Archive for May, 2016
“Ô tio, não leva meu pai! Por favor!”
Há um tempinho, após uma entrevista, saí de uma residência no Conjunto Dona Josefa, na periferia de Paranavaí, e lá fora fui abordado por uma criança que morava na casa vizinha. “Ô tio, não leva meu pai! Por favor! Não leva ele hoje. Ele não teve nem tempo de ficar com a gente”, disse o garotinho de quatro anos com olhos marejados.
Enquanto falava, a criança usava sua trêmula mão esquerda para segurar sem jeito dois dedos da minha mão direita. Expliquei a ele que eu não estava atrás do pai dele. “Por favor, tio! Por favor, deixa ele com nós! Hoje é meu aniversário! Juro que nunca mais faço arte na minha vida!”, continuou repetindo. Depois cruzou os dedos indicadores das mãos e os beijou num estalo sem igual fazendo promessa em forma de sinal.
Só se acalmou quando mostrei meu caderno, meu gravador e minha caneta. O garotinho sentiu um alívio tão grande que seu sorriso se transformou em uma gargalhada. De repente, começou a saltar sobre um pedaço de toco queimado rente ao portão.
Ele estava eufórico e queria dividir isso até com quem não notava sua existência por causa da pequenez. Quando parou de pular, ficou rubro de vergonha e correu para dentro de casa arrastando um par de chinelinhos com elástico junto aos calcanhares. Naquela noite, mais do que uma festinha, ele teria seu pai dormindo em casa.
Do anonimato à superexposição na internet
Éramos anônimos e o anonimato era praticamente uma bandeira para nós
Sou de uma geração de anônimos na internet. E o que quero dizer com isso? Bom, quando comecei a usar a internet por volta de 1996, eu, assim como a maioria dos usuários, era um anônimo. Não tínhamos nome, sobrenome, origem, cidade, estado nem mesmo um país real quando usávamos proxy internacional. O mais importante não era aparecer, mas sim conhecer e trocar informações, ideias e alguns poucos arquivos.
Cheguei a ter contato com pessoas por anos sem jamais saber quem eram de verdade; como eram fisicamente, quantos anos possuíam, o que faziam para sobreviver, entre outras coisas, até porque, dependendo, isso pouco importava. Éramos anônimos e o anonimato era praticamente uma bandeira para nós. Fotos dos usuários eram raras. E isso não fazia muita diferença.
Em alguns aspectos, acho que existíamos mais para o conhecimento, o conteúdo, do que para as relações interpessoais. Palace, ICQ, mIRC, fóruns, usávamos o que existia na época. Acredito que éramos feitos de linhas, estilos, linguagens, narrativas e trocas de arquivos. Em salas, tópicos e janelas privadas, poderíamos conversar hoje e então nunca mais. O vínculo era possível, mas não essencial. Desrespeito, intolerância e balbúrdia eram coibidos com o mais icônico BAN.
Não havia tanta exposição. Ninguém precisava aparecer se não quisesse, nem por isso seria tachado de coisa alguma. Muito pelo contrário, era a mais comum das práticas daqueles tempos. Aos poucos esse mundo foi desaparecendo, pelo menos diante de um novo onde os usuários de internet se tornaram mais transparentes, mais vaidosos, alcançáveis e até mesmo presas de um universo ruidosamente curioso.
Houve uma metamorfose e hoje vivemos a contramão do anonimato. Há uma superexposição como jamais imaginada nas décadas anteriores. E isso é encarado como algo natural. Muita gente parece não se importar em ter o cotidiano integralmente registrado na internet. O que faz em horários bem específicos, onde come, o que compra, o que ama, o que odeia, quando sai, com quem sai, quais ambientes frequenta.
É possível criar uma agenda de rotinas a partir das informações que as pessoas disponibilizam nas mídias sociais. Acredito que aí subsiste o perigo da superexposição, já que não conhecemos todas as pessoas que recebem essas tantas informações compartilhadas. Sim, você está sendo apenas você, porém e se ser você implica de algum modo em uma consequência negativa para si mesmo e para outros? Ainda valeria a pena?
Em mídias sociais, todos os dias me deparo com conteúdo ofensivo ou formulado de forma bastante equivocada. Não consigo deixar de pensar em como isso pode ser perigoso. Nossa opinião pode reverberar coisas que nem imaginamos dependendo da forma como elaboramos um texto.
Acredite, muitas vezes a maneira como escrevemos pode gerar interpretações inimagináveis se não formos cuidadosos com as palavras. Não é à toa que pessoas são demitidas, amizades e casamentos são desfeitos, entre outras consequências. Afinal, somos responsáveis pelo que publicamos.
Há inclusive muitos casos de ameaças, brigas e assassinatos em decorrência de discursos, opiniões ou “críticas” e críticas publicadas na internet. Então por que não tentar ser mais comedido? Até porque quanto mais ódio disseminamos, mais ódio atraímos. Não é possível conquistar sorrisos sendo avesso à pluralidade.
Na minha opinião, a ponderação deve ser a base de toda produção textual divulgada em mídia social. E faço tal afirmação porque tenho certeza que a maioria não se sente bem gerando inimizades ou perdendo a admiração de pessoas que apenas têm alguns pontos divergentes dos seus.
Não se trata de ser imparcial, até porque a imparcialidade é um mito, mas sim de tentar ser justo e ter sempre em mente que o outro não merece ser ofendido por você apenas por pensar diferente. Há que se ter o entendimento também de que mesmo quando você publica um texto obtuso ou ofensivo e se arrepende e o deleta, isso não significa que ele deixou de existir.
Assim como sabemos que não existe fora no mundo, eu acredito que o mesmo acontece no ciberespaço. Na internet, deletar não significa fazer o conteúdo desaparecer completamente. E volto a endossar que a forma como escrevemos é a porta de entrada para o conteúdo que queremos transmitir. Ser arrogante, desrespeitoso, visceralmente satírico ou desdenhoso desqualifica até mesmo textos bem embasados, desestimulando a reflexão.
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Um corpo que padece
Parei de andar tem alguns meses, logo que meu corpo assumiu o controle da minha vida
Acordei um dia e percebi que meu corpo já não era meu. Tentei me movimentar na cama e não adiantou. Eu pertencia a ele, mas ele não me pertencia. Então continuei deitado observando o teto em meio à escuridão plangente. Havia traços disformes e oscilantes. Não! Mais do que isso! Uma imundície densa e clara que me lembrou aquelas medonhas bactérias que vi nas aulas de biologia na adolescência.
Eu nunca tinha reparado como o forro podia ser tão sujo. Acho que concentra a medula da nossa podridão. Ou será que era minha imaginação? Talvez eu fosse a própria bactéria, agraciada com uma visão panorâmica de mim mesmo. Vai saber! A verdade é que minha respiração continuava fétida e ruidosa. Como era horrível! Meu nariz simulava um aterro sanitário, espalhando chorume a cada expirada. E o que escorria dele eu nem sentia ou via. Afinal, desse espetáculo repulsivo que usava meu corpo como palco, fui relegado a mero espectador.
Como me esforcei para silenciar minha mente. Claro que não consegui! Fechei os olhos por alguns minutos e a temperatura do ambiente caiu para cinco ou seis graus Celsius. Tremi mais de ódio do que de frio. Eu estava coberto com um edredom branco, velho e encardido, com algumas manchas amareladas – rodelas de mijo que o maldito do gato do vizinho deixou de presente quando invadiu meu guarda-roupas. Que lazarento!
Tudo bem! Logo esqueci do bichano e quis me levantar para dar uma lição na mãe natureza. Como eu queria arrastá-la pelos cabelos. Quem sabe a cada chumaço arrancado ela subisse um grau de temperatura. Com 15 chumaços, eu a deixaria parcialmente careca e teria 20 ou 21 graus. E que vitória! Ainda poderia usar aqueles cabelos para fazer um espanador ou uma pequena cortina para um teatrinho de bonecos.
Rinite, bronquite e sinusite, sinusite, bronquite e rinite, difícil descobrir quem queria me ferrar mais. Bah! Quero enganar a quem? Fumei mesmo! E fumei muito! Chegando a quatro maços por dia! Eu era uma chaminé mais eficaz do que qualquer Maria Fumaça já vista. Sou o maior colecionador de doenças pulmonares que este mundo desconhece. Eu deveria estar no Guinness Book! Segurando o meu maior troféu, o único pulmão que me restou, tão preto que parece sobejo de carvão pós-churrasco.
E daí? Meus dentes eram tão louros, e meu hálito tão fedegoso que eu poderia fazer cosplay do Beetlejuice. Eu adorava jogar fumaça na cara dos outros, principalmente de quem desprezava fumantes. Eu chegava pertinho, como quem não queria nada, concentrava bem a fumaça e a soltava bem na hora que alguém abria a boca para falar alguma coisa. Daí era só falsear expressão de constrangimento – um par de olhos arregalados, uma respirada profunda e uma inclinada de cabeça, pedir desculpas e me afastar. Me diverti muito quando não existia ambiente para não fumantes. Ah! Deixa pra lá…Não quero mais falar disso!
Olhe! Nunca tinha reparado como o forro ganha desenhos tracejados na madrugada. São como lombrigas abjetas que dominam os bastidores da casa. Acho que também sou uma porque já não sinto mais minhas vértebras. Me resumo a uma matéria modorrenta e estiolada. Quem sabe tudo que vejo e desprezo seja em alguma proporção uma representação de mim mesmo.
Fiquei imaginando quantos bichos tétricos e horrendos não habitam este lugar noite após noite. Aposto que se eu derrubasse tudo encontraria centenas de animais sem nome, jamais catalogados. Seres que só existem por poucas horas da madrugada, quando confundimos realidade, sonho e pesadelo. Pode ser que se alimentem de esperanças, devaneios e reflexões prolongadas.
Certo! Continuo sem me mover e só consigo pensar na última vez em que fiquei em pé. Me parecia tão irrelevante, inútil. “Cuidado com a coluna, postura ereta, um passo após o outro”, quanta tolice! Eu só queria sentar e deitar, deitar e sentar. Talvez eu tivesse nascido para ser um tatu-bola. Só que rolar também exige tanto esforço que sinto calafrios só de imaginar. E a pressão abdominal na hora de girar? Triste e dolorosa! Ser uma lesma é igualmente desprezível porque sou impaciente e quero tudo na hora. Bom, não me sinto representado por nenhum animal, racional ou não.
Como gosto de comida! Me alimentei tão mal a minha vida toda e isso me proporcionava o mais insólito dos prazeres. Onde havia alguém se alimentando corretamente, eu me aproximava e sentava ao lado. Queria que a pessoa ficasse incomodada com a minha presença. Eu era um despertador de reações sorumbáticas. Eu queria chocá-la, vê-la siderada pelos meus maus hábitos.
“Isto! Este sou eu! E sou contra tudo aquilo em que você acredita. Estou aqui como a prova cabal de que o mundo não pertence a vocês. A ditadura da saúde não vai prevalecer. Ainda somos maioria e não seremos derrotados. Eu não permitirei! Nunca! Nunca! Veja! Olhe o tamanho dele, quanta gordura! Pedi que a atendente colocasse mais 200 gramas de bacon e 200 gramas de queijo cheddar. Quanto mais industrializado, melhor! Exigi o triplo de gordura trans! Observe! Observe o óleo escorrendo pelas rebarbas do meu lanche. Tem tanto óleo que poderemos fritar batata dentro da minha boca depois que eu comê-lo. Você aceita?”, sugeri, exibindo meus dentes saburrentos e caramelizados pelos churros que comi antes como aperitivo. Chocada, a moça ao meu lado na praça de alimentação levantou-se e foi embora sem dizer palavra.
Atividades físicas? Eu as desprezei desde o primeiro dia que as vi! Em qualquer lugar por onde eu passasse, se alguém me convidasse para me exercitar, eu não pensava duas vezes antes de mandar às favas. Que desaforo! Para os diabos com essa baboseira! Viverei e morrerei como quiser! Para que ficar em pé, caminhar ou correr? Odeio tudo isso com todas as minhas forças! Não acredito nem mesmo que fomos feitos para andar! De quem foi essa ideia? Tomara que o morfético tenha morrido brutalmente!
Pensando em bípedes e quadrúpedes, como eu adorava carne! Comia mais de 15 quilos por semana, até que contraí aterosclerose. Beleza! O que está feito está feito. Só que não há como negar que foi uma das melhores fases da minha vida. Quando eu andava pelo centro da cidade, as pessoas achavam que estavam próximas de um açougue ou matadouro. Não! Não havia nada do tipo por perto. Era a fragrância natural exalada pelo meu corpo. “Que cheiro de carne crua, de onde vem isso?”, “Nossa! Que fedor de vaca morta!”, “Acho que tem um açougue novo por perto”, ouvia.
As bebedeiras constantes também marcaram a minha vida. Claro! Eu dizia que era um socialzinho. Haha! Bobo de quem acreditasse. O que eu bebia três vezes por semana era o que muitos não consumiam em um mês. Eu precisava ser bom no que fazia. Por isso descobri um método eficaz para ampliar a minha tolerância ao álcool. Claro que não vou dizer qual é! Sim! Fui bem longe, tão longe que meu fígado não teve condições de me acompanhar. Hoje vivemos em lugares separados.
Agora me veio à mente as lembranças da minha transformação. Parei de andar tem alguns meses, logo que meu corpo assumiu o controle da minha vida. Se manifestava sobre onde queria ir e quando. Tão caprichoso, genioso! Caso não gostasse da ideia, ele travava como um brinquedo com pilha gasta. Será que é vingativo? Pois é! Como pode ser tão odioso? Na semana passada, permitiu pela última vez que eu movimentasse a perna direita e o braço esquerdo.
Continuo observando o forro, atento a duas lagartixas que se alimentam de um besouro. Apoiado sobre a janela aberta, o gato endiabrado do vizinho, com as orelhas mirando a lua cheia, lambe as próprias patas e as observa. Me recordo do Escaravelho do Diabo, tão valioso e tão inútil, assim como é a vida para tanta gente. Me sinto cansado, alheio ao meu corpo. Meus olhos se fecham e reconheço que não sou mais humano, somente presa de quem fui predador. “Que o teu corpo não seja a primeira cova do teu esqueleto”, escreveu Jean Giraudoux no livro Notes Et Maximes, Le Sport, de 1928.
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The Herd, e se vacas fossem substituídas por mulheres?
Curta-metragem de horror mostra como os animais são explorados em benefício dos seres humanos
Um filme que mistura horror e suspense, o curta-metragem The Herd (O Rebanho), da britânica Melanie Light, convida o espectador a conhecer a realidade de um grupo de mulheres em regime de servidão, confinadas como se fossem vacas. Em um ambiente sujo e soturno, onde a pouca luminosidade acentua o desespero das prisioneiras, elas são violadas, obrigadas a fornecer até a exaustão o leite dos próprios seios.
Em uma das cenas, assim que uma jovem dá à luz, o recém-nascido é afastado dela. Presa e impossibilitada de tocá-lo, é forçada a testemunhar a criança sendo lançada em uma lata de lixo como se fosse um objeto descartável. Afinal, o que eles querem dela é apenas o leite, nada mais.
Entre gemidos e gritos agonizantes, as vítimas são punidas com choques elétricos. Agonia, medo, desespero e cólera são alguns dos sentimentos que pautam suas vidas 24 horas por dia. Mas a situação começa a mudar quando um homem abre uma das gaiolas e é golpeado com um chute. Uma das mulheres consegue rendê-lo e o mata com uma facada certeira no pescoço.
Embrutecida pela própria condição, ela recobra o seu estado normal de consciência por um momento, quando entra em prantos ao ver o sujeito convulsionando. Depois prossegue sua jornada de retaliação e mata mais um verdugo asfixiado com uma corrente. Outra prisioneira comemora, mas sente-se desorientada quando recebe as chaves da própria gaiola, provavelmente por causa da perda da própria identidade.
Atravessando espaços macabros e insólitos, a fugitiva testemunha uma prisioneira sofrendo lobotomia. Em outra sala, ela observa mulheres agindo como zumbis, despersonalizadas pela condição degradante. Mais adiante, quando se aproxima de uma adolescente para confortá-la, é surpreendida e rendida por outro algoz, até que uma companheira o mata de forma violenta, numa ação retributiva.
E assim a represália continua. Nem mesmo a funcionária responsável por sedá-las escapa da punição. Cortam sua língua, a vestem como uma das prisioneiras e a confinam em uma das gaiolas. Ainda em fuga, elas se escondem quando um empresário é levado até um dos locais onde as vítimas são violentadas.
No final de The Herd, Melanie, que mostra como os animais são explorados pelas indústrias, apresenta a finalidade do leite extraído das mulheres. Todo o material coletado é usado na produção de um creme facial rejuvenescedor chamado Lactis Vitae, O Leite da Vida, que promete hidratar e melhorar a firmeza da pele, além de reduzir rugas.
Vegana, a cineasta interpreta como seria se os animais se rebelassem, e chama a atenção para que as pessoas reflitam sobre o preço a ser pago quando financiamos indústrias que exploram os animais. E para corroborar esse argumento, os minutos finais do filme são dedicados a exibição de cenas reais de bovinos sendo espancados, arrastados e enforcados por correntes.
The Herd foi escrito por Ed Pope e traz no elenco Pollyanna McIntosh, Victoria Broom, Charlotte Hunter, Dylan Barnes, Jon Campling, Francessca Fowler, Andrew Shim e Sarah Jane Honeywell. O filme foi eleito o melhor curta-metragem do Festival Boca do Inferno 2, realizado no Brasil em 2015. No mesmo ano, recebeu prêmios no British Horror Film Festival, Celluloid Screams, London Independent Film Festival, Sounderland Shorts e Russian Annual Horror Film.
O filme foi disponibilizado pela própria autora no Vimeo
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Consumo de carne pode se tornar insustentável até 2050
De acordo com um relatório apresentado na Conferência Anual sobre Água, em Estocolmo, na Suécia, a escassez de alimentos será o motivo pelo qual o mundo terá que renunciar à carne até 2050.
Os especialistas afirmam que os produtos de origem animal consomem de 5 a 10 vezes mais água do que os vegetais e, por volta da metade deste século, não haverá água suficiente para alimentar nove bilhões de pessoas que habitarão o planeta.
Segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), são necessários 1,5 mil litros de água para gerar um quilo de grãos, e dez vezes essa quantidade para produzir um quilo de carne.
Referência
FAO, World Agriculture Towards 2030/2050: The 2012 Revision.
Lei Rouanet precisa de mudanças
Não concordei com a extinção do Ministério da Cultura (MinC) quando tentaram transformá-lo em uma Secretaria Nacional de Cultura, e qualquer dia vou escrever um texto justificando os meus motivos. Mas acredito que a Lei Rouanet precisa de mudanças sim e, se essa CPI for isenta, o que infelizmente não sei se é possível, acho que pode sair algo bom disso.
Não concordo com o atual funcionamento da Lei Rouanet e vou usar um exemplo simples para justificar. Uma vez enviei para o Ministério da Cultura, através do Novo Salic, um projeto de um documentário sobre a passagem do médico nazista Josef Mengele pelo Paraná. Inclusive eu já possuía um roteiro praticamente pronto e uma lista de fontes e referências, já que se trata de um assunto sobre o qual fiz até um mapeamento no Paraná e consegui importantes informações de pesquisadores brasileiros e estrangeiros.
Ainda assim a comissão de avaliação do Novo Salic não aprovou o meu projeto, declarando que eu precisava revisá-lo porque segundo eles a equipe do documentário era pequena. Oi? Então quer dizer que preciso de uma equipe grande se posso fazer um trabalho de qualidade com uma equipe pequena?
Ou seja, a impressão que tenho é que meu projeto não passou porque era econômico demais. Acabei por inferir que os documentários precisam ser produzidos por grandes produtoras. Logo se você é acostumado a trabalhar de forma independente, e não tem condições de aguardar anos para colocar um projeto em prática, parece que o jeito é tirar dinheiro do próprio bolso ou buscar patrocínio por conta própria. Triste realidade.
Todo estuprador é um psicopata?
Estupradores são naturalmente ególatras, pessoas que não sabem lidar com negativas
Li muitos comentários e alguns textos sobre o episódio da jovem de 16 anos que foi estuprada no Rio de Janeiro por mais de 30 homens. Acho impossível não sentir asco, mas também sei que crimes como esse acontecem com mais frequência do que imaginamos. Afinal, quem não se lembra do estupro coletivo em Castelo do Piauí que teve repercussão nacional no ano passado? Quando quatro adolescentes de 15 a 17 anos foram apedrejadas, estupradas, amarradas e jogadas de um penhasco de oito metros de altura.
Não conheço a história da jovem do Rio de Janeiro e acredito também que isso não tenha relevância alguma, já que nada justifica um estupro. Não importa como ela se veste, se tem filhos, se gosta de baladas, se bebe pouco ou muito. Nossas escolhas não existem para pautar a vida dos outros. Somos o que somos, nem por isso temos o direito de decidir como as pessoas devem ser ou agir. Ademais, o fato dela ser menor de idade torna tudo ainda mais aberrante porque ratifica um estado de maior vulnerabilidade.
Há pessoas que podem qualificar o caso de estupro coletivo como um fato isolado por causa da repercussão pontual da mídia. Porém é algo que está bem longe da realidade. No Brasil, pelo menos 15% dos casos de estupros são coletivos e mais de 70% das vítimas são menores de idade. E só para mostrar como a situação é alarmante, pelo menos seis estupros são registrados por hora no Brasil.
Só em 2015, de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, podem ter ocorrido 136 mil estupros, numa projeção otimista inspirada na metodologia internacional National Crime Victimization Survey. Imagine então se somarmos esses dados aos casos de violência sexual em que as vítimas ficaram aterrorizadas ou foram coagidas a não denunciar? O total pode chegar a 476 mil.
Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), não mais do que 10% dos casos de violência sexual são denunciados à polícia. Logo não tenho dúvida alguma de que ser mulher no Brasil é muito difícil, já que são obrigadas a viver em estado de alerta, ainda mais levando em conta a impunidade reconhecida pelos abusadores.
Eles zombam das nossas leis brandas que dão margem a muitos recursos por causa do viés da subjetividade. Maior exemplo do descrédito é o fato de que muitos estupradores tiram fotos ou filmam os atos de violência sexual como se fossem souvenirs ou troféus, algo de que se orgulham.
Em 2006 e 2007, fiz um trabalho junto ao Projeto Sentinela, que combate o abuso e a exploração sexual de crianças e adolescentes. E o que tirei de lição daquele tempo para a atualidade é que estupradores são naturalmente ególatras, pessoas que não sabem lidar com negativas, seja porque foram mimados demais ou porque não conseguem aceitar o fato de que as pessoas vão continuar existindo e seguindo suas vidas independente deles.
Muitos também tendem a tentar transferir para outra pessoa o desprezo que sentem por si mesmo. Se veem como insignificantes e acabam recorrendo à objetificação sexual de alguém. Querem ferir outra pessoa, marcá-la para sempre. Sentem um prazer mórbido e doentio nisso.
No caso dos mais de 30 rapazes que estupraram a adolescente, como algumas pessoas comentaram, é difícil crer que todos sejam doentes. Mas acredito sim que eles possuem traços de sociopatia e psicopatia. A verdade é que o mundo hipermoderno está imerso em desvios de conduta que ameaçam o bem-estar social.
Nos livros The Sociopath Nextdoor e Snakes in Suits: When Psychopaths Go To Work, os estudiosos do comportamento humano Martha Stout e Paul Babiak estimam que 10% da população mundial sofre de algum tipo de psicopatia, o que me faz crer que a raiz do problema com relação aos estupros já começa nos primeiros indicativos de sociopatia, na ausência de limites e na anuência da permissividade.
Até porque, antes de tudo, todo estuprador é um psicopata, embora nem todo psicopata seja um estuprador. Talvez tenhamos dificuldade em identificar isso porque temos uma tendência obtusa e até romanesca de associar a figura do psicopata com a dos serial killers que encontramos na literatura e no cinema.
De tudo que li até agora sobre o estupro da jovem de 16 anos, só não concordo com as acusações de que todo homem é um estuprador em potencial. Não é verdade e também nem mesmo existe qualquer tipo de estudo que se aproxime de corroborar esse tipo de afirmação baseada na passionalidade.
O crime envolvendo a adolescente do Rio de Janeiro, me lembrou uma história que escrevi há alguns meses sobre uma jovem vítima de estupro
Talvez tivesse caído na rua quando caminhava do boteco para casa. Em seguida, percorreu seu corpo com a língua áspera e fedorenta que a fez sentir-se como se fosse lambida por uma dessas lagartas que invadem pedaços de pau podre em terrenos baldios. Com o rosto virado, Sandra chorava em silêncio, mordendo os lábios e mirando o telhado de fibrocimento (Eternit). Se esforçava para sair do próprio corpo. Não queria enxergar nem sentir nada. A poucos centímetros, observou Isabel à direita – a bonequinha de tecido tinha um vestido encardido, levemente avermelhado.
“Lembrei da virgindade que aquele velho pedófilo tirou de mim. Ele ainda comemorou quando viu o meu sangue escorrendo pelo lençol. Falou desse jeito: ‘É assim, filhinha, a primeira vez de vocês têm que ser com o papai’”, comentou. Turvo se levantou e desapareceu na escuridão, carregando uma garrafa de pinga e arrastando os pés no chão.
Nada a fazia esquecer o cheiro nauseante do pai. As palavras do homem continuaram ecoando pela mente de Sandra. Era como se por um artifício fantástico tivessem-lhe anexado ao ouvido um gravador que reproduzia copiosamente as frases do criminoso. Ela não conseguia expor ao mundo o sentimento inimaginável que a dominou desde a noite do estupro.
Em seu interior, o desespero incessante consumia a voz e a capacidade de se comunicar. “Os gritos e o choro não eram ouvidos e vistos por ninguém. Existiam apenas dentro de mim. E minha mãe [primeira esposa de Turvo] sabia de tudo e aceitava”, narra chorando. As lágrimas pareciam banhar o interior de cada um dos órgãos – do coração ao útero. A voz perdida, apenas ela ouvia. A vontade de viver se esvaía com o sangue maculado, arbitrariamente dilacerado do seu corpo em desenvolvimento.
Lá fora, no quintal sujo, Sandra tentava, sem sucesso, chorar, observando um pneu que balançava preso à corda amarrada em uma árvore. Para ela, tudo continuava desfocado e diluído. “Eu queria morrer e, em vários momentos da vida, sei que minhas irmãs também. Ele abusou da gente não só uma ou poucas vezes, mas muitas. Ele estuprou todas as filhas e mesmo depois de tantos anos algumas ainda recebem suas visitas noturnas”, garante Sandra que se arrepia, apontando com o dedo indicador os pelos eriçados do braço.
O mundo sombrio dos Irmãos Grimm
Na versão original, os contos dos Irmãos Grimm são recheados de canibalismo, infanticídio e incesto
Acredito que seja difícil encontrar alguém que nunca tenha lido ou ouvido algum conto dos Irmãos Grimm na infância, principalmente pela facilidade com que povoam o ideário das crianças. São histórias que se tornaram ainda mais populares depois das adaptações feitas pela Disney. A primeira e mais icônica continua sendo Branca de Neve e os Sete Anões, de 1937, inspirada no conto Schneewittchen, de 1812.
Também famosos por histórias como Hänsel und Gretel (João e Maria), Rapunzel, Aschenputtel (Cinderela) e Dornröschen (A Bela Adormecida), entre outros, os alemães escreveram e editaram 35 livros. O primeiro, baseado em contos domésticos, foi publicado em 1812 com o título de Kinder- und Hausmärchen. No entanto, até hoje a questão da autoralidade nas obras dos Irmãos Grimm desperta muitas controvérsias porque suas histórias já existiam no folclore germânico e na cultura popular de outros países e regiões da Europa.
Jacob e Wilheilm Grimm cursaram direito na juventude, porém como não tinham interesse em seguir carreira, optaram por estudar o folclore germânico. Jacob foi um pouco além, se interessando também pela filologia, o estudo da linguagem através de fontes históricas. Por isso, mais do que escritores, os Irmãos Grimm foram pioneiros na aplicação de métodos científicos na pesquisa da tradição oral.
Movidos por um misto de anseio acadêmico e patriotismo, enveredaram pela pesquisa de contos folclóricos porque estavam preocupados com a preservação da cultura germânica. Assim que perceberam que havia um filão literário a ser explorado, endossado pela crescente quantidade de leitores que queriam somente ler boas histórias, os Irmãos Grimm começaram a se afastar do academicismo.
A primeira ação foi descartar as notas de rodapé. Também tornaram as histórias mais romanescas, claras, simples e incluíram lições de moral que pudessem ser compreendidas até por crianças, uma manobra para facilitar a aceitação dos contos e torná-los mais comerciais através da caracterização da fábula.
Com a disneyficação, as histórias dos Irmãos Grimm ganharam mais espaço no Novo Mundo. Contudo, ao final da Segunda Guerra Mundial, autoridades do alto escalão dos países aliados aproveitaram a queda do Terceiro Reich para banir por tempo indeterminado as obras dos Irmãos Grimm, alegando que seus contos influenciaram a violência praticada pelos nazistas até 1945.
O que pareceu um despautério, se levarmos em conta que seus contos eram amados por tantas crianças, começou a fazer mais sentido quando a escritora estadunidense Maria Tatar, expert em literatura infantil, germânica e folclore, publicou em 1987 o livro The Hard Facts of the Grimms’ Fairy Tales. De acordo com a autora, quem tiver interesse em ler as obras originais dos Irmãos Grimm precisa estar preparado para descrições gráficas de assassinatos, mutilações, canibalismo, infanticídio e incesto.
“Crianças são decapitadas e servidas em um ensopado para a apreciação dos pais. Há príncipes e princesas que fazem muito mais do que dormir. Meninas más são obrigadas a rolarem pelas colinas dentro de barris cravejados de unhas. E se elas recusarem, suas mãos e seios são fatiados”, informa Tatar que qualificou Wilhelm como alguém com uma visão literária mais comercial enquanto Jacob era mais acadêmico.
Em alguns contos dos Irmãos Grimm a violência e a sexualidade são mais explícitas do que no material oral que utilizaram como fonte. “Eles expandiam ou suavizavam a narrativa na tentativa de fazer algum apontamento moral. Às vezes fizeram mudanças bem pessoais por razões pouco claras”, declara a escritora. Na primeira edição do conto Die zwölf Brüder (Doze Irmãos), um rei misógino diz à esposa que se o décimo terceiro filho do casal for uma menina, os meninos têm de morrer.
“Eu prefiro cortar todas as suas cabeças do que deixar uma menina entre eles”, esbraveja o rei. Já na segunda edição o discurso muda quando o rei enfatiza que os meninos devem morrer para que sua filha seja a única a herdar o trono, sem qualquer concorrência.
Trecho da primeira versão de Schneewittchen (Branca de Neve), publicado em 1812
Ela caminhou até o príncipe e, feliz em vê-la, ele não conteve a alegria ao ter certeza de que ela estava viva. Então se sentaram à mesa e comeram com satisfação.
Seu casamento foi marcado para o dia seguinte e sua mãe também foi convidada. Naquela manhã, sua mãe deu um passo em direção ao espelho e disse:
Espelho, espelho na parede,
Quem nesta terra é a mais bela de todas?
O espelho respondeu:
Você, minha rainha, é justa, é verdade.
Mas a jovem rainha
É mil vezes mais justa do que você.
Ela ficou horrorizada em ouvir aquilo, tão assustada que não foi capaz de dizer mais nada. Ainda assim o ciúme a motivou a ir ao casamento ver a jovem rainha. Quando ela chegou, viu que era a Branca de Neve. Em seguida, colocaram um par de sapatos de ferro no fogo, até brilhar em brasas, e obrigaram a velha rainha a usá-los e a dançar com eles. Seus pés ficaram terrivelmente queimados, mas ela não conseguia parar e continuou dançando até a morte.
Saiba Mais
Jacob Ludwig Carl Grimm nasceu em 4 de janeiro de 1785 e seu irmão Wilhelm Carl Grimm em 24 de fevereiro de 1786 em Hanau, a 25 quilômetros de Frankfurt. Wilhelm faleceu em Berlim em 1859 em decorrência de uma infecção. Com a morte do irmão, Jacob se tornou recluso até falecer na mesma cidade em 1863.
Referências
http://www.todayinliterature.com/
Grimm, Jacob; Grimm, Wilhelm. Zipes, Jack, ed. The Original Folk and Fairy Tales of the Brothers Grimm: the complete first edition (2014). Princeton: Princeton University Press.
Tatar, Maria. The Hard Facts of the Grimms’ Fairy Tales (1987). Princeton University Press.
Uma terapia em forma de alegria
Grupo Pausa para o Riso leva diversão e esperança para crianças da Santa Casa de Paranavaí
Fundado em 2014, o grupo Pausa para o Riso nasceu de uma iniciativa de três atores de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, que são apaixonados por circo e teatro. Em 2005, eles criaram um grupo de doutores palhaços chamado Amigos do Riso. Com o passar dos anos e algumas mudanças, hoje a trupe de oito voluntários se reveza nas visitas à Santa Casa de Paranavaí, onde leva alegria, diversão e esperança às crianças internadas na ala pediátrica.
“Também visitamos os adultos quando temos tempo”, explica a fundadora Karina Lima que prevê em breve a inclusão de asilos e abrigos na agenda do grupo. Além das visitas semanais com duração média de duas horas, os integrantes do Pausa para o Riso se reúnem uma vez por mês para compartilharem experiências. “Nosso grupo trabalha de forma espontânea. Quando vemos que alguém se enquadra no perfil do grupo, fazemos um convite para ingressar na trupe”, conta.
O convidado ou a convidada responde a um questionário e participa de uma simulação, começando a se familiarizar com o trabalho dos doutores palhaços. “Fazemos com que tentem imaginar como será quando estiverem no ambiente hospitalar”, argumenta Karina. Em média, o Pausa para o Riso atende pelo menos 200 pessoas por mês. Além dos internos, eles interagem com acompanhantes e funcionários da Santa Casa de Paranavaí.
“Logo no início percebemos que o ambiente hospitalar é o local ideal para levarmos a alegria proporcionada pelo circo”, comenta Karina Lima, acrescentando que muitas pessoas já passaram pelo grupo, mas as mudanças são naturais quando alguém decide trilhar um novo caminho. Como o Pausa para o Riso é 100% voluntário e não tem fins lucrativos, a maior recompensa dos integrantes é o sorriso das crianças, o agradecimento das mães e as amizades que surgem com as visitas.
“Muitas mães aproveitam as nossas brincadeiras com seus filhos para se ausentarem por alguns minutos, respirar um ar que não seja o do hospital e restabelecer a energia. Lá somos palhaços, amigos, companheiros, confidentes. Também somos um abraço, um sorriso, um detalhe que faz a diferença na vida de quem passa por nós”, declara Karina. Quem quiser contribuir com o Pausa para o Riso, realizando algum tipo de doação, pode ligar para (44) 9927-4486.
Formação
Doutora Naninha – Karina Lima, Doutor Tramela – Cristiano Oliveira, Doutor Clavinho – Bruno Alécio, Doutora Soninho – Tais Fernanda, Doutor Goiabinha – Paulo Queiroz, Doutora Leãozinho – Kátia Batista, Doutora Frida Não Kalo – Gislaine Pinheiro.
Quando me decepcionei com Arnaldo Jabor
Quando adolescente, e ainda mais ingênuo por sinal, eu gostava de assistir aos comentários sazonais do Arnaldo Jabor na TV. Até que um dia, em dezembro de 2004, percebi como um formador de opinião pode ser capaz de destilar tanto preconceito e arrogância ao falar de um assunto que desconhece completamente. Desde então nunca mais vi ou ouvi tal crítico comentando sobre coisa alguma.
É surpreendente reconhecer como até mesmo aqueles que são apontados por muitos como grandes críticos e articulistas derrapam num erro tão primário que é o de se sentir tão superior que se considera apto a falar com desdém sobre qualquer coisa, mesmo que não tenha se informado ou estudado sobre o tema. Basicamente não há como deixar de encarar isso como uma das armadilhas do ego.
Crítica no seu conceito original precisa estar sempre atrelada a argumentos. Ela precisa impreterivelmente de sustentação. Se isso não existe, não é uma crítica. E foi exatamente o que vi no último dia em que assisti ao Arnaldo Jabor na TV, há mais de 11 anos. Achismo, opinião inconsistente e a estoica e nociva personificação da pessoalidade.