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As lembranças de José Francisco de Oliveira
“Tinha uma pensão onde as discussões sempre acabavam em morte”
O paulista José Francisco de Oliveira se mudou para Paranavaí em 1944, nos tempos da Fazenda Brasileira. À época, deixou Avaré, no interior de São Paulo, para trabalhar na abertura de estradas, embora tenha ouvido falar do Distrito de Montoya em 1932, quando Getúlio Vargas já havia desapropriado a região. “Eu era ‘molecão de tudo’ e contaram pra gente muito do que aconteceu aqui. Pra você ver como a história ia longe”, diz Oliveira que apesar de sofrer com a deficiência auditiva ainda se recorda com precisão de muitos fatos dos anos 1940.
“Seu Zé”, de 95 anos, como é mais conhecido, é um desses pioneiros que não fizeram fortuna e com o passar das décadas foram relegados ao anonimato, mesmo tendo contribuído para o desenvolvimento da região. O aposentado fala do passado sem ocultar um misto sentimento de alegria, tristeza e saudade. Hoje em dia, com o corpo e a voz cansada, sai pouco de casa, combalido por problemas de saúde.
Ainda assim, não se abstém de sorrir e gargalhar quando se recorda da mocidade e da família grande que hoje se resume a três pessoas. Por força do hábito, e da empolgação pela visita, não consegue se comunicar sem gesticular e faz o possível para detalhar com preciosismo cada um dos momentos que considera os mais históricos dos 68 anos vividos em Paranavaí.
Em 1944, ao chegar à Fazenda Brasileira, José Francisco de Oliveira desembarcou na pensão de Durvalino Moreira. Logo o pioneiro se tornou um dos responsáveis pela abertura da estrada que ligaria Paranavaí a Nova Esperança. ”Aqui era só capoeira e quiçaça. Quando chegamos à Capelinha [Nova Esperança], não tinha água e tivemos de abrir um poço com 90 metros de profundidade. Daí não quiseram fazer a cidade num ponto mais arriba e seguiram pra baixo”, conta. Além de ser encarregado de alguns peões, Seu Zé desmatava e carpia. Tinha de percorrer muitos quilômetros para fazer bueiros e pontes com lascas de coqueiro.
Por volta de 1945, Oliveira ajudou a ampliar uma estrada até Peabiru, na região de Campo Mourão. No mesmo ano, o chefe dos peões, José Augusto Machado, o encarregou de criar novas vias na Barra do Surucuá. “Abri até a fazenda do falecido Estevão. Em 1946, fui até Assaí [no Norte Pioneiro Paranaense] buscar minha mãe e meus irmãos”, relata. Na mesma década, viajou a Salamanca, a 32 quilômetros de Guaíra, no Oeste Paranaense, para trabalhar em novas áreas de desmatamento e construção de residências.
O pioneiro que nunca ficou mais de seis meses longe de Paranavaí também atuou na criação da estrada até Mirador. Seu Zé trabalhou muito, mas nem sempre recebeu pelo serviço. “Certa vez, o responsável pelas obras morreu numa terça-feira, daí falaram pra gente que o irmão dele poderia acertar a situação. Por azar, o outro morreu na sexta-feira e não recebemos de ninguém. Mas acontecia de não pagarem a gente por má vontade mesmo”, conta, acrescentando que o chefe dos peões na região de Paranavaí era amigo do interventor federal Manoel Ribas.
Nos anos 1940, era comum o assassinato de ladrões de madeira. Muitos eram mortos às margens do Rio Paraná. “A situação era feia até em Piracema. No distrito, tinha uma pensão onde as discussões sempre acabavam em morte. A vítima era enterrada logo atrás do estabelecimento”, lembra Oliveira. Outro fato que é mencionado com clareza pelo Seu Zé diz respeito a um pioneiro que se envolveu com uma mulher casada e foi assassinado pelo marido traído. No dia do julgamento do homem, um grupo de policiais fazia a escolta em frente ao fórum quando apareceu um rapaz atirando contra o suspeito. “Naquele tempo, você matava na frente da polícia e de testemunhas e ainda escapava da condenação”, comenta.
O pioneiro que encomendou a morte do homem traído era irmão do amante. Conhecido em toda a região como um violento grileiro de terras, o contratante ordenou o assassinato de outras dezenas de pessoas, entre fazendeiros e colonos. Ao longo dos anos, o homem que mais tarde recebeu até homenagens em Paranavaí fez tantas inimizades que certo dia pagaram para que o piloto responsável por levá-lo de avião até Londrina, no Norte Central Paranaense, saltasse de paraquedas, deixando o grileiro diante da morte. “Só sei que o sujeito morreu”, ressalta Seu Zé.
José Francisco de Oliveira presenciou a chegada de 300 bois trazidos a Paranavaí através do Porto São José, onde a travessia já era feita de balsa. À época, grande parte da carne bovina da localidade vinha do Mato Grosso ou São Paulo. O episódio se tornou inesquecível porque o fazendeiro que encomendou a boiada fez um acordo de pagar pelos animais ao final do percurso. Porém, em vez de entregar o dinheiro, o comprador disparou vários tiros contra o vendedor e em seguida desovou o cadáver nas águas do Rio Paraná. “Era uma família rica. A viúva pagou investigadores para procurar pelo marido, mas nunca mais viu nem o corpo do homem”, revela.
87 anos de amor aos animais
O pioneiro José Francisco de Oliveira, o Seu Zé, sobrevive com um salário mínimo por mês e, mesmo sem condições de ter uma vida mais digna, se preocupa em cuidar dos animais que circulam pela sua pequena residência. Gasta cerca de sete pacotes de quirela por mês alimentando centenas de pássaros. “Tem dia aqui que chego a contar 200 rolinhas de uma vez. Fica tudo preto. Eu não mato um passarinho de jeito nenhum, nem que eu morra de fome. Não aceito que um bicho morra para que eu possa me alimentar. Teria vergonha de matar um animal pra comer”, conta.
O pioneiro começou valorizar a liberdade dos animais em 1925, aos oito anos, quando morava em uma roça nas imediações do Rio Capivari, no interior de São Paulo. “Eu estava andando por aquelas bandas carregando quatro gaiolas cheias de passarinhos, daí, do nada, os bichinhos começaram a fazer ‘tiu, tiu, tiu’, ‘prim, prim, prim’, ‘tiziu, tiziu, tiziu’ e eu parei, fiquei olhando e escutando. Carreguei eles mais um pouco e quando cheguei em casa, abri cada uma das gaiolas e soltei todos. Nunca mais prendi nenhum passarinho. Se eu tivesse dinheiro, comprava tudo pra soltar”, garante Seu Zé.
Impressões sobre o entrevistado
Seu Zé se emociona o tempo todo no decorrer da entrevista. Demonstra gratidão por ser lembrado pelos muitos anos dedicados à abertura de centenas de quilômetros de estradas. Faz brincadeiras durante a conversa, age com uma inquietude jovial e lamenta pela deficiência auditiva, não por tê-la, mas, segundo o pioneiro, pelo fato dos outros terem que lhe repetir a mesma pergunta tantas vezes.
José Francisco de Oliveira tem um estilo de vida simples, sem apego material, passa horas do dia em introspecção, envolvido em uma forma bastante pessoal de espiritualidade. Admite que diariamente divaga até um passado que lhe conforta a existência. Seu Zé confidencia sentir muita falta da mulher e da filha que faleceram, mas não tem arrependimentos nem medo de morrer.
Frases de Seu Zé
“Nessa claridade, já tô olhando os 96 anos.”
“Sei que ninguém é melhor que ninguém porque no fundo somos todos uma mesma pessoa.”
Curiosidade
José Francisco de Oliveira nasceu em 7 de agosto de 1917.
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Montoya tinha a estrutura de uma cidade
População da colônia era de mais de seis mil habitantes
Em 1928, a Vila Montoya, atual Paranavaí, no Noroeste do Paraná, ganhou contornos de cidade. A colônia oferecia tudo que era necessário à sobrevivência dos mais de seis mil moradores. No entanto, o único acesso ao lugarejo era a estrada do Porto São José, na divisa com o atual Mato Grosso do Sul.
À época, todos que chegavam a Montoya usavam a mesma via que servia também para ligar a colônia ao Porto Ceará e a Presidente Prudente, no Oeste Paulista, de acordo com dados do livro “História de Paranavaí”, do escritor Paulo Marcelo Soares Silva. No passado, pela mesma estrada se chegava à Gleba-1 Ivaí, Piracema e Povoado de Cristo Rei.
Quem precisava viajar para outras cidades do Paraná era obrigado a atravessar a divisa com São Paulo, embarcar em um trem que percorria a antiga Estrada de Ferro Sorocabana até Ourinhos, e de lá partir para Tibagi, no Centro Oriental Paranaense, a quem Montoya pertencia. “Depois a pessoa ia pra onde quisesse, mas não tinha outro jeito. O peão tinha que dar toda essa volta”, afirmou o pioneiro catarinense José Matias Alencar.
Naquele tempo, a colônia tinha 1,2 milhão de cafeeiros, aproximadamente 60 mil ficavam em área onde se situa o Colégio Estadual de Paranavaí (CEP), Cemitério Municipal e Fazenda Experimental do Estado. A colônia ainda contava com uma frota de 25 caminhões, 60 mulas-cargueiras, máquinas de beneficiar arroz, farmácia, serraria com motor a vapor de 50 HP e uma caldeira, armazém, Cartório de Paz e Registro Civil, além de mil casas cobertas de zinco situadas no Jardim Ouro Branco, Fazenda Carneiro Ribas e outras localidades, conforme informações dos livros “História de Paranavaí”, do escritor Paulo Marcelo, e “Pequena História de Paranavaí”, do juiz de direito Sinval Reis.
A Companhia Brasileira de Viação e Comércio (Braviaco), que tinha o direito de concessão da área, investia ao máximo no povoado para evitar que os trabalhadores deixassem o distrito, pois como as viagens eram longas o colono podia perder dias de serviço ou nem mesmo voltar, caso estivesse insatisfeito. Montoya fazia parte da Fazenda Brasileira, de propriedade do jornalista Geraldo Rocha que, além de proprietário de importantes veículos de comunicação situados no Rio de Janeiro – Rádio Nacional e jornais “A Noite” e “O Mundo”, era dono da Braviaco, responsável pela administração de uma área total de 317 mil alqueires no Sudoeste, Oeste e Norte do Paraná.
Quem cuidava dos negócios de Rocha na colônia e em toda a região era o vice-diretor da Braviaco, o engenheiro agrônomo Landulpho Alves de Almeida – que se tornaria senador e interventor federal da Bahia – cargo que equivalia ao de governador, Humberto Alves de Almeida e Joaquim da Rocha Medeiros. Humberto Alves, irmão de Landulpho Alves – sócio da Companhia Brasileira, era o responsável pelos serviços de transporte da fazenda e tinha como empregado de confiança o pioneiro pernambucano Frutuoso Joaquim de Salles, considerado o primeiro cidadão de Paranavaí.
Salles chefiava um grupo de peões, ajudava a ensacar o café e cuidava para que o produto fosse transportado de forma segura. A Vila Montoya tinha uma população de centenas de famílias que somavam mais de seis mil moradores. A maior parte prestava serviços a Braviaco e aos empreiteiros Gonzaga, João Gomes e Coronel João Antônio. Foram muitos os peões que se casaram em Montoya, alguns até registraram os filhos no distrito, segundo o juiz de direito Sinval Reis.
O responsável por impor a ordem na colônia era o Cabo Simão que trabalhava em parceria com dois soldados da Polícia Militar do Paraná. É importante destacar que Montoya se desenvolveu muito bem até a chegada da Revolução de 1930, quando o Governo Provisório rompeu todos os negócios com a Braviaco. Mais tarde, Getúlio Vargas repassou a concessão das terras da região ao político gaúcho Lindolfo Collor, avô do ex-presidente Fernando Collor de Mello.
Joaquim Medeiros conheceu a região em 1923
A Vila Montoya fazia parte da Gleba Pirapó que somava 100 mil alqueires, cerca de 108 quilômetros de extensão. Começava no Rio Paranapanema e ia até a margem direita do Rio Ivaí. A Gleba fazia divisa ao leste com as propriedades da Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP), de capital inglês, e a oeste com uma área destinada a Brazil Railway Company, de origem estadunidense.
“Em 1923, abri um picadão com dez metros de largura por sessenta quilômetros de extensão que começava na Fazenda Laranjeira e ia até o Rio Paranapanema. A estrada ficava a duzentos metros da propriedade de Adão Medeiros”, disse o engenheiro agrônomo Joaquim da Rocha Medeiros em entrevista à Prefeitura de Paranavaí em 5 de julho de 1975.
O som dos colonos capinando nas imediações era tão alto que se ouvia mesmo de longe, segundo Medeiros. Encerrada a etapa de abertura do picadão até a divisa com o Paraná, o engenheiro agrônomo embarcou em uma canoa e atravessou o Rio Paranapanema. Já no extremo Norte do Paraná, Medeiros coordenou a derrubada de um alqueire para a construção de um rancho que recebeu o nome de Porto Itaparica que ficava numa área de 20 mil alqueires da Companhia Alves de Almeida. A iniciativa visava facilitar o escoamento do café para o Mato Grosso e Argentina.
Curiosidades
Os migrantes trazidos à Vila Montoya pela Braviaco eram de Minas Gerais, Piauí, Ceará, Alagoas, Sergipe, Pernambuco e Bahia. Porém, é bem provável que pessoas de outros estados e países também já viviam no povoado.
A intenção da Braviaco era explorar o café da Fazenda Brasileira por 20 anos e depois migrar para a pecuária.
Saiba Mais
Antônio Geraldo Rocha nasceu em Barra, Bahia, em 14 de julho de 1881 e faleceu aos 78 anos em 19 de junho de 1959. Em 1931, deixou de representar os interesses da empresa norte-americana Brazil Railway Company e foi obrigado a hipotecar parte dos bens. Rocha é autor do livro “O Rio São Francisco: fator precípuo da existência do Brasil” que contribuiu para a implantação da Comissão do Vale do São Francisco (CVSF).
Landulpho Alves de Almeida nasceu em Santo Antônio de Jesus, Bahia, em 4 de setembro de 1893 e faleceu no Rio de Janeiro, capital, em 15 de outubro de 1954. Como político, Landulpho Alves é sempre lembrado como defensor da estatização do petróleo e relator da lei N 2.004, de 1953, que deu origem a criação da Petrobrás.
Lindolfo Leopoldo Boeckel Collor nasceu em São Leopoldo, Rio Grande do Sul, em 4 de fevereiro de 1890 e faleceu em 21 de setembro de 1942, no Rio de Janeiro, capital. Apesar de ter sido correligionário de Getúlio Vargas durante o Governo Provisório que sucedeu a Revolução de 1930, Collor se tornou um combatente da política ditatorial do Governo Vargas, chegando a ir para o exílio. Tornou explícito o desprezo pela ditadura em muitos jornais do Brasil, inclusive no semanário “Diretrizes”, do jornalista Samuel Wainer.
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A perspectiva alemã sobre Paranavaí
“Havia enormes plantações, prados, pastagens, tudo interrompido por grandes florestas”
O padre provincial alemão Jacobus Beck veio a Paranavaí, no Noroeste do Paraná, em fevereiro de 1952 para conhecer o trabalho do frei Ulrico Goevert, responsável pela Paróquia São Sebastião. Na então colônia, Beck se surpreendeu e se identificou com alguns costumes. No mesmo ano, a experiência de três semanas foi registrada em várias edições da revista alemã Karmelstimmen, de Bamberg, no Estado da Baviera.
A curta passagem de Beck não permitiu que ele aprendesse a língua portuguesa. Por isso, pode-se dizer que o frei alemão está entre os padres germânicos que vieram a Paranavaí nos anos 1950 e não tiveram tempo de ter um profundo contato com a cultura dos moradores da colônia, fossem brasileiros ou estrangeiros. O fato fato foi o diferencial nos artigos publicados na Karmelstimmen, sob o título de “Meine Reise Nach Brasilien“.
Era um sábado, 9 de fevereiro de 1952, quando Jacobus Beck sobrevoou o Noroeste do Paraná. Observou ao longe os campos cortados por imensos rios. “Havia enormes plantações, prados, pastagens, tudo interrompido por grandes florestas. Mas foi só quando estávamos na região de Paranavaí que vi a mata virgem”, afirmou o alemão, acrescentando que tudo era tão belo que dava a impressão de que o céu se curvava diante do avião. Por volta do meio-dia, o padre se deparou com a colônia composta por um sem número de pequenas casas de madeira.
Logo o avião pousou no antigo Aeroporto Edu Chaves, atual Colégio Estadual de Paranavaí (CEP), ladeado por espessa mata primitiva. De lá, Beck pegou uma carona com o frei Ulrico Goevert em um jipe estadunidense. Foram para o centro da colônia, onde viviam mais de cinco mil pessoas. “Não era uma cidade ao modelo europeu com casas de pedras e ruas asfaltadas, mas também não lembrava nossas aldeias. As residências eram bem simples e remetiam às nossas barracas de feira. As vias pareciam os caminhos alemães que davam acesso aos areais”, comentou frei Jacobus.
O que chamou a atenção do alemão na Colônia Paranavaí foi a ordem e a limpeza, além da facilidade em se adquirir bens de consumo. De acordo com Beck, o povoado contava com muitos locais de lazer, carros e caminhões. “Isso já me lembrou a Alemanha, o tráfego dos veículos, os barulhos dos que vinham e dos que iam pelas ruas esburacadas”, frisou, rememorando que em 1952 três novas casas eram construídas por semana em Paranavaí. O padre também percebeu que a agricultura na colônia era voltada principalmente para a produção de café, algodão, arroz e milho.
“A terra de Paranavaí era muito fértil porque o solo era virgem”
Jacobus Beck estranhou o fato de não ter encontrado batata no povoado, um dos principais alimentos da culinária germânica. “Em Paranavaí se consumia a mandioca, uma hortaliça de raiz grossa que tem gosto e uso equivalente ao da batatinha”, avaliou o alemão que se surpreendeu com o tamanho do gado bovino criado na colônia, bem maior do que os animais alemães.
Nas passagens pelos pomares locais, entre as frutas tropicais que Beck experimentou e aprovou estavam banana, abacaxi, limão e figo. “A terra de Paranavaí era muito fértil porque o solo era virgem. Estava sendo trabalhado pelas mãos humanas pela primeira vez, então tinha uma umidade inacreditável. Apesar do calor tropical, chovia muito e acho que a proximidade com muitos rios e riachos ajudava”, enfatizou.
De acordo com o padre, o solo e as condições climáticas eram os principais fatores que atraíam tanta gente a Paranavaí. Havia brasileiros de outras regiões, europeus e japoneses. “Não cheguei a presenciar nenhum caso de racismo. Acho que todos viviam pacificamente”, destacou o frei que estranhou a maneira como a população local o cumprimentou, com abraços e tapas nas costas, embora admitiu que se acostumou.
Na Casa Paroquial, no quarto onde Jacobus Beck foi hospedado, o padre imaginou que encontraria janelas com vidraças e cortinas, ao melhor estilo alemão. “Foi uma procura em vão. Só havia uma grande abertura na parede e que era fechada à noite com janelas feitas de tábuas. Dormia na própria sacristia, com morcegos e camundongos “, ressaltou em tom bem humorado.
A hospitalidade dos moradores estava entre as melhores lembranças do frei. Segundo Beck, o que um tinha dividia com o outro. Além disso, os convidados de uma festa eram sempre tratados com muito carinho e atenção. “É claro que a maioria tinha pouco a oferecer, mas caso o agraciado não aceitasse, isso era entendido como uma ofensa”, observou.
“Ficamos com o jipe quase dependurado em muros de pedras”
À época, os padres eram vistos como autoridades de suma importância, tanto que por onde passavam ficavam rodeados de pessoas, como numa feira, na analogia de Beck ao perceber que a figura do vigário era muito estimada pela população. Até mesmo em casos de dores de dente, as pessoas procuravam o padre para dar uma solução ao problema ou então ofertar uma bênção.
Nas muitas vezes que percorreu as estradas de Paranavaí, achou o trânsito bastante intenso, até mesmo nas estradas por onde jipes e caminhões trafegavam dia e noite. “Isso ocorria porque muita gente era levada para as fazendas na mata virgem”, justificou.
À revista alemã, Jacobus Beck discorreu sobre um episódio em que foram até a Fazenda Santa Lúcia (situada em área que hoje pertence a Marilena) pela estrada da Água do 14, entre Piracema e Guairaçá, e tiveram de percorrer dezenas de quilômetros de mata a bordo de um jipe. “Nas subidas e descidas, muitas vezes ficamos com o jipe quase dependurado em muros de pedras. Chegamos a atravessar rios com o veículo. Encontramos animais selvagens, como répteis, e muitas plantações”, confidenciou o padre que enganou uma cascavel de cinco anos, com um metro e meio de comprimento, e cortou-lhe o guizo de cinco anéis para levar de lembrança à Alemanha.
Naquele tempo, às imediações do Rio Paraná, viviam um tenente e um pelotão de soldados do Exército Brasileiro dispersos por pequenas casas de madeira. Com eles, frei Ulrico e frei Jacobus tomaram chimarrão. O grupo era responsável por controlar as navegações fluviais, evitando contrabandos de produtos enviados à Argentina.
Curiosidades
Em artigo à revista alemã Karmelstimmen, Jacobus Beck escreveu que a mata primitiva que circundava o Rio Paraná era a maior floresta virgem do Brasil.
Nos anos 1950, por causa das dificuldades de tráfego, o avião era o meio de transporte mais usado pela população de Paranavaí, superando caminhões, jipes e carros.
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Ninguém podia deixar a Fazenda Brasileira
Quem abandonava o povoado era assassinado a tiros às margens do Paranapanema
Na década de 1930, a Fazenda Brasileira, atual Paranavaí, no Noroeste do Paraná, era conhecida como terra sem lei. Os migrantes que vinham para cá em busca de melhores condições de vida não podiam abandonar o povoado. Quem se arriscava a fugir era assassinado a tiros às margens do Rio Paranapanema, com a conivência dos colonizadores.
A história da colonização de Paranavaí é marcada por muita luta e perseverança, principalmente dos colonos. No entanto, o que a maioria da população desconhece até hoje é que em 1930 as regras já eram ditadas por colonizadores e jagunços que se colocavam acima da lei.
No ano em que Getúlio Vargas assumiu como presidente do Brasil, o Paraná ainda preservava 87% de vegetação primitiva. O novo governo federal tinha grande interesse na quase inabitada Vila Montoya, no Noroeste, que pertencia a Tibagi, no Centro Oriental Paranaense. A área então, que era da Companhia Brasileira de Viação e Comércio (Braviaco), foi repassada ao jornalista e político gaúcho Lindolfo Collor (avô do ex-presidente Fernando Collor de Mello), um dos participantes da Revolução de 1930.
No mesmo ano, foram trazidas à Brasileira cerca de 1,2 mil famílias de migrantes, principalmente do Sudeste e Nordeste, para trabalharem na lavoura de café sob regime de colonato. Naquele tempo, já vivia aqui, desde 1929, época do Distrito de Montoya, o falecido pioneiro pernambucano Frutuoso Joaquim de Sales, das primeiras levas de migrantes trazidos pelo engenheiro agrônomo baiano Joaquim Rocha Medeiros.
Sales é sempre apontado como o pioneiro que vivenciou o período mais obscuro da história de Paranavaí, embora sempre evitasse falar a respeito. Preferia assuntos maleáveis, os mais simples e triviais. “Em 1930, ele era o responsável pelo transporte de café, sabia de muitas coisas, mas para não comprometer a si mesmo e a terceiros sempre fugia de temas polêmicos, principalmente quando alguém perguntava sobre os crimes do passado”, declara o pioneiro mineiro Sátiro Dias de Melo que foi muito amigo de Frutuoso.
No ano em que Sales era responsável pelas cargas que entravam e saíam da Fazenda Brasileira, inúmeras famílias insatisfeitas com as condições de trabalho decidiram partir. Com o consentimento do contratante, os colonos recebiam os vencimentos, recolhiam os pertences e eram acompanhados até as margens do Rio Paranapanema, de onde sempre partia alguma balsa com destino ao Estado de São Paulo.
Antes da travessia, colonos e familiares eram assassinados a tiros por jagunços que trabalhavam para os colonizadores. Alguns eram mortos às margens do rio, já outros, abatidos quando estavam de costas, durante a travessia. Segundo relatos de pioneiros, os capangas abriam os corpos das vítimas, extraíam todas as vísceras, enchiam de pedras, costuravam e jogavam no Paranapanema, conhecido pelo enorme cardume de piranhas. As histórias sobre os crimes praticados contra os colonos impediram que muita gente fosse embora da Fazenda Brasileira. Os fatos disseminavam terror e medo.
A morte à espreita no Rio Paranapanema
De vez em quando, alguns migrantes, mesmo cientes do risco, preferiam se aventurar na fuga, o que dá uma ideia da dimensão do padrão de vida subumano imposto aos colonos na Fazenda Brasileira. O pioneiro Natal Francisco viu isso de perto quando deixou Presidente Prudente, em São Paulo, para conhecer o Noroeste do Paraná. Acompanhado pelo irmão José Francisco, guiou um Ford movido a gasogênio até o Porto Ceará, às margens do Rio Paranapanema.
Lá, perguntaram ao balseiro sobre a Brasileira. O rapaz os alertou que deveriam deixar o veículo, caso não quisessem perdê-lo. “Disse também que a gente corria risco de morte vindo pra cá”, informou Natal Francisco em entrevista concedida ao escritor Paulo Marcelo Soares Silva, publicada no livro História de Paranavaí, lançado em 1988. Muitos migrantes chegavam à Fazenda Brasileira partindo de uma estrada que ligava Presidente Prudente, Porto Ceará, Povoado de Cristo Rei, Gleba-1, Piracema e Porto São José.
Depois de oito dias na Brasileira, os irmãos Francisco estavam retornando ao Porto Ceará quando ouviram o som de um acordeão. Surpresos, mas curiosos, adentraram a mata. Antes que vissem qualquer coisa, uma mulher gritou. “Pelo amor de Deus, não mata nóis. Tamo fugindo, mas tamo quase morto.” Mesmo assustados, Natal e o irmão ligaram as lanternas para ver se tinha mais alguém ali. O marido da moça estava caído no chão com a roupa rasgada e uma sanfona sobre o peito todo ensanguentado.
O casal de colonos enganou os jagunços e fugiu da Fazenda Brasileira. Às margens do Rio Paranapanema, improvisaram uma jangada para navegar até o Porto Ceará. Enquanto isso, alguns capangas chegaram até a beira do rio. De lá, atiraram e acertaram o rapaz que sobreviveu com a ajuda dos irmãos Francisco.
Curiosidade
Em abril de 1931, quando o interventor e general Mário Tourinho retomou as terras do Noroeste para o Governo do Estado do Paraná, o interventor estabeleceu por decreto que nenhuma pessoa ou família poderia ter títulos de propriedade que ultrapassassem 200 hectares, iniciando assim uma nova ordem na Fazenda Brasileira.
Sobrevivendo do Paranazão
Apesar da queda do volume de peixes, pescadores continuam na ativa e complementam a renda atuando como guias
Apesar da queda do volume de peixes, pescadores do Porto 18, há 22 km de Querência do Norte, no Noroeste do Paraná, dizem acreditar que a pesca no Rio Paraná ainda é compensatória. Se faltar peixe no rio, a valorização do preço garante a lucratividade. Com tal perspectiva otimista, dois ribeirinhos sustentam a família sem precisar se mudar para a cidade.
Antônio Medina de Souza Neto, 29, e Sebastião Pedro da Silva, 39, conhecido como Tião Paçoca, percorrem, do interior de dois pequenos barcos de madeira, as águas do Rio Paraná de segunda à sexta. “Comecei a pescar com 12 anos. Sinto falta de quando pescava bastante peixe. Mas estou feliz porque os 10 kg de hoje equivalem aos 50 kg de outros tempos. Ou seja, se pesca menos, mas o lucro é o mesmo”, assegura Neto.
Tião Paçoca lembra a época em que pescava mais de 100 kg de peixe. Emocionado, jura que não é apenas história de pescador. “Pegava até 14 dourados no mesmo dia. Foi assim durante dois meses em 2002. Não ganhava menos de R$ 1 mil com a pescaria”, relata. Com a construção das barragens, a queda no volume de peixes atingiu todos os pescadores locais, segundo Tião. Por outro lado, contribuiu para a alta no preço da carne branca. “Ainda dá pra tirar uns R$ 800 por mês. O lucro é garantido pra quem pesca piapara e dourado”, comenta o pescador.
Entre os pescadores de Querência do Norte e região há unanimidade com relação à pesca nas imediações do Porto 18. “Não há melhor lugar. Tem dia que ainda pegamos 20 kg de peixe”, afirma o sorridente e bem-humorado Tião Paçoca. Setembro é considerado o melhor mês para a pesca, quando se torna fácil encontrar peixes realmente grandes. Na primavera, turistas aproveitam a oportunidade para conhecer a área. “Abril também é um ótimo mês para pescar”, pontua Antônio Medina, em referência que também remete ao fim da piracema, período em que a pesca é proibida para não atrapalhar a cadeia reprodutiva dos peixes.
Recursos naturais impulsionam o turismo
Quem já teve a oportunidade de conhecer alguns dos portos que circundam Querência do Norte, se sente enfeitiçado pelas belezas naturais da região. Cientes da atenção que a fauna e a flora local atraem, pescadores encontraram no turismo uma alternativa para agregar mais renda.
De segunda à sexta, é fácil ver sobre as águas do Rio Paraná um grande número de barcos procurando os melhores cardumes da região. Os pescadores só deixam as varinhas de lado aos sábados e domingos, quando assumem o papel de guias turísticos. “Em média, atendo 25 pessoas por mês e cobro R$ 50 reais de cada grupo”, assinala o pescador Antônio Medina de Souza Neto. O pescador Tião Paçoca cobra o mesmo valor e considera o trabalho prazeroso. “Aqui a gente mostra que realmente conhece tudo”, frisa.
Em Querência do Norte, muita gente disponibiliza o barco com motor por diárias de R$ 100, preço fixado pelos pescadores. “É uma alternativa para quem prefere um programa mais calmo, como pescar. Já os aventureiros optam por conhecer as ilhas”, diz Neto. A experiência de Tião Paçoca e Medina de Souza Neto faz com que turistas de cidades bem distantes sempre os escolham como guias. “Já auxiliei muita gente de Ribeirão Preto, Sertãozinho, Marília, Curitiba, Londrina, Maringá e Paranavaí”, exemplifica Tião.
A única queixa dos pescadores diz respeito a precariedade da estrada que os turistas têm de percorrer para chegar até o Porto 18. “O caminho é muito ruim. Muita gente desiste de vir aqui. Se algo fosse feito, ganharíamos muito mais dinheiro”, avalia Antônio Medina de Souza Neto.