David Arioch – Jornalismo Cultural

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Estrada percorrida por colonos em 1927

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Estrada percorrida por centenas de colonos que migraram para Paranavaí em 1927, após reconstruírem uma ponte que desabou em um dia chuvoso (Acervo: Diederichsen & Tibiriçá)

Estrada percorrida por centenas de colonos que migraram para Paranavaí em 1927, após reconstruírem uma ponte sobre o Rio Santo Anastácio, na divisa entre São Paulo e Paraná,  que desabou em um dia chuvoso (Acervo: Diederichsen & Tibiriçá)

Written by David Arioch

February 19th, 2016 at 5:53 pm

O tesouro da Fazenda Brasileira

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O dia em que um colono encontrou um pote cheio de moedas de ouro na serraria da Braviaco

Paranavaí no ano em que João desenterrou um tesouro em uma velha serraria (Foto: Toshikazu Takahashi)

Paranavaí no ano em que João desenterrou o tesouro em uma velha serraria (Foto: Toshikazu Takahashi)

Em 1958, João Mariano, colono de uma das maiores fazendas de café de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, foi convidado por um amigo, também chamado João, para procurar um tesouro enterrado na velha serraria da Companhia Brasileira de Viação e Comércio (Braviaco) nos tempos da Fazenda Brasileira.

“Ele estava bem animado em trabalhar na fazenda porque ganhou dinheiro o suficiente para comprar uma potranca e uns porquinhos para criação. Um dia, chegou pra mim e disse: ‘Aqui, Graças a Deus, estou muito bem, João!”, lembra Mariano que visitava o amigo com frequência quando anoitecia.

Em uma noite, o companheiro fez uma sugestão: “Ô, João, vamos arrancar um tesouro ali naquela serraria velha?” Sem entender do que se tratava, Mariano titubeou. “Tesouro?”, interpelou. Com olhar sereno e voz remansosa, o homem respondeu: “Sim, um pote cheio de moedas de ouro que enterraram lá há muito tempo, na época da Brasileira.”

Ainda com dúvidas sobre a proposta do amigo, Mariano questionou se ele recebeu algum aviso, teve um sonho ou visão com o tal tesouro enterrado. Depois de acenar negativamente com a cabeça, e justificar que apenas acreditava na crença de que todo lugar abandonado esconde algo surpreendente, o homem se calou. “Procurar algo à toa, sem base, sem cabimento? Falei que assim eu não iria não!”, argumentou.

Um dia, sem fazer alarde, João reuniu seus pertences e partiu com a família. Antes, sem explicar o motivo, avisou ao amigo que decidiu retornar para São Paulo, seu estado de origem. “Só estranhamos porque ele estava bem aqui. Mas no fim achamos aquilo normal, né? Afinal, era comum um ou outro deixar Paranavaí para tentar a vida em outro lugar”, comenta Mariano.

Mais tarde, caminhando em meio à invernada, o colono João Mariano decidiu dar um passeio pela velha serraria da Braviaco. Quando chegou lá, teve uma surpresa. “Vi um buraco no chão e uma marca ainda brilhante, arredondada e exata de um pote. Lá dentro tinha uma moedinha de ouro. Aí falei: ‘Puta merda! Agora sei porque ele foi embora. Voltei e contei pro meu irmão que me lembrou que quando alguém acha um tesouro tem de deixar uma moedinha pra trás, num sinal de boa fé”, narra.

Quando o proprietário da fazenda soube do acontecido, gritou: “Filho da puta! Esse dinheiro estava na minha fazenda, então era meu. “Mas o senhor não foi arrancar o tesouro, não é mesmo?”, questionou Mariano que nunca mais teve notícias do amigo afortunado.

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A fazenda situada entre a estrada para Tamboara e a Vila Operária somava mais de 400 alqueires.

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Written by David Arioch

January 15th, 2016 at 6:15 pm

Um índio por um velho chapéu de aba larga

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Garoto caiuá foi comprado para ajudar a escrever um dicionário de guarani

Ulrico Goevert: "Ele literalmente o comprou com um velho chapéu” (Acervo: Ordem do Carmo)

Ulrico Goevert: “Onde os colonos chegam, desaparecem os índios” (Acervo: Ordem do Carmo)

Em 1951, um frade capuchinho foi enviado a Paranavaí, no Noroeste do Paraná, com a missão de evangelizar os poucos índios que ainda viviam nas matas virgens da colônia. “Onde os colonos chegam, desaparecem os índios, os aborígenes do lugar”, escreveu o frei alemão Ulrico Goevert em publicação da revista alemã Karmel-Stimmen, sobre as experiências em Paranavaí.

Embora seja verdade, o missionário capuchinho conseguiu encontrar nativos de etnia caiuá vivendo na região. Como era impossível estabelecer a comunicação falada, o homem apelou para gestos. No começo foi difícil. Foram necessários dias para conquistar a liberdade de se aproximar dos índios.

Mesmo sem entender quase nada sobre os caiuás do Noroeste Paranaense, o frade ficou intrigado com os costumes e a língua guarani. Então um dia foi até um dos chefes da tribo, mostrou o próprio chapéu de aba larga e apontou para um jovem índio, sugerindo uma troca. Depois de avaliar bem o item, o líder caiuá acabou aceitando. “Ele literalmente o comprou com um velho chapéu”, registrou Goevert no relato escrito em um diário em 1957 e publicado no ano seguinte na Alemanha.

José de Oliveira: “Ele deixou de pertencer a tribo logo que foi comprado” (Foto: David Arioch)

José de Oliveira: “Ele deixou de pertencer a tribo logo que foi comprado” (Foto: David Arioch)

O garoto foi trazido até a área urbana de Paranavaí, onde serviu de referência para o frade escrever um dicionário de guarani. Todas as perguntas eram feitas por meio de sinais. Um trabalho moroso e não muito produtivo. Mas, obstinado, o capuchinho só retornou à aldeia depois de um bom tempo estudando a língua. Ainda hoje, não há informações sobre o destino do jovem subalterno trocado por um chapéu surrado. “Ele deixou de pertencer a tribo logo que foi comprado. Não tinha pra onde voltar”, comentou o pioneiro José Francisco de Oliveira.

Quem também viveu por muitos anos em Paranavaí e teve bastante contato com os caiuás, descendentes dos índios que sobreviveram às investidas dos bandeirantes paulistas e portugueses entre as décadas de 1620 e 1640, foi o frei alemão Alberto Foerst que tinha grande experiência como missionário.

Alberto Foerst: "Com presentes, ganhávamos a simpatia do cacique da tribo" (Acervo: Ordem do Carmo)

Alberto Foerst: “Com presentes, ganhávamos a simpatia do cacique da tribo” (Acervo: Ordem do Carmo)

No artigo “Noch Ein Missionsberich”, da edição número 10 da revista Karmel-Stimmen, de outubro de 1954, Foerst diz que para se aproximar dos caiuás, causando boa impressão, era preciso primeiro presenteá-los. “Dessa forma, ganhávamos a simpatia do cacique da tribo, tornando nosso trabalho mais fácil”, revelou. À época, um dos presentes preferidos era a caneta-tinteiro, pois a consideravam um lindo ornamento para colares.

Ainda assim, segundo Oliveira, os nativos costumavam evitar ao máximo o contato com outros povos. “Eles eram até pacíficos e bem tolerantes. Quando viram o chamado progresso chegando, em vez de nos atacar, eles partiram para uma grande área de mata fechada lá pelas bandas do Rio Ivaí, pra lá de Paraíso do Norte”, conta o pioneiro.

No pequeno livro “História e Memória de Paranavaí”, um lançamento póstumo de 1992, Ulrico Goevert lembrou dos episódios em que, não se sabe se por represália ou escassez de alimentos, os caiuás invadiram muitas roças da região para furtar milho e mandioca. “Era muito diferente daquela enaltecida raça com a qual o Karl May [um dos mais populares escritores alemães – criador de personagens heroicos como Mão de Ferro e Mão de Fogo] nos entusiasmou na adolescência”, queixou-se.

Em uma análise hermética e ocidentalizada, Goevert definiu os caiuás como figuras primitivas alheias à própria cultura. Ficou chocado nas diversas vezes em que os testemunhou comendo lesmas. “Não colocam mais em prática os conceitos morais e praticam a justiça por conta própria. E que mania eles têm de dormir a céu aberto. Não é de se admirar que tenham saúde tão precária”, reclamou em referência aos muitos que adoeceram e até morreram nos anos 1950 em decorrência da tuberculose. No entanto, é válido ressaltar que a doença chegou à região com migrantes e imigrantes.

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Sobre matanças e os temidos quebra milho

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Experiências e impressões sobre criminosos que viveram em Paranavaí nos tempos de colonização

Frei Ulrico: "Não foram poucas as confidências de assassinatos e crimes hediondos" (Acervo: Ordem do Carmo)

Frei Ulrico: “Não foram poucas as confidências de assassinatos e crimes hediondos” (Acervo: Ordem do Carmo)

Embora tenha falecido há muitos anos, o frei alemão Ulrico Goevert, um dos pioneiros religiosos de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, tinha o hábito de registrar muito do que via e ouvia na antiga Fazenda Brasileira. O primeiro diário de Goevert sobre os fatos aqui vividos data de 1951. Sete anos mais tarde, a convite do padre provincial Adalbert Deckert, de Bamberg, no estado alemão da Baviera, o frei começou a publicar suas experiências em Paranavaí na revista germânica Karmel-Stimmen, onde ganhou uma coluna periódica.

Entre os relatos que mais chamaram a atenção dos alemães está um sobre as matanças promovidas pelos quebra milho, como eram chamados os jagunços e grileiros violentos que viviam na região de Paranavaí entre os anos 1940 e 1950. “Muitos que aqui chegavam de outros estados e países buscavam construir uma nova vida. Tudo isso resultou em uma grande mistura internacional”, conta Ulrico Goevert, acrescentando que no meio de tanta gente havia famílias sonhadoras, oportunistas gananciosos e aventureiros preocupados apenas com o presente.

O frei alemão admitiu anos mais tarde que entre 1951 e 1958 foi procurado por quebra milho das mais diversas origens. “Não foram poucas as confidências de assassinatos e crimes hediondos. Me procuravam pedindo para ajudar a tirar as mortes da consciência”, lembra. O contato frequente com a comunidade fez Goevert se aprofundar um pouco mais sobre o passado duvidoso de uma significativa parcela da população local. “Eu era procurado até por aqueles que não queriam mais do que continuar a sua velha safadeza neste novo lugar”, declara. Boa parte pedia informações ao padre sobre como providenciar novos documentos para dar início a uma nova vida, se isentando dos crimes do passado.

Em Paranavaí, no final dos anos 1940 até a metade da década de 1950, muita gente conseguiu mudar de nome, enganando a polícia e os perseguidores que percorriam milhares de quilômetros para acertar as contas. “Aqueles que demonstravam verdadeira boa vontade, eu consegui ajudar, possivelmente os livrando da morte. O que mais podia fazer se não contribuir para torná-los membros úteis de uma comunidade?”, questiona o frei alemão na coluna mais lida da revista Karmel-Stimmen em 1958.

Adalbert Deckert pediu que Goevert escrevesse fatos sobre Paranavaí na revista Karmmel-Stimmen (Acervo: Ordem do Carmo)

Adalbert Deckert pediu que Goevert escrevesse sobre Paranavaí na revista Karmel-Stimmen (Acervo: Ordem do Carmo)

Perdulários, os quebra milho eram temidos e chamavam muita atenção em Paranavaí pelos gastos astronômicos com bebidas, comidas e orgias em locais como a Boate da Cigana. No entanto, algumas festas eram particulares e aconteciam em locais afastados da cidade. “Eles apenas ordenavam que buscassem as moças, escolhidas a dedo, que iriam servir para o lazer”, confidencia o pioneiro cearense João Mariano.

Tudo era custeado com pequenas fortunas conquistadas em um curto período de tempo explorando mão de obra barata na derrubada de mata e lavouras ou cobrando dívidas e desapropriando terras ilegalmente. “Eram promotores de um estilo de vida totalmente imoral e leviano. Não tinham interesse em mudar. Viviam em função da sequência roubo, homicídio e morte”, registra o alemão.

Apesar de não haver dados sobre a quantidade de quebra milho nos tempos da colonização, é possível inferir que era o suficiente para amedrontar a população. “Não se passava um mês sem eu ter de dar a unção a alguma vítima de assassinato, nem sempre o morto fazia parte desta leviana corja. Tivemos muitos homicídios por causa de direitos de posse”, frisa Ulrico Goevert.

Os crimes eram quase inevitáveis quando dois ou mais proprietários de um mesmo pedaço de terra se encontravam. Um apresentava ao outro o documento que dizia ser legal e reivindicava o direito da área. “Um não queria ceder e muito menos o outro. A discussão só acabava quando puxavam o revólver”, afirma o frei que presenciou algumas dessas situações. Com o tempo, o alemão começou a tentar entender como várias pessoas tinham diferentes escrituras de uma mesma terra. Depois de muito pesquisar, Goevert descobriu que a diferença entre um documento e outro ultrapassava décadas.

A verdade é que em outros tempos alguns oportunistas compraram terras em áreas não colonizadas de Paranavaí e desistiram de construir, levando em conta o investimento com derrubada de mata e povoamento. Então esperavam anos, até alguém iniciar a colonização da região. O tempo passava e o governo autorizava uma nova venda de uma área comercializada muito tempo antes. “Quando tudo ficava aberto, limpo e habitável aparecia gente até com documentos do Século XIX e a confusão se armava”, detalha o líder religioso.

Não é à toa que até hoje há pioneiros em Paranavaí que culpam o governo federal e o governo paranaense por diversos assassinatos provocados por conflitos de posse e comissão de terras. “A situação esquentava e ninguém fazia nada. Se o poder público entrasse no meio para tentar amenizar a situação, quem sabe até disponibilizando uma nova terra à parte lesada, teríamos evitado tantas mortes. Com o sangue quente, e ninguém para ajudar, o peão perdia o controle e matava”, pondera Mariano.

Alguns criminosos trabalhavam dando suporte na derrubada de mata (Acervo: Ordem do Carmo)

Alguns criminosos trabalhavam dando suporte na derrubada de mata (Acervo: Ordem do Carmo)

As colonizadoras também ignoravam as negociações anteriores e simplesmente continuavam a atrair mais colonos com a venda de lotes pagos em pequenas parcelas. “Também perdi as contas de quantas mulheres apareceram reclamando a paternidade do filho e mostrando a foto do pai que já tinha outra família em Paranavaí”, desabafa o frei.

Normalmente o homem fugia de madrugada, abandonando as duas mulheres. A vontade de escapar da responsabilidade era tão grande que o sujeito atravessava a densa mata fechada habitada por animais silvestres e ainda cortava o Rio Paraná com algum bote. “É quase certo que no Mato Grosso o fujão começava tudo de novo”, lamenta frei Ulrico.

O perfil e a conduta dos quebra milho

De acordo com o pioneiro cearense João Mariano, os quebra milho eram homens das mais diversas origens que podiam andar em grupos, duplas ou sozinhos. Chegavam a Paranavaí com um plano de ação definido. Eram contratados para comandar as mais diversas atividades, desde grupos de peões atuando na derrubada de mata até cobranças de dívidas e comissões de terras. “Um quebra milho não sentia remorso em tirar uma vida, mas também não fazia isso de graça ou por qualquer coisa. Eram como mercenários, mas com código de conduta”, explica Mariano.

A conduta era ditada pelo dinheiro, não por vingança ou punição. Quanto maior a recompensa, menor a preocupação com a exposição. Se o retorno financeiro fosse grande, não se importavam em invadir um bar cheio de gente para assassinar três ou quatro pessoas. “Ele ia, fazia o serviço e partia, sem olhar para ninguém a sua volta, a não ser as vítimas. Só que se fosse incumbido de cobrar alguma coisa sem matar ninguém, o sujeito também atendia a exigência”, esclarece o pioneiro que ao longo da vida conheceu muitos quebra milho, inclusive teve amizade com alguns.

Paranavaí nos tempos dos quebradores de milho (Acervo: Casa da Cultura)

Paranavaí nos tempos dos quebra milho (Acervo: Fundação Cultural de Paranavaí)

Ao contrário do senso comum, dificilmente reagiam quando eram provocados por alguém sem envolvimento com seus negócios. Isso porque não traria retorno financeiro – a lógica da função. Metódicos, os quebra milho da Fazenda Brasileira dificilmente agiam por impulso. Além disso, não atuavam apenas em Paranavaí, mas em todo o Paraná, chegando a prestar serviços em São Paulo, Mato Grosso (incluindo o Mato Grosso do Sul), Santa Catarina e Rio Grande do Sul, principalmente a serviço de grandes empresários e latifundiários.

“Sei de alguns que encheram caminhões de cadáveres lá pelas bandas de Querência do Norte numa desapropriação ilegal e forçada. Tudo foi feito a mando de uma família tradicional da região de Maringá”, segreda Mariano que viu quando o caminhão estacionou em frente ao antigo Hospital João Cândido Ferreira (Hospital do Estado), onde é hoje a Praça da Xícara.

O veículo encostou e de longe os curiosos sentiram um forte odor de sangue que invadiu o centro da cidade. João Mariano diz que nunca tinha visto tanta gente morta em um mesmo local. “Havia dezenas. A maioria foi levada direto para um necrotério improvisado. Tinha tanto sangue que escorria até pelos pneus”, assegura.

Os quebradores eram responsáveis pelas levas de cadáveres que chegavam ao Hospital do Estado (Foto: Reprodução)

Os quebra milho eram responsáveis pelas levas de cadáveres que chegavam ao Hospital do Estado (Foto: Reprodução)

Por medo, nos anos 1940 e 1950, quando se falava em quebra milho, a maior parte da população não se manifestava sobre o assunto. Habilidosos com armas de fogo e armas brancas, inúmeros foram identificados como ex-jagunços, ex-guerrilheiros, criminosos condenados ou procurados, antigos membros de brigadas e de grupos paramilitares, além de desertores do Exército Brasileiro.

À época, como Paranavaí era apenas uma colônia, podiam ser facilmente identificados, mas ninguém queria se meter em confusão. Personagens controversos, os quebra milho fazem parte da história de Paranavaí, onde já viviam no princípio da colonização da Fazenda Brasileira na década de 1930. “Policiavam” e impediam que os migrantes atuando nas lavouras de café abandonassem o trabalho. Quem tentasse era abatido em barrancos às margens de algum rio ou durante a travessia. Antes do descarte de cadáveres, os criminosos os abriam, os enchiam com pedras, costuravam e os lançavam na água para afundar rapidamente, impossibilitando a localização.

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A queda da ponte do Rio Santo Anastácio

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Pioneiros de Paranavaí tiveram de reconstruí-la em 1927

Local onde 300 famílias passaram sufoco em 1927 (Foto: Reprodução)

Em 1927, o engenheiro agrônomo Joaquim da Rocha Medeiros teve de viajar até Pirapora, Minas Gerais, para buscar 300 famílias de migrantes para levar à fazenda que se tornaria a cidade de Paranavaí. Entretanto, a viagem foi interrompida por causa da queda de uma ponte.

Paranavaí era apenas uma fazenda situada no Norte do Paraná nos anos 1920, e que fazia parte da Gleba Pirapó, administrada pela Companhia Brasileira de Viação e Comércio (Braviaco), à época conhecida apenas como “Companhia Brasileira”. Inclusive por tal motivo, após 1930, a  área foi chamada de Fazenda Brasileira, uma pequena colônia que começou a se desenvolver em 1924, sob coordenação de Joaquim da Rocha Medeiros que naquele tempo tinha apenas 28 anos. Foi o jovem engenheiro agrônomo quem teve de viajar até Pirapora, no Norte de Minas Gerais, onde 300 famílias o aguardavam para trabalhar como colonos na área rural da Vila Montoya.

Medeiros conheceu a futura Paranavaí em 1924 (Foto: Reprodução)

Para trazer toda aquela gente a Paranavaí, Medeiros alugou um trem especial que levava passageiros até Presidente Prudente, no Oeste de São Paulo. A viagem foi interrompida por causa de chuvas torrenciais que se prolongaram por mais de um mês, causando enormes estragos. “A nossa sorte é que ficamos sabendo que a nove quilômetros havia dois galpões para a criação de bicho da seda que estavam abandonados. Também havia outras coberturas desocupadas. Lá, conseguimos acomodar todo mundo”, relatou o engenheiro agrônomo em um registro pessoal sobre a colonização do Norte do Paraná.

Quando a chuva cessou, Joaquim Medeiros chamou a atenção de todos e explicou que logo chegariam a uma estrada de terra próxima do Rio Santo Anastácio. Por azar, um pouco mais adiante havia uma ponte de madeira que não resistiu às chuvas e cedeu, indo por água abaixo. De acordo com o engenheiro, logo voltou a chover e tiveram de voltar aos barracões. “À nossa esquerda, as terras se resumiam a um massapé preto numa densa mata”, comentou Medeiros.

Estrada percorrida pelas 300 famílias de colonos (Acervo: Diederichsen & Tibiriçá)

No local onde a ponte caiu, o engenheiro selecionou o maior número possível de homens para ajudar a reconstruí-la, pois não havia nenhum outro meio de atravessar tanta gente pelo Rio Santo Anastácio. Além disso, não podiam abandonar os veículos usados no transporte dos colonos. “Fizemos nove quilômetros de estiva e depois iniciamos a transposição até a área do cerrado”, relatou Joaquim da Rocha, acrescentando que foi um trabalho surpreendente, que jamais seria completado com êxito se não fosse pelo tanto de pessoas dispostas a ajudar.

Mais tarde, os centenas de migrantes enfrentaram outro problema. Os caminhões atolavam com extrema facilidade no solo do arenito Caiuá, o que afetou tanto a viagem que entre atolar e desatolar os veículos passou-se uma semana. “Só mesmo o nordestino para suportar tanto desconforto”, admitiu o engenheiro agrônomo Joaquim da Rocha Medeiros. Na fazenda da Companhia Brasileira, futura Paranavaí, os migrantes trazidos de Pirapora foram responsáveis pelo plantio e alinhamento de 1,2 milhão de cafeeiros, tendo somente a ajuda de 20 caminhões Ford.

Mapa da área que pertencia a Braviaco nos anos 1920 (Foto: Reprodução)

Saiba Mais

O pioneiro e engenheiro agrônomo Joaquim da Rocha Medeiros que conheceu a futura Paranavaí em 1924 nasceu em Alcobaça, no Sul da Bahia, em 16 de dezembro de 1895. O engenheiro faleceu em 15 de setembro de 1978, aos 82 anos, em São Carlos, na região central de São Paulo.

Medeiros foi Secretário da Agricultura da Bahia, no governo de Landulpho Alves de Almeida. Ficou conhecido por modernizar a agricultura baiana tendo como modelo a agricultura estadunidense.

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“Alguns nem conheciam dinheiro”

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Trabalhadores rurais eram explorados em Paranavaí nos anos 1950

Paranavaí no tempo da exploração de colonos (Acervo: Fundação Cultural)

Em publicação alemã, o padre alemão Alberto Foerst revelou que na época da colonização havia tantos trabalhadores rurais ingênuos em Paranavaí, no Noroeste Paranaense, que alguns nem conheciam dinheiro. Muitos estavam acostumados a uma relação de subserviência em que trabalhavam em troca de comida e moradia.

No artigo intitulado “Die Stimme Der Mission”, publicado em outubro de 1954 na revista alemã Karmelstimmen, de Bamberg, no Estado da Baviera, o frei Alberto Foerst abordou, entre outros assuntos, as desigualdades sociais e a exploração do trabalho rural, problemas que já assolavam Paranavaí naquele tempo. Segundo Foerst, na década de 1950, muitos dos que chegavam a Paranavaí para trabalhar vinham das regiões Norte e Nordeste. “Eram pobres, não sabiam ler, escrever e trabalhavam nas fazendas. A maioria era explorada pelos fazendeiros, a quem a terra pertencia. Alguns trabalhadores nem conheciam dinheiro”, confidenciou o padre alemão.

Foerst se surpreendeu durante as missões que empreendeu em Paranavaí ao se deparar com pessoas trabalhando em troca de alimento e um lugar para morar. Eram seres humanos alheios ao seu próprio tempo e realidade, dispersos em um universo que já se alinhava mais às impossibilidades do que a concretização dos sonhos de prosperidade. “Às vezes, faltava até o que comer, mesmo o peão se matando no serviço. Havia muita gente inocente na roça que não sabia o valor do seu trabalho. Os donos das terras os enganavam com facilidade”, relatou o pioneiro Sátiro Dias de Melo.

Caso os trabalhadores reclamassem das condições de trabalho poderiam ser lesados de alguma maneira. Segundo Melo, se o colono decidisse denunciar a situação à polícia, o fazendeiro encontrava meios de “justificar” que o trabalhador estava em débito, inventando dívidas, relatos de prejuízos, entre outras mentiras. “A pessoa não tinha pra onde correr, pois já valia mais a palavra de um rico do que de um pobre”, frisou o pioneiro, acrescentando que ao retornar à fazenda o colono podia ser castigado e depois mandado embora.

Fazendeiros mandavam espancar colonos

Não foram poucos os colonos que caíram nas artimanhas dos latifundiários de Paranavaí durante a colonização. Com a promessa de resolver a situação, o fazendeiro mandava chamar o empregado para conversar. Longe dos colegas de trabalho, a vítima era levada a um celeiro ou algum outro ambiente ermo. Lá, pediam para esperar o patrão.

O colono ficava apreensivo, mas nem tinha ideia do que o aguardava. Pouco tempo depois, retornavam pelo menos dois jagunços em direções diferentes para evitar que o trabalhador rural fugisse. Um deles imobilizava o homem enquanto o outro o açoitava com um rebenque. Quando o colono perdia as forças e caía no chão, ainda era atingido com socos e pontapés, até perder os sentidos e desmaiar.

“Tive amigos e colegas que passaram por isso. Alguns sumiram de Paranavaí e nunca mais voltaram. Muita gente sofreu com toda essa violência”, comentou o pioneiro Sátiro Dias de Melo. Ninguém tinha coragem de denunciar, pois o medo de que algo acontecesse aos familiares era muito grande. O pioneiro confidenciou que determinados proprietários rurais tinham tanto poder que eram capazes de transformar um homicídio em um acidente de trabalho.

Em 1954, Paranavaí já era habitada por uma legião de migrantes miseráveis, pessoas simples, ingênuas e ignorantes. Uma parcela ainda acreditava na chance de ter uma vida melhor. Era o grande sonho dos colonos, segundo Melo. “Esses eram aqueles que viviam no mato e nada sabiam sobre o mundo”, declarou o padre alemão que disse ter enxergado nos colonos de Paranavaí uma candura que até então nunca tinha visto em nenhum outro povo, nem mesmo o europeu.

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A proibição de bebidas alcoólicas em 1927

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Quando o álcool foi banido de Paranavaí pela Braviaco

Braviaco pertencia a Geraldo Rocha e Landulpho Alves (Foto: Reprodução)

Em 1927, a entrada de bebidas alcoólicas foi proibida na Vila Montoya, atual Paranavaí, no Noroeste do Paraná, medida que foi mantida até 1930, ano em que a concessão da Companhia Brasileira de Viação e Comércio (Braviaco), subsidiária da Brazil Railway Company, foi revogada pelo presidente Getúlio Vargas.

Quando a Braviaco começou a construção de 110 quilômetros de estrada em 1926,  ligando as imediações dos rios Pirapó e Paranapanema à fazenda que receberia o nome de Vila Montoya, os diretores da Braviaco, Geraldo Rocha e Landulfo Alves, foram informados que muitos de seus trabalhadores tinham o costume de consumir bebidas alcoólicas todos os dias. Por isso, tomaram a decisão de impor uma lei baseada na palavra para impedir a entrada de álcool na região de Paranavaí. Quem fosse flagrado bebendo era despejado e mandado embora.

A iniciativa foi colocada em prática em 1927, quando cerca de seis mil pessoas, somando centenas de famílias, viviam na colônia, em áreas que hoje pertencem ao Jardim Ipê, Jardim Iguaçu e Jardim Ouro Branco. A medida que tinha um caráter de “diplomacia rural” não foi bem recebida por todos os migrantes, inclusive alguns optaram por deixar o povoado afirmando que não valia a pena trabalhar em um lugar sem poder pelo menos tomar uma dose de cachaça no fim do dia.

Como havia dezenas de capangas na fazenda, ninguém é capaz de afirmar se aqueles que abandonaram a Vila Montoya chegaram aos seus destinos. “A proibição da entrada de bebidas alcoólicas na região foi uma providência salutar”, disse o engenheiro agrônomo Joaquim da Rocha Medeiros em entrevista à Prefeitura de Paranavaí décadas atrás. Medeiros era funcionário da Braviavo e coordenava o trabalho da companhia na região.

“O veto não atrapalhou muito, mas teve gente que partiu para outras cidades do Paraná e do interior de São Paulo. Penso que a ideia de proibir o álcool era pra evitar todos os tipos de problemas. Depois de umas pingas, o peão ficava agitado, com o sangue quente e, como a vida já era difícil, qualquer coisinha era motivo pra coçar a mão e arrancar a faca da cintura”, avaliou o pioneiro cearense João Mariano.

A proibição de bebidas alcoólicas em Montoya durou cerca de três anos. Ainda assim, alguns tinham acesso ao álcool. “Como era um produto proibido, saía mais caro, mas a gente sabe que até os jagunços da fazenda davam um jeito de arrumar a bebida para a ‘peãozada’. Claro que não era todo mundo que bebia, mas alguns nem que fosse de vez em quando conseguiam uma pinguinha sim”, enfatizou.

Sede da Vila Montoya na década de 1920 (Foto: Reprodução)

“Quando se aproximou, viu um cadáver apodrecendo”

Como não havia autoridades policiais o suficiente para cuidarem dos seis mil moradores do Distrito de Montoya, a Braviaco costumava intervir, pensando em ações que evitassem conflitos entre os colonos. Nem sempre dava certo, tanto que em 1927, o álcool já havia trazido como consequências muitos desentendimentos e brigas entre os trabalhadores.

“Tinha peão que ia trabalhar alcoolizado, assim arrumava confusão com extrema facilidade. São problemas que já existiam. Para a Braviaco, não era uma questão humana. A maior preocupação era que caso alguns se matassem, isso poderia afetar a produção de café, exigindo novos colonos para substituir os que morriam. É claro que eles não iriam se queixar disso, mas quem viveu aquela época sabia que o que importava pra eles era o lucro”, desabafou Mariano.

Havia três policiais para garantir a segurança dos moradores da Vila Montoya. Eram profissionais que nem sempre iam até as áreas de conflito, mesmo após alguns crimes. De acordo com João Mariano, não foram poucas as mortes em meio aos cafezais. “Tive um compadre que uma vez estava cruzando a roça e sentiu um mau cheiro perto de um pé de café. Quando se aproximou, viu um cadáver apodrecendo embaixo de um monte de folhas e galhos pequenos”, revelou. O homem ficou com medo e não contou nada a ninguém. No dia seguinte, a “consciência pesou” e ele voltou ao mesmo lugar. Para a surpresa do colono, já tinham removido o corpo.

“Como havia uns rastros de sangue no chão, meu compadre foi pedir informação pra polícia, só que como quem não quer nada. Falaram que fazia tempo que não acontecia nenhum crime por essas bandas”, confidenciou o pioneiro João Mariano, denunciando que os policiais contribuíam na ocultação de crimes para não comprometer a imagem da companhia. É importante lembrar que as bebidas alcoólicas foram banidas até 1930, quando a Braviaco teve de se retirar do distrito, sob ordem do presidente Getúlio Vargas que revogou a concessão de terras em represália ao apoio prestado ao  político Júlio Prestes.

Saiba Mais

A Vila Montoya pertencia ao município de Tibagi, no Centro Oriental Paranaense.

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Ninguém podia deixar a Fazenda Brasileira

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Quem abandonava o povoado era assassinado a tiros às margens do Paranapanema

Paranapanema, cenário de muitos crimes nos tempos da colonização (Foto: Reprodução)

Na década de 1930, a Fazenda Brasileira, atual Paranavaí, no Noroeste do Paraná, era conhecida como terra sem lei. Os migrantes que vinham para cá em busca de melhores condições de vida não podiam abandonar o povoado. Quem se arriscava a fugir era assassinado a tiros às margens do Rio Paranapanema, com a conivência dos colonizadores.

A história da colonização de Paranavaí é marcada por muita luta e perseverança, principalmente dos colonos. No entanto, o que a maioria da população desconhece até hoje é que em 1930 as regras já eram ditadas por colonizadores e jagunços que se colocavam acima da lei.

No ano em que Getúlio Vargas assumiu como presidente do Brasil, o Paraná ainda preservava 87% de vegetação primitiva. O novo governo federal tinha grande interesse na quase inabitada Vila Montoya, no Noroeste, que pertencia a Tibagi, no Centro Oriental Paranaense. A área então, que era da Companhia Brasileira de Viação e Comércio (Braviaco), foi repassada ao jornalista e político gaúcho Lindolfo Collor (avô do ex-presidente Fernando Collor de Mello), um dos participantes da Revolução de 1930.

No mesmo ano, foram trazidas à Brasileira cerca de 1,2 mil famílias de migrantes, principalmente do Sudeste e Nordeste, para trabalharem na lavoura de café sob regime de colonato. Naquele tempo, já vivia aqui, desde 1929, época do Distrito de Montoya, o falecido pioneiro pernambucano Frutuoso Joaquim de Sales, das primeiras levas de migrantes trazidos pelo engenheiro agrônomo baiano Joaquim Rocha Medeiros.

Frutuoso Sales vivenciou período mais obscuro da história local (Foto: Reprodução)

Sales é sempre apontado como o pioneiro que vivenciou o período mais obscuro da história de Paranavaí, embora sempre evitasse falar a respeito. Preferia assuntos maleáveis, os mais simples e triviais. “Em 1930, ele era o responsável pelo transporte de café, sabia de muitas coisas, mas para não comprometer a si mesmo e a terceiros sempre fugia de temas polêmicos, principalmente quando alguém perguntava sobre os crimes do passado”, declara o pioneiro mineiro Sátiro Dias de Melo que foi muito amigo de Frutuoso.

No ano em que Sales era responsável pelas cargas que entravam e saíam da Fazenda Brasileira, inúmeras famílias insatisfeitas com as condições de trabalho decidiram partir. Com o consentimento do contratante, os colonos recebiam os vencimentos, recolhiam os pertences e eram acompanhados até as margens do Rio Paranapanema, de onde sempre partia alguma balsa com destino ao Estado de São Paulo.

Antes da travessia, colonos e familiares eram assassinados a tiros por jagunços que trabalhavam para os colonizadores. Alguns eram mortos às margens do rio, já outros, abatidos quando estavam de costas, durante a travessia. Segundo relatos de pioneiros, os capangas abriam os corpos das vítimas, extraíam todas as vísceras, enchiam de pedras, costuravam e jogavam no Paranapanema, conhecido pelo enorme cardume de piranhas. As histórias sobre os crimes praticados contra os colonos impediram que muita gente fosse embora da Fazenda Brasileira. Os fatos disseminavam terror e medo.

A morte à espreita no Rio Paranapanema

De vez em quando, alguns migrantes, mesmo cientes do risco, preferiam se aventurar na fuga, o que dá uma ideia da dimensão do padrão de vida subumano imposto aos colonos na Fazenda Brasileira. O pioneiro Natal Francisco viu isso de perto quando deixou Presidente Prudente, em São Paulo, para conhecer o Noroeste do Paraná. Acompanhado pelo irmão José Francisco, guiou um Ford movido a gasogênio até o Porto Ceará, às margens do Rio Paranapanema.

Lá, perguntaram ao balseiro sobre a Brasileira. O rapaz os alertou que deveriam deixar o veículo, caso não quisessem perdê-lo. “Disse também que a gente corria risco de morte vindo pra cá”, informou Natal Francisco em entrevista concedida ao escritor Paulo Marcelo Soares Silva, publicada no livro História de Paranavaí, lançado em 1988. Muitos migrantes chegavam à Fazenda Brasileira partindo de uma estrada que ligava Presidente Prudente, Porto Ceará, Povoado de Cristo Rei, Gleba-1, Piracema e Porto São José.

Depois de oito dias na Brasileira, os irmãos Francisco estavam retornando ao Porto Ceará quando ouviram o som de um acordeão. Surpresos, mas curiosos, adentraram a mata. Antes que vissem qualquer coisa, uma mulher gritou. “Pelo amor de Deus, não mata nóis. Tamo fugindo, mas tamo quase morto.” Mesmo assustados, Natal e o irmão ligaram as lanternas para ver se tinha mais alguém ali. O marido da moça estava caído no chão com a roupa rasgada e uma sanfona sobre o peito todo ensanguentado.

O casal de colonos enganou os jagunços e fugiu da Fazenda Brasileira. Às margens do Rio Paranapanema, improvisaram uma jangada para navegar até o Porto Ceará. Enquanto isso, alguns capangas chegaram até a beira do rio. De lá, atiraram e acertaram o rapaz que sobreviveu com a ajuda dos irmãos Francisco.

Curiosidade

Em abril de 1931, quando o interventor e general Mário Tourinho retomou as terras do Noroeste para o Governo do Estado do Paraná, o interventor estabeleceu por decreto que nenhuma pessoa ou família poderia ter títulos de propriedade que ultrapassassem 200 hectares, iniciando assim uma nova ordem na Fazenda Brasileira.