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Invadindo a floresta pra criar gado
Um fazendeiro criava gado ao lado de uma área de Mata Atlântica. Quando ele percebeu que não havia espaço para o rebanho que chegava do Mato Grosso, expandiu um “pouquinho” a propriedade invadindo mais a floresta.
Mais gado chegava e mais ele desmatava – sempre com o argumento de aumentar um “pouquinho”. Um dia, percebeu que já não restava muito o que derrubar e, para não parecer um “inimigo da natureza”, achou que seria uma boa ideia deixar intacto um restinho de mata.
Logo animais de diferentes espécies que viviam na região, mas que dependiam daquela floresta para se alimentar, começaram a percorrer a fazenda em busca de alimento; e quase sempre à noite, quando já não havia movimentação de pessoas.
Encolerizado, o homem decidiu comprar algumas espingardas e munição para expulsar os invasores. Com a autorização do governo em mãos, o desejo de matá-los em defesa de sua propriedade se intensificou. Não importava o tamanho – se era filhote, adulto, pai, mãe – sobrava bala pra todo mundo.
Seis meses depois, já sem ouvir nenhum som estranho de madrugada, saiu para caminhar perto de um curral velho. Ouviu um som suave e concluiu que não era nada. Voltou para casa e na mesma semana começou a sentir febre, dores pelo corpo e náuseas.
Nenhum médico descobriu o que era. Chegou a perder 25 quilos; vomitava pelo menos uma vez por hora e não conseguia dormir. Numa madrugada, quando parecia não ter mais o que expelir, o que amplificava e muito a sua dor, começou a chorar calado e a rastejar para fora da casa.
Queria sentir o ar fresco do que restou da floresta, mas a vegetação já era tão escassa que parecia não fazer diferença. Insistente e ainda ansiando por um frescor que pudesse renovar o fôlego, se embrenhou pela sobra de mata se arrastando.
O céu estava escuro – não havia lua nem estrelas; nenhum som vindo da mata que não fosse o da respiração vacilante. Por um momento, viu a sombra de uma movimentação e sentiu algo doendo no peito – dois tiros, um suspiro alongado e uma partida. O filho também pensava que era “bicho selvagem”.
“Qual foi a sua maior realização?”
Hoje, pensei brevemente no alemão Hugo Heiss, falecido há muito tempo. Ele é o criador da captive bolt pistol, a pistola usada para “atordoar” animais antes da morte desde 1903. Não pude deixar de considerar o pretenso diálogo:
— Qual foi a sua maior realização?
— Criei uma arma que dispara um dardo que penetra o crânio e o cérebro de um animal. No futuro será uma aliada na morte de bilhões de animais por ano.
Acredito que nem Hugo Heiss imaginaria como sua invenção seria tão naturalizada no futuro, e considerada um “ato de humanidade para com os animais”. Então eu te pergunto, você gostaria de ter um dardo penetrando o seu cérebro? Particularmente, reconheço que não.
Justine Butler: “Por que o leite é uma questão feminista”
“Ficamos indignadas com histórias de estupro e gravidez forçada, mas essas são práticas comuns na moderna pecuária leiteira”
Pesquisadora e autora da organização Viva!, recentemente a bioquímica Justine Butler, que tem no currículo um doutorado em biologia molecular e a publicação de um relatório científico intitulado “White Lies”, que teve repercussão internacional pela abordagem dos efeitos dos laticínios na saúde humana, republicou o seu artigo “Why milk is a feminist issue” – sobre as razões pelas quais o leite é uma questão feminista.
Justine começa o artigo declarando que o feminismo combina uma gama de ideias que compartilham um objetivo comum – apoiar os direitos das mulheres: “Não foi antes de 1991 que a violação física dentro do casamento se tornou um crime. Antes disso, a lei sugeria que o casamento implicava consentimento para o sexo, e uma vez casada, uma mulher poderia ser considerada como propriedade do marido.”
De acordo com a autora, nos últimos cem anos as mulheres têm lutado arduamente pelo direito de controlar o que acontece com seus próprios corpos. “Ficamos indignadas com histórias de estupro e gravidez forçada, mas essas são práticas comuns na moderna pecuária leiteira. As vacas vivem essa realidade repetidas vezes, em escala industrial, e sem escolha.”
Justine Butler, que testemunhou várias fases do feminismo no Reino Unido e em outras partes do mundo, explica que o feminismo ocorreu em ondas – tendo as sufragistas como pioneiras: “A segunda fase ocorreu nos anos 1960 com o feminismo liberal. Uma terceira onda surgiu na década de 1980 com o ecofeminismo, que se identificou com a opressão dos animais criados para consumo. Na década de 1990, os vínculos entre o abuso de animais e a opressão das mulheres foram rebaixados e um feminismo pós-moderno emergiu, priorizando os seres humanos, com pouca preocupação em relação aos animais e ao meio ambiente. O feminismo centrado no ser humano passou a dominar o pensamento feminista no início dos anos 2000.”
Hoje a autora diz que as feministas devem se questionar se está tudo bem para os seres humanos controlarem violentamente o sistema reprodutivo de um animal enquanto se opõem fundamentalmente a um tratamento similar dispensado às mulheres: “Por que escolher a qual forma de opressão nos opomos? Esse tipo de distinção é chamada de ‘especismo’. Envolve a atribuição de diferentes valores morais ou direitos aos indivíduos com base em quais espécies eles pertencem. ‘Sou uma feminista vegana porque sou um animal entre muitos e não quero impor uma hierarquia de consumo a essa relação’”, defende, citando a autora Carol J. Adams.
Justine também parafraseia a ativista Alice Walker, que parte do princípio de que os animais existem por suas próprias razões: “Eles não foram feitos para os humanos, assim como pessoas negras não foram feitas para os brancos ou as mulheres para os homens.” A suposição de que os animais criados para consumo não sofrem quando mantidos em condições que não seriam toleradas pelos seres humanos tem como base a ideia de que eles são menos inteligentes do que os seres humanos, e não têm senso de si mesmos.
Porém, isso é evidentemente errado – garante Justine Butler, que cita o trabalho do professor John Webster, da Universidade de Bristol, que dedicou décadas estudando o comportamento de animais criados para consumo e refuta tal afirmação: “As pessoas assumiram que a inteligência está ligada a capacidade de sofrer e que, como os animais têm cérebros menores, eles sofrem menos que os humanos. Essa é uma lógica patética.”
Inúmeras pesquisas mostram claramente que vacas criam laços de amizade, guardam ressentimentos e são estimuladas por desafios intelectuais. E claro, são capazes de sentir fortes emoções, como dor, medo e ansiedade, assim como alegria. “Todos nós gostamos do sol nas nossas costas. Características semelhantes foram encontradas em porcos, cabras, galinhas e outros animais”, exemplifica a autora.
Não são poucos os cientistas que sugerem que os animais podem ser tão semelhantes aos seres humanos em alguns aspectos que as leis de bem-estar precisam ser urgentemente repensadas. Christine Nicol, professora de bem-estar animal na Universidade de Bristol, reconhece que muitos animais não humanos têm notáveis habilidades cognitivas e de inovação cultural.
“A imagem bucólica de uma vaca e seu bezerro em um ambiente pastoral é um mito. As vacas não produzem constantemente leite, e como nós, só o fazem depois de uma gravidez e um parto de nove meses. Uma vaca leiteira moderna será confinada e obrigada a engravidar logo após o seu primeiro aniversário, usando um aparelho de contenção denominado rape rack [em que uma vaca é imobilizada e inseminada]“, relata Justine.
Após dar à luz, a vaca amamentaria o bezerro por até um ano, mas na pecuária leiteira é comum a separação em um ou dois dias. “Bezerros machos são subprodutos indesejáveis, e todos os anos, no Reino Unido, 100 mil ou mais são abatidos, enquanto outros são vendidos para a produção de carne de vitela”, informa a autora, acrescentando que a imensa demanda física leva à infertilidade e infecções graves (mastite e laminite), reduzindo produtividade e expectativa de vida. Nesse sistema, um animal que poderia viver naturalmente pelo menos 20 anos, é morto com não mais do que seis anos.
Justine Butler não considera um exagero dizer que o leite é produto do estupro, sequestro, tortura e assassinato, considerando que as vontades e os anseios da vaca são completamente desconsiderados:
“Atos de violência sexual ou atividade sexual forçada com animais geram repulsa na maioria das pessoas. Então, por que fechamos os olhos para esse tratamento dado às vacas leiteiras? O leite é o produto da exploração das capacidades reprodutivas de um corpo feminino. Considerar isso uma questão feminista não é radical, mas uma posição política totalmente defensável. As vacas compartilham conosco a arquitetura básica do cérebro responsável pela emoção. As vacas mães se sentem extremamente angustiadas quando as suas crias são tiradas delas – elas choram e berram. Elas ainda estão de luto quando a máquina de ordenha suga o leite de seus úberes. Um torturante ciclo de tormento físico e emocional é imposto sobre elas até sucumbirem. O leite vem de uma mãe enlutada e isso é uma questão feminista.”
Referência
Butler, Justine. Why milk is a feminist issue (2015).
Pecuaristas estão trocando o leite pela cerveja nos Estados Unidos
“Descobrimos a nossa paixão pela cerveja artesanal”
O casal de pecuaristas Molly Stevens e Sean DuBois está trocando o leite pela cerveja nos Estados Unidos. Situada em Massachussetts, a fazenda Carter & Stevens, que era totalmente dedicada à criação de vacas e produção de laticínios, agora está operando também como cervejaria porque seus proprietários estão enfrentando a maior baixa histórica desde que a fazenda foi fundada, segundo informações do New York Times.
“Descobrimos a nossa paixão pela cerveja artesanal”, explica DuBois. Embora eles não tenham feito uma transição completa, o que significa que continuam operando parcialmente como uma fazenda de produção de laticínios, tudo indica que em breve as vacas leiteiras já não serão mais ordenhadas na propriedade, seja mecanicamente ou manualmente. E por um motivo bem simples, o casal vende cada litro de cerveja por sete dólares contra os 0,16 centavos por litro de leite.
Molly Stevens e Sean DuBois não têm dúvidas de que o mercado de leites vegetais deve ocupar cada vez mais espaço. Por isso, decidiram investir na cervejaria. Outras fazendas consideradas tradicionais no ramo de laticínios já fizeram uma transição completa. Dos exemplos mais emblemáticos está a Elmhurst Dairy que depois de 80 anos se transformou na marca vegana Elmhurst Milked, de leites vegetais.
Mike Lanigan, o pecuarista canadense que transformou a própria fazenda em um santuário
“Quando chegar à minha velhice, quero que seja com uma consciência limpa e agradável”
Em 2016, o pecuarista canadense Mike Lanigan, de Uxbridge, Ontário, estava ajudando um bezerro prematuro a mamar pela primeira vez quando se questionou sobre a sua fonte de renda, que se baseava em criar animais para mais tarde enviá-los ao matadouro: “Eu estava fazendo isso com tanto amor, e conversando com ele, limpando a sua face e tentando fazê-lo mamar em sua mãe.”
Lanigan ponderou sobre a contradição de dar a um animal todo esse cuidado simplesmente para depois enviá-lo ao abate. “Nunca gostei dessa parte, mas como fazendeiro você pode simplesmente desligá-la. Então pensei em como eu era hipócrita em dar tanto amor e no final agir de forma tão diferente desse amor”, diz Lanigan em um vídeo publicado por sua funcionária, Edith Barabash, na página do santuário Farmhouse Garden Animal Home.
Da terceira geração de uma família de criadores de gado, Mike Lanigan era uma criança quando se mudou nos anos 1950 para a fazenda onde vive até hoje. Mais tarde, foi para a faculdade e depois retornou. Mas somente a experiência de amamentar um bezerro prematuro fez com que mudasse o rumo de sua vida em 2016.
Com um choque de consciência, Lanigan decidiu que não exploraria nem mataria mais nenhum animal. Na realidade, fez mais do que isso. Transformou a tradicional fazenda de gado em um santuário para bovinos, aves, equinos e animais de outras espécies – um lugar onde podem viver até os seus últimos dias em paz. Porém, Lanigan sabia que seguir por esse caminho não seria fácil, porque uma das partes mais difíceis é conseguir recursos para alimentar todos os animais.
Além disso, passou a ser visto com outros olhos pelos vizinhos e se tornou alvo da piadas. Os fazendeiros da região pararam de acenar e de cumprimentá-lo quando passavam por sua propriedade. Ele não reagiu mal à reação. Apenas entendeu que os fazendeiros se sentiam ameaçados por sua atitude inimaginável. “Há um forte ativismo animal acontecendo. E não percebi todas essas nuances quando decidi fundar um santuário”, enfatiza. Até mesmo seus filhos ficaram com raiva no primeiro mês, porque estavam planejando assumir a fazenda de gado nos próximos anos. Com o tempo, entenderam e respeitaram a sua decisão.
Lanigan passou a ser visto como um sobrevivente em seu meio, porque vários de seus vizinhos, que também eram fazendeiros independentes e investiam no gado de corte e no gado leiteiro, não resistiram às pressões do mercado e acabaram vendendo suas fazendas para corporações e grandes produtores de gado. Apesar das dificuldades, Mike Lanigan está feliz com a sua decisão. Para angariar recursos para sustentar todos os moradores da fazenda, ele decidiu investir na produção de vegetais orgânicos e de xarope de bordo.
Em 2017 a fazenda foi transformada na Farmhouse Garden Animal Home, um abrigo para animais sem fins lucrativos que é mantido com os recursos da produção de vegetais orgânicos e por meio de doações. “Quando chegar à minha velhice, quero que seja com uma consciência limpa e agradável”, revela Mike Lanigan.
Referências
Farmhouse Garden – Animal Home. Our Story (2017).
Senhor Boiada
Um caminhão que levava o gado para o matadouro tombou na estrada. Nenhum dos animais se feriu gravemente. As pessoas se aglomeravam em torno dos bois tentando capturá-los e levá-los para casa. Um senhor desceu do carro armado e gritou:
Deputado envolvido em exportação de gado vivo tem seu nome associado a trabalho escravo e sonegação de impostos
O deputado federal Paulo Roberto Gomes Mansur (PRB-SP), mais conhecido como Beto Mansur, é um empresário do setor de comunicação e ruralista que se tornou ainda mais conhecido no cenário nacional depois que realizou uma suposta fiscalização no Navio Nada, contratado pela Minerva Foods para transportar em situação suspeita 27 mil bois para serem abatidos na Turquia.
Mesmo contrariando laudos anteriores apresentados por médicos veterinários e pela vigilância agropecuária, ele afirmou que os animais e as acomodações “estavam em boas condições”. Porém, fotos e vídeos que circulam pela internet contestam essa afirmação. Inclusive há testemunhos de ativistas, que protestaram contra o embarque dos animais, que acusam Beto Mansur de ter feito uma “maquiagem” para garantir que o navio seguisse viagem.
As denúncias, inclusive de maus-tratos, levantam suspeitas sobre as condições do transporte de “cargas vivas” para fora do Brasil, já que outras queixas surgiram bem antes, em dezembro de 2017, quando a Minerva Foods enviou 27 mil bezerros para a Turquia. De acordo com publicação da Revista Globo Rural do último dia 6, mais de 100 mil animais devem seguir o mesmo destino em breve, informação confirmada pelo ministro da Agricultura Blairo Maggi, que também é um dos responsáveis pela intervenção que garantiu à empresa alimentícia Minerva Foods o direito de despachar mais 27 mil bovinos para a Turquia na última semana.
A autorização também abriu um precedente para a derrubada de outra liminar, que proibia o transporte de cargas vivas em território nacional. Sendo assim, a exceção foi elevada à padrão com a medida da presidente do Tribunal Regional da 3ª Região, desembargadora federal Cecília Marcondes, favorável à exportação de “cargas vivas”. Ela justificou que essa proibição é inconsistente porque viola o indispensável e fundamental princípio da separação dos poderes, alegando que a uma série de atos normativos estabelecidos pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento que garantem controle da qualidade, da segurança e do bem-estar dos envolvidos..
No entanto, o parecer favorável à exportação de animais vivos na realidade considerou apenas o aspecto econômico da atividade, e desconsiderou as inúmeras situações em que esses animais são privados do mínimo de “bem-estar”, endossado pelos laudos de maus-tratos e não conformidade sanitária, indo contra a Instrução Normativa nº 13 de 2010, que versa sobre exportação de ruminantes para o abate em condições “favoráveis” que não envolvam sofrimento ou restrições sanitárias.
Porém, se isso não é o suficiente, talvez seja relevante aos leitores saberem se os envolvidos na intervenção que está garantindo o andamento das exportações de animais vivos são pessoas de ilibada conduta. O deputado federal Beto Mansur (PRB-SP), por exemplo, foi condenado pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) no dia 3 de abril de 2014 por dano moral coletivo devido à exploração de trabalho análogo ao escravo e infantil em sua fazenda em Bonópolis, Goiás, conhecida como Fazenda Triângulo.
As investigações do TST revelaram que havia pessoas vivendo em barracões com coberturas de plástico preto e palha, sem banheiro e sem água potável. E mais recentemente, no dia 23 de janeiro deste ano, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, denunciou Mansur ao Supremo Tribunal Federal (STF) por sonegação do imposto de renda. Segundo Raquel, o deputado federal sonegou pelo menos R$ 796 mil na declaração de 2003.
Questionada sobre as implicações de um laudo inverídico elaborado por iniciativa, intervenção ou participação de um deputado federal, a juíza Rosana Navega, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), informa que o artigo 69 A da lei 9.605/98 tipifica essa prática como crime com pena de 3 a 6 anos de prisão; o que pode acarretar também condenação e inelegibilidade por oito anos em conformidade à lei complementar nº 135/2010, denominada “lei da ficha limpa”. “O artigo segundo da lei 9.605/98 enquadra no mesmo crime grave de laudos falsos todos aqueles que de qualquer forma concorrem para a prática dos crimes definidos por esta lei. Ou seja, quem encomendou o laudo também está enquadrado no crime, porque teve interesse no laudo falso, e concorreu para a prática do crime”, enfatiza a juíza.
Valdir Colatto e Luiz Carlos Heinze querem “arrendar” terras indígenas
Em 2016, o Estadão publicou a série de reportagens Terra Bruta, revelando que embora seja proibido criar gado em área indígena, fazendeiros já têm mais de 93 mil cabeças de gado na terra indígena dos javaé e carajás, na Ilha do Bananal (TO). Como se isso fosse pouco, atualmente, duas lideranças da Bancada Ruralista, Valdir Colatto (PMDB/SC) e Luiz Carlos Heinze (PP/RS) estão tentando viabilizar um projeto que permite o “arrendamento” de terras indígenas. Colatto também é o deputado federal responsável pelo projeto que tenta legalizar a caça de animais selvagens no Brasil.
Minerva Foods: impacto ambiental, vazamento de amônia e demissão em massa
A empresa alimentícia Minerva Foods, responsável pelo envio de aproximadamente 54 mil bois à Turquia desde que o Porto de Santos voltou a realizar o transporte de animais para exportação em dezembro do ano passado, é apontada pela revista Globo Rural como a segunda maior exportadora de carne bovina do Brasil, e não é novidade para ninguém que com a queda da JBS/Friboi, a empresa pode se consolidar como a maior produtora de proteína animal do Brasil em 2018.
A Minerva Foods começou a chamar muita atenção no ano passado pelo grande volume de animais enviados para serem mortos e comercializados fora do Brasil, um negócio que há muito tempo é reprovado no mundo todo, e não apenas por defensores dos direitos animais, entidades de bem-estar animal e ambientalistas, mas também por profissionais de medicina veterinária e do setor de vigilância sanitária, que reconhecem que não há transporte de carga viva sem maus-tratos e impacto ambiental.
Normalmente os problemas incluem má acomodação, alimentação deficiente, incapacidade de movimentação e até mesmo casos de ações diretas de crueldade que culminam na morte do animal. Segundo a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), em uma viagem com 27 mil bois para a Turquia, por exemplo, é preciso trabalhar com uma margem de perda de pelo menos 10% dos animais, o que significa que até 2,7 mil bovinos poderão morrer antes de chegaram ao seu destino. E para o “descarte” desses animais, há sempre um moedor ou triturador nos “navios boiadeiros”.
Também de acordo com a Embrapa, um bovino criado para extração de carne produz em média de 30 a 35 quilos de esterco por dia. Sendo assim, em uma viagem marítima com 27 mil bois, e duração de 15 dias, esses animais podem produzir até 945 mil quilos de fezes e urina, e não raramente os dejetos são lançados ao mar, provocando grande impacto ambiental.
A flexibilização das multas e das leis em situações que envolvem exploração animal em pequena ou grande escala também favorece essas consequências. Na semana passada, por exemplo, mesmo após a constatação de irregularidades, a Secretaria de Meio Ambiente de Santos multou a Minerva Foods em pouco mais de R$ 1,4 milhão por inadequação no transporte de “carga viva”. Em síntese, maus-tratos contra animais. Sim, “carga viva” é o termo formal. Mesmo que se trate de vidas, os bovinos, como bens móveis, são qualificados apenas como “carga”. Essa multa, assim como outra de R$ 2 milhões emitida sob a causa de poluição atmosférica, não significou nada para a empresa, e nem poderia ser diferente.
Só no segundo trimestre de 2017, a Minerva Foods alcançou uma receita bruta de R$ 2,76 bilhões, segundo informações da Revista Globo Rural de outubro de 2017. E desde a queda da JBS/Friboi após a Operação Carne Fraca, a Minerva Foods estreitou ainda mais o seu relacionamento com a Bancada Ruralista na Câmara dos Deputados em Brasília, o que claramente levanta suspeitas sobre jogo de interesses e favorecimentos.
Uma grande prova disso foi a intervenção do deputado federal Beto Mansur (PRB-SP), do senador Ronaldo Caiado (DEM-GO) e do ministro da agricultura Blairo Maggi (PP-MT) em favor da Minerva Foods, garantindo a liberação do Navio Nada com destino à Turquia, levando cerca de 27 mil bovinos. O resultado gerou surpresa e comoção porque até então tudo indicava que o Brasil em uma ação revolucionária, necessária e endossada legalmente já não toleraria mais o transporte de cargas vivas, que comprovadamente vai na contramão até mesmo da mais sutil compreensão do bem-estar animal.
No entanto, como o próprio ministro é um dos maiores representantes dos ruralistas no Brasil a sua atuação foi bastante previsível quando ele decidiu intervir em benefício do lucro e em detrimento dos milhares de animais no Navio Nada, mesmo depois de laudos comprovando maus-tratos e más condições de acomodação. E não bastando a liberação do navio, outra intervenção garantiu que a exportação de animais vivos em todo o território nacional voltasse a ser permitida. A liminar que proibia tal prática foi derrubada pelo desembargador do TRF-3 Fábio Prieto, sob a alegação de que isso “enseja “grave risco de lesão à agropecuária nacional”, o que desconsidera completamente a realidade dos animais e, mais uma vez, considera somente os lucros dos envolvidos, ou seja, interesses particulares em detrimento da vida e do meio ambiente.
O que também não pode ser desconsiderado nessa questão de exportação de bovinos, é que a Minerva Foods, que deve liderar as exportações de animais vivos no Brasil em 2018, esteve envolvida nos últimos anos em diversos escândalos, como vocês podem conferir no meu artigo “Minerva Foods: maus-tratos contra animais, pagamento de propina, exportação de carne contaminada e trabalho escravo”. E como se não bastasse, a empresa também é a responsável por uma tragédia registrada em 6 de outubro de 2015, quando o navio Haidar, com cinco mil bois vivos, tombou em um cais em Barcarena, no Nordeste do Pará, resultando na morte da maior parte dos animais. Segundo o prefeito de Barcarena, Antônio Carlos Vilaça, o navio da Minerva Foods deixou óleo em todas as praias do município, gerando grande impacto ambiental, e inviabilizando até mesmo o turismo.
Outra tragédia foi registrada em 31 de agosto de 2016, quando um vazamento de amônia no frigorífico Minerva Foods em Barretos, interior paulista, resultou na morte de uma pessoa e deixou 30 feridas. Porém, o primeiro episódio em que a empresa foi responsabilizada por um vazamento de amônia que feriu funcionários foi em 2012. Em 2013, a Justiça do Trabalho de Araraquara condenou a Minerva Foods a pagar R$ 200 mil por danos morais coletivos devido a irregularidades.
Segundo investigação do jornalista Marcelo Toledo, em publicação da Folha de S. Paulo de 31 de agosto de 2016: “A empresa, que também respondia a uma outra ação civil pública em Araraquara por não realizar o controle de vazamentos de amônia, firmou acordo judicial com o MPT em 2014, no valor de R$ 750 mil, para extinguir as ações.”
Argumento comum de quem defende a Minerva Foods no caso da exportação de bovinos vivos é o de que pessoas envolvidas na cadeia produtiva podem ser prejudicadas economicamente pelo impedimento na operacionalização de suas atividades. No entanto, essas pessoas desconsideram fatos que merecem ser considerados. Um exemplo é o de que a Minerva Foods também é conhecida por suas demissões em massa. Um dos casos mais emblemáticos foi registrado em Mirassol D’Oeste, No Mato Grosso, em 2015, quando o Ministério Público do Trabalho entrou com uma ação contra a empresa pela demissão de mil funcionários, ou seja, de todos os funcionários de uma de suas unidades.
Um papo com um pecuarista
Na casa de um amigo já idoso, chegou um senhor com um chapéu de couro sobre a cabeça. Nos cumprimentamos e ele começou a reclamar com o anfitrião.
— Como vai o senhor? — perguntou o amigo.
— O senhor fique sabendo que gado hoje em dia não dá dinheiro como antigamente — respondeu coçando a cabeça.
— Pra mim o manejo do gado tá saindo muito caro, sempre sobra pouco depois da venda do rebanho. Isso não é certo. A indústria tá levando a melhor.
— É, não é fácil.
— Esse menino aqui não come carne, não come nada de origem animal — comentou o amigo apontando para mim.
— Por que não, rapaz?
— Não vejo necessidade, é desnecessário.
— Como assim desnecessário?
— Olhando pra mim, o senhor acha que eu pareço alguém que precisa de carne ou algo de origem animal?
— Não. Mas o que tem de errado em comer carne?
— O que tem de errado em não comer carne?
Silêncio.
— Bom, vou ser honesto com o senhor. Não acho correto matar animais para reduzi-los à comida. Será que a morte vale a pena? Qual seria a expectativa de vida desses animais se eles não fossem enviados para o matadouro?
— Ih, rapaz. Nem sei, se não desse dinheiro, eu nem criaria. Quando a gente faz isso a vida toda não pensa nessas coisas não — comentou sorrindo.
— Mas o senhor já considerou isso?
— Talvez, quando era criança, mas a vida endurece o homem.
— O senhor tem razão, mas acredito que a vida só endurece o homem quando ele fecha os olhos para coisas que em algum nível já o incomodaram.
— Sim, mas a vida é desse jeito mesmo, realidade pura e cada um cuidando do seu.
— O senhor tem filhos, netos, não?
— Sim…
— Eles brincam com os animais que o senhor cria?
— Meus netos, às vezes, mas só com bicho manso, né?
— E o que isso significa?
— Não sei, me diga você.
— Um animal que brinca com um ser humano normalmente reage a um estímulo, e esse estímulo é baseado em como ele se sente diante do outro. Quero dizer, enquanto reação natural esse comportamento revela emoção, sentimento. O senhor concorda?
— Pode ser.
— Na realidade, até quando o gado é bravo, ele revela emoção e sentimento, já que isso significa que ele resiste a ser subjugado.
— Não tem problema, dá-se um jeito.
— Como seus netos brincam com o gado manso, por exemplo?
— Passam a mão na cabeça, afagam o pelo.
— Como o gado reage?
— Fecham os olhos. Temos um novilho que deita no chão e esfrega as costas no pasto, parece cachorro — respondeu rindo.
— E ele vai ser enviado para o matadouro?
— Sim…claro, criamos pra isso.
— Me desculpe a pergunta, mas como o senhor se sentiria se um amigo o abraçasse, o tratasse com carinho e no dia seguinte preparasse uma emboscada para matá-lo?
— Claro que ficaria bravo e decepcionado. O que isso tem a ver com a conversa?
— Não é esse o tratamento dado ao gado?
— Gado não é gente, meu rapaz.
— Sim, o senhor tem razão. Mas a questão não é coloca-los no nível dos seres humanos. Se eles brincam, demonstram emoções, será que não são capazes de sentirem-se traídos?
— Não tenho a mínima ideia.
— Não é uma forma de dissimulação ou traição evitar que o gado reconheça o seu destino? Quero dizer, não é padrão um boi testemunhar outro sendo morto. Provavelmente, porque ele vai querer fugir. Afinal, não é isso que ele quer para a vida dele, não é mesmo?
— Não sei. A gente só recebe de volta o que foi investido no animal.
— O senhor, nunca se sentiu como se estivesse traindo esses animais? Imagino que também já acariciou bois, vacas…
Silêncio.
— Essa conversa tá estranha, rapaz.
— Tudo bem.
— O senhor comentou há pouco que a criação de gado não está dando dinheiro. Há culturas hoje em dia com boa demanda e pouca oferta, como chia orgânica e feijão orgânico. Talvez seja algo que o senhor possa considerar. Tenho um amigo que é engenheiro agrônomo e já transformou áreas de pastagens, inclusive degradadas, em lavouras de chia e feijão aqui no Norte do Paraná.
— Se dá dinheiro, me interessa. Peça pra ele falar comigo.
— Ok.