Archive for August, 2016
Dê uma chance ao vegetarianismo ou ao veganismo…

Documentários que podem mudar a percepção de como nos relacionamos com os animais (Imagens: Reprodução)
Te convido a assistir aos documentários Terráqueos (Earthlings), Cowspiracy – O Segredo da Sustentabilidade, Especismo (Speciesism), Reino Pacífico (Peaceable Kingdom) e Garfos em vez de Facas (Forks Over Knives). Muitas pessoas evitam assistir esses documentários porque isso significa sair da zona de conforto e confrontar a realidade que envolve a produção de alimentos de origem animal. Sim, não existe alimento de origem animal que não envolva dor ou privação.
E quando alguém fala em bem-estarismo animalista penso apenas que isso é um grande e cultural equívoco, já que por “melhores” que sejam as condições oferecidas aos animais, isso não anula o fato de que mais cedo ou mais tarde eles serão separados de suas famílias, levados à exaustão e sacrificados.
A verdade é que até ingredientes que normalmente passam batido nos rótulos das embalagens materializam frações de dor e sofrimento. Nem mesmo a produção de mel é isenta de dissabores, padecimento. Afinal, a abelha não fabrica e nunca fabricou mel para nós. Logo é justo dizer que há uma cultura de séculos que tende a romantizar o que na realidade não tem nada de belo. É sempre chocante reconhecer como a indústria alimentícia explora o máximo que pode dos animais.
Só pra citar um exemplo, é possível encontrar derivados de leite até mesmo em adoçantes à base de stevia em pó. O mais curioso é que isso é desnecessário; e a inclusão talvez tenha mais a ver com as facilidades e o barateamento do processo de produção. No final, porém, quem paga mais caro não são os seres humanos, mas sim a vaca e o vitelo.
Há muito tempo, somos bombardeados com propagandas que vendem a ideia de que somos incapazes de sobreviver sem alimentos de origem animal. Certo! O que dizer de povos que nunca se alimentaram de animais, chegando a viver mais de 100 anos? Entrevistei há alguns anos um senhor vegetariano que à época tinha 95 anos e, não, ele não morava em nenhuma aldeia. Vivia na área urbana, mas optou por se tornar vegetariano em 1925, aos oito anos de idade.
O que vemos o tempo todo são criações de ofertas desnecessárias e falsas demandas motivadas pela ganância. Como achar normal a criação de 70 bilhões de animais em todo o mundo, sendo que temos uma população mundial de sete bilhões de pessoas? Para que tudo isso? Ainda mais ponderando que em menor ou maior proporção esses animais passarão por privação ou sofrimento.
Ademais, a pecuária tem contribuído com o aquecimento global, inclusive sendo apontada como uma das principais responsáveis pela destruição da Amazônia. De acordo com a diretora executiva da ONG Food & Watch, Wenonah Hauter, quem beneficia e faz lobby para este sistema são os maiores produtores de alimentos, que também são os maiores produtores de carne.
Quando suas empresas crescem e eles enriquecem, normalmente usam o poder político que possuem para ditar as políticas federais quanto à produção de alimentos. Ou seja, tudo que as pessoas consomem de origem animal não é consequência de reais necessidades, mas sim de investimentos massivos em propaganda. Desde o princípio do século 20, isso tem sido feito de forma muito bem elaborada, para que as pessoas acreditem que não há outro caminho, quando na realidade essa mudança depende apenas de um pouco de esforço e de vontade de lutar por um mundo melhor.
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Machado de Assis: “Devíamos adotar o são e fecundo princípio vegetariano”
“Nada de ovos, nem leite, que fediam a carne. Ervas, ervas santas, puras, em que não há sangue”
“Quando os jornais anunciaram para o dia 1º deste mês uma parede de açougueiros, a sensação que tive foi muito diversa da de todos os meus concidadãos. Vós ficastes aterrados; eu agradeci o acontecimento ao Céu. Boa ocasião para converter esta cidade ao vegetarismo”, escreveu o escritor Machado de Assis no primeiro parágrafo da crônica “Carnívoros e Vegetarianos”, publicada na Gazeta de Notícias do Rio de Janeiro em 5 de março de 1893.
Na obra, um dos mais importantes escritores brasileiros de todos os tempos critica com a ironia e luminescência que lhe era peculiar o hábito humano de consumir carne. “A arte disfarça a hediondez da matéria. (…) Deus, ao contrário, é vegetariano. Para mim, a questão do paraíso terrestre explica-se clara e singelamente pelo vegetarismo. Deus criou o homem para os vegetais, e os vegetais para o homem. Comei de tudo, disse-lhe, menos do fruto desta árvore. Ora, essa chamada árvore era simplesmente carne”, registrou. Machado de Assis se identificava com o vegetarianismo no final do século 19, tanto que ele criou um cenário em que até aqueles que jamais se imaginariam sem carne poderiam aprender a se satisfazer sem ela:
“Enfim, chegou o dia 1º de março, quase todos os açougues amanheceram sem carne. Chamei a família; com um discurso mostrei-lhe que a superioridade do vegetal sobre o animal era tão grande, que devíamos aproveitar a ocasião e adotar o são e fecundo princípio vegetariano. Nada de ovos, nem leite, que fediam a carne. Ervas, ervas santas, puras, em que não há sangue, todas as variedades das plantas, que não berram nem esperneiam, quando lhes tiram a vida. Convenci a todos; não tivemos almoço nem jantar, mas dois banquetes. Nos outros dias a mesma coisa.”
Para o escritor, o vegetarianismo é o caminho da não violência, da simplicidade, da ojeriza à barbárie e da evolução moral e ética. “Porque o vegetariano não cobiça as coisas alheias; mal chega a amar as próprias”, declarou em “Vegetarianos e Carnívoros”. Quando Machado de Assis escrevia para a Gazeta de Notícias, ele descobriu que não havia nenhuma entidade de proteção aos animais no Brasil – a primeira foi a União Internacional Protetora dos Animais (Uipa), sediada em São Paulo. E provavelmente incomodado com o fato, ele escreveu “Direitos dos Burros”, crônica publicada na Gazeta em 10 de junho de 1894. Na obra, o escritor dá voz a um burro que se vê obrigado a falar para reivindicar os próprios direitos:
“Ah! Meu amigo, é justamente o que me traz a seus pés, disse o burro ajoelhando-se, mas levantando-se logo, a meu pedido. E continuou: ‘Sei que o senhor se dá com gente da imprensa, e vim aqui para lhe pedir que interceda por mim e por uma classe inteira, que devia merecer alguma compaixão…” Durante o diálogo, o animal confidencia que os burros deitam a alma pela boca, puxando carros e ossos. Também apanham de chicote, de ponta de pé, de ponta de rédea e de ponta de ferro. Bonançoso e ingênuo, o burro dá mostras de sua incapacidade em reconhecer a literalidade da crueldade humana quando deixa transparecer que a dor talvez seja uma consequência da falta de vigor. “Os burros modernos, esses são mais teimosos e resistem à pancadaria”, comenta, como se o sofrimento pudesse ser justificado.
Bem informado, o animal cita que na Inglaterra os proprietários de animais são condenados por maus-tratos. Cita o caso de um homem que depois de privar quatro potros de comida e água foi condenado a pagar quatro libras esterlinas. Outro sujeito acabou preso. “Um rapaz tirou um ovo de faisão de um ninho; quatorze dias de cadeia. Um senhor maltratou quatro vacas, cinco libras e custas. Condenem a um mês ou um ano os que tirarem ovos ou dormirem na rua; mas condenem a cinquenta ou cem mil réis aqueles que nos maltratam por algum modo, ou não nos dando comida suficiente, ou, ao contrário, dando-nos excessiva pancada”, pede o burro.

Machado de Assis: “O vegetariano não cobiça as coisas alheias; mal chega a amar as próprias” (Imagem: Reprodução)
Em referência à ganância humana, o animal diz que o burro ama somente a própria a pele, enquanto o homem ama a própria pele e o dinheiro. “Dê-se-lhe na bolsa; talvez a nossa pele padeça menos”, sugere em “Direitos dos Burros”. Outra obra machadiana que reconhece os direitos, singularidade e inteligência dos animais é “Ideias de Canário”, conto originalmente publicado na Gazeta de Notícias em 1895. Na história, o autor apresenta um pássaro que vive cativo em uma pequena gaiola no fundo de uma loja. Lá, o animal falante crê que o mundo é basicamente aquilo que está ao alcance de seus olhos. Ainda assim, não deixa de ter um diferenciado, porém cândido, senso de percepção da vida.
“Que dono? Esse homem que está aí é meu criado, dá-me água e comida todos os dias, com tal regularidade que eu, se devesse pagar-lhe os serviços, não seria com pouco; mas os canários não pagam criados. Em verdade, se o mundo é propriedade dos canários, seria extravagante que eles pagassem o que está no mundo”, argumentou a ave. Depois de explicar que o mundo é muito maior do que ele imagina, o pássaro zomba do homem.
No entanto, quando o homem o leva para casa, apresentando-lhe uma nova realidade, o canário passa por gradual transformação. Em pouco tempo, a gaiola grande e a visão privilegiada das cercanias deixam de ser suficientes, até que o canário foge. “Ideias de Canário” é um conto em que Machado de Assis transparece possível depreciação em relação a quem cria animais em cativeiro, impedindo-os de trilharem seu próprio caminho ou conhecerem o mundo como realmente é.
Em “Reflexões de um Burro”, obra publicada em 8 de abril de 1894, o escritor se coloca como o protagonista que encontra um burro aguardando o próprio fim, caído entre a grade do Jardim da Praça Quinze de Novembro e o lugar onde era o antigo passadiço, ao pé dos trilhos de bonde, no Rio de Janeiro. A cena teve tanto impacto sobre Machado de Assis que ele imaginou como seria um exame de consciência feito pelo animal:
“Por mais que vasculhe a consciência, não acho pecado que mereça remorso. Não furtei, não menti, não matei, não caluniei, não ofendi nenhuma pessoa. Em toda a minha vida, se dei três coices, foi o mais, isso mesmo antes de haver aprendido maneiras de cidade e de saber o destino do verdadeiro burro, que é apanhar e calar.”
Na crônica 15 de março de 1877, do livro “História de Quinze Dias”, o autor evidencia o seu repúdio pelas touradas. Um amigo tenta dissuadi-lo ao justificar que ele nunca viu uma, logo não tem motivos para criticar. Machado de Assis responde que não precisa ver a guerra para detestá-la.
“Nunca fui ao xilindró, e todavia não o estimo. Há coisas que se prejulgam, e as touradas estão nesse caso. E querem saber por que detesto as touradas? Pensam que é por causa do homem? Ixe! é por causa do boi, unicamente do boi. Eu sou sócio (sentimentalmente falando) de todas as sociedades protetoras dos animais”, rebate e acrescenta que touradas e caridade são pouco compatíveis. Também critica a contradição de se fazer corrida de touros para beneficiar necessitados.
Para a pesquisadora Angela Guida, Machado de Assis problematizava a questão da animalidade como uma questão política, de outridade, e não pela via da metáfora animal. “Machado apresenta-nos textos que fogem à representação depreciativa do animal e, de alguma forma, contém certa dose de ativismo”, declara no artigo “Para uma política da animalidade”, publicado na revista Darandina, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).
Dois dos maiores clássicos machadianos, “Memórias Póstumas de Brás Cubas” e “Quincas Borba” também trazem à tona a empatia e preocupação com os animais. No primeiro, o protagonista, ressentido pela desesperança nas relações humanas, e tendo como referência a própria vida infecunda, dedica suas memórias, com o usual viés satírico, ao verme que se alimenta de sua carne; assim deixando claro que não raramente os seres humanos não estão acima dos parasitas. Além disso, no pós-morte, Brás Cubas divaga e tem como guia espiritual um hipopótamo que o leva ao reencontro da natureza e de um paraíso que ele jamais conheceu em vida.
Outro personagem emblemático é o cachorro Quincas Borba, da obra homônima da fase realista de Machado de Assis, a quem é destinada toda a herança do falecido. E mais, ao cão deve ser dispensado o máximo de cuidados. O que surpreende também é a apresentação do animal que pode ser facilmente confundido com um ser humano, a partir do tratamento descritivo dado por Machado de Assis. O que inclusive ajuda a reforçar o fato de que animais não são seres de pouco valor.
A caracterização humana do cachorro também é reconhecida pelo seu guardião, Rubião, do início ao fim do livro. O amigo do falecido crê que o cão carrega a alma e a essência do homem Quincas Borba. Levando em conta que os animais normalmente são subestimados, não é difícil imaginar o choque que a ideia de um cachorro com alma pode ter despertado nos leitores brasileiros em 1891. Ademais, Machado de Assis foi muito feliz ao definir o nome do livro, que se refere tanto ao homem quanto ao animal.
“Não podia ver as estrelas, que já então rutilavam, livres de nuvens. Rubião descobriu-as; chegara à porta da igreja, como quando entrou na cidade; acabava de sentar-se e deu com elas. Estavam tão bonitas, reconheceu que eram os lustres do grande salão e ordenou que os apagassem. Não pôde ver a execução da ordem; adormeceu ali mesmo, com o cão ao pé de si. Quando acordaram de manhã, estavam tão juntinhos que pareciam pegados”, escreveu Machado de Assis na página 156 de “Quincas Borba”.
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Machado de Assis nasceu no Rio de Janeiro em 21 de julho de 1838 e faleceu na mesma cidade em 29 de setembro de 1908. Não há registros consistentes sobre os hábitos alimentares do escritor, mas é inegável a sua contribuição em favor da conscientização em relação ao vegetarianismo e os direitos dos animais.
Referências
Assis, Machado de. A Semana I e II. Editora Globo (1997).
Assis, Machado de. História de Quinze Dias. Editora Unicamp (2009).
Assis, Machado de. Memórias Póstumas de Brás Cubas. Editora Ática (2015).
Assis, Machado de. Quincas Borba. Editora Martin Claret (2001).
Guida, Angela. Para uma política da animalidade. Darandina Revisteletrônica (2011). Disponível em http://www.ufjf.br/darandina/files/2011/08/Para-uma-pol%C3%ADtica-da-animalidade.pdf
Filho, Nelson Aprobato. Machado de Assis e as touradas. Scientific American Brasil. Disponível em http://www2.uol.com.br/sciam/noticias/machado_de_assis_e_as_touradas.html
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Escritores carregam um mundo sem fronteiras

Um exemplo da influência francesa na literatura brasileira é o livro “São Bernardo”, de Graciliano Ramos (Foto: Reprodução)
Não é incomum eu me deparar com pessoas criticando quem lê mais literatura estrangeira do que brasileira. Até entendo que é uma forma de valorizar autores brasileiros, mas por outro lado há sempre um discurso desconcertado da realidade. Penso, por questões até óbvias, que a literatura brasileira não se fez sozinha. Machado de Assis era fã do romancista espanhol Miguel de Cervantes, assim como Augusto dos Anjos reconheceu o princípio da própria identidade poética no simbolismo francês de Baudelaire e Rimbaud – dois nomes que inclusive estão entre os mais influentes da poesia brasileira desde o século 19.
Leiam “São Bernardo”, de Graciliano Ramos, e percebam quantas referências podem ser encontradas à “Eugenia Grandet”, do francês Honoré de Balzac, que curiosamente também foi um dos escritores estrangeiros que mais influenciou a literatura russa, mas principalmente Dostoiévski. Literatura é um exercício de hibridismo e a partir dele reconhecemos ou não as influências do autor, de acordo com nossa bagagem cultural. Acredito que os bons escritores carregam um mundo sem fronteiras geográficas. Ele é cosmopolita mesmo quando não quer ser.
E, claro, a literatura brasileira contemporânea é essencial como meio de compreensão da nossa realidade. Aí não há como discordar, porém, na minha opinião, não é irrelevante conhecer os clássicos estrangeiros, mesmo depois de tanto tempo, e não apenas para entender a nossa literatura da atualidade, mas o mundo, a humanidade e sua relação com a vida. Ademais, acredito que seja sempre imprescindível evitar o ufanismo para não cairmos em contradição. Independente de origem, o mais importante são as dúvidas e as reflexões que um livro consegue despertar.
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“Não aceito que um bicho morra para que eu possa me alimentar”
O aposentado José Francisco de Oliveira, o Seu Zé, sobrevive com um salário mínimo por mês e, mesmo com sérias limitações, se preocupa em cuidar dos animais que circulam pela sua pequena residência. Gasta cerca de sete pacotes de quirela por mês alimentando centenas de pássaros. “Tem dia aqui que chego a contar 200 rolinhas de uma vez. Fica tudo preto. Eu não mato um passarinho de jeito nenhum, nem que eu morra de fome. Não aceito que um bicho morra para que eu possa me alimentar. Teria vergonha de matar um animal pra comer”, conta.
Seu Zé começou a valorizar a liberdade dos animais em 1925, aos oito anos, quando morava em uma roça nas imediações do Rio Capivari, no interior de São Paulo. “Eu estava andando por aquelas bandas carregando quatro gaiolas cheias de passarinhos, daí, do nada, os bichinhos começaram a fazer ‘tiu, tiu, tiu’, ‘prim, prim, prim’, ‘tiziu, tiziu, tiziu’. Parei, fiquei olhando e escutando. Carreguei eles mais um pouco e quando cheguei em casa, abri cada uma das gaiolas e soltei todos. Nunca mais prendi nenhum passarinho. Se eu tivesse dinheiro, comprava tudo pra soltar”, garante Seu Zé.
José Francisco de Oliveira tem um estilo de vida simples, sem apego material, passa horas do dia em introspecção, envolvido em uma forma bastante pessoal de espiritualidade. Admite que diariamente divaga até um passado que lhe conforta a existência. “Sinto muita falta da minha mulher e da minha filha que faleceram, mas não tenho arrependimentos, nem medo de morrer”, confidencia.
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José Francisco de Oliveira nasceu em 7 de agosto de 1917.
Ele vive em Paranavaí, no Noroeste do Paraná, desde a década de 1940.
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O pescador e o dourado
Era um dourado que cintilava tanto quanto a primeira luz que o sol lançou sobre o Rio Paraná
Como fazia todos os dias, Orlando lavou o rosto, escovou os dentes, preparou a tralha, se despediu da esposa, da neta e saiu de casa na silente escuridão da madrugada. Durante a caminhada até a barranca do Rio Paraná ganhou a companhia de cigarras e grilos que cantavam com tanta sofreguidão que pareciam ansiar pela alvorada.
Quando encostou no bambuzal a poucos metros da margem, Orlando acendeu o palheiro e observou no horizonte o sol saindo ocioso por trás das cortinas de água – lançava um brilho que dourava o Paranazão até onde os olhos poderiam alcançar. “Que coisa linda! Faz valer pular da cama cedinho assim”, comentou tragando e baforando uma fumaça ruça que saía quente da boca e logo arrefecia, deixando a língua amarga e o peito chiando. Se recordou dos pedidos exaustivos da mulher para que largasse o fumo de corda. Teimoso, ainda fumava dois ou três toda manhã.
Antes da última tragada, o cenho grave de Orlando deu lugar a uma gargalhada expansiva que fez sua barriga doer ao contar oito sapos coaxando e brincando no cerne de um brejo. “Até parece disputa pra ver quem canta mais alto. E tem quem diz que os bichos não são espertos”, comentou quando o menor dos sapos se esquivou de uma investida ardilosa do maior. Sem mais distrações, caminhou até o Rio Paraná, se ajoelhou, reverenciou o céu, a terra e a água. Subiu sobre o barco, o desamarrou, ajeitou a tralha e ligou o motor. Seguiu criando pequenas ondas, cortando a água que se tornava menos turva e mais cristalina conforme se distanciava da margem.
Massageando seus poucos cabelos grisalhos, o vento temperado e úmido trouxe lembranças da mocidade, dos amigos que partiram, dos familiares falecidos. Com 60 anos, sentia-se cansado, não pela ação do tempo sobre o corpo. O rosto estriado não o incomodava. Orlando simplesmente não sabia o que havia de errado em sua vida, mas sentia, e seguia fazendo o que sempre fez. Pescador desde a infância, morou em cinco ilhas no seio do Paranazão. Pescou tanto em mais de 45 anos que deixou de sentir prazer em tirar da água as preciosidades da natureza.
— Depois que criaram a barragem, muitas espécies de peixes sumiram, é o que todo mundo diz, inclusive eu. Mas será que a gente também não tem culpa nisso? Todos esses anos de pesca deve ter traumatizado a natureza – refletiu coçando o queixo levemente enrugado e queimado pela frequente exposição solar.
Durante décadas, Orlando sorriu para fotos, segurando peixes de até 80 quilos. Abasteceu muitos congeladores de peixarias em um raio de mais de 100 quilômetros. Porém, nos últimos cinco anos deixou de ver os animais que tirava da água como troféus. Num final de tarde, se irritou quando o amigo Laércio, um de seus clientes, ameaçou romper negócios, alegando que ele estava entregando poucos peixes.
“Parece que não sabe pescar mais. Tem piá aí que já tá te deixando pra trás, meu amigo. Vai dizer que já esqueceu que te chamavam de Zóio de Anzol? Vamos despertar aí!”, reclamou Laércio. Durante a travessia da Lagoa do Jacaré, Orlando se recordou do episódio na peixaria. Ele não disse nada a Laércio naquele dia. Continuou pescando por pressão que não reconhecia.
Por volta das 17h, após percorrer o Rio Bahia, retornou à margem. Desanimado, viu a própria casa despontando na ladeira. Desligou o motor do barco e ficou em silêncio, ora observando a água, ora o céu. O pescador não queria estar ali, e postergava o inevitável amargando a volatilidade de uma crise existencial.
Entristecido, cochilou com a cabeça escorada sobre o colete salva-vidas. A noite ameaçava surgir e ele não tinha pescado nada. “O que vão pensar de mim?”, se perguntou. O sol foi piedoso; cobriu seu corpo com uma luz morna, até que meia hora depois Orlando levou um susto ao ouvir algo se chocando contra o casco do barco.
Titubeante, preparou a vara de pescar e a lançou na água com destreza, como se chicoteasse o leito. Em menos de minuto, sentiu uma fisgada no anzol e a vara envergando. Enquanto se esforçava para puxá-la, um peixe se debatia violentamente sob a água. Era um dourado que cintilava tanto quanto a primeira luz que o sol lançou sobre o Rio Paraná.
Deitado à força no interior do barco, o peixe de seis quilos lutou com vigor, se debatendo em cima de um pedaço de lona. Orlando franziu a testa, cerrou os dentes e evitou olhar diretamente para o animal. Seus olhos doíam. Ainda assim, tirou o peixe do barco, o enrolou na lona para não ter de observá-lo e caminhou até a peixaria. Lá, colocou o dourado sobre uma mesa com vestígios de vísceras e sangue seco nas rebarbas e gritou:
— Ô de casa! Ô Laércio! Vim trazer um dourado. Tu disse que faz tempo que não recebe nenhum. Pega logo aqui que quero ir pra casa.
— Tô aqui no fundo, Orlando. Venha me dar uma mão. Preciso mudar a posição dos congeladores.
Mesmo a contragosto, Orlando ajudou Laércio. De volta à recepção da peixaria, o dourado não estava mais lá, somente o pedaço de lona que o envolvia. O pescador levou as mãos à cabeça e seu coração disparou.
— Não acredito nisso! Não é possível que levaram o peixe daqui! O que eu vou fazer agora?
Cerca de cem metros ladeiro abaixo, Orlando ficou chocado quando viu o dourado pulando, tentando chegar às margens do Rio Paraná. Então correu até ele e, antes que alguém o fizesse, o tomou nos braços e continuou descendo, sem se preocupar com as correias do chinelo que se desfaziam pelo caminho.
Com olhos escuros e fixos, e uma boca que abria e fechava o tempo todo, o peixe parou de se debater e pela primeira vez o pescador enxergou o próprio reflexo nas escamas do animal. Mais do que tudo, o dourado ansiava pela água. E o cheiro que emanava de seu corpo não era de carne, mas sim de vida. Sob a luz do poente, assim que o peixe foi lançado ao rio, Orlando renasceu e o dourado desapareceu.
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A história do veganismo
“Enquanto o ser humano for implacável com as criaturas vivas, ele nunca conhecerá a saúde e a paz”
“Enquanto o ser humano for implacável com as criaturas vivas, ele nunca conhecerá a saúde e a paz. Enquanto os homens continuarem massacrando animais, eles também permanecerão matando uns aos outros. Na verdade, quem semeia assassinato e dor não pode colher alegria e amor”, disse o filósofo grego Pitágoras por volta de 500 anos antes de Cristo.
No mesmo período, Siddhārtha Gautama, o Buda, conversou com seus seguidores sobre a importância da alimentação isenta de ingredientes de origem animal. Assim, Pitágoras e Siddhārtha se tornaram as primeiras referências de uma consciência que mais tarde ajudaria a moldar o veganismo.
Muito tempo depois, no século I, o filósofo grego Plutarco escreveu “Do Consumo da Carne”. No Discurso Primeiro, ele define o apetite humano por carne como uma manifestação de luxúria, lascívia supérflua. “Aos inocentes, aos mansos, aos que não têm auxílio nem defesa – a esses perseguimos e matamos. Só para ter um pedaço da sua carne, os privamos da luz do sol, da vida para que nasceram. Tomamos por inarticulados e inexpressivos os gritos de queixume que eles soltam e voam em todas as direções”, registrou.

Da Vinci: “Além de ajudá-los, se aproxima deles para que eles possam gerar filhos que saciem seu paladar, assim criando sepulturas para todos os animais” (Arte: Reprodução)
Mas foi só a partir do século XV que houve um crescimento exponencial de pensadores e artistas que viram no vegetarianismo uma filosofia de vida em condições de contribuir para a libertação animal e humana, já que ao se alimentar da carne o ser humano torna-se prisioneiro de si mesmo, das suas próprias incoerências.
“Além de ajudá-los, se aproxima deles para que eles possam gerar filhos que saciem seu paladar, assim criando sepulturas para todos os animais. E devo dizer mais, se me for permitido dizer toda a verdade: Não acha que a natureza já produz alimentos o suficiente para que se satisfaça?”, questionou Leonardo da Vinci em citação publicada na obra Quaderni D’Anatomia, I-VI, preservada na Inglaterra pela Biblioteca Real de Windsor.
Em 1580, o filósofo e humanista francês Michel de Montaigne publicou o livro “Ensaios”, dando origem ao gênero situado entre o poético e o didático. E foi nessa obra que dedicou espaço para comentar que as índoles sanguinárias do ser humano em relação aos animais atestam propensão natural à crueldade.
“Em Roma, depois que se acostumaram aos espetáculos de mortes dos animais, chegaram aos homens e aos gladiadores. A própria natureza, temo, fixou no homem um instinto de desumanidade. Perdera-se o prazer de ver os animais brincando entre si e acariciando-se; e ninguém deixa de senti-lo ao vê-los se dilacerarem e se desmembrarem. Os animais foram sacrificados pelos bárbaros para os benefícios que deles esperavam”, enfatizou.
Para Montaigne, a ideia da superioridade do ser humano diante dos animais corrobora a máxima presunção e um falso direito de violência sobre outras espécies. Ele defende que, como racional, o ser humano tem um dever moral em relação aos animais, seres que têm vida e sentimento.

Rousseau: “Veja ele pelos seus olhos, sinta pelo seu coração; não o governe nenhuma autoridade, exceto a de sua própria razão” (Arte: Reprodução)
No século XIX, surgiram as primeiras obras dedicadas à filosofia de vida vegetariana. E o que impulsionou a concepção mais moderna de vegetarianismo foi o romantismo, movimento artístico, político e filosófico que fez oposição ao iluminismo e ao racionalismo. Pautando-se na natureza, os românticos exaltavam os animais e apontavam as falhas humanas embasadas na crença supremacista.
“Envolvido em um turbilhão social, basta que ele não se deixe arrastar nem pelas paixões, nem pelas opiniões dos homens; veja ele pelos seus olhos, sinta pelo seu coração; não o governe nenhuma autoridade, exceto a de sua própria razão”, declarou o suíço Jean-Jacques Rousseau, precursor do romantismo e defensor do vegetarianismo, em “O Bom Selvagem”.
Em 1802, Joseph Ritson lançou o livro “An Essay on Abstinence from Animal Food: as a Moral Duty”, seguido por “The Return to Nature, or, a Defense for the Vegetable Regimen”, de 1811, escrito por John Frank Newton. Em 1813, Percy Bysshe Shelley publicou “A Vindication of Natural Diet”. Já em 1815, William Lambe endossou o discurso em favor do vegetarianismo com a obra “Water and Vegetable Diet”.
Esses quatro escritores britânicos, que também eram ativistas vegetarianos e lutavam pelos direitos dos animais, se tornaram precursores do que conhecemos hoje como veganismo. Suas inspirações vieram de pensadores como Pitágoras, Plutarco e John Milton.
Por causa da estreita relação entre romantismo e vegetarianismo que, influenciada pelo marido Percy Shelley, a escritora britânica Mary Shelley publicou em 1817 o famoso romance gótico “Frankenstein”. Em uma das passagens do livro, o monstro vegetariano criado por Victor Frankenstein, repudia o hábito humano de se alimentar de animais:
“Não tenho que matar o cordeiro e a cabra para saciar o meu apetite. Bolotas e bagas são o suficiente para a minha alimentação. Minha companheira vai ser da mesma natureza que a minha, e vai se contentar com o mesmo que eu. Faremos a nossa cama de folhas secas; o sol vai brilhar sobre nós da mesma forma que brilha sobre os homens, e ele vai amadurecer a nossa comida. A imagem que apresento a vocês é humana e pacífica.”
O filósofo utilitarista britânico Jeremy Bentham também advogou pelos animais até falecer em 1832. Afirmava que eles sofrem tanto quanto os seres humanos e qualificou a defesa da superioridade humana como uma forma de racismo. No entanto, foi somente na Inglaterra de 1847 que surgiu formalmente a primeira Sociedade Vegetariana, presidida por James Simpson e vinculada à Bible Christian Church.

Carlos Dias Fernandes já tentava difundir o vegetarianismo no Brasil na década de 1920 (Foto: Reprodução)
Três anos depois, Sylvester Graham, inventor da popular indústria Graham Cracker, fundou nos Estados Unidos a Sociedade Vegetariana Americana. Ministro presbiteriano, Graham incentivava seus seguidores a levarem uma vida virtuosa pautada no vegetarianismo, na moderação e na abstinência, assim como já faziam no Oriente os seguidores do budismo, hinduísmo e jainismo. Em 1897, a pioneira Sociedade Vegetariana, sediada na Inglaterra, já contava com cinco mil membros.
No Brasil, um dos divulgadores do vegetarianismo era o jornalista e poeta paraibano Carlos Dias Fernandes, autor do livro “Proteção aos Animais”, de 1914. Na obra, Fernandes, que não era religioso, cita religiões e crenças que endossam o papel do ser humano como protetor dos animais e da natureza. Polêmico, chegou a discutir com profissionais de saúde da época que defendiam o consumo de carne. Talvez o maior exemplo tenha sido a sua rixa com o então conceituado médico José Maciel.
A seu favor, o poeta e jornalista tinha o médico higienista Flavio Maroja que publicou no jornal A União de 30 de agosto de 1916 um artigo intitulado “Hygiene Alimentar: Regimen Vegetariano e Regimen Carneo, confronto de opiniões, como penso a respeito”, que fala dos benefícios do vegetarianismo.
Em 26 de janeiro de 1917, Carlos Dias Fernandes comemorou a fundação da Sociedade Vegetariana Brasileira, sediada no Rio de Janeiro, e publicou matéria sobre o assunto. “Vai ganhando surto em todo mundo civilizado o regime vegetariano como solução prática do problema moral, economico e therapeutico dos povos. (…) Vegetarianismo quer dizer vida de accôrdo com a natureza”, registrou.
Em 1931, e de volta a Londres, o indiano Mahatma Gandhi ingressou no comitê executivo da Sociedade Vegetariana e deu um discurso argumentando que a alimentação livre de carne era uma questão de ética, não de saúde. Sem demora, surgiram discussões sobre o tratamento dado às galinhas e vacas leiteiras. Os debates foram transformados em artigos publicados no boletim informativo Vegetarian Messenger, dividindo opiniões.
Receosos com o que viria a ser o veganismo, muitos vegetarianos enviaram cartas queixosas à Sociedade Vegetariana. Eles entendiam a consistência moral e ética de se abdicar de todos os alimentos de origem animal, porém consideravam o estilo de vida como impraticável. Alegaram que por ser uma forma mais radical de vegetarianismo, seria impossível atrair novos adeptos, assim como seria difícil encontrar comida vegana em encontros sociais.
Em agosto de 1944, o marceneiro Donald Watson, secretário da Sociedade Vegetariana de Leicester, tentou garantir a criação de uma seção para publicação de artigos sobre veganismo. A proposta foi declinada pela entidade. Então, no início de novembro do mesmo ano, Watson reuniu cinco vegetarianos estritos no Attic Club, em High Holborn, Londres, para discutir sobre a elaboração de uma filosofia de vida que pudesse beneficiar muito mais os animais. Watson se incomodava com o fato de que muitos vegetarianos da época se alimentavam de ovos e laticínios.
Ele enfrentou forte oposição, mas perseverou. Também inventou um novo termo – vegan (vegano) – para se referir a quem não consome nenhum alimento de origem animal. Além de vegan, uma abreviação de “vegetarian”, entre os nomes sugeridos estavam “dairyban”, “vitan” e “benevore”. “Foi o início e o fim do vegetariano”, disse Donald Watson, fundador da Sociedade Vegana que tinha Elsie Shrigley como co-fundadora.
No início, em vez da pronúncia “vígan”, os adeptos começaram a pronunciar “víjan”. À época, o marceneiro criou o boletim informativo Vegan News, que poderia ser adquirido por uma moeda de dois pence. Na publicação, ele deixou claro qual era a pronúncia correta.
A primeira edição foi lida por mais de 100 pessoas, incluindo o renomado escritor irlandês e defensor do vegetarianismo George Bernard Shaw, que ao saber a verdade envolvendo a produção de leite e ovos, abdicou completamente do consumo. E o que ajudou Watson a popularizar o veganismo foi o fato de que 40% das vacas leiteiras da Grã-Bretanha contraíram tuberculose em 1943.
“Animais são meus amigos…e eu não como meus amigos. Enquanto formos os túmulos vivos dos animais assassinados, como poderemos esperar uma condição ideal de vida nesta terra? Quando um homem mata um tigre, ele chama isso de esporte, mas quando um tigre mata uma pessoa dizem que isso é ferocidade”, registrou Shaw em seu diário.
Em novembro de 1945, a Sociedade Vegana mudou o nome do boletim informativo de Vegan News para The Vegan. Com mais de 500 assinantes, eles publicavam receitas, notícias sobre saúde, classificados e uma lista de produtos livres de ingredientes de origem animal. Com a popularidade do veganismo, surgiram livros como “Vegan Recipes”, de Fay K. Henderson e “Aids to a Vegan Diet for Children”, de Kathleen V. Mayo.
Outra curiosidade é que somente em 1949 a Sociedade Vegana definiu com clareza os objetivos do veganismo, e por sugestão do teólogo e vice-presidente da entidade, Leslie J. Cross, vegano desde 1942. Ele sugeriu que a prioridade seria a luta pelo fim da exploração animal, no que diz respeito a alimentos, commodities, trabalho, caça e vivissecção.
Interessante também é o fato de que Cross, preocupado em oferecer opções aos veganos, fundou a Plantmilk Society em 1956, dando origem à produção de leite de soja, orchata, maionese vegana e barras de chocolate e de alfarroba sem ingredientes de origem animal. Mais tarde, sua indústria se tornaria uma das maiores distribuidoras de leite de soja do Ocidente.
No continente americano, a iniciativa pioneira foi da Sociedade Vegana dos Estados Unidos, fundada na Califórnia por Catherine Nimmo e Rubin Abramowitz em 1948. A princípio, eles se baseavam nas ações da inglesa Sociedade Vegana, inclusive distribuíam boletins informativos do The Vegan, antigo Vegan News. Em 1960, H. Jay Dinshah criou a Sociedade Vegana Americana (AVS), aliando veganismo e ahimsa, princípio ético-filosófico, muito comum no budismo e no hinduísmo, que consiste em não causar mal a outros seres vivos.
Em 1979, a Sociedade Vegana informou que, além da exclusão de todas as formas de exploração e crueldade, eles se dedicariam a promover o desenvolvimento e criação de alternativas sem uso de animais, beneficiando também o meio ambiente.
Com o crescimento do veganismo no mundo, a Sociedade Vegana instituiu em 1º de novembro de 1994 o Dia Mundial Vegano em comemoração aos 50 anos de fundação da entidade. No entanto o objetivo maior sempre foi promover a conscientização em torno da exploração animal. Atualmente a estimativa é de que há 250 mil adeptos do veganismo na Grã-Bretanha e dois milhões nos Estados Unidos. No Brasil não há dados sobre o número de veganos, mas, de acordo com informações da Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB), 20 milhões de brasileiros se consideram vegetarianos.
Saiba Mais
Antes de falecer aos 95 anos, em 16 de novembro de 2005, Donald Watson concedeu uma entrevista ao seu amigo George Roger, argumentando que veganismo não se trata simplesmente de buscar alternativas para ovos mexidos ou um bolo de Natal. “É algo realmente grande, que desconhecíamos quando criamos o veganismo, uma filosofia criticada por muitos, mas sobre a qual ninguém tem nenhuma prova contra. Se você é vegetariano, saiba que falta apenas um salto para se tornar vegano”, enfatizou Watson.
A palavra vegan apareceu pela primeira vez em um dicionário em 1962. No Dicionário Ilustrado Oxford o termo era definido como um vegetariano que não consome manteiga, ovos, leite e queijo.
No século 19, Percy Shelley e Willam Lambe já defendiam que laticínios e ovos deveriam ser excluídos da alimentação vegetariana.
Referências
Wynne-Tyson, Jon. The Extended Circle. Paragon House; 1st American ed edition (1989).
Plutarch: Moralia, Volume IX, Table-Talk, Books 7-9. Dialogue on Love (Loeb Classical Library No. 425). Harvard University Press (1961).
Vangensten, Ove C.L. Fonahn A. H. Hopstock. Christiana: J. Dybwad. Leonardo da Vinci. Quaderni D’Anatomia, I-VI. Windsor Castle, Royal Library (1911-1916).
Montaigne, Michel de. Os Ensaios: Uma Seleção. Companhia das Letras (2010).
Fortes, Luis Roberto. Rousseau: o bom selvagem. 2º ed. – São Paulo: Humanistas: Discurso Editorial (2007).
Shelley, Mary. Frankenstein. CreateSpace Independent Publishing Platform (2015).
Shelley, Percy Bysshe. A Vindication of Natural Diet: Being One in a Series of Notes to Queen Mab (Disponível em ivu.org)
Bellows, Martha. Categorizing Humans, Animals and Machines in Mary Shelley ’s Frankenstein – pg. 6. University of Rhode Island (2009).
Williams, Howard. The Ethics of Diet. University of Illinois Press (2003).
Sena, Fabiana. A tradição da civilidade nos livros de leitura no Império e na Primeira República. João Pessoa, PB. Tese de doutorado. PPGL/UFPB (2008).
Sena, Fabiana. A imprensa e Carlos Dias Fernandes: o processo de legitimação como autor de livro didático. Educação Unisinos, vol. 15, núm. 1, enero-abril, 2011, pp. 70-78.
Henderson, Archibald. George Bernard Shaw: Man of the Century. N.Y. Appleton-Century-Crofts (1956).
Vegan Society – History. We’ve come a long way. Disponível em https://www.vegansociety.com/about-us/history
Suddath, Claire. Brief History of Veganism. Time Magazine. Disponível em http://time.com/3958070/history-of-veganism/
A History of Veganism. A Candid Hominid. Disponível em http://www.candidhominid.com/p/vegan-history.html
Davis, John. Were There Vegans In The Ancient World? Veg Source. Disponível em http://www.vegsource.com/john-davis/were-there-vegans-in-the-ancient-world.html.
Dia Mundial do Vegetarianismo: 8% da população brasileira afirma ser adepta do estilo. Disponível em http://www.ibope.com.br/pt-br/noticias/Paginas/Dia-Mundial-do-Vegetarianismo-8-da-populacao-brasileira-afirma-ser-adepta-ao-estilo.aspx
Roger, George. Interview with Donald Watson (2002). Disponível em http://www.abolitionistapproach.com/media/links/p2528/unabridged-transcript.pdf
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O cão que me espera
Cheguei na esquina da academia por volta das 18h. De repente, um cachorro começou a rodopiar, pular e latir bem alto, como se quisesse falar. Era o cão daqui de casa, o Billy, me esperando lá na frente, como se soubesse o horário que sempre vou à academia. Nem acreditei quando vi. Chamei ele, abri a porta do carro e ajeitei o banco traseiro para ele sentar. Malandro, ele nem quis saber. Pulou direto no banco da frente, fazendo da minha bolsa de treino uma almofada. E assim que liguei o carro para levá-lo pra casa, apoiou as duas patas no painel e arreganhou os dentes.
“O primeiro exemplar do seu livro já é meu”
“Você nasceu com o dom de escrever. O primeiro exemplar do seu livro já é meu”, disse o jornalista Chicão Soares. Ouvir isso de um profissional com mais de 60 anos de profissão, e que fundou jornais no Paraná e em São Paulo, é um privilégio imenso.
Um bate-papo com Chicão Soares
Passei a primeira hora da minha manhã de trabalho batendo um papo sobre jornalismo histórico com o jornalista Chicão Soares. Uma figura ímpar que já entrou para a história do jornalismo paranaense – são 61 anos dedicados à profissão. “Já pensei em parar de escrever, mas não consigo. Além disso, na minha família a tradição é não morrer antes dos 100. Então tenho muito o que fazer”, enfatizou sorrindo.
Saramago: “Pudesse eu, fecharia todos os zoológicos do mundo”
“Pudesse eu, proibiria a utilização de animais nos espetáculos de circo”

Saramago: “Não devo ser o único a pensar assim, mas arrisco o protesto, a indignação” (Foto: Fundação José Saramago)
“Pudesse eu, fecharia todos os zoológicos do mundo. Pudesse eu, proibiria a utilização de animais nos espetáculos de circo. Não devo ser o único a pensar assim, mas arrisco o protesto, a indignação, a ira da maioria a quem encanta ver animais atrás das grades ou em espaços onde mal podem mover-se como lhes pede a natureza”, escreveu o controverso escritor português José Saramago em seu blog no dia 20 de fevereiro de 2009.
Um dos maiores autores de língua portuguesa contemporânea, Saramago é mais conhecido por obras como “O Evangelho Segundo Jesus Cristo”, de 1991, e “Ensaio Sobre a Cegueira”, de 1995, embora para conhecê-lo melhor seja importante ler “As Intermitências da Morte”, “História do Cerco de Lisboa”, “Memorial do Convento” e “Levantado do Chão”, livros lançados entre os anos de 1980 e 2005.
A dúvida, o sobrenatural, a viagem interiorizada e exteriorizada e o experimentalismo linguístico são características que reforçam a identidade de Saramago como autor preocupado tanto com o conteúdo quanto com a forma. No entanto, o que mais me chamou a atenção nos seus últimos anos de vida foi a sua frequente preocupação em abordar de forma implícita e explícita os direitos dos animais.
José Saramago, o escritor que brincava com a pontuação e pouco se abstinha em suas críticas, registrou em “Suzi”, publicado em 2009 no livro “O Caderno”, que os circos conseguem a proeza de tornar ridículos os patéticos cães vestidos de saias, as focas a bater palmas com as barbatanas, os cavalos empenachados, os macacos de bicicleta, os leões saltando arcos, as mulas treinadas para perseguir figurantes vestidos de preto, os elefantes mal equilibrados em esferas de metal móveis:
“Que é divertido, as crianças adoram, dizem os pais, os quais, para completa educação dos seus rebentos, deveriam levá-los também às sessões de treino (ou de tortura?) suportadas até a agonia pelos pobres animais, vítimas inermes da crueldade humana.”
Segundo o escritor português, por muito tempo, e pela desinformação, as pessoas tiveram motivos para crer que as visitas ao zoológico poderiam ser instrutivas, mas não mais, já que há tanta informação disponível através de documentários que revelam a realidade sobre o sofrimento animal. “Se é educação que se pretende, ela está aí à espera”, sugeriu.

“Para completa educação dos seus rebentos, deveriam levá-los também às sessões de treino (ou de tortura?)” (Foto: Reprodução)
Saramago jamais esqueceu de uma elefanta solitária que vivia em um zoológico de Barcelona. Acometida por infecções intestinais, ela sofria pela perda de uma companheira com quem dividia um espaço reduzido, insuficiente para movimentarem-se adequadamente. “O chão que ela pisa é de cimento, o pior para as sensíveis partes destes animais que talvez ainda tenham na memória a macieza do solo das savanas africanas. Cuidar de Suzi, dar lhe um fim de vida mais digno. A quem devo apelar? À direção do zoológico? À Câmara? À Generalitat?”, desabafou o escritor.
Em “Penas Chinesas”, que integra o livro “O Caderno”, Saramago confidencia sua surpresa e choque ao saber como os animais são tratados pela indústria alimentícia. “Um dia vi num documentário como alimentam os frangos, como os matam e destroçam, e pouco me faltou para vomitar”, registrou.
Também se sentiu muito mal ao ler um artigo a respeito da utilidade dos coelhos nas fábricas de cosméticos. Soube que as provas sobre a irritação causadas pelos ingredientes dos xampus são feitas por aplicação direta nos olhos dos animais. ”Agora, uma curta notícia aparecida nos jornais, informa-me de que, na China, as penas de aves destinadas a recheio de almofadas de dormir são arrancadas assim mesmo, ao vivo, depois limpas, desinfetadas e exportadas para delícia das sociedades civilizadas que sabem o que é bom e está na moda”, lamentou.
Vencedor do Prêmio Camões em 1995 e do Prêmio Nobel de Literatura em 1998, o primeiro concedido a um autor de língua portuguesa, José Saramago publicou em 2008 o livro “A Viagem do Elefante”, qualificado como romance, mas considerado conto pelo autor. A obra é inspirada no episódio em que o rei de Portugal e Algarves, Dom João III, resolveu presentear com um elefante o arquiduque austríaco Maximiliano II, genro do imperador Carlos Quinto.
Com uma estilística inovadora e linear, Saramago apresenta a história de solimão (com s minúsculo mesmo), um elefante que se torna alvo da corrupção, individualismo, egocentrismo e outras falhas que permeiam a natureza humana. E essas deficiências mostram como o animal é vitimado pela superioridade que os personagens da história julgam possuir sobre o elefante de quatro toneladas.
“Que leves o elefante à porta da basílica e o faças ajoelhar-se ali, Não sei se serei capaz, Tenta-o, Imagine vossa paternidade que eu levo lá o elefante e ele se recusa a ajoelhar-se, embora eu não entenda muito destes assuntos, suponho que pior que não haver milagre é encontrar-se com o milagre falhado, Nunca terá sido falhado se dele ficarem testemunhas”, sugere o padre em diálogo com o tratador na página 79 de “A Viagem do Elefante”.
O sacerdote propõe usarem o animal para forjar um milagre e angariar recursos para o caixa da igreja. E a suposta graça é apenas a primeira etapa de um plano para fazer do elefante o mais valioso dos bens em mãos humanas. “Não é todos os dias que um elefante se ajoelha à porta de uma basílica, dando assim testemunho de que a mensagem evangélica se dirige a todo o reino animal e que o lamentável afogamento daquelas centenas de porcos no mar da galileia foi apenas resultado da falta de experiência, quando ainda não estavam bem lubrificadas as rodas dentadas dos mecanismos de milagres”, ironiza Saramago.
Logo são formados acampamentos em torno do elefante e a exploração do animal ganha outros rumos a partir do momento que seu pelo é extraído para ser vendido aos crédulos. “Amanhã se dirá que uma infusão de pelo de elefante, três vezes ao dia, é o mais soberano dos remédios. Fritz não tem mãos a medir, no bolsinho que traz atado ao cinto as moedinhas já pesam, se o acampamento permanecesse aqui uma semana acabaria rico”, satiriza.
Solimão, tornado salomão, e que chegou a salvar uma criança quando chegou ao seu destino, faleceu no inverno de 1553, depois de amargar uma vida de servidão humana. “Além de o terem esfolado, a salomão cortaram-lhe as patas dianteiras para que, após as necessárias operações de limpeza e curtimento, servissem de recipientes, à entrada do palácio, para depositar as bengalas, os bastões, os guarda-chuvas e as sombrinhas de verão. Como se vê, a salomão não lhe serviu de nada ter-se ajoelhado”, concluí José Saramago. Assim é justo dizer que além de ser uma metáfora da vida humana, “A Viagem do Elefante” é um retrato da abusiva relação dos seres humanos com os animais e também da obtusa forma como o homem enxerga o seu papel no mundo.
Saiba Mais
Nascido em 16 de novembro de 1922 em Azinhaga, Portugal, José Saramago faleceu em 18 de junho de 2010, em Tías, Espanha.
O livro “O Caderno” reúne textos escritos por Saramago entre setembro de 2008 e março de 2009.
Referências
Saramago, José. O Caderno. Companhia das Letras (2009).
Saramago, José. A Viagem do Elefante. Companhia das Letras (2008).
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