David Arioch – Jornalismo Cultural

Jornalismo Cultural

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Você se lembra de mim?

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There Is Always Hope, Banksy

Perto do Banco do Brasil, um rapaz se aproximou de mim sorrindo e perguntou se eu me recordava dele.

— Lembro sim. Você ficou um tempo na rua, não?
— Sim. Então, parei com o crack, mano. Na verdade, parei com tudo.
— Que bom, cara. Muito bom mesmo saber disso.
— É…agora estou bem mesmo. Estou limpo desde o final do ano passado. Não tive nenhuma recaída e estou trabalhando também.
— Você é um exemplo. Pode ter certeza. Isso é uma grande notícia.
— Você acha que estou bonito?
— Está sim. Nem parece o mesmo cara.
— Recuperei todo o peso que perdi enquanto fumava pedra. Olha minha roupa limpinha e nova.
— Ficou muito bem em você.
— Comprei sexta quando recebi o pagamento.
— Que beleza.
— Fiquei mais de ano vagando pela rua, noiado mesmo. Você lembra que eu andava pedindo dinheiro, né?
— Lembro, claro que lembro.
— Isso já passou. Voltei a trabalhar como ajudante de marceneiro também. Tô feliz, cara, de verdade.
— Me desculpe se estou incomodando, falando demais.
— Que isso. Claro que não. É sempre bom receber uma notícia assim. Anima qualquer um com um pouquinho de sensibilidade.
— Valeu mesmo! Vou indo porque amanhã tenho que acordar bem cedo pra trabalhar.
— De nada, cara. Fique bem. Bom trabalho e siga o seu caminho.

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Written by David Arioch

June 19th, 2017 at 12:17 am

A recompensa e o medo da danação

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“E se as pessoas soubessem que não ganhariam nada por serem boas?”

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Representação do inferno criada pelo pintor italiano Sandro Botticelli

Ao longo da minha vida, tive contato com diversas religiões e algumas antagônicas em certos aspectos. Fiz catequese e participei de escolas dominicais na minha infância e nos primeiros anos da adolescência. Até para minha surpresa, eu costumava estar entre os melhores alunos, embora minhas dúvidas soassem acéticas ou dignas de um infiel para alguns ou muitos. Ainda assim, eu não hesitava em refletir profundamente sobre o que lia e ouvia. Mesmo pequeno, não tinha facilidade em absorver qualquer coisa como verdade inquestionável.

O comportamento humano já me intrigava naquele tempo porque para além das cortinas de fé eu percebia algo nas pessoas que me parecia estranho e paradoxal. “Seja um bom menino que mais cedo ou mais tarde a recompensa aparece”, me diziam muitos quando eu ainda era criança. E esse discurso se repetiu muitas outras vezes e das mais variadas formas. As palavras mudavam, mas não deixavam de transmitir a mesma mensagem. Até que um dia eu comecei a me questionar.

“E se as pessoas soubessem que não ganhariam nada por serem boas? Se descobrissem que se trata de um dever como ser humano e simplesmente isso? E se após a morte lhe fosse reservado um lugar ao lado daqueles que você considera descrentes, ruins e degenerados? Você ainda faria tudo que fez? Seria realmente a mesma pessoa? E se não houver recompensa, não há motivo para ser bom ou justo?”

Me deparo todos os dias com pessoas que sustentam a própria fé e a ideia de fazer o bem como uma moeda de troca para ser beneficiado no futuro ou no pós-morte, como se Deus tivesse assinado algum termo de responsabilidade ou de indenização pela vida terrena que muitos depreciam na ânsia pelo paraíso. Como não encarar isso como uma forma de mercantilização da bondade? Por que não ser bom porque é sensato e condiz com a natureza humana quando ela não é subtraída da própria essência?

Acredito de fato que o ser humano é naturalmente benevolente, quando não o é significa que em algum momento suas características naturais foram corrompidas. Também penso que o justo nem sempre é verdadeiramente justo por um senso moral, por um senso altruísta. Muitas vezes a bondade nasce do medo da punição, da danação, de ser relegado à escuridão eterna. “Foi tarde. Tá ardendo no inferno, no colo do capeta”, já ouvi copiosamente. E que autoridade tem alguém em afirmar isso? Ou até mesmo desejar o mal a alguém? Quem somos nós para definir o que as pessoas merecem?

Diversas religiões falam que o fiel, o bom, ganhará os céus. Mas ser devoto de uma religião não significa ser bom e vice-versa. A bondade, como a caridade, independe de religião. Ela precisa fluir sempre de dentro do ser humano para fora, e mesmo distante de uma igreja há quem faça ela prevalecer até mais do que a de um suposto fiel. Crer que é melhor por ter uma religião reafirma apenas uma posição de devoto de ocasião.

Muitas vezes também li e ouvi pessoas afirmando que Deus há de punir seus desafetos porque ninguém “mexe com um servo ou serva de Deus”. Aí então surge uma curiosa distorção de crenças em que o religioso se coloca numa posição de deidade enquanto a Deus é delegada a função de subserviência, como um servo que deve atender aos caprichos de alguém com uma visão distorcida e particularista de justiça. Assim há seres humanos que não apenas se veem como merecedores de recompensa, mas vão muito além – eles a exigem em retribuição à fé que afirmam possuir incondicionalmente.

Uma vida dedicada ao próximo

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Na infância, Rosinha percorria até 20 quilômetros a pé com o pai para rezar pelos enfermos

Dona Rosinha: “Desde que nasci meu pai já orava pelos outros e fazia caridade. Vem de geração em geração” (Foto: David Arioch)

Dona Rosinha: “Desde que nasci meu pai já orava pelos outros e fazia caridade. Vem de geração em geração” (Foto: David Arioch)

Chego na casa de Dona Rosinha no Jardim Ipê, como é mais conhecida Rosa Ferreira dos Santos, e o seu marido, o vigilante Cido Dias dos Santos, pede que eu entre. Sem cerimônia, diz que ela já está me aguardando. Quando me vê, a dona de casa exibe um sorriso largo e singelo e me convida para sentar em um sofá na sala.

Miudinha e ansiosa pela entrevista, Rosinha tem uma rara força e resistência, o que ela atribui à fé religiosa. Procurada toda semana por pessoas que desejam algum tipo de graça, a dona de casa diz que não é benzedeira, mas sim rezadora. “O povo chega aqui e pede pra eu rezar. Meu trabalho pra ajudar quem precisa é baseado em três orações: ‘Pai Nosso’, ‘Creio em Deus-Pai’ e ‘Salve Rainha’. São as mais fortes pra gente”, afirma.

Além de orações, muitos são atraídos pelos seus remédios caseiros para dores nas costas, gripe e bronquite, feitos há 16 e 20 anos. “Quando acontece de não vir quase ninguém numa semana eu já fico preocupada, me perguntando se minha oração ainda está ajudando. Mas depois o número de visitas aumenta e fico feliz”, comenta com simplicidade.

A cultura da oração entrou na família de Rosinha com os bisavós e desde então a família segue a tradição de ajudar quem precisa, independente de classe social. “Desde que nasci meu pai já orava pelos outros e fazia caridade. Vem de geração em geração. As pessoas me procuram bastante por motivos de doença e também pra passar em algum tipo de concurso. Muita gente já me ligou agradecendo depois. Só não sei é a minha fé que é mais forte ou a fé deles em mim”, declara sorrindo.

Ainda criança, e vivendo em um cenário que lembra a atmosfera mística do filme “O Pagador de Promessas”, de Anselmo Duarte, Rosinha e os sete irmãos acompanhavam o pai em caminhadas de até 20 quilômetros para levar orações àqueles que já não podiam frequentar uma igreja, principalmente por problemas de saúde. Quando chegavam ao local, o pai e os filhos rodeavam o enfermo e oravam por horas.

“Ele era rezador de terço igual eu sou agora. Foi a herança que me deixou. Lembro que íamos tão longe que às vezes até dormíamos na beira da estrada. Meu pai e os filhos mais velhos carregavam os menores nas costas. Nunca foi homem de sair e deixar a família abandonada em casa”, destaca.

"Faço exatamente como meu pai me ensinou” (Foto: David Arioch)

“Faço exatamente como meu pai me ensinou” (Foto: David Arioch)

O relato remete aos anos 1960 e início dos anos 1970, quando a família de Rosinha vivia em cidades como São Jorge do Patrocínio, Pérola, Altônia e Rondon, nas regiões de Umuarama e Cianorte. “Morávamos em um canto, daí passava um tempo e a gente mudava, até que ficamos na residência do meu tio em São Jorge do Patrocínio. Depois arrumamos uma casa e começamos a trabalhar como boia-fria nos cafezais. O serviço mais perto exigia pelo menos quatro quilômetros de caminhada”, conta.

Após o falecimento do pai, há quase 20 anos, Rosinha continuou a tradição familiar, inclusive o trabalho de aplicar injeções em enfermos, algo que aprendeu na juventude, numa época de grande carência médica. “Quando um doente não pode sair de casa e a ajuda não chega, as pessoas me procuram. Faço exatamente como meu pai me ensinou”, justifica.

A dona de casa defende que o mais importante é fazer o bem aos outros sem esperar nada em troca. “Nem poderia ser diferente. Já alcancei tantas graças que só tenho a agradecer. Não me vejo no direito de cobrar nada de ninguém”, afirma. De acordo com a zeladora Maria Ruth Serrano, Rosinha é uma mulher atenciosa e batalhadora que possui muita força. “O trabalho dela é maravilhoso. Tá sempre preocupada com o próximo”, garante Ruth que a conhece há mais de 30 anos.

Segundo o marido Cido, o que também reafirma a solidariedade da esposa é o fato de nunca terem morado sozinhos. “Ela sempre trouxe alguém pra gente cuidar. Alguns eram parentes e outros não. Quase todos os irmãos dela já moraram com nós. Hoje cuidamos do meu pai. Torço para que ela nunca precise parar de fazer esse trabalho porque sei que é a maior satisfação da vida dela”, argumenta o vigilante.

“Nunca gostei de ficar à toa em casa”

Nascida em Salinas, no Norte de Minas Gerais, Dona Rosinha adotou Paranavaí como lar há 37 anos. “Já fiz de tudo na minha vida. Até trabalhei de doméstica e não me adaptei, retornando pra roça de café. Agora faço apenas trabalhinhos como confecção de rosários e crochê”, explica e acrescenta que atualmente a renda familiar é baseada no salário do marido e do filho.

A dona de casa, acostumada a realizar serviços manuais, foi obrigada a parar de trabalhar após o implante de um marca-passo. “Ninguém dá serviço para alguém nessa condição. Não sou aposentada. Já tentei três vezes e não consegui, nem mesmo pelo INSS. Por que os ricos se aposentam e eu não? Tem muita gente por aí aposentada sem necessidade”, desabafa.

A casa onde vive há dois anos no Jardim Ipê, e perto de uma igreja, foi conquistada com muito sacrifício, assim como praticamente tudo na vida de Rosinha. “Me empenhei para que meus filhos estudassem e hoje me orgulho de saber que se formaram na faculdade. Quando eram crianças, eu até trabalhava na escola pra garantir uma boa educação pra eles”, revela.

"Me empenhei para que meus filhos estudassem e hoje me orgulho de saber que se formaram na faculdade" (Foto: David Arioch)

“Me empenhei para que meus filhos estudassem e hoje me orgulho de saber que se formaram na faculdade” (Foto: David Arioch)

Por mais de dois anos, a rezadora fez trabalho voluntário na Santa Casa de Paranavaí. Assim que terminava os afazeres domésticos, ia até o hospital, onde dava banho e trocava as roupas dos enfermos. “Nunca gostei de ficar à toa em casa. Por isso passava horas na Santa Casa, ajudando principalmente aqueles que não recebiam visitas de parentes”, garante.

Com a proximidade do Natal, Dona Rosinha explica que está preparando um presépio feito de jornal dobrado, em forma de torre. Seguindo uma velha tradição, em vez de pintá-lo com tinta, ela vai colori-lo com carvão molhado. “Fazemos isso todos os anos e atrai muita gente. As pessoas pedem muitas orações, até quem não pode vir faz o pedido por telefone”, confidencia.

“Não tinha quase comida, só um pouquinho de arroz e feijão cru”

Aos 20 anos, quando trabalhava como boia-fria, Rosinha, acompanhada do pai e dos irmãos, percorria a pé 15 quilômetros de estrada de terra para chegar ao cafezal. Saía de casa às 5h, antes do galo cantar, quando a escuridão ainda tomava conta do lugar. “Um dia a gente tava em casa se preparando pro trabalho e não tinha quase comida, só um pouquinho de arroz e feijão cru. Minha mãe olhou nas panelas e ficou preocupada”, conta. Então sugeriu ao marido que pedisse um pouco de mandioca para o patrão, senão teriam de passar fome no dia seguinte.

No mesmo dia, às 9h, uma vizinha bateu na porta da casa de Dona Joana, mãe de Rosinha, e reclamou que seus três filhos estavam sem comer há três dias. Sensibilizada, Joana deu metade do arroz e do feijão cru já insuficiente para alimentar a própria família. Por volta do meio-dia, uma mulher desceu de um automóvel em frente à casa de Rosinha e bateu palmas, surpreendendo Dona Joana. “Naquele tempo era difícil ver carro em São Jorge do Patrocínio. Ela chamou minha mãe e mostrou um saco de estopa enorme cheio de alimentos. Tinha tanta coisa que a gente nem sabia o que era. Pra gente era comida de rico”, lembra Rosinha rindo e chorando.

Um homem que acompanhava a mulher posicionou o saco ao lado do pequeno portão da casa dos pais de Rosinha. No mesmo instante, o mais novo dos oito filhos de Dona Joana começou a chorar. Ela se desculpou e foi ver o que aconteceu com a criança. Quando retornou, a mulher não estava mais lá, nem o homem e o carro que a trouxe. “Minha mãe ficou desesperada. Queria agradecer de qualquer jeito. Ela correu toda a vizinhança tentando saber o paradeiro da mulher. Todos os vizinhos falaram a mesma coisa, que não viram carro nenhum passar por aquelas bandas naquela manhã. Então minha mãe chorou, se sentindo abençoada por Deus”, narra com olhos marejados.

Solidária, Dona Joana retirou apenas o essencial do saco de estopa e dividiu o restante com quatro famílias de boias-frias. O dia foi tão especial que até a jornada de trabalho dos que foram para o campo acabou mais cedo. “A gente sempre chegava em casa à noite, lá pelas nove horas, porque demorava pra arruar o café, mas naquele dia vimos o Sol desaparecer através da nossa janela”, relata Rosinha chorando.

“Senti mãos me pegando e me levantando”

Numa noite, Dona Rosinha sentiu tontura e não conseguiu dormir. Preocupados, o marido e os filhos a levaram para o Pronto Atendimento Municipal (PA), onde recebeu um pouco de soro intravenoso. Às 6h, a dona de casa deveria ir Arapongas, no Norte Central do Paraná, trocar o marca-passo que parou de funcionar, mas ninguém a chamou. Assim que levantou e olhou pela janela, já estava tudo claro lá fora. Então Rosinha deitou com os olhos fechados debaixo de uma lâmpada, pedindo a Deus que não deixasse nada de ruim acontecer com ela. “Senti mãos me pegando e me levantando. Fiquei com os olhos fechados porque não tive vontade de abrir. Quando fui colocada novamente na cama, abri os olhos e não tinha ninguém ao meu lado, como se ninguém tivesse entrado no quarto”, conta.

Depois a dona de casa se levantou e lembrou a enfermeira de que ela precisava ir a Arapongas trocar o marca-passo. “Veio uma equipe grande me ajudar. Na ambulância, durante toda a viagem, senti como se as mesmas mãos que não vi continuassem acariciando o lugar onde o marca-passo que não funcionava mais estava instalado. Sentia tudo, mas não via nada”, garante.

Após receber anestesia, Rosinha ficou sabendo que não havia condições de recuperar seu marca-passo, sendo necessário fazer a substituição. “Foi preciso fazer uma outra cirurgia de última hora pra trocar o marca-passo. A operação acabou tão rápido que até a equipe médica se surpreendeu. E eu ainda sentia aquela mão desconhecida no marca-passo”, assegura.

Ao final da cirurgia, a dona de casa foi avisada que precisaria de dois ou três dias de repouso para conseguir andar novamente. Surpreendendo todos, Rosinha levantou na manhã seguinte, andando por todo o quarto e se oferecendo para ajudar os pacientes deitados nas camas mais próximas. “O médico disse que nunca viu uma recuperação tão rápida. Dias atrás também tive um princípio de [acidente vascular cerebral] AVC, só que logo ficou tudo bem”, comemora com voz remansosa.

Frases de Dona Rosinha

“Seguindo as lições de meu pai e minha mãe, não consigo passar um dia sem ajudar alguém”

“Quando eu era criança, uma moça que era nossa vizinha tentou se matar. Ela tomou veneno cinco vezes e chegou até a beber soda e não morreu. Se não for a hora, não adianta insistir”

“Qualquer pessoa que aparece aqui pra eu cuidar, eu cuido, porque Deus me deu esse dom e eu sigo em frente”

Saiba Mais

Dona Rosinha, que também é procurada por pessoas de outras cidades e regiões, mora no Paraná há 53 anos. Quem quiser entrar em contato com ela, pode ligar para (44) 3045-7819.

Um filme sobre o fim da liberdade romani

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A história de uma família roma que foi perseguida durante a Segunda Guerra Mundial 

Korkoro se passa na França em 1943 (Foto: Reprodução)

Korkoro se passa na França em 1943 (Foto: Reprodução)

Lançado em 2009, Korkoro, palavra romani que significa sozinho, é um filme do cineasta franco-argelino Tony Gatlif que retrata a realidade de uma família roma que perdeu a liberdade enquanto viajava pelo interior da França em 1943, quando o país estava sob o domínio Vichy.

Logo no início, a música, a paisagem bucólica e o lirismo introduzem o espectador a uma cena em que as notas de um piano são representadas pela movimentação de arames farpados em paralelo. A princípio, a única perspectiva real que se tem é de um primeiro plano enuviado pelas incertezas de não sabermos o que há antes e depois daquela divisa. É um prólogo referencial do estilo de vida nômade.

Tony Gatlif apresenta uma família romani composta por pessoas de personalidades bem distintas, mas que carregam na essência algumas afinidades que envolvem companheirismo, abnegação, hospitalidade, amor à música, fé e desapego material. Não é uma obra que se limita a combater estereótipos ou simplesmente construir uma imagem bonita sobre a cultura cigana. É bem mais do que isso. Em alguns casos, Gatlif ironiza os clichês justamente para reforçar uma ideia ou parodiar um pensamento comum obtuso.

Tony Gatlif não se limita a combater estereótipos (Foto: Reprodução)

Tony Gatlif vai além do combate aos estereótipos (Foto: Reprodução)

Em uma das viagens, o cigano Taloche (James Thiérrée) percebe que estão sendo seguidos por um garoto – Claude (Mathias Laliberté). Sem família, o menino se junta a eles. Durante o percurso, colocam saquinhos de estopa nas patas dos cavalos para não deixarem rastros. Quando chegam a um vilarejo, onde montam acampamento, são informados de que o nomadismo está proibido em todo o território francês, sob pena de prisão.

Então uma professora, Mademoiselle Lundi (Marie-Josée Croze) – partisan, integrante da resistência francesa, sugere que eles parem de viajar até o fim da guerra. Por ora, continuam no local, embora não tenham planos de fixar residência. Na escolinha, um dos estudantes comenta com Claude, a quem Taloche chama ironicamente de Chororo (garoto pobre), que os romani roubam crianças. Admirador dos ciganos, o ignora.

O filme é pautado por muita música do início ao fim, corroborando a ideia de que não há vida sem música no mundo roma. Bem comunicativos, os ciganos vão até o centro comercial do vilarejo vender produtos e oferecer serviços. Na tentativa de ganhar algum dinheiro consertando panelas, Taloche diz em tom bem humorado: “Todos têm utensílios com buracos em casa, o que acontece é que às vezes os buracos estão escondidos.”

Mademoiselle Lundi é uma professora que faz parte da resistência francesa (Foto: Reprodução)

Mademoiselle Lundi, professora que faz parte da resistência francesa (Foto: Reprodução)

Em uma cena, o médico veterinário e prefeito do vilarejo, Théodore Rosier (Marc Lavoine), socorre um dos cavalos do acampamento na ausência dos ciganos. Por azar, Rosier é mordido pelo animal e cai com o braço ensanguentado. Pouco tempo depois, chegam para socorrê-lo. Enquanto uns cuidam de seu ferimento, outros prestam atendimento ao equino. Movidos pela fé, tradição e superstição, tratam do braço do veterinário com uma pasta de estrume. Ao mesmo tempo, oram pelo cavalo caído que em um rompante se levanta como se jamais tivesse adoecido.

Mais tarde, Rosier, o prefeito que deu abrigo a petit Claude, evitando que os ciganos tivessem problemas por terem entre os seus um jovem de origem desconhecida, pede ao garoto para perguntar qual foi o remédio usado em seu tratamento. “Foi estrume de cavalo. Mas diga a ele que até uma vassoura pode lançar fogo se for o desejo de Deus”, enfatiza um dos roma.

James Thiérrée interpreta o cigano Taloche (Foto: Reprodução)

James Thiérrée interpreta o cigano Taloche (Foto: Reprodução)

É profunda a relação dos ciganos com outras formas de vida não humanas. Em outra situação, a família toca uma canção festiva para elevar o ânimo de dezenas de galinhas. No filme, a música ajuda a superar muitos problemas – um recurso que manifesta uma liberdade frugal.

Em contraste ao paisagismo rústico, Gatlif parte de uma condição coletiva para a individual quando aborda o lirismo de Taloche, personagem cuja inocência, aparente dislexia e hiperatividade, parece experimentar um incessante conflito existencial. Há uma exaltação da hipersensibilidade do cigano que destoa da idade e, por vezes, remete ao humor pastelão dos tempos do cinema mudo.

Mas não há nada mais bem representado em Korkoro do que a necessidade de liberdade, até nas cenas mais simples. Outro momento inesquecível surge quando Taloche vai até a casa de Rosier. No banheiro, ele se inebria com a água que sai da torneira. Enche a pia e a faz deslizar por todo o cômodo, como se a conduzisse à emancipação. Quando a água desce em abundância, Taloche se lança escada abaixo, sem o menor temor de se ferir.

Rosier explica que uma lei francesa proíbe o nomadismo durante a guerra (Foto: Reprodução)

Rosier explica que uma lei francesa proíbe o nomadismo durante a guerra (Foto: Reprodução)

O filme assume um caráter documental em algumas cenas-chave. Traídos pelo amigo Pierre Pentecôte (Carlo Brandt), um simpatizante dos nazistas, a família é levada para um campo de concentração, onde há centenas de romani. Lá, Darko (Arben Bajraktaraj) pergunta a Pentecôte por que estavam trancando eles como cachorros. O traidor então responde: “Para livrar a França de seus vermes.”

Ao saberem o que houve, Rosier e Mademoiselle Lundi decidem intervir. O prefeito transfere a escritura de uma propriedade familiar para o patriarca roma. Em seguida, os dois vão até o campo de concentração e apresentam o documento, obrigando que a família seja libertada. Quando retornam ao vilarejo, os ciganos se surpreendem com a nova morada. Alguns concordam em viver provisoriamente no local, já outros preferem partir. No fim, prevalece a decisão do patriarca que considera mais prudente continuar no povoado.

Taloche é o último a entrar na casa. Para ele, a ideia de viver entre paredes é uma forma de privação, embora não manifeste isso com palavras. Dias depois, Rosier os visita e encontra a propriedade abandonada. Novamente na estrada, rumam para a Bélgica, acompanhados mais uma vez por Claude. Não chegam tão longe. São surpreendidos pelos homens do Governo Vichy, a serviço dos nazistas.

Na obra, os romani são perseguidos pelo Governo Vichy (Foto: Reprodução)

Um dos momentos da perseguição do Governo Vichy (Foto: Reprodução)

Enquanto são obrigados a formarem uma fila e apresentarem registros de identificação, Taloche se esconde. O arrastam, mas ele estapeia o líder da operação – uma versão de Adolf Hitler, em uma cena caricata digna de Charlie Chaplin. Foge em direção à floresta e sobe em uma árvore enorme. É alvejado a tiros, até que numa queda poética e acrobática cai sobre um córrego. Deitado, mas ainda vivo, é vítima de um tiro certeiro na testa.

A morte de Taloche simboliza o fim da liberdade romani e a iminência do Porajmos, o genocídio cigano perpetrado na Segunda Guerra Mundial. O desespero da família é geral, mas, apesar dos prantos, nada pode ser feito diante de tantos homens armados. O corpo é abandonado, assim como os animais e os pertences. Dali, não levam nada. Um longo tempo passa em questão de segundos. Aquela família não retorna mais. Em uma cena estática, tudo se esvai: o som, o fogo, a fumaça, a luz e a vida.

É muito interessante o cuidado que Tony Gatlif teve aos detalhes das expressões e particularidades de alguns personagens, embora talvez fosse mais impactante tornar outros romani da obra igualmente menos anônimos. De qualquer modo, fica clara a intenção de não deixar o individual, por mais peculiar que seja, se sobressair ao coletivo. O cineasta não tem intenção de se aprofundar na guerra. O foco é outro. É um filme sobre pessoas tentando exercer o direito de existir, não apenas habitar o mundo. Há uma bela construção do espaço em profundidade.

Korkoro se divide em dois ritmos. Onde existe alegria, há movimento e velocidade. Onde há tristeza, prevalece a lentidão de retratos quase estáticos das agruras de um tempo nefasto. Outro diferencial é a trilha sonora sempre pontual, um belíssimo trabalho capitaneado por Gatlif e a compositora Delphine Mantoulet.

Cena em que os roma chegam ao centro comercial do vilarejo (Foto: Reprodução)

Cena em que os roma chegam ao campo de concentração (Foto: Reprodução)

Tony Gatlif é um dos poucos cineastas que se dedica a produzir obras que evidenciam ou flertam com a cultura romani. Como autor de filmes de longa-metragem, o primeiro grande destaque surgiu com Latcho Drom, de 1993; seguido por Mondo (1995), Gadjo Dillo (1997), Je Suis Né D’une Cigogne (1998), Vengo (2000), Swing (2001), Exils (2004), Transylvania (2006), Korkoro (2009) e Indignados (2012). Vale a pena se aprofundar um pouco mais na filmografia desse autor de origem roma.

Saiba Mais

Não há dados precisos, mas acredita-se que de 250 a 500 mil ciganos foram assassinados pelos nazistas até o fim da Segunda Guerra Mundial.

Curiosidades

Korkoro é baseado em uma história real. A professora Lundi é inspirada na combatente da resistência Yvette Lundi.

James Thiérrée que interpreta Taloche é filho de Victoria Chaplin e neto de Charlie Chaplin.

Godard e a Virgem Maria

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Je Vous Salue, Marie propõe discussão entre matéria e espiritualidade

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Marie convive com as tentações da modernidade e incertezas do futuro (Foto: Reprodução)

Em 1985, o cineasta francês Jean-Luc Godard lançou o polêmico filme Je Vous Salue, Marie que anos depois chegou ao Brasil com o título original, baseado na oração católica. A obra é uma interpretação contemporânea da história da Virgem Maria e se sustenta em diálogos e imagens que propõem uma discussão com requinte de ensaio entre matéria e espiritualidade.

Famoso pela audácia, desinteresse pela objetividade e despreocupação em agradar o público, Godard apresenta duas histórias paralelas em Je Vous Salue, Marie. Na primeira, Marie (Myriem Roussel) é uma esportista adolescente em crise existencial, convivendo com as tentações da modernidade e as incertezas sobre o futuro.

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Joseph se recusa a crer que é o pai do filho de Marie (Foto: Reprodução)

A jovem tem um relacionamento conturbado com o materialista Joseph (Thierry Rode), um cético e imaturo taxista que decide ter relações sexuais com outra mulher após as muitas recusas de Marie. Entre o casal subsiste um antagonismo sutil.

O anjo Gabriel (Philippe Lacoste), sem qualquer característica física ou psicológica de arcanjo, é a materialização do pragmatismo. Jean-Luc criou um personagem frágil e dotado de inúmeros defeitos que, em vez de voar, viaja de avião. Em pleno século 20, assume a missão de fazer Joseph crer que o filho de Marie, com quem jamais teve uma relação sexual, é dele.

Em contraponto a breve história de Maria, sustentada em fé inominável, é apresentada a realidade de um racionalista professor de ciências que refuta a religiosidade em favor da ufologia, gerando assim um embate envolvendo estética e dialética.

A idolatria e o culto de imagens nos anos 1950

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“Muitos participavam das missas porque era algo diferente dentro da monótona vida no mato”

Nos tempos de colonização, o apego aos santos chamou a atenção dos padres alemães (Foto: Ordem do Carmo)

A partir de 1950, autoridades religiosas que se mudaram para Paranavaí, no Noroeste do Paraná, perceberam que milhares de moradores tinham o costume de endeusar imagens, principalmente de santos, colocando-os num patamar de deidade.

Sobre o perfil dos cristãos que viviam em Paranavaí, o padre alemão Alberto Foerst escreveu, em um artigo da edição número 10, do ano 21, da revista alemã Karmelstimmen, de 1954, que a maioria não sabia o real significado da palavra fé e ainda afirmou que havia muita ignorância no campo religioso local. “Muitos só participavam das missas porque se constituía em algo diferente dentro da monótona vida no mato”, comentou Foerst.

À época, os cristãos da cidade depositavam toda a fé em figuras de santos que variavam em formas, cores e tamanhos. Eram tratados de forma tão peculiar que chamava a atenção das autoridades religiosas que assumiam alguma missão em Paranavaí. “Os santos eram seus deuses. Após a missa, apareciam carregando todos os tipos de quadros de santos para serem bentos, talvez até pela décima vez”, relatou o padre alemão.

A relação dos cristãos locais com os santos era tão extrema e profunda que alguns destinavam um quarto da casa para as esculturas. As imagens eram tratadas com tanto esmero, inclusive havia quem passasse horas do dia cuidando da aparência do santo esculpido. “Tinha gente que acreditava que sua vida desabaria se o mesmo teto não pudesse ser dividido com aquela imagem”, destacou a pioneira paranaense Maria Neuza Constantino.

Ter a escultura de um santo em casa fazia as pessoas acreditarem que estavam seguras. Era como se a proximidade com as imagens afastasse tudo de ruim, principalmente as dificuldades da vida no campo, segundo o pioneiro catarinense José Matias Alencar. “Muitos se apegavam a isso como algo único e se afastavam de todo o resto. Se analisar bem, até de Deus, pois muita gente ia pra igreja para rezar ou conversar somente com os santos”, enfatizou.

Durante os anos em que viveu em Paranavaí, frei Alberto constatou que para a população Jesus Cristo e os santos eram iguais, sem qualquer diferença. “A Festa de Santo Antônio e de outros santos, por exemplo, era comemorada muito mais do que a Páscoa e Pentecostes. As procissões, se não fossem acompanhadas pelas imagens dos santos poderiam ser confundidas com um bloco de Carnaval”, ressaltou e lembrou que as comemorações eram acompanhadas de enorme quantidade de fogos lançados ao céu.

Um acontecimento inusitado no Povoado de Cristo Rei

Em 1954, o padre alemão Alberto Foerst foi a uma missão religiosa no Povoado de Cristo Rei, que pertencia a Paranavaí, onde as pessoas se referiam a Jesus Cristo da mesma maneira que se referiam aos santos. O que mais chamou a atenção do frei foi uma mãe que estava com o filho diante do altar do Cristo crucificado.

No local, a mulher percebeu o olhar curioso do filho e chamou-lhe a atenção. A mãe disse: “Olhe, filho, aquele ali lutou contra os poderosos, então bateram muito nele e ele sangrou. Mais tarde, se tornou um grande santo. Tome nota, meu filho: nunca brigue com os poderosos!”, recomendou a mulher em tom sério. Em seguida, a mãe do garoto complementou: “Pense neste que está deitado aí, senão assim acontecerá igualmente a você.”

Por essas e outras, o padre alemão explicou aos leitores da revista alemã Karmelstimmen que a ignorância religiosa em Paranavaí era muito grande porque a comunidade era formada na década de 1950 por uma maioria de pessoas que pouco ou quase nada sabiam a respeito do real significado do cristianismo.

Saiba Mais

Na década de 1950, o culto de imagens em Paranavaí, principalmente de santos, não era apenas um fator religioso, mas também cultural e tinha relação direta com o que os cristãos da cidade aprenderam com seus antepassados, independente do vínculo que tinham ou não com a Igreja Católica; À época, cerca de 95% da população local da época se considerava católica, conforme pesquisa da Ordem dos Carmelitas do Paraná.

O extremo culto de imagens só começou a perder forças em Paranavaí anos depois, com o trabalho desempenhado pelos padres da Paróquia São Sebastião e também com o surgimento das religiões protestantes. Por muito tempo, esta região viveu alheia às instituições religiosas, tanto que das décadas de 1920 até 1950 a maior parte da população demonstrava profundo apego as crenças que faziam a manutenção da fé a partir de conceitos baseados no conhecimento empírico e não no estudo formal religioso.

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Benzedeira já foi presenteada com carro zero-quilômetro

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Pela cura de graves enfermidades, mãe-de-santo ganhou três automóveis novos

Mãe-de-Santo segue a umbanda há mais de 40 anos

A benzedeira baiana Clarice Pereira Eurinice é umbandista em Paranavaí há mais de 40 anos. Ao longo da carreira, a médium foi presenteada com três carros zero-quilômetro em retribuição pela cura de enfermidades.

A mãe-de-santo Clarice Pereira Eurinice adotou a umbanda como religião antes de sair da Bahia para vir ao Paraná. “Desde então eu olho o tarô, jogo os búzios, benzo e resolvo problemas espirituais e materiais. O nome do meu terreiro é Senhor O Bom Jesus de Nazaré e a minha guia é a Mãe Regina de Aruanda”, explica. O guia é o espírito que a ajuda a resolver os problemas daqueles que a procuram.

Para benzer, Clarice informa que não cobra. “Sempre benzo de graça. Cobro apenas quando querem que eu faça algum trabalho que exige despesas”, conta, acrescentando que por muito tempo sofreu pelo fato das pessoas verem a umbanda como uma prática maligna.

Idéias equivocadas já levaram pessoas com propósitos criminosos a procurarem a mãe-de-santo. “Queriam que eu fizesse trabalhos para assassinar inimigos, algo que vai contra os princípios da umbanda que é fazer o bem”, frisa. Por curar graves enfermidades, a mãe-de-santo já foi presenteada com três automóveis zero-quilômetro.

Clarice Eurinice: "O princípio da umbanda é fazer o bem"

“Ganhei esses carros de pessoas que foram desenganadas pelos médicos, a enfermidade deles não era física, mas sim espiritual. Quando o problema é apenas físico, só a medicina pode resolver”, enfatiza Clarice.

A mãe-de-santo também se destaca pela habilidade em qualificar médiuns. A umbandista já formou 80. A maior parte dos discípulos exerce a atividade em outros estados e países, principalmente nos Estados Unidos.

Anualmente a benzedeira realiza doze festas que atraem aproximadamente 400 pessoas de Paranavaí e região. “Faço tudo no meu terreiro mesmo com a contribuição da comunidade. Dia 8 de dezembro sempre fazemos uma homenagem a Nossa Senhora da Conceição”, completa.

Clarice já atendeu pessoas de diversas regiões do Brasil

Clarice já atendeu pessoas de Londrina, Umuarama, Campo Mourão, Apucarana, Cianorte, Jandaia do Sul, Maringá, Nova Esperança, Alto Paraná e muitas outras cidades do Paraná. “Também já fiz trabalho para muitos de São Paulo, Cuiabá, Campo Grande, Dourados e até norte-americanos”, afirma a mãe-de-santo que obteve até reconhecimento do poder público. Há alguns anos, Clarice foi convidada a apresentar a umbanda em eventos do município.

Em dias de grande movimentação, a benzedeira atende até 20 pessoas. Caso o trabalho tenha relação com a luz branca, Clarice cobra cerca de R$ 10 por consulta, se necessário. “Se for de esquerda, não cobro menos de R$ 50. Nestes casos, sou procurada para desfazer trabalhos errados ou mandingas”, ressalta.

Toda última quinta-feira do mês, Clarice trabalha gratuitamente. “É o dia em que faço qualquer caridade, independente da dificuldade”, assinala. Nos outros dias, o preço do trabalho pode custar até R$ 3 mil. Segundo a benzedeira, para preparar um santo é exigido muito tempo e inúmeros médiuns, o que para ela justifica o valor. Para quem tem interesse em seguir a mediunidade, Clarice informa: “O primeiro passo é receber as ordens dos guias para preparar a vestimenta. Então depois de oito meses na corrente é feito o batismo e o juramento”, pontua.

Umbanda X Preconceito

A benzedeira Clarice Eurinice conta que aos 23 anos trabalhava em uma fazenda local quando foi mandada embora por ser umbandista. “Eu e minha família pegamos todos os nossos bens e fomos pra outra fazenda. Ao chegar lá também não nos aceitaram. Eu, meu marido e filhos ficamos sem ter pra onde ir”, relembra a benzedeira que mais tarde conseguiu abrigo em uma propriedade rural próxima ao Aeroporto Edu Chaves.

Segundo Clarice, foi com a renda do novo trabalho que conseguiu guardar dinheiro para comprar o terreno onde atualmente está construída a residência da família e o terreiro. “No início, era pequenininho e de madeira”, relata. Antes de ingressar na umbanda, o marido de Clarice era alcoólatra, porém, por influência da benzedeira o homem mudou de vida. “Se tornou um pai-de-santo de muita fé”, assegura. Hoje em dia, a família toda de Clarice segue a umbanda. São 14 pessoas ligadas a religião.