.
Os índios que insistiram em continuar no local foram mortos ou escravizados pelos paulistas; estes portavam armas de fogo. Contudo, dezenas de milhares de caiuás batizados foram salvos pelos jesuítas, convencidos a abandonar a missão e descer as corredeiras do Rio Paranapanema.
Resultados da devastação são percebidos também em uma região distante da residência de Lino Clemente Silva. “Encontrei cacos de tumba no eixo da barragem da Usina Taquaruçu. Também já achei algumas peças embaixo da ponte, na divisa com São Paulo”, completa.
Valor histórico das peças ainda é desconhecido
A primeira pesquisa de campo nas Ruínas Nossa Senhora do Loreto foi realizada por arqueólogos de Curitiba em 1978. À época, houve resistência por parte da família do agricultor Lino Clemente Silva. “Ficamos com medo que as pessoas roubassem essas peças. Mas se alguém quiser vir aqui para estudar, não tem problema algum. Ajudamos no que for possível”, assegura.
Até hoje, o valor histórico e material das peças encontradas no sítio arqueológico é desconhecido, mesmo com a passagem de muitos pesquisadores do Paraná e de São Paulo ao longo de 30 anos. Outro problema é o fato da propriedade ainda ser um sítio particular, já que não houve tombamento. Assim todas as visitas feitas às ruínas não são fiscalizadas ou registradas.
Segundo o Chefe de Gabinete da prefeitura de Jardim Olinda, Juraci Paes, é possível que visitantes e pesquisadores tenham levado uma grande quantidade de peças. “Outra curiosidade é que até hoje nenhum desses estudiosos escreveu qualquer coisa sobre as ruínas”, reclama.
Patrimônio continua na clandestinidade
Para Juraci Paes, algo tem de ser feito para assegurar a preservação das Ruínas Nossa Senhora do Loreto, localizada em Itaguajé, município vizinho de Jardim Olinda. “Até hoje, nenhuma peça foi catalogada. Um descaso que já ultrapassa 50 anos”, lamenta. Segundo Paes, a prefeitura de Jardim Olinda em parceria com a prefeitura de Itaguajé reivindicou, junto ao governo do estado, a viabilização de um museu naquela área. “Fizemos um projeto e encaminhamos, mas até hoje não foi atendido”, frisa.
Preocupado com a importância cultural dos primeiros habitantes da região, Juraci Paes informa conhecer poucas pessoas que sabem da existência das ruínas. “Aqui em Jardim Olinda, você pode sair na rua e perguntar. A maioria vai responder que não sabe do que se trata. Quem conhece é porque se interessa e busca informação”, assinala. A coordenadoria do Patrimônio Cultural do Paraná já esteve na redução, mas, segundo o chefe de gabinete, apenas recolheram materiais do local e foram embora.
Saiba Mais
Teodoro Sampaio foi o primeiro historiador a fazer citações sobre os índios caiuás
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1949: Refugiados aterrissam em Paranavaí
População ajudou a evitar tragédia com tripulação norte-americana e passageiros mongóis
No dia 23 de novembro de 1949, a população de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, ajudou a evitar um acidente ao facilitar a aterrissagem de um avião da Transocean Airlines. A aeronave de grandes proporções transportava nômades mongóis, refugiados do regime comunista sob influência soviética e chinesa, e tinha como destino a cidade de Assunção, no Paraguai.
Estava anoitecendo quando alguns moradores olharam para o céu e viram um avião circulando. “Provavelmente o piloto viu as luzes da cidade e ficou rodando até encontrar uma solução. Naquele momento, ele não tinha outro recurso”, conta o médico Otávio Siqueira Neto.
A partir das luzes da aeronave, a população percebeu que estavam com problemas; precisavam de ajuda para encontrar uma pista de pouso. Solidários com a situação dos desconhecidos, os frequentadores do Bar Líder foram os primeiros a tomar uma atitude. “Meu pai Otávio Marques de Siqueira, Hermeto Botelho, Andrelino Rocha, Durvalino Moreira e Luiz Lorenzetti pegaram os poucos automóveis e caminhões que tínhamos na cidade e foram direto para o aeroporto”, lembra Siqueira Neto.
Em menos de dez minutos, todos os veículos contornaram o campo do aeroporto com os faróis ligados. Uma atitude bastante simples que foi determinante para o avião aterrissar em segurança. “Lá de cima, o piloto conseguiu enxergar a pista e depois fazer uma descida perfeita”, avalia o médico.
Em terra firme, o piloto estadunidense informou que teve pouca visibilidade em função do mau tempo. Contudo, enquanto circulou sobre a cidade, a maior preocupação era ficar sem combustível.
Todas as testemunhas consideraram heroica a aterrissagem, ainda mais em uma época que um piloto não contava com seguros recursos aeronáuticos, principalmente se tratando de sinalizações. Era bastante comum uma situação de perigo durante o voo, caso surgisse qualquer imprevisto. “Mas ainda bem que deu tudo certo”, reitera Otávio Siqueira.
Naquele ano, o aeroporto de Paranavaí ainda não possuía uma boa estrutura e a pista se resumia a um gramado ladeado por pastagens. “O Edu Chaves era onde é hoje o Colégio Estadual. Era tudo muito precário. Claro que se comparado com um aeroporto de capital. Já na maior parte das cidades do interior aquele era o padrão”, frisa o pioneiro Ephraim Machado.
O avião que tinha capacidade para 120 passageiros foi comandado por uma tripulação de oito estadunidenses designados a cumprir uma ordem da ONU; levar os 74 passageiros asiáticos para a capital paraguaia, onde receberiam asilo e reconstruiriam suas vidas.
Douglas DC-4 ganhou o céu depois de uma semana
O pioneiro Ephraim Machado ainda lembra como foi difícil se comunicar com os nômades mongóis. “Como nenhum deles falava outro idioma e todo mundo estava curioso, fomos atrás de uma pessoa em Maringá que falava inglês”, enfatiza.
Em 1949, Paranavaí não tinha mais do que 10 mil habitantes, e conforto era uma palavra que ainda não fazia parte da realidade. Por isso, as acomodações para os passageiros tiveram de ser improvisadas. “Não havia hotéis o suficiente na cidade. Como meu pai era o diretor do Hospital do Estado [atual Praça da Xícara], ele resolveu hospedar os passageiros lá mesmo. Minha mãe se responsabilizou pelas refeições deles e tudo o mais”, explica o médico Otávio Siqueira Neto.
Só depois de uma semana, a tripulação, funcionários da Força Aérea Brasileira (FAB) e um grupo de voluntários conseguiram fazer a aeronave levantar voo. “No segundo dia, cheguei de Londrina e fiquei vendo o avião atolado no aeroporto. Nem se movia, mesmo com o combustível cedido pela FAB”, relembra Machado.
Os passageiros tiveram de abandonar o quadrimotor e ir de ônibus até Mandaguari. Precisaram levar todas as bagagens e aguardar a chegada do avião Douglas DC-4. “Naquela cidade, eles tinham um aeroporto melhor, com pista asfáltica. De lá mesmo, decolaram e foram para o Paraguai”, completa o pioneiro Ephraim Machado.
Saiba Mais
A Mongólia se resume a planaltos e está situada no interior da Ásia Central, entre a China e a Rússia.
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