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Merzbow: A Terra não pertence apenas ao homem. É necessária uma simbiose com as outras espécies”

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Masami Akita: “Comecei a ler livros e a pesquisar na internet sobre direitos animais”

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Merzbow participando de protesto contra a exploração animal no Japão (Foto: Divulgação)

Em 2002, o compositor japonês Masami Akita, mais conhecido como Merzbow, uma das mais importantes referências em noise music, decidiu criar quatro pequenas galinhas ornamentais. A experiência o estimulou a ver os animais de outra forma, e a buscar informações que transformariam sua vida. “Comecei a ler livros e a pesquisar na internet sobre direitos animais, e isso desencadeou uma consciência do mal que a humanidade tem feito. Foi assim que me tornei vegano”, enfatizou em entrevista a Andre Pluskwa da revista Kochen Ohne Knochen em janeiro de 2011.

Em 2005, ele publicou um livro chamado Watashi no Saishokuseikatsu (Vida Sem Crueldade), em que discorre sobre a sua história com o veganismo, o seu relacionamento com os animais e o seu trabalho como músico, iniciado em 1979. “Também falo sobre a história da proibição do consumo de carne no Japão”, disse.

De acordo com Masami Akita, nos tempos antigos, e influenciados pelo budismo, sucessivos imperadores japoneses eram vegetarianos. Desde o século VII, os imperadores proibiam o consumo de carne, argumentando que isso ia contra os ensinamentos do budismo. “Não coma carne de animal”, diziam. Desde então, segundo Merzbow, a dieta japonesa tem sido baseada principalmente em arroz.

O consumo de carne era inclusive odiado pelos japoneses, até que os estadunidenses desembarcaram com a intenção de ‘abrir o país’ no século XIX. “Eles finalmente começaram a forçar as pessoas a adquirirem os hábitos de consumo de carne e, consequentemente, até mesmo o imperador aceitou isso e se tornou um comedor de carne. Comer carne se tornou cada vez mais comum com a ocidentalização do Japão”, criticou Akita.

O músico já participou de ações e manifestações realizados pela organização Pessoas pelo Tratamento Ético dos Animais (Peta) Sea Shepherd e pelo Animal Rights Center (ARC), um grupo de direitos animais atuante no Japão. Bastante engajado, Merzbow costuma incluir folhetos sobre direitos animais em seus lançamentos. Muito populares também são os adesivos colados em seus equipamentos.

Em entrevista a Lara Garnermann, do Jame World, publicada em 7 de novembro de 2010, Masami Akita declarou que a sua música se tornou um meio de transmitir um pouco da mensagem dos direitos animais e do veganismo. “Claro, música é arte abstrata, mas acho que ela reflete as ideias do criador. Quero promover não apenas o bem-estar dos animais, mas os direitos animais. Bem-estar animal visa reduzir o sofrimento, a matança e a eutanásia dos animais. Direitos animais não é a mesma coisa. É a perspectiva de que os animais devem estar livres de qualquer abuso e assassinato”, assinalou.

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Ele usa a música como forma de transmitir um pouco da mensagem dos direitos animais (Foto: Divulgação)

Lançado em 2007, o seu álbum “Peace for Animals” é inteiramente dedicado aos animais, e traz uma música de pouco mais de 33 minutos intitulada “No More Exploitation of Animals”, ou seja, “Sem Mais Exploração de Animais“. “A música tem o significado, não é só a mensagem”, explicou Akita em entrevista a Gary Steel, do Witchdoctor, publicada em 9 de novembro de 2013. Ele também publicou um livro intitulado “My Vegan Life”, que ainda não tem tradução em inglês.

Segundo o músico, não é tão fácil encontrar restaurantes veganos no Japão, com exceção de Tóquio. “Desde que eu cozinhe para mim, não há nenhum problema”, garantiu. Nascido em 19 de dezembro de 1956, Masami Akita estudou belas artes na Universidade Tamagawa, onde se interessou principalmente pelo dadaísmo, corrente literária que o influenciou a criar o nome Merzbow, uma referência à obra arquitetônica baseada em sucata Merzbau (Casa Merz), do artista plástico alemão Kurt Schwitters.

Embora sua música seja definida como japanoise, o compositor japonês, que começou a fazer os primeiros shows em 1981, se tornou uma importante influência para músicos de todas as partes do mundo e dos mais diferentes gêneros musicais, mas principalmente do cenário underground. “Comecei gravando em fita, registrando ruídos da vida cotidiana”, revelou a Lara Garnermann, do Jame World. Ele também promove campanhas antitabagismo em locais onde participa e realiza concertos ao ar livre.

Entre os animais sob tutela de Masami Akita estão garnisé, pombo-da-cauda-de-leque, galinhas sedosas e patos. São animais que, em sua maioria, foram levados até ele por meio de ativistas e clínicas veterinárias. “São parte da minha família. Quando estou em turnê, minha família cuida deles”, informou a Andre Pluskwa da revista vegana kochen ohne knochen em janeiro de 2011.

Embora o vegetarianismo sob os aspectos de cultura alimentar e saúde seja bem divulgado no Japão, Merzbow lamenta que não há relação com os direitos animais, mas sim com um conceito reimportado da macrobiótica, originalmente popularizado fora do Japão por George Ohsawa e Michio Kushi.

Para Masami Akita, infelizmente o Japão não pode ser considerado um exemplo na relação entre seres humanos e animais. Porém, depois de tantas denúncias ao longo dos anos, inclusive reforçadas por documentários como ‘The Cove’, de Louie Psihoyos, que aborda a crueldade da caça aos golfinhos no Japão, o governo japonês foi apontado como negligente e tem sido obrigado a tomar atitudes em relação a essa prática. “Eles [o governo] não discutem o problema da caça do ponto de vista dos direitos animais. Em outras palavras, a questão baleeira tem sido encarada como uma questão de nacionalismo”, queixou-se Masami Akita.

O músico crê que há muito trabalho a ser feito para que os animais sejam vistos como seres com direito à vida e que merecem ser respeitados. No que depender dele, o Merzbow vai continuar sendo um veículo em defesa dos direitos animais. “A Terra não pertence apenas ao homem. É necessária uma simbiose com outras espécies”, afirmou.

Referências

http://merzbow.proboards.com/thread/15/new-interview-merzbow

http://www.jame-world.com/au/articles-69174-interview-with-akita-masami-of-merzbow.html

http://witchdoctor.co.nz/index.php/2013/11/merzbow-japanese-noise-guru/

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Written by David Arioch

February 28th, 2017 at 10:23 pm

O Xogum dos Cachorros

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Tsunayoshi ficou famoso por sua compaixão por cães e pela criação de leis beneficiando os animais

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Tsunayoshi instituiu “Os Éditos Sobre a Compaixão pelas Coisas Vivas” (Arte: Japan This)

Nascido em 23 de fevereiro de 1646, o supremo líder militar Tokugawa Tsunayoshi é uma das figuras mais intrigantes da história do Japão. Além de ter garantido ao país um crescimento sem precedentes na Era Genroku, e que só seria novamente alcançado no início do século 20, o quinto xogum ficou conhecido como O Xogum dos Cachorros ou O Xogum Cão, pela sua compaixão pelos animais, mas principalmente por cães.

De acordo com a escritora alemã Beatrice Bodart-Bailey, autora do livro “The Dog Shogun: The Personality and Policies of Tokugawa Tsunayoshi”, publicado em 2006, foi sob o xogunato de Tsunayoshi, iniciado em 1680, que os cidadãos comuns do Japão tiveram pela primeira vez acesso à boa educação e condição financeira para desfrutar de formas de entretenimento que até então eram relegadas à elite governante.

Suas políticas pouco ortodoxas e seu amor pelos animais fizeram com que muita gente o visse como uma ameaça e o qualificasse como tirano. Um dos motivos foi a criação de uma série de leis intitulada “Shorui-Awaremi-no-rei”, ou “Os Éditos Sobre a Compaixão pelas Coisas Vivas”, inspirado nos ideais budistas de clemência. Quando ascendeu ao poder, Tsunayoshi exigiu que todos os cães fossem registrados, assim como mulheres grávidas e crianças, com o objetivo de prevenir o infanticídio.

Os mais místicos atribuíam o amor de Tsunayoshi pelos animais ao fato de que ele nasceu no ano do cachorro. Considerado generoso demais com os seres vivos não humanos, ele incomodou muita gente ao criar uma lei em que punia crimes contra animais com penas proporcionais ao tipo de violência praticada. Em 1685, ao divulgar “Os Éditos Sobre a Compaixão pelas Coisas Vivas”, sua intenção era garantir que cães, animais que povoavam as ruas em maior número, não fossem incomodados por pessoas mal-intencionadas.

Para resolver o problema do grande número de animais abandonados, ele construiu muitos canis, chegando a abrigar 48.748 cães só nos subúrbios de Edo, antiga Tóquio. E todos as despesas com manutenção eram custeadas pelo governo do xogum. Como as leis garantiam cuidados aos animais doentes ou feridos, a profissão de médico veterinário se tornou muito popular no Japão. Havia inclusive uma superintendência com funcionários que passavam o dia fazendo rondas em busca de animais abandonados ou maltratados.

Em seu livro, Bodart-Bailey conta que Tokugawa Lemitsu, o pai de Tsunayoshi, o deixou aos cuidados de sua mãe, uma verdureira, e que sob influência dela, que levava uma vida bem simples, o Xogum dos Cachorros cresceu rejeitando os valores da elite japonesa, e reconhecendo que cada ser vivo tem direito a um lugar ao sol.

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Um dos documentos envolvendo cães emitidos pelo Xogum dos Cachorros (Acervo: Arquivo Nacional dos Países Baixos)

Uma obra revisionista da história política do Japão, e que discorre sobre aspectos do desenvolvimento social, intelectual e econômico daquele país, “The Dog Shogun: The Personality and Policies of Tokugawa Tsunayoshi”, narra que o Xogum dos Cachorros criou cargos e nomeou funcionários para que cuidassem de viajantes doentes e procurassem um lar para crianças abandonadas. Mesmo que essas ações custassem caro, ele jamais cogitou parar de oferecer tais serviços.

Amado e odiado, Tsunayoshi tinha inimigos que diziam que sua postura intelectual baseada no budismo e no confucionismo era apenas uma distração, e que na realidade ele não levava a sério nada do que fazia em relação a isso. Porém, a escritora Bodart-Bailey apresenta provas consistentes que refutam essa afirmação. Um exemplo era o seu relacionamento com o filósofo confucionista Ogyû Sorai, o intelectual mais importante do Período Edo.

Segundo a escritora alemã, Sorai não apenas elogiou o trabalho do Xogum dos Cachorros, como também trabalhou com ele na definição e criação de muitas políticas públicas. Embora seu nome esteja sempre envolvido em controvérsias, Tsunayoshi conseguiu evitar fome e miséria em tempos conturbados da história do Japão, como quando houve a erupção mais violenta do Monte Fuji, além de desastres naturais como terremotos, tsunamis e tufões.

Sensível, o Xogum dos Cachorros foi criado como um erudito, não um guerreiro. Durante muitos anos, ele promoveu o neoconfucionismo, enfatizando principalmente a importância da lealdade e da paz. Outro episódio ou lenda associada ao seu nome foi o Ataque dos 47 Ronin, história que deu origem ao bushidō, código de honra samurai.

Além de ser mais espiritualizado que seus irmãos, Tsunayoshi preferia ouvir os conselhos de sua mãe do que os de generais e regentes, indo na contramão de seus antecessores e sucessores. Seu governo chegou ao fim em 19 de fevereiro de 1709, quatro dias antes de completar 63 anos, quando sua esposa, a filha do imperador, o matou envenenado.

Ela o assassinou porque Tsunayoshi, que também mantinha um relacionamento homossexual, queria que o seu amante fosse o seu sucessor. Sua esposa tentou dissuadi-lo em vão e, considerando a situação insustentável, o matou e depois cometeu suicídio. Quando o seu sobrinho Tokugawa Ienobu o substituiu, as leis de proteção aos animais foram revogadas.

Saiba Mais

O governo de Tokugawa Tsunayoshi começou em 1680 e terminou em 1709.

Os samurais criavam muitos cães durante o período do xogunato.

Referência

Bodart-Bailey, Beatrice. The Dog Shogun: The Personality and Policies of Tokugawa Tsunayoshi.  University of Hawaii Press (2006).

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Um padre de muitos talentos

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Henrique Wunderlich: padre, pintor, escultor, marceneiro e carpinteiro

Frei Henrique criou dezenas de esculturas em Paranavaí (Acervo: Ordem do Carmo)

O frei alemão Henrique Wunderlich viveu em Paranavaí, no Noroeste do Paraná, apenas cinco anos, mas foi tempo o suficiente para deixar marcas indeléveis na cultura e história local, a partir de seus trabalhos com pinturas, esculturas, marcenaria e carpintaria.

Hartwig Wunderlich, conhecido como Frei Henrique, chegou a Paranavaí em setembro de 1952 para prestar assistência ao padre alemão Ulrico Goevert, responsável pela paróquia local, que em maio do mesmo ano recebeu autorização do bispo para fundar a igreja matriz.  “Frei Henrique não era somente um padre, mas também excelente escultor, marceneiro e carpinteiro”, afirmou Goevert em publicação à revista alemã Karmelstimmen na década de 1950.

Wunderlich começou a mostrar suas qualidades artísticas em Paranavaí ajudando na construção da primeira Igreja São Sebastião, principalmente o altar-mor. À época, os dois padres tiveram de se desdobrar em engenheiros porque em Paranavaí não havia profissionais da área. O que exigiu bastante cautela, pois naquele tempo muitas igrejas tinham desmoronado na primeira tempestade, após construídas nas proporções erradas.

Frei Ulrico lembrou que não demorou para a igreja ficar pronta, apesar do árduo trabalho. Pouco tempo depois, Frei Henrique começou a lapidar um enorme pedaço de árvore para dar-lhe formas inimagináveis. Wunderlich, conhecido na Alemanha como um prolífico artista, logo que terminou o altar teve a ideia de criar um grande quadro de madeira com o símbolo da eucaristia. “Ele fez o peixe e o pão, e no mesmo estilo um cálice com hóstia nas portas do tabernáculo, além de uma enorme cruz atrás do altar”, declarou Goevert que se surpreendeu com o talento do frei em trabalhar com pranchas grossas e duras de madeira de marfim.

O padre se mostrou tão criativo em Paranavaí que desenvolveu métodos particulares de aplicação de tintas. De acordo com Frei Ulrico, primeiro, Wunderlich preparou uma talhadeira tipo cinzel e então esculpiu figuras e linhas na madeira. Frei Henrique preencheu tudo com tinta importada do Japão. “As gravações impediram que as cores se misturassem e logo tudo ficou belo e liso”, comentou Goevert que admitiu ter ficado maravilhado com os quadros de Wunderlich que mais pareciam mosaicos em madeira, tamanha a perfeição.

A população local também ficou extasiada com as criações de Frei Henrique. Não imaginavam que em Paranavaí havia um padre que ao mesmo tempo era um artista de exímias habilidades. O mais incrível é que Wunderlich criava muitas obras em questão de semanas. Uma das esculturas do frei que até hoje chama bastante atenção é a de Jesus pregado na cruz com uma feição carregada de saudade. “Como ele sentia muita falta da Alemanha acabou transmitindo isso ao crucificado”, revelou Frei Ulrico, citando a obra criada em 1953 e que pode ser vista no altar-mor da Igreja São Sebastião.

Uma das esculturas mais famosas da Igreja São Sebastião foi feita por Henrique Wunderlich (Foto: Ordem do Carmo)

Uma das esculturas mais famosas da Igreja São Sebastião foi feita por Henrique Wunderlich (Foto: Ordem do Carmo)

Outra peça do padre alemão muito lembrada pelos pioneiros de Paranavaí é o escudo dos carmelitas feito em madeira e que traz o lema da Ordem: “Zelo Zelatus Sum Pro Domino Deo Exercituum” que significa “Consome-me o zelo pelo Senhor, Deus dos exércitos.” Também se destacam as pinturas da Santíssima Trindade e da Rosa Mística. “Esta foi pintada como um botão aberto de uma tenríssima rosa da qual nasce a divina criança”, disse Frei Ulrico, acrescentando que junto ao altar, em cima do livro com sete selos, Wunderlich lapidou a imagem de Jesus como o bom pelicano e também como o cordeiro de Deus.

Das peças que podem ser apreciadas ainda hoje, entre as dezenas de esculturas e pinturas que Henrique Wunderlich legou a Paranavaí, uma das que desperta mais curiosidade é a outra escultura de Jesus na cruz, situada na Paróquia São Sebastião. Quem o observa de frente não consegue ver seu rosto. O crucificado está cabisbaixo e com o cabelo tapando parcialmente o rosto em uma simbologia de tristeza e ao mesmo tempo compaixão pelo próximo.

Para conseguir enxergar Jesus com nitidez a pessoa precisa se ajoelhar. A intenção de Frei Henrique era transmitir a ideia de que diante de Jesus crucificado, o cristão deve se abaixar em ato de respeito e adoração. Wunderlich viveu em Paranavaí até 6 de dezembro de 1957, data em que foi enviado de volta à Alemanha para trabalhar nas paróquias de Fürth e Schlusselau, no Estado da Baviera. Ao se aposentar em 1993, Henrique Wunderlich retornou para a sua cidade natal, Kulmbach, também na Baviera, onde viveu até falecer em 18 de abril de 2000.

Curiosidade

Henrique Wunderlich foi soldado do Exército Alemão de 1939 a 1945.

O aliendígena

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Plebeu: “Todo mundo dizia que eu tinha criado um estilo, mas não me deram incentivo algum”

Plebeu produz pelo menos 15 obras por mês (Foto: David Arioch)

Há mais de vinte anos, Roldney Plebeu, de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, encontrou na arte mais do que um hobby e uma profissão: uma razão existencial. Cada uma de suas telas recebe cores e formas que nascem da mistura de impressões e sentimentos. É a arte existencialista de um aliendígena, como o artista define a si e tudo que produz.

Roldney Plebeu, 42, teve o primeiro contato com o desenho e a pintura na infância. “Comecei rabiscando com caneta”, diz. Na adolescência, se tornou um artista autodidata solitário por causa da incompreensão e falta de apoio. Aos 23 anos, sentiu necessidade de amadurecimento artístico e tentou entender melhor as próprias pinturas. Anos depois, insatisfeito em Paranavaí, Roldney se mudou para São Paulo.

Na capital paulista, o artista conheceu alguns empórios, institutos e escolas de artes como a Panamericana Escola de Arte e Design. “Precisava saber se o meu trabalho pertencia a alguma corrente artística, mas apenas me decepcionei. Todo mundo dizia que eu tinha criado um estilo, que sou revolucionário da arte, mas não me deram incentivo algum”, lamenta, sem esconder a decepção.

Plebeu não conseguiu custear as despesas em São Paulo por muito tempo e logo adotou como lar um banco gelado do Terminal Rodoviário da Barra Funda, espaço que dividia com mendigos. “Eu dormia pouco nessa época. Ficava a maior parte do tempo pintando na Avenida Paulista”, relata. O destino era sempre uma viela do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (Masp).

Lá, chamou a atenção de estrangeiros. Turistas dos Estados Unidos, Japão, Inglaterra e Israel compraram muitas de suas obras. “Um norte-americano, Joshua Rodriguez, presidente de uma fábrica de medicamentos do Texas, gostou muito do meu trabalho. Comprou até pinturas inacabadas”, garante Roldney. Convidado a se mudar para Londres, recusou a proposta para não se distanciar da mulher e dos filhos que estavam em Paranavaí.

Não demorou para os seguranças do Masp pedirem para Plebeu procurar outro lugar para pintar. Sem lugar fixo para expor as obras, o artista teve dificuldade em vender o que produzia. “Comecei a dar aula de graça para crianças de rua que eram viciadas em drogas”, explica. Pouco tempo depois, a desvalorização artística levou Roldney à depressão crônica. “Diziam que minhas obras eram complexas demais. Não consegui vender mais quase nada. Me envolvi com pichação e comecei a usar drogas”, revela o artista que abandonou a dependência química quatro anos depois e retornou a Paranavaí.

Emocionado, declara que nunca conquistou estabilidade trabalhando com arte, inclusive há períodos em que enfrenta sérias dificuldades para comprar materiais. “Pintar é uma terapia, mas é uma pena que com essa arte eu não consiga manter a mim e minha família”, desabafa o pintor que também é escultor. Plebeu manipula madeira, pedra-sabão e ferro.

O conceito aliendígena

O estilo aliendígena é uma referência as origens do artista (Foto: David Arioch)

Roldney Plebeu é um artista prolífico. Consegue produzir pelo menos 15 obras por mês. Pinta telas com extrema naturalidade, tanto que abre mão de criar esboços. “Muito do que pinto surge como uma surpresa até pra mim, é algo sem planejamento, um reflexo da maneira como eu encaro o mundo e a vida”, justifica Plebeu que materializa impressões e emoções usando pincel e tinta.

O artista é autor do estilo aliendígena de conceber arte. O neologismo é uma referência às origens de Roldney Plebeu, um sincretismo de europeu e índio. “Eu sou o aliendígena, uma mistura de etnias. Trato das diferenças em meio ao caos mundial. Cada pessoa pode interpretar como quiser”, comenta.

Plebeu: “Muito do que pinto surge como uma surpresa até pra mim” (Foto: David Arioch)

O conceito estético aliendígena parece carregar um pouco de brasilidade, tropicalismo, existencialismo, surrealismo e modernismo; uma arte de origem globalizada e destribalizada que aborda a heterogeneidade cultural do ser humano e descortina as dificuldades do homem em reconhecer a si mesmo diante do semelhante. É possível encarar cada pintura de Plebeu como um quebra-cabeças, tanto na forma quanto no conteúdo, inclusive os personagens do quadro são fragmentos que se encaixam tanto quanto se antagonizam.

Roldney Plebeu também trabalha com paisagismo. É uma maneira de dar novas perspectivas a um ambiente. “É como criar um mundo dentro de outro”, avalia o artista plástico que também é poeta, letrista e escreve até versos de rodeio.

Frase do artista plástico Roldney Plebeu sobre a arte aliendígena

“Em São Paulo, quando era mais jovem, mostrei meus quadros para pessoas com grande formação em arte. Achei que me dariam respostas, mas me enganei.”

Contato

Para mais informações sobre o trabalho de Roldney Plebeu, basta ligar para (44) 9832-3901

O dom de talhar a madeira

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Olegário aperfeiçoou as habilidades como carpinteiro e se tornou um mestre em talhar madeira

Artesão é especialista em esculturas de madeira (Foto: David Arioch)

Artesão é especialista em esculturas de madeira (Foto: David Arioch)

Há 28 anos, Olegário José dos Santos, de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, aproveitou as habilidades como carpinteiro para reproduzir uma obra de arte. O resultado foi tão positivo que desde então se dedica a criar placas, quadros e esculturas, peças que já foram comercializadas em muitos estados do Brasil e em outros países.

Tudo começou em 1981, quando “Seu Olegário” trabalhava como mestre de obras e marceneiro. À época, a habilidade em talhar madeira despertou no artista o desejo de fazer algo mais do que criar apenas produtos funcionais. “Vi um trabalho e decidi produzir também. Comecei a fazer esculturas e não parei mais. Tem peças minhas nos Estados Unidos, Japão, França, Espanha, Argentina, Costa Rica e Portugal”, diz o artesão em tom de orgulho.

Houve um período em que Santos participava de feiras agropecuárias com o intuito de divulgar e também comercializar as peças que produzia. “Em exposições no Paraná e São Paulo, eu vendia pelo menos 10 placas para fazenda e ainda levava trabalho pra casa. A procura era grande”, explica o artista plástico que já participou de exposições agropecuárias em Paranavaí, Maringá, Umuarama, Londrina, Foz do Iguaçu, Santo Antônio da Platina, Wenceslau Braz, Maringá, Ourinhos, Votuporanga, Presidente Prudente e Assis. Santos também vendeu muitas peças no litoral de Santa Catarina, principalmente pequenos artigos.

Independente do tamanho da obra, seja um chaveirinho feito na hora e vendido por R$ 4 ou um altar de R$ 7 mil que levou 90 dias para ser produzido, a verdade é que depois do trabalho concluído sempre surge o momento de fruição. “Sinto prazer em criar qualquer coisa”, enfatiza Seu Olegário que preza pela riqueza de detalhes. O perfeccionismo está embutido em cada uma de suas esculturas; nas formas e nas curvas que tiram do anonimato pedaços de cedro e cerejeira que provavelmente seriam transformados em produtos em série, como móveis.

Olegário dos Santos: “Sinto prazer em criar qualquer coisa” (Foto: David Arioch)

Olegário dos Santos: “Sinto prazer em criar qualquer coisa” (Foto: David Arioch)

“São ótimas madeiras para o trabalho que desenvolvo. Só uso outros tipos para fazer placas de fazenda”, informa e acrescenta que a cerejeira é trazida de Rondônia. Uma das especialidades de Seu Olegário é a criação de esculturas de imagens de santos, talento que combina com o sobrenome do artista. “Tenho algumas obras disponíveis para venda. São réplicas de São Expedito, São José, São Paulo e Nossa Senhora Aparecida”, destaca o escultor que está sempre aberto a encomendas e comercializa esculturas pelos mais diversos preços. Quem quiser conhecer de perto o trabalho do artista, pode vistar o seu atelier na Avenida Heitor Alencar Furtado, em frente ao trevo de acesso à Vila Operária.

Saiba mais

Cada escultura leva em média 30 dias para ficar pronta e um quadro é concluído em quatro dias.

O artista plástico Olegário José dos Santos também pode ser encontrado na Rua Augusto Fabretti, 877 –  Jardim Alvorada do Sul, Paranavaí. Ou pelo telefone: (44) 3423-4633

Do picadinho ao cardápio exótico

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Bar e Restaurante Toyokawa atravessa gerações e se consolida como um dos pontos mais tradicionais de Paranavaí

Bar São Paulo, o primeiro da Família Toyokawa (Foto: Acervo Familiar)

Bar São Paulo, o primeiro da Família Toyokawa (Foto: Acervo Familiar)

Há mais de 60 anos, quando Paranavaí, no Noroeste do Paraná, ainda era distrito de Mandaguari, e o principal meio de transporte eram as charretes, a família Toyokawa fundou um bar que se tornaria um dos pontos mais tradicionais da cidade.

Em 1949, o Bar São Paulo, que se tornaria Bar e Restaurante Toyokawa, entrou em operação quando veículos de tração animal eram os únicos aptos a circularem pelo solo arenoso de Paranavaí. “Em frente ao estabelecimento, tínhamos um ponto de charrete. Havia um areião que você nem imagina”, conta o proprietário Kengo Toyokawa.

À época, os moradores da zona rural se satisfaziam em ir até o bar para relaxar após um dia de trabalho. O estabelecimento era tão atrativo que se tornou um salão de festas. ”Eram realizadas comemorações de nascimento, casamento e aniversário. Tudo era feito no bar”, garante o empresário.

Yoneiti e Shitsue Toyokawa, pais de Kengo, preparavam pratinhos com 100, 200 gramas de carne para os convidados se deliciarem com pequenas fatias de pão. Os fregueses adoravam. A alegria dos moradores do campo era ir até o bar comer sardinha em lata e carne picadinha, segundo Kengo Toyokawa que ainda acrescenta: “O picadinho foi o pontapé inicial na tradição do bar e restaurante familiar.”

No início, bar já era familiar

Há 60 anos, o bar já era familiar (Foto: Acerco Familiar)

Dos oito filhos do casal, Paulo Toyokawa resolveu dar continuidade ao legado, inclusive incluiu novas iguarias no cardápio. Mas, em 1990, resolveu deixar o bar. Kengo, que morava em São Paulo, retornou a cidade e assumiu o negócio. “Eu estava cansado de mexer com tanta papelada numa seguradora. A gente fazia relatórios manualmente, não tinha computador”, conta.

Alguns anos depois de Kengo tomar a frente do estabelecimento, o cardápio que contava com 10 iguarias teve um aumento de 500%. “Aumentei para 50 aperitivos. Sempre fiz triagem para o pessoal não enjoar”, afirma. Atento ao gosto da clientela, se três fregueses não gostavam de algo no menu, o empresário o descartava.

Atualmente o Bar do Kengo é conhecido pelo cardápio exótico, a oferta de iguarias dificilmente encontradas em outros lugares, como jacaré, coelho e rã frita. “Antes eu servia testículos de peru. Alguns diziam que peru nem tinha testículo. Então eu ia lá no fundo pegar o testículo para mostrar a eles”, conta, às gargalhadas, Kengo.

A surpresa com o aperitivo se deve ao fato de apenas dois estabelecimentos o receberem na época. “Fizeram uma pesquisa sobre isso. Só havia um fornecedor de testículos de peru no Brasil. Só eu e outro cara o recebíamos”, declara. Questionado sobre as lembranças desde que começou a dirigir o bar, Kengo Toyokawa brinca: “Só lembro que já matei muita gente de cirrose”.

Bar do kengo atrai fregueses de outros países

Mas não são apenas os moradores de Paranavaí que apreciam o ambiente e o cardápio do Bar e Restaurante Toyokawa. “Tive fregueses da Espanha que elogiaram bastante. Já fui parabenizado por clientes de Lynchburg, Tennessee (EUA), onde é fabricado o Whisky Jack Daniels”, diz, orgulhoso, Kengo Toyokawa.

O cardápio que reúne mais de 50 pratos atrai até fregueses de São Paulo e Rio de Janeiro. Segundo Toyokawa, viajantes, que representam 70% da freguesia do estabelecimento, ficam surpresos com a qualidade do bar. Às vezes agrada tanto que surgem convites. “Um freguês falou pra eu montar uma filial onde ele mora. Não penso em abrir franquia, mas posso vender o know-how”, destaca.

Kengo dá todas as dicas, repassa fornecedores e monta a cozinha. “Mas Tem de ser um bar em que a família vai trabalhar. Nada de contratar pessoas de fora”, assinala. Também é necessário que a cidade tenha pelo menos 70 mil habitantes porque os produtos precisam ser comprados em grande quantidade. “Busco peixe lá perto de Floraí e o fornecedor não me vende menos de 70 kg de pacu”, exemplifica.

De acordo com Kengo, o atendimento precisa oferecer um diferencial. “Não vou dizer que aqui é tudo 100%, existem algumas falhas, mas fazemos tudo que está ao nosso alcance”, avalia o empresário que já conquistou o paladar de Maguila, Ari Toledo, Ricardo Chab e muitos outros humoristas, comediantes e políticos.

Kengo enfrentou problemas no antigo ponto

Para o empresário Kengo Toyokawa, não há ponto melhor para o Bar e Restaurante Toyokawa do que o atual. Segundo ele, o antigo era bastante movimentado, cerca de 150 pessoas passavam pelo bar a cada noite, mas com a grande movimentação surgiram também os problemas.

“O cara ocupava determinada mesa e quando íamos até lá, ele estava quase na metade da outra esquina. Saía sem pagar”, lamenta Kengo. Havia 40 meses no bar e a situação era difícil porque o controle da freguesia era feito manualmente. Nessa época, o estabelecimento ficou conhecido como “bar de homens”. “Aqui já houve uma mudança bem gostosa. A freguesia é formada por famílias e universitários. No geral, gente bonita”, relata.

O Bar e Restaurante Toyokawa está no mesmo ponto desde 2000 e todos os méritos são do proprietário. “Aprendi a preparar muitos pratos asiáticos. Além disso, sempre vou onde estão ensinando pratos exóticos, adoro aprender, não importa a distância”, reitera Kengo que mantém uma ala vip no estabelecimento. A área é destinada a confraternizações e também pessoas que preferem privacidade.

Curiosidade

O empresário Kengo Toyokawa já vendeu 350 caixas de cerveja por mês, uma marca que lhe rendeu uma viagem, como gratificação do distribuidor, para a Copa do Mundo de 1998, na França.