Archive for the ‘Matadouro’ tag
“Qual foi a sua maior realização?”

“Você gostaria de ter um dardo penetrando o seu cérebro? Particularmente, reconheço que não” (Foto: Halal Slaughter Watch)
Hoje, pensei brevemente no alemão Hugo Heiss, falecido há muito tempo. Ele é o criador da captive bolt pistol, a pistola usada para “atordoar” animais antes da morte desde 1903. Não pude deixar de considerar o pretenso diálogo:
— Qual foi a sua maior realização?
— Criei uma arma que dispara um dardo que penetra o crânio e o cérebro de um animal. No futuro será uma aliada na morte de bilhões de animais por ano.
Acredito que nem Hugo Heiss imaginaria como sua invenção seria tão naturalizada no futuro, e considerada um “ato de humanidade para com os animais”. Então eu te pergunto, você gostaria de ter um dardo penetrando o seu cérebro? Particularmente, reconheço que não.
Ativistas filmam espancamento de porcos em matadouro na Inglaterra
“Eles estavam abusando dos animais que já estavam aterrorizados”
Na segunda-feira, dez ativistas do Save Movement, de Sheffield, na Inglaterra, estavam participando de uma vigília com duração de três horas em frente ao matadouro Bramall & Son quando testemunharam a chegada de 10 a 12 caminhões que transportavam porcos, ovelhas, bois e vacas.
Na ocasião, Jordan Heart e outros ativistas ouviram gritos partindo do pátio. Quando chegaram ao local, testemunharam um funcionário do matadouro chutando um porco que gemia e gritava. As cenas foram filmadas e compartilhadas pelo Sheffield Animal Save.
“Eles estavam abusando dos animais que já estavam aterrorizados. Ficamos chocados com a possibilidade de chutarem e abusarem dos animais, especialmente porque os fazendeiros alegam que se preocupam com os seus animais”, declarou Heart.
Após o abate, antes de deixarem o local, os ativistas viram partes dos animais, antes amedrontados, serem jogadas em uma caçamba de lixo do lado de fora do matadouro. O Save Movement é conhecido por acompanhar e registrar a realidade dos matadouros, principalmente o abate de porcos, bois, vacas, frangos, galinhas, ovelhas e de outros animais. O objetivo é conscientizar as pessoas sobre a realidade da produção de alimentos de origem animal.
A gloriosa e trágica história da vaca Heroína
Nem sempre as vacas aceitam o seu suposto destino após uma vida de exploração como vaca leiteira
Nem sempre as vacas aceitam o seu suposto destino após uma vida de exploração como vaca leiteira. Exemplos não faltam. Um dos mais recentes foi registrado no sul da Polônia, quando uma vaca, transportada em um caminhão até um matadouro, conseguiu fugir, derrubando uma cerca e nadando até uma das ilhas do Lago Nyskie, que faz parte do Rio Nysa Kłodzka. As suas companheiras não tiveram a mesma coragem.
De acordo com o site polonês Wiadowmosci, o senhor Lukasz, o pecuarista que enviou a vaca para o matadouro, lucraria o equivalente a pouco mais de R$ 5,6 mil com a sua morte: “Eu a vi debaixo d’água, mergulhando”, disse. Pensando no dinheiro, o pecuarista procurou um veterinário local para atirar na vaca com um tranquilizante e levá-la de volta. Além do animal escapar mais uma vez, o veterinário não pôde fazer nada porque estava sem munição a gás.
O pecuarista então desistiu de capturá-la e deixou comida na ilha. Dias depois, quando os bombeiros usaram um barco para atravessar o Nyskie, a vaca que ficaria conhecida como Heroína, nadou mais de 50 metros até uma península vizinha. Um político local, Pawel Kukiz, se ofereceu para salvá-la da morte. Em sua página no Facebook, ele declarou que “ela fugiu heroicamente, e que não era a primeira vez que uma vaca fugia em busca da liberdade.”
Kukiz logo encontrou um santuário para recebê-la. No dia em que a vaca seria enviada para o novo lar, um veterinário e quatro equipes de resgate navegaram até a ilha. O medo de Heroína em retornar ao matadouro era tão grande que ela desapareceu em meio à densa vegetação.
Foram necessárias algumas horas e três dardos tranquilizantes para contê-la. No entanto, o estresse vivido por Heroína ao longo de quatro semanas, e o medo do contato humano, fez com que ela falecesse após o resgate, em decorrência de um ataque cardíaco.
Talvez a história de Heroína sirva de lição para entendermos que a vontade de viver não é uma prerrogativa estritamente humana, e o quanto é traumatizante para um animal ser explorado exaustivamente e mais tarde enviado para um matadouro, onde sua vida vale o preço de sua carne.
Chris Mills, um homem do campo que se tornou vegano depois de testemunhar o sofrimento dos porcos a caminho do matadouro
“Olhei aqueles pobres animais nos olhos e sabia que estavam sendo enviados para a morte”
Um homem do campo, Chris Mills trabalhou por 20 anos em fazendas de produção de leite em Ontário, no Canadá. Além de viver a realidade comum de quem ignora o sofrimento vivido pelos animais criados para consumo, ele também era um ávido caçador. No entanto, Chris se apaixonou por uma vegetariana, com quem acabou se casando quando começou a trabalhar na construção de rodovias.
As conversas com sua esposa o levaram a ver os animais com outros olhos. Porém, não o suficiente para que ele abdicasse do consumo de animais. A transformação veio com um choque de realidade e um olhar atento que o fizeram perceber que a carne que ele consumia era, de fato, proveniente de criaturas com emoções e sensações muito semelhantes às nossas.
Um dia, Chris estava dirigindo uma máquina quando o tráfego na rodovia foi interrompido. Ao seu lado, havia um caminhão transportando porcos para um matadouro em Quebec. “Esse foi o dia em que fiz a conexão. Olhei aqueles pobres animais nos olhos e sabia que estavam sendo enviados para a morte. A temperatura estava em 36 graus abaixo de zero e eles estavam congelando. Suas peles estavam vermelhas e você podia ver gelo em algumas de suas faces. Meu coração sangrou. Me senti tão mal que disse a mim mesmo que daria um basta nisso, que eu nunca mais causaria mal a qualquer outra criatura novamente! Jamais olhei para trás”, garante.
Chris Mills não teve dificuldade em se tornar vegano e abandonar todos os alimentos de origem animal. O que facilitou a sua transição foi o prazer em cozinhar e mostrar às pessoas que “a comida vegana é deliciosa e bonita”. Hoje, não apenas Chris e a esposa são veganos, mas também a filha do casal – veganos a favor da vida, segundo ele. Em 2015, Chris e a esposa Kim transformaram a própria casa em um pequeno santuário – The Grass Is Greener, que é focado especialmente no resgate de coelhos que são enviados para a indústria da carne.
Referência
Capps, Ashley. Former Meat and Dairy Farmers Who Became Vegan Activists. Free From Harm.
Vidas não valem nada
Vidas não valem nada, concluí quando saí do matadouro após uma visita no mês passado. O magarefe posicionou a pistola contra a cabeça de um boi dócil e disparou. Um tiro absterso e silente. O dardo penetrou o crânio do animal e o fez deitar no chão. Barulho intenso. Tive a impressão de que algo estava explodindo. E não estava? O mundo de um animal que naquela tarde não imaginava que não veria a noite ou um novo dia. Não chorava feito criança, embora corpulento e desgracioso tremia como um recém-nascido – (in)voluntariamente, batendo de um lado para o outro dentro de uma caixa de tijolos. Morto? Sim ou não, depende de quem vê. O magarefe não viu os olhos embaciados do boi. Não, aquilo era perigoso. Limpou a pistola, sem prestar atenção no bicho e ajeitou os fones de ouvido por baixo do abafador:
Boi marcado para morrer
A boiada desceu do caminhão, mas alguns animais sentiram um cheiro nauseoso e acidulce. Resistiram a entrar em um corredor estreito por onde ninguém retornava. Um dos campônios começou a assobiar para sopitar e docilizar os bovinos. Os bois serenaram. O primeiro da fila manteve um olhar hirto e esfíngico em direção ao paroleiro. Nenhuma palavra, nenhum sinal. Se distanciou dos companheiros e seguiu rumo à caixa enquanto os outros aguardavam a metros de distância.
Assim que Milovan levantou a marreta para golpear o boi, ele recuou. O animal abriu a boca e cuspiu um pedaço de papel. Nele, havia uma frase: “O assobio da morte é a lorpa tirania do mais forte.” O homem fitou os olhos do boi e arredou:
— Sim, sei que você vai matar a mim e aos meus companheiros. Não vou resistir — disse o boi.
— Quê? Como você tá falando?
— Isso não importa. Vou te contar a história de Djordje, o Carrasco de Negotin, um sujeito bamba. Assim como você, ele também vindimava a mando dos outros. Até que um dia, quando se aposentou depois de matar animais como eu e meus companheiros ao longo de 30 anos, Psoglav apareceu para cobrar uma dívida.
— Que dívida?
— As vidas que ele tirou. Para cada animal que ele matou, Psoglav levou um de seus descendentes. E quando não restou mais nenhum deles, ele o perdoou e disse que seus últimos anos seriam de reparação.
O Carrasco de Negotin perguntou por que punir ele e não quem o pagou:
— Todos são penalizados, no meão ou na cessação da vida. Quem te pagou deixou de existir há muito tempo, você sabe. Além disso, não comprou apenas seus serviços, mas também a supressão da sua vocação humana. Você não teria morrido de fome se não tivesse aceitado esse trabalho. Eu o conheço. Em algum nível, você aprendeu a gostar do que fazia, um tipo de acromania e, mesmo que não tivesse gostado, nada impedia-te a partida. A existência pautada na morte é estéril, baldada, mesmo para quem não a enxerga.
Djordje aquiesceu e Psoglav se desvaneceu. O boi abaixou a cabeça, toldou os olhos e aguardou a marretada. Milovan a colocou no chão e ajoelhou-se. O animal saiu da caixa e caminhou em direção à saída. O corredor alvoreceu e a boiada desapareceu.
O boi Fujão
Tarde de 1992. Vi um boi correndo por uma das estradas nas imediações da Fazenda Ipiranga. Alguém gritou: “Segura! Segura! Pega! Pega ele!” O boiadeiro seguiu na treita do animal que ziguezagueava confuso, como se não soubesse o que fazer; mas não queria ceder. Era enorme, o maior visto na minha infância. Mais homens foram atrás. Faziam círculos no ar com corda americana.
Na primeira tentativa, o peão da dianteira fez do laço um colar malquisto no pescoço do boi. Breve gemido. Outros quatro também o laçaram em sequência e saltaram dos cavalos. Cinco homens e um esforço tremendo. Suas vontades não se comparavam a do boi que os arrastou como papel ao vento. Um deles bateu a cabeça contra um pedregulho e sangrou, sangrou. Nem levantou – só rolou. Outro peão recuou. A perseguição continuou.
“Você vai pro matadouro, bichão!”, gritou, levantando o punho e mostrando uma mão coberta por luva de couro. O boi parou e assistiu a movimentação levantando poeira em sua direção. Destemor. Os cavalos empacaram. Não queriam continuar. Gritos. Nada. Espora na carne? Sim, sangue dimanando. Nenhum efeito. É, os bichos se entendiam. Troca de olhares, comandos ignorados.
“Vambora, seu filho da puta!”, berrou um deles chicoteando o dorso do cavalo com tanta raiva que babava. O cavalo? Nem reagia, anestesiado, modorrado. Pés no chão. A situação mudou. O boi abaixou a cabeça, levantou e correu em direção aos peões. Mano a mano, cabeçada violenta no estômago do primeiro o lançando em uma vala. Se juntaram para pegá-lo.
“Vou te furar, seu merda!”, berrou o mais afoito correndo em direção ao boi. “Não faça isso, seu babaca! Se matar esse bicho aqui você vai pra rua!”, repreendeu o chefe dos peões. “Agora é uma questão de honra!” O boi nocauteou mais um – cabeça com cabeça. Descuido, canivete de castração no lombo.
O sangue vertia – mas ele não cedia. Arremessou o chefe dos peões contra uma árvore. Caiu sentado com as pernas abertas e a boca sangrando: “Suma da minha frente!” Fujão, nome dado em 1992, desapareceu na poeira da contenda. Adotado por Geraldo, filho de Seu Santo, faleceu no mês passado, 27 anos – 25 distante da violência humana.
Realização do abate halal no Brasil contradiz suposto “abate humanitário”
No Paraná, e creio que também em diversas regiões do Brasil, o abate de animais sob preceitos islâmicos acontece frequentemente. Eles chamam o ritual de Zabihah. Os próprios compradores do Oriente Médio selecionam os profissionais que farão o serviço. O Paraná é o maior exportador de frangos do Brasil. Moro em uma região “produtora”, e a cada ano aumenta a demanda pelo abate halal, que consiste em cortar os três principais vasos – jugular, traqueia e esôfago.
Nessas horas, eu pergunto: “Me diga aí onde está na prática o crescimento do ‘abate humanitário’ de animais criados para consumo?” Claro, sou contra qualquer consumo de animais, mas essa é uma das situações que revelam a contradição do chamado “abate humanitário”.
Não existe pseudo-abate humanitário ou pseudo-bem-estarismo quando o que está em jogo são milhões ou bilhões de reais. Se houvesse um método ainda mais macabro de abate de animais que garantisse o dobro em dinheiro, não tenho dúvida nenhuma de que políticos dariam um jeito de legitimá-lo legalmente.
“Se quiser fazer o seu próprio hambúrguer, o processo começa aqui”
[No matadouro]
— Como é matar boi o dia inteiro? O senhor não acha que isso é assassinato? O senhor não acha que sacrificar esses animais é crime?
— Acho.
Todos permanecem em silêncio.
— Então o senhor se considera um assassino?
— É.
A curta resposta cala a mulher e garante a quietude dos demais.
— A senhora já comeu um hambúrguer?
A mulher responde que sim com a cabeça.
— E como a senhora acha que ele foi parar lá?
[…] Ele entrega a marreta para a mulher.
— A senhora pode descobrir se quiser. […] Se quiser fazer o seu próprio hambúrguer, o processo começa aqui.
A mulher larga a marreta no chão e começa a chorar.
Excertos de “De Gados e Homens”, de Ana Paula Maia, romance lançado em 2013 pela Editora Record.
“A Vaca Deitada” de Van Gogh
1883 – “A Vaca Deitada” não é uma pintura muito conhecida de Van Gogh, mas é uma das minhas preferidas, porque foi pintada depois que ele decidiu não consumir mais animais ao testemunhar o sofrimento dos bovinos nos matadouros franceses. Por isso, creio que ele transferiu para a obra a prospectiva inerente, de quem já via algo nos animais que o impedia de se alimentar deles.
Talvez “A Vaca Deitada”, com seu olhar espartano, e sob uma perspectiva consideravelmente diluída, tenha sido uma manifestação de Van Gogh em eternizar o instante de paz de um animal que provavelmente não viveria muito.