David Arioch – Jornalismo Cultural

Jornalismo Cultural

Archive for May, 2016

Uma situação que diz muito sobre a nossa política

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Deputados se apropriando de parte do salário de seus assessores não é prática incomum na Alep (Arte: Reprodução)

Depois de ler uma matéria sobre o secretário estadual acusado de ter mantido dois funcionários fantasmas em seu gabinete na Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) em 2014, quando atuava como deputado estadual, lembrei de uma história que um amigo me contou há algum tempo.

A sua prima foi convidada para trabalhar como assessora de um deputado na Alep, só que o que ela não imaginava era que 50% do seu salário teria de ser entregue ao deputado, provavelmente para o “caixinha” da próxima campanha ou talvez para ajudar a financiar o partido.

Constrangida com a situação e também em ser conivente com tal improbidade, ela optou por pedir exoneração do cargo. Não tenho dúvida alguma de que a prática seja muito comum. O problema é que não há tantas notícias sobre o assunto porque muitos ainda são coniventes. Enfim, uma lástima que endossa o fato de que há muita gente capaz de abrir mão da honra e da dignidade por causa de dinheiro.

Idosos e a depressão

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O "Velho Homem em Tristeza", pintado por Van Gogh em 1890

O “Velho Homem em Tristeza”, pintado por Van Gogh em 1890

Nas últimas semanas tenho conversado com idosos com mais de 85 anos e que sofrem de depressão. Me contaram que agora começaram a se sentir mais próximos da morte. Alguns porque restam poucos de suas gerações.

“Com 80 anos, ainda me sentia um pouquinho jovem”, disse um deles sorrindo. E percebi que todos eles têm uma mesma opinião reproduzida com palavras distintas.

“O mais difícil hoje é ter uma mente jovem em um corpo fustigado. A mente quer o que o corpo já não permite. Ele cobra por nossas ações. É como uma derrota difícil de aceitar”, comentou um senhor de 86 anos.

Written by David Arioch

May 24th, 2016 at 10:49 pm

Clube de Leitura do Sesc discute obras de autores paranaenses

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Uma interação lúdica e estimulante sobre o Paraná a partir da perspectiva de seus escritores

Clube de Leitura vai debater o livro “O caso da Chácara Chão”, de Domingos Pellegrini (Foto: Amauri Martineli)

Clube de Leitura vai debater o livro “O caso da Chácara Chão”, de Domingos Pellegrini (Foto: Amauri Martineli)

Iniciado esta semana na Biblioteca Municipal Júlia Wanderley, em Paranavaí, o projeto Clube de Leitura do Sesc convida leitores interessados em ler e discutir a obra “O Caso da Chácara Chão”, do escritor londrinense Domingos Pellegrini, vencedor do Prêmio Jabuti de Literatura em 1977 e em 2001. O projeto tem o apoio da Fundação Cultural.

Com o tema “Autores Paranaenses”, o objetivo é propor uma interação lúdica e estimulante sobre o Paraná a partir da perspectiva de seus escritores. “Em Paranavaí, temos um grupo que começou a se reunir na segunda-feira às 14h. Começamos lendo e depois conversamos sobre a obra”, explica a coordenadora da Biblioteca Municipal Júlia Wanderley, Cássia Ribeiro de Souza.

Segundo a orientadora de atividades de letramento Tamara Spinola, da equipe do Sesc Educação, outro grupo se reúne no mesmo local, das 9h30 às 11h, às quintas-feiras. “Vamos ler a obra ‘A Árvore que dava Dinheiro’, do Domingos Pellegrini. E aos sábados, no Sesc, leremos contos, também de escritores paranaenses. Começamos no último dia 21, sábado, com o ‘Vampiro de Curitiba’, de Dalton Trevisan’”, revela.

O Clube de Leitura foi idealizado para atender a comunidade em geral, mas principalmente os estudantes da rede pública de ensino que participam do programa Futuro Integral do Sesc. “Queremos que os leitores de Paranavaí se interessem mais pela literatura paranaense”, comenta Tamara. O projeto se encerra em agosto e os resultados serão apresentados em setembro na Semana Literária do Sesc.

O caso da Chácara Chão

Escritor de livros-juvenis, Alfredo Manfredi decide se distanciar do estresse urbano e se muda para uma chácara em busca de tranquilidade. Porém, no domingo de Carnaval, é surpreendido por um assalto. Depois de ferir um dos invasores e impedir o crime, Alfredo é surpreendido na delegacia com a acusação de que eles foram até a chácara a pedido de Olga, sua esposa, de quem um deles afirma ser amante.

Acusado de agressão e tentativa de homicídio, o escritor fica confuso e não sabe em quem acreditar e confiar. Para garantir mais realismo ao suspense, Domingos Pellegrini narra a história em ritmo cinematográfico e sincretiza elementos que prendem a atenção do leitor do início ao fim, como amor, resignação, revolta, amizade, indulgência, racismo, drogas, corrupção policial e jornalismo sensacionalista.

Saiba Mais

Em Paranavaí, os livros podem ser retirados na Biblioteca Júlia Wanderley. O projeto é oferecido em 27 unidades do Sesc do Paraná. Para mais informações, ligue para (44) 3474-8500.

Museu de Paranavaí vai ser reinaugurado no dia 5 de junho

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Espaço reúne mais de 600 peças que remetem às mais diferentes fases da formação de Paranavaí

Museu de Paranavaí vai ser reinaugurado no dia 5 de junho

Quadros da pintora Cecília Tortorelli ajudam a contar a história de Paranavaí (Foto: David Arioch)

No dia 5 de junho, o Museu Histórico, Antropológico e Etnográfico de Paranavaí vai ser reinaugurado ao lado da Casa da Cultura Carlos Drummond de Andrade, na antiga Estação do Ofício. Para comemorar a reabertura, a Fundação Cultural preparou uma programação para pessoas de todas as idades.

Às 14h, começa uma apresentação de roda de capoeira, seguida pela abertura oficial do museu e visita monitorada. “Faremos um passeio pelo acervo da história de Paranavaí. Também vamos oferecer brincadeiras e jogos tradicionais como peteca, amarelinha, cinco marias, ciranda, pula-corda, elástico, dobradura e arte em papel, além de contação de histórias”, explica a coordenadora da Casa da Cultura, Rosi Sanga, que também administra o museu.

Uma biblioteca especial vai ser montada no local, onde o público pode ter acesso ao Cantinho da Leitura e a um sebo com venda de livros usados. “Às 16h, faremos um piquenique coletivo e às 17h30 o encerramento vai ficar por conta do forró pé de serra com a turma do professor de música Glau Ribeiro”, informa Rosi. Uma exposição de obras de arte, um varal literário com obras de escritores paranaenses e declamações de poemas também fazem parte da programação.

Um acervo com 2,8 mil fotos

O Museu de Paranavaí reúne mais de 600 peças que remetem às mais diferentes fases da formação de Paranavaí. Há inclusive objetos dos tempos da Fazenda Brasileira, como Paranavaí era conhecida nas décadas de 1930 e 1940, e um acervo com 2,8 mil fotos. Muitas já foram digitalizadas e devem compor o Memorial Digital do Pioneiro. O espaço pode ser visitado de segunda à sexta das 8h às 17h. Para mais informações, ligue para (44) 3422-5018.

Política e desconforto

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Pintura "Doubt", de Ralph McDonald

Pintura “Doubt”, de Ralph McDonald

Um grande problema que percebo hoje em dia é a dificuldade de muitas pessoas em aceitar que alguém não se sinta confortável em apoiar a qualquer custo nenhuma ideologia política, ainda mais levando em conta o nosso mais do que híbrido cenário atual.

A partir do momento que você defende cegamente qualquer lado, seja de situação ou oposição, você está deixando claro que não reprova nem mesmo falhas excruciantes. E isto é um grande problema de algumas formas de militância da atualidade, a incapacidade em reconhecer erros.

E vejo muito desse “maniqueísmo ideológico e político” na internet. Existe uma unilateralidade visceral de raciocínio. Tenho opinião formada sobre algumas coisas, mas elas podem e em certas circunstâncias até devem ser mutáveis.

Written by David Arioch

May 23rd, 2016 at 11:53 pm

Flaubert e o julgamento que popularizou Madame Bovary

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O escritor dividiu a bancada dos réus com “batedores de carteira” e jovens acusados de pederastia

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Flaubert não gostou quando a Revue de Paris fez alterações substanciais em sua novela (Imagem: Reprodução)

O escritor francês Gustave Flaubert publicou Madame Bovary em 12 de abril de 1857. Mas a obra jamais despertaria tanta atenção na época se não tivesse sido considerada subversiva, o que levou o autor a um dos julgamentos mais famosos da literatura francesa.

Com tanto alarido em torno do livro, Flaubert conseguiu publicidade gratuita e Madame Bovary rapidamente se tornou um sucesso. A primeira novela exigiu cinco anos de dedicação do escritor e um retorno de 800 francos, uma quantia insignificante se levarmos em conta que só o estenógrafo que atuou em seu julgamento cobrou o mesmo valor por duas semanas de trabalho.

Porém, apesar do prejuízo, a novela e o julgamento fizeram a reputação de Gustave Flaubert, mais tarde reconhecido como criador de um novo estilo de escrita, com rítmica versada e precisão que remetia à linguagem científica. Com o veredito a seu favor, o escritor conseguiu assegurar que ninguém comprometesse o retrato detalhista e inédito na literatura francesa de uma realidade considerada “ignóbil” e tão costumeiramente velada em Paris.

Tudo começou quando Flaubert quis publicar sua obra na revista Revue de Paris e recebeu a resposta de que Madame Bovary precisava passar por cortes. “Você enterrou seu romance sob uma pilha de detalhes supérfluos. Ele não é claro o suficiente, porém é uma tarefa fácil que daremos a alguém experiente e inteligente. O trabalho vai custar 100 francos”, informaram.

Durante a sessão, o escritor foi obrigado a ouvir como o seu trabalho era de “mau gosto”, um tipo desprezível de “poesia do adultério” (Arte: Reprodução)

Durante o julgamento, o escritor foi obrigado a ouvir como o seu trabalho era de “mau gosto” (Arte: Reprodução)

A revista acabou publicando o livro em partes e fez alterações que não foram aprovadas pelo escritor. Quando soube, Flaubert exigiu que a Revue de Paris divulgasse uma nota em que ele deixava clara a sua reprovação. Logo que a crítica foi publicada, as autoridades francesas acusaram todos os envolvidos de ofensa à moral pública.

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Primeira versão de Madame Bovary, lançada em 1857 (Foto: Reprodução)

No dia do julgamento, Flaubert dividiu a bancada dos réus com “batedores de carteira” e jovens acusados de pederastia. Durante a sessão, o escritor foi obrigado a ouvir como o seu trabalho era de “mau gosto”, um tipo desprezível de “poesia do adultério”. Ainda assim conseguiu a absolvição e sua obra acabou eternizada na história da literatura mundial.

De acordo com o escritor canadense e professor de literatura Steve King, dentro de um ano, mais uma vez a vida imitou a arte. Em Hamburgo, na Alemanha, os veículos que transportavam as prostitutas começaram a ser chamados de Bovaries.

Madame Bovary

Infeliz no casamento, Emma Bovary é uma mulher sonhadora que vive no interior da França e se vê limitada por uma vida partilhada com um homem de fraca personalidade. Então ela decide mudar a própria realidade, deixando de ser apenas uma lastimosa dona de casa. Com características de heroína e anti-heroína, a senhora Bovary é a protagonista de um retrato fiel que revela a crise existencial de tantas pessoas trilhando caminhos que não são os seus, amargando um presente que antecipa um futuro indesejável.
Além disso, o que fez Madame Bovary ser considerada a maior obra-prima de Flaubert foi a sua originalidade em explorar com acuidade a condição psicológica de seus personagens, caminho que mais tarde seria percorrido por nomes como James Joyce, Marcel Proust, Virginia Woolf e Clarice Lispector. Em síntese, Flaubert se lançou substancialmente dentro da novela, tanto que ele costumava dizer: “Madame Bovary c’est moi”. Ou seja, “Madame Bovary sou eu”.

Saiba Mais

Gustave Flaubert nasceu em 12 de dezembro de 1821 e faleceu em 8 de maio de 1880 em decorrência de uma hemorragia cerebral.

Além de Madame Bovary, outras obras que fizeram a fama de Flaubert são Salambô e A Educação Sentimental.

O livro Madame Bovary foi adaptado para o cinema pela primeira vez em um filme de Albert Ray, lançado em 1932. Porém, aquela que ficou conhecida como a melhor versão surgiu em 1949 com o cineasta Vincente Minnelli. Em 2014, e sob direção de Sophie Barthes, a obra foi relançada no cinema com um elenco composto por Mia Wasikowska, Henry Lloyd-Hughes, Paul Giamatti e Ezra Miller.

Referências

http://www.todayinliterature.com/

Laurence M. Porter, Eugène F. Gray. Gustave Flaubert’s Madame Bovary: a reference guide. Greenwood Publishing Group (2002).

Gustave Flaubert’s Life, Madame Bovary, Alma Classics edition (2010).

Gustave Flaubert, Francis Steegmüller (1980). The Letters of Gustave Flaubert: 1830–1857. Harvard University. 

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O garotinho que acreditava que sua casa era uma cidade

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Brincando entre um cômodo e outro, ele simulava que tinha percorrido quilômetros

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Seus pais se fantasiavam à noite e o levavam para percorrer a Rua John Kennedy (Foto: David Arioch)

Conheci um garotinho na minha adolescência que acreditava que sua casa era uma cidade, sua rua um estado e Paranavaí um país. Seu nome era Natanael e ele era tão criativo que nominou os cômodos de sua casa como se fossem ruas. Um dia sentou no chão, fez plaquinhas a partir de caixas de papelão e as fixou nas paredes.

Havia a Rua Leão Mágico, Rua Peter Pan, Rua Pequeno Polegar, Rua Pinóquio, Rua do Gato e do Rato e Rua Três Porquinhos. E todas as plaquinhas que cintilavam no escuro por causa da tinta fosforescente traziam uma ilustração. Natanael achava importante mostrar quem eram os homenageados. E se alguém o perguntasse o porquê, ele justificava com grande facilidade.

“Por que você colocou o nome de Leão Mágico neste corredor aqui entre a sala e o seu quarto?”, questionei um dia. Então respondeu que o leão era o maior e mais forte guardião da casa e, como ele tinha o poder de desaparecer e reaparecer onde quisesse, Natanael sempre estaria seguro, assim como seus pais.

Brincando entre um cômodo e outro, ele simulava que tinha percorrido quilômetros, atravessado bairros, estradas rurais e colhido frutas no campo enquanto um ventinho fresco acariciava seu rosto. As fantasias de Natanael eram incentivadas pelos familiares.

Depois de estudar física e eletromecânica, o pai construiu um ventilador especial que simulava o som e a intensidade natural do vento. Já a mãe criou algumas pequenas árvores artificiais e aromatizadas em uma velha despensa e, sobre os galhos que balouçavam como se fossem reais, todos os dias pela manhã ela prendia frutas como maçãs, peras, laranjas e mangas, as preferidas do filho.

As paredes foram pintadas por um tio artista que morava no Rio Grande do Sul e veio a Paranavaí para criar um cenário inspirado na obra Campos de Papoula, do impressionista Claude Monet. Natanael sorria tanto no meio daquele cenário pastoril que sentia até as beiradinhas da boca formigando.

Ele girava em torno das pequenas árvores, se acocorava em um canto, sobre um piso coberto por uma camada grossa de terra que garantia mais realismo ao ambiente, e comia um pedaço de fruta com tanto anelo e satisfação que parecia carregar o que existe de melhor no mundo dentro de si mesmo. Era apenas uma criança, mas dotada de um tipo de sensibilidade encontrada em uma pessoa entre milhões.

Natanael tinha cabelos escuros e lisos, uma pele jamais tocada pelo sol e os olhos grandes, redondos e escuros como jabuticabas gigantes. Vez ou outra, o próprio riso o levava às gargalhadas e quando ele exibia os dentes o ambiente ficava mais iluminado. Sempre descalço, mostrava com orgulho as solas avermelhadas e encardidas dos pés.

Para criar novos cômodos na casa, os pais reduziram o próprio quarto a 1/3 do tamanho original. Também diminuíram a sala e a cozinha. Tudo era feito com a intenção de expandir o mundinho de Natanael que chegava a passar meses dentro de casa. “Hoje vou te levar até a Praça dos Pioneiros pra você brincar no parque. Que tal?”, revelou o pai numa surpresa matutina de sábado.

O homem arqueou os braços formando uma cadeirinha e pediu que Natanael subisse a bordo, escorando as costas em seu peito. A mãe entregou a ele um volante do tamanho de um pires e o pai simulou com a boca o som do ronco de um motor. Reproduziram até os solavancos das lombadas, fazendo o garotinho rir e agarrar o braço do pai como um animalzinho protegido pelo tronco de uma sequoia.

A Praça dos Pioneiros de Natanael era um quarto com escorregador, gangorra, balanço e gira-gira. Todos os brinquedos, tornados os mais belos em seu ideário meninil, foram feitos com peças baratas compradas em um ferro-velho. E sobre sua cabeça, o que mais o emocionava e impressionava, entre tudo que possuía, não era nenhum brinquedo, e sim um sol giratório feito de papelão que ficava suspenso no ponto mais alto da área interna da casa.

Conforme o pai ou a mãe puxava uma cordinha, a lírica réplica sorria e piscava para Natanael que se sentia “quentinho” diante dele apesar da ausência de luz solar. “Por que o sol não queima o teto, mamãe? E por que ele nunca se põe? Será que não sente falta da casa dele?”, inquiriu. A mãe respondeu que aquele era o Solzinho, filho do Sol, e se mudou para a Terra para crescer junto com ele. “Quando o Solzinho for grande, ele também vai ter que partir. Enquanto isso vocês podem ser grandes amigos”, comentou. Natanael ficou em silêncio.

Ele amava tanto o sol que muitas das suas roupas traziam desenhos com as mais diferentes representações da estrela. Até mesmo o teto do seu quarto tinha um sol próprio que resplandecia na escuridão noturna como uma paródia prodigiosa da lua de de Le Voyage dans la Lune, de Georges Méliès.

Com o pôr do sol, Natanael saía de casa para brincar no quintal. À noite, depois de muito tempo, uma vez o encontrei chorando debaixo do pé de manga, reclamando que não entendia porque o “Sol Maior”, aquele que traz a alegria do dia, não gostava dele. “O ‘Sol Maior’ deixa tudo brilhando. Ilumina tanta coisa, menos a minha vida”, reclamou. Apesar da casual melancolia, sempre melhorava com o despertar do dia.

Quando Natanael ficava muito triste, seus pais se fantasiavam à noite e o levavam para percorrer a Rua John Kennedy. Criavam histórias quiméricas sobre seres fantásticos que surgiam com o poente, protegendo pessoas e animais. Para cada quadra, o garotinho dava o nome de uma cidade. “Alto Paraná, Nova Esperança, Presidente Castelo Branco, Mandaguaçu, Maringá, Sarandi…”, dizia, usando como referência um mapa do Paraná que guardava embaixo da cama.

Às vezes, ia além, atravessando o centro e dezenas de bairros, despertando em seu mundo diminuto a sensação de um desbravador atravessando países e continentes. Numa manhã fria e escura de inverno o levaram para conhecer o Bosque Municipal. Natanael ficou chateado porque os animais não apareceram.

Sem saber o que fazer, seus pais o chamaram para ir embora, preocupados com a previsão de que o sol logo despontaria. De repente um macaquinho-prego se aproximou, deu cinco piruetas e guinchou. Lágrimas escorreram pelas maçãs de Natanael que deu ao lugar o apelido de Amazoninha.

Após o aniversário de nove anos, o garotinho teve a oportunidade de ver o sol a céu aberto pela primeira vez. Seus pais conseguiram economizar dinheiro o suficiente para comprar uma roupa especial que o cobriu dos pés à cabeça, evitando as severas agressões do sol.

Hirto, Natanael assistiu extasiado a luz natural que o rodeava. Ajoelhou no quintal de casa por alguns minutos, se levantou e correu em torno das mangueiras e da jabuticabeira. Empolgado, encostou as mãos protegidas por luvas em todos os pontos onde a incidência da luz solar era maior. “Acho que o sol tá começando a gostar de mim. Hoje é o melhor dia da minha vida!”, gritou, acompanhado por Dino, um cãozinho mestiço e serelepe.

Menos de um mês depois, Natanael foi diagnosticado com melanoma metastático, um câncer de pele associado à xerodermia pigmentosa, doença que o acompanhou desde o nascimento e o impedia de se expor ao sol. O garotinho recluso faleceu em casa antes de completar dez anos. “Será que o leão mágico não vem hoje?”, brincou, exprimindo um sorriso fragilizado.

Quando a morte se aproximou como um sono sempiterno, o sol reluziu na janela. Seus pais abriram a cortina e ele sentiu o “quentinho” que pousou sobre a ponta do dedinho. “É talvez o último dia da minha vida. Saudei o Sol, levantando a mão direita, mas não o saudei, dizendo-lhe adeus, fiz sinal de gostar de o ver antes: mais nada”, escreveu Alberto Caeiro (Fernando Pessoa) em Poemas Inconjuntos.

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Quatro mulheres e uma banda

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Roqueiras da Red Velvet planejam lançar primeiro EP este ano

Quatro mulheres e uma banda

Banda foi influenciada por Guns N’ Roses, Led Zeppelin, AC/DC, Deep Purple, Rival Sons e Janis Joplin (Foto: Red Velvet)

Formada por Débora Louize, Luana Maran, Priscila Louzano e Luana Santana, a banda Red Velvet surgiu em Paranavaí no final de 2014. Desde o início a intenção já era fundar uma banda feminina de rock. “Eu e uma amiga começamos a tocar e tivemos essa ideia. Mas ela se mudou daqui e decidi procurar outras meninas em escolas de música e cidades próximas”, conta Luana Maran.

Embora a história das mulheres no rock seja antiga, e tenha como exemplo nomes como Janis Joplin, Joan Baez, Joan Jett, Lita Ford, Rita Lee, Debbie Harry, Chrissie Hynde e muitas outras, ainda tem gente que se surpreende ao ver uma banda formada por garotas. “Há pessoas que encaram como novidade algo que não é. Em relação a ser uma banda de mulheres, nos sentimos indiferentes a isso, mas infelizmente há pessoas que ainda nos veem de forma estranha. Tem quem acredite que uma banda de mulheres é ‘menos capaz”, lamenta Luana.

Quatro mulheres e uma banda

“Vivemos um bom momento, com convites para tocar até fora do Paraná” (Foto: Red Velvet)

A Red Velvet tem conquistado boa popularidade no Noroeste do Paraná, com shows marcantes em Paranavaí, Altônia, Umuarama e Maringá. Nós tocamos bastante covers. Não seguimos exatamente um estilo. A gente toca o que gosta, levando em conta que temos formações bem diferentes”, comenta a guitarrista. Entre as principais influências da banda estão Guns N’ Roses, Led Zeppelin, AC/DC, Deep Purple, Rival Sons e Janis Joplin.

Desde o ano passado a Red Velvet tem se apresentado em várias regiões do Paraná, o que tem ajudado a alavancar ainda mais o trabalho da banda que se me vê mais próxima de gravar o primeiro EP. “Já temos algumas músicas autorais prontas. Queremos lançar nosso disco ainda este ano e temos certeza que o resultado vai ser animal. Vivemos um bom momento, com convites para tocar até fora do Paraná”, comemora Luana.

Até hoje a receptividade foi muito positiva em todas as cidades por onde a banda passou levando um repertório que vai do rock clássico ao heavy metal. “Tratam a gente super bem. É gratificante ver o carinho que recebemos desde o momento em que subimos no palco até a hora de ir embora”, enfatiza a guitarrista. Quem quiser contribuir com a Red Velvet ou contratar a banda para shows pode ligar para (44) 9716-9390.

Formação

Débora Louize – Vocal

Luana Maran – Guitarra

Priscila Louzano – Contrabaixo

Luana Santana – Bateria

Acompanhe

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Twitter: @RedVelvet_Rock

Doações transformam residência de casal na Vila Alta

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Antes e depois na casa do Seu Juvenal e da Dona Neide (Fotos: David Arioch)

Hoje de manhã, fui até a casa do Seu Juvenal e da Dona Neide, o casal de idosos da Vila Alta, na periferia de Paranavaí, que vivia em uma residência com telhado deteriorado e sem forro, por onde a água entrava sempre que chovia, molhando inclusive móveis e outros pertences.

Depois de receber doações de medicamentos, cestas básicas e um telhado novo, dentre outras contribuições, esta semana foi concluída a última etapa – a instalação do forro. Mais uma vez e com humildade singular, Seu Juvenal e Dona Neide demonstraram muita gratidão.

“Nem parece mais a nossa antiga casa. Ficou muito diferente. Até hoje a gente se emociona quando lembra como as pessoas se uniram para nos ajudar. É um grande presente. E alguns continuam nos visitando. Ontem choveu e pela primeira vez a gente nem escutou o barulho da chuva que caiu sobre o telhado. Antes dava muito medo”, declararam.

Aproveito também para agradecer a equipe da J & M Decorações que fez a instalação do forro e foi muito colaborativa em todo o processo, inclusive reorganizou o quarto do Seu Juvenal e da Dona Neide. Ou seja, os funcionários foram além da função deles. “Uma equipe maravilhosa!”, enfatizaram.

Written by David Arioch

May 21st, 2016 at 3:25 pm

Gogol e o seu abismo privado

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“Gogol se tornou o maior artista da Rússia quando assumiu quem era em seu abismo privado”

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Mesmo com o sucesso, Gogol nunca alcançou suas ambições literárias (Arte: Reprodução)

No dia 4 de março de 1852, Nikolai Gogol faleceu aos 42 anos em Moscou, na Rússia. Seu estilo único o tornou famoso por histórias como O Nariz, publicada em 1832, e O Capote, de 1842, além da peça O Inspetor Geral, de 1836, e a novela Almas Mortas, também de 1842, em que o escritor mistura o cômico, o absurdo e o trágico, inspirado pela obra A Divina Comédia, de Dante Alighieri.

Mesmo com o sucesso, Gogol nunca alcançou suas ambições literárias. Ele se sentia extremamente atraído pelo universo criado por Dante e pelo legado literário da Renascença. Quando terminou Almas Mortas, frustrou-se porque só conseguiu criar o Inferno, sem o Purgatório e o Paraíso. O segundo volume da sua novela viria dar continuidade a esse trabalho, mas ele abandonou a obra.

Considerado o Hieronymus Bosch da literatura russa, um dia Gogol conheceu Catherine, irmã do poeta Nikolai Yazykov, na casa de seu amigo o conde Alexander Tolstói. O escritor criou um laço de afinidade com a moça de 35 anos que morreu precocemente de tifo em janeiro de 1852, três dias após contrair a doença.

Devastado com a morte de Catherine, Nikolai Gogol começou a temer a própria mortalidade e se afundou em uma severa depressão. Percebendo a vulnerabilidade do escritor, um padre ultraortodoxo chamado Matvei Konstantinovsky o convenceu de que a única salvação seria se voltar para a religião. E mais, declarou que jejuar, orar e ler sobre a vida dos santos não era o suficiente para um bom cristão. Ele precisaria renunciar à sua escrita qualificada pelo sacerdote como “vangloriosa” e “profana”.

O escritor seguiu a recomendação e queimou todos os seus trabalhos em sua casa na Avenida Nikitsky, em Moscou, incluindo manuscritos da sequência de Almas Mortas, um trabalho que exigiu anos de dedicação. Na mesma época, Gogol participou do tradicional Banquete de Maslenitsa, que precede a quaresma ortodoxa, quando os russos ortodoxos se empanturram de comida, principalmente derivados lácteos. Como ele era obcecado por comida, o jejum que o sacerdote o obrigou a fazer depois foi tão radical que sua saúde física e mental ficou rapidamente debilitada.

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Escritor foi convencido por um padre de que jejuar, orar e ler sobre a vida dos santos não era o suficiente para um bom cristão (Arte: Reprodução)

Nas últimas horas de vida, alguns médicos tentaram salvá-lo com técnicas de hipnose. Também deram-lhe banhos quentes enquanto derramavam água gelada sobre sua cabeça e depois o banharam em água gelada e o deitaram em uma cama coberta por pães quentes. Foi tudo em vão. Gogol simplesmente pediu que o deixassem morrer em paz.

Quando golpeou as sanguessugas aplicadas em seu nariz e que tentaram entrar em sua boca, ele teve de ser contido. Naquele momento a morte o levou. Nikolai Gogol parecia tão frágil que sua coluna vertebral podia ser vista através de seu estômago.

Quando Dostoiévski elogiou Gogol

Apesar de tudo a grande reputação de Nikolai Gogol como pai do realismo russo foi estabelecida. Inclusive uma frase do russo Fiódor Dostoiévski corrobora esse fato: “Eu e meus contemporâneos saímos debaixo do capote de Gogol.” Segundo Vladimir Nabokov, o estável Pushkin, o prosaico Tolstói e o contido Chekhov tiveram seus momentos de claridade irracional, mas felizmente Gogol se tornou o maior artista da Rússia quando assumiu quem realmente era em seu abismo privado.

Monumento em homenagem ao conto "O Nariz", de Gogol (Foto: Reprodução)

Monumento em homenagem ao conto “O Nariz” (Foto: Reprodução)

Em O Nariz, a história mais famosa de Nikolai Gogol, um barbeiro decide tomar o seu café da manhã. Quando corta o pão, ele percebe que lá dentro há um nariz que pertence ao seu cliente M. Kovaliov. Escandalizada, a esposa do barbeiro o acusa de assassinato. Enquanto o homem assustado tenta se livrar do nariz, o burguês sai pelas ruas de São Petersburgo procurando o próprio órgão.

Em 2002, São Petersburgo amanheceu sem o Hoc mais famoso da cidade. Como se a vida imitasse a arte, a escultura O Nariz, de Vyacheslav Bukhayev, criada em homenagem ao conto de Nikolai Gogol, havia sido furtada. Bem-humorado, o escultor que a concebeu em 1994 disse o seguinte: “Parece que o nariz saiu para dar uma volta.”

Curiosidade

Diz a lenda que Gogol era paranoico e propenso a longos períodos de letargia, por isso temia tanto ser enterrado vivo. Entre seus amigos e conhecidos circulava um rumor de que o escritor queria que seu caixão tivesse um furo para que ele pudesse balançar uma corda que tocaria um sino, assim avisando a todos que ele não estava morto.

Saiba Mais

Nikolai Gogol nasceu em 1º de abril de 1809 e faleceu em 4 de março de 1852. Seu corpo foi enterrado no Cemitério de Danilov.

Até hoje, russos e ucranianos reivindicam a nacionalidade do escritor, levando em conta que ele nasceu em Velyki Sorochyntsi, no Império Russo, e atual cidade de Poltava, na Ucrânia, que à época já era habitada por ucranianos.

Entre as melhores obras de Nikolai Gogol estão “O Nariz”, “O Capote”, “Almas Mortas”, “O Inspetor Geral” e “Diário de Um Louco”.

Fragmento de O Nariz, publicado em 1832

Respeitador dos bons modos, Ivan Yakovlévitch vestiu seu casaco sobre a camisa e se preparou para o desjejum. Colocou à sua frente uma pitada de sal, limpou duas cebolas, pegou sua faca e, com uma expressão grave, cortou o pão em dois.

Percebeu então, para sua grande surpresa, um objeto esbranquiçado exatamente no meio do pão. Cutucou-o cuidadosamente com a faca, apalpou-o com o dedo… “Que poderá ser isso?”, perguntou-se sentindo a resistência.

Meteu então os dedos dentro do pão e dali retirou… um nariz! Seus braços despencaram. Ele esfregou os olhos, apalpou novamente o objeto: um nariz, era de fato um nariz, tratava-se até mesmo de um nariz de suas relações! O pavor tomou conta das feições de Ivan Yakovlévitch.

Mas este pavor não era nada comparado à indignação que se apoderou de sua respeitável esposa. “Onde foste capaz de cortar este nariz, sujeito desastrado!, exclamou ela. Beberrão! Ladrão! Patife! Vou em seguida te denunciar à polícia, seu bandido! Já ouvi três pessoas dizendo que, ao lhes fazer a barba, puxas o nariz das pessoas quase a ponto de arrancá-lo!”

Entretanto, Ivan Yakovlévitch estava mais morto do que vivo: acabara de reconhecer o nariz de M. Kovaliov, assessor do juiz do colegiado eleitoral, que tivera a honra de barbear na quarta e no domingo.

Referências

http://www.todayinliterature.com

Delgado, Yolanda. The final days of russian writers: Nikolai Gogol and Anton Chekhov. Russia Beyond The Headlines. 5 de junho de 2014.

Aris, Ben. Police on the scent of nose statue gang. The Telegraph. 4 de outubro de 2002.

Peace, Richard. The Enigma of Gogol: An Examination of the Writings of N. V. Gogol and Their Place in the Russian Literary Tradition. Cambridge University Press (2009).

Maguire, Robert. Gogol from the Twentieth Century: Eleven Essays. Princeton University Press (1997).

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