David Arioch – Jornalismo Cultural

Jornalismo Cultural

Archive for the ‘Crianças’ tag

O menino, o pau e o gato

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(Pintura: Doreen Erhardt)

Menino corria com o pau na mão pra acertar o gato. Aprendeu com o pai que o abandonou que quando um felino “invadisse o quintal era preciso mostrar quem mandava”.

Percebendo que não o alcançaria, lançou o pau. Faltava força. Caiu sobre o pé. Como chorava. De cima do muro, o gato observava o menino chororô.

Já não corria, porque a ameaça inexistia. Lambeu as patas e olhou mais uma vez antes de saltar muro afora. No dia seguinte, lá estava ele perseguindo novamente o gato, de um lado para o outro, até que tropeçou na bola e caiu de bunda na grama.

De novo, o gato só assistia. Lambeu um pouco o pelo acinzentado e desapareceu. Foi assim durante mais alguns dias, até que o menino teve um pesadelo em que o gato corria para a rua e sofria atropelado.

Quando se aproximou, o felino o chamou: “Venha, Natan. Se aproxime de mim.” Surpreso, o menino se abaixou e encostou o rosto pertinho da boca do gato que respirava com dificuldade.

“Você vai morrer?” “Sim, vou morrer porque você me obrigava a correr pra rua.” Natan silenciou e começou a chorar sobre o gato. Quando tentou abraçá-lo, o felino desapareceu como poeira, um buraco se abriu e Natan caiu, até que acordou.

Ficou pensativo na cama. Não sabia por que perseguia tanto o gato que o visitava todos os dias. Os por quês ganhavam formas para onde Natan olhasse – teto, espelho, debaixo da cama, nos livrinhos e nos brinquedos. Não sabia responder.

Quando saiu lá fora e o gato chegou, Natan não correu nem o expulsou. Ficou assistindo o bichano se aproximar com o rabo cheio de carrapicho. Tirou um a um e o gato nem se moveu.

Apenas deitou na grama com a barriga pra cima, deixando o sol aquecer seus pelos. Natan também deitou, sorriu e deu-lhe o nome de Sol, porque, segundo ele, “é quentinho como as manhãs de sol”.

Passagem do livro “Infância Roubada: Crianças atingidas pela Ditadura Militar no Brasil”

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Página 17 do livro “Infância Roubada: crianças atingidas pela Ditadura Militar no Brasil”, lançado em 2014 pela Comissão da Verdade do Estado de São Paulo:
 
“A repressão política não poupou nem crianças nem mulheres grávidas. Muitas mulheres abortaram nas dependências dos DOI-CODIs de tanto apanharem e levarem choque na barriga, vagina e demais partes do corpo. Assim como existiram mulheres que tiveram seus partos, na mais ferrenha clandestinidade, outras tiveram seus filhos na cadeia, como Hecilda, Crimeia Schmidt, Linda Tayah. Todas foram presas grávidas e, mesmo sendo muito torturadas, permaneceram grávidas e seus filhos nasceram sob a ameaça de torturas sendo que algumas dessas crianças sofreram a tortura ainda na barriga de suas mães. Nessa seara, temos o caso do Joca, João Carlos Schmidt de Almeida Grabois. Sua mãe, Criméia, foi presa com sete para oito meses de gravidez. Levou choques elétricos, foi espancada em diversas partes do corpo e sofreu socos no rosto. Quando os carcereiros pegavam as chaves para abrir a porta da cela e levá-la à sala de tortura, o seu bebê ainda na barriga começava a soluçar. Nasceu na prisão e, mesmo anos depois, quando ouvia o barulho de chaves, voltava a ter soluços.”

Written by David Arioch

October 21st, 2018 at 9:01 pm

Sobre crianças que são obrigadas a se alimentarem de animais

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Por que comemos animais?

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Crianças e adolescentes de São Petersburgo criados como vegetarianos em 1904

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Em 1904, a revista “Вегетарианский вестник” ou “O Mensageiro Vegetariano”, publicou fotos de crianças e adolescentes de São Peterbusrgo, na Rússia, criados como vegetarianos desde o nascimento. O objetivo era incentivar outras famílias a seguirem o mesmo caminho, mostrando como o vegetarianismo é uma filosofia de vida que não compromete o desenvolvimento, muito pelo contrário.





Boi Velho

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Pintura: Mykola Pymonenko

Quando eu era criança, meu avô me contou a história do Boi Velho, um bovino que viveu por 31 anos em um sítio perto do Povoado de Cristo Rei. Quando jovem, seu nome era Bolgar, mas passou mais da metade de sua vida sendo chamado de Boi Velho. Por causa desse nome, muita gente acreditava que ele nasceu velho.

Bolgar era manso, tão manso que as crianças que viviam na região saíam até uma hora mais cedo de casa para brincar com ele antes de partirem para a escola. Mesmo com a idade avançada, o Boi Velho deitava no pasto e rolava como uma criança sobre o descampado. Às vezes, os garotos tinham que ajudá-lo a tirar o capim que invadia suas narinas.

Seus olhos eram cristalinos; uns dizem que pela idade, outros pela bondade. Um dia, Toninho, uma das crianças que visitava o Boi Velho todos os dias, massageou o pelo do boi, chorou e disse: “Não como mais seus irmãos, Boi Velho. E meus irmãos também vão parar. Prometo pra você!” Uma das crianças entendeu o que Toninho falou para o boi. Outras, não.

— Vocês abraçam o Boi Velho e depois vão comer carne na janta. Vocês tão errado — insistia o menino.
— Errado? Por que errado? — perguntaram.
— Olhe só, o Boi Velho é da mesma carne que vocês comem, que vocês gostam de comer. Vocês já pensaram em fazer churrasco do Boi Velho?
— Claro que não, né? Você é doido? Isso é horrível! Quero não!
— Ué, então não come os outros.
— Humm…

Alguns dos garotos se recordavam das palavras de Toninho, mas logo que chegavam em casa e sentiam o cheiro de carne cozida ou assada, esqueciam completamente. O paladar sempre vencia, mas Toninho não desistia. Num final de tarde, conversou com Seu Boni e pediu autorização para fazer uma surpresa para os amigos. O velho que cuidou a vida inteira de Bolgar concordou.

— Tá certo. Vá lá — respondeu o velho húngaro.

Toninho chamou o seu tio Magrão para encontrá-los no sábado à tarde no sítio do Seu Boni. Quando os garotos chegaram, Magrão estava afiando uma faca longa com cabo de madeira. Movia a lâmina de um lado para o outro, e de ponta a ponta, com destreza.

— Que isso? O que o seu tio tá fazendo, Toninho?
— Não sei! Deixe ele.
— Mas cadê o Boi Velho?
— Sei lá!

Magrão chamou a atenção dos sete garotos que o rodeavam e caminhou até um barracão.

— Vocês fiquem aqui que eu vou preparar a carne pra vocês, tá bom? Sei que vocês gostam muito de carne.
— Quê? Que carne? — questionou Laurinho.

Seguiram Magrão, mas foram impedidos de entrar no barracão. Não era possível ver nada. Só ouvir. Quanta agitação. Havia algo de errado na ausência do Boi Velho.
Golpes. Mugidos. Gemidos. Cascos se batendo contra o chão. Violência. Violência. As crianças começaram a gritar e a chorar.

— O que você tá fazendo com o Boi Velho, tio? Pelo amor de Deus! Não mata ele! Pelo amor de Deus! — suplicavam.
— Por que você não faz nada, Toninho?

Toninho se afastou sem dizer palavra.

— Tá bom! Tá bom! A gente não quer carne. A gente não quer mais saber de carne. Nunca mais vou comer carne. Prometo! Prometo mesmo!
— É verdade, juro!
— É sim, tio! Solta ele!
— Ele é nosso melhor amigo. Faz isso não, tio!
— Tô pegando raiva e nojo de carne. É sério!

Tarde demais. O que tá feito tá feito — gritou Magrão lá de dentro, fazendo sua voz grave e fúnebre ecoar.

Choro. Choro. Choro. Berro. Berro. Berro. Lágrimas. Quando Magrão abriu a porta do barracão, não havia mais ninguém lá dentro. O Boi Velho, que repousava ao lado da mangueira, se levantou e caminhou até as crianças. Lágrimas e risos. Risos e lágrimas. O boi assistiu tudo, imerso na sua mansidão. Correram e o abraçaram. Bolgar caiu no chão feito criança. Nenhum dos garotos comeu carne novamente.

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Exploração animal e a criança no restaurante

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Se você percorrer mercados, lanchonetes e restaurantes e, naturalmente, prestar atenção à sua volta, sempre vai encontrar pais obrigando crianças a se alimentarem de animais

Se você percorrer mercados, lanchonetes e restaurantes e, naturalmente, prestar atenção à sua volta, sempre vai encontrar pais obrigando crianças a se alimentarem de animais. Sei que muitos fazem isso até mesmo de forma irrefletida, por uma questão historicamente cultural. Afinal, poucas propagandas foram tão bem-sucedidas quanto a da suposta necessidade do consumo de alimentos de origem animal.

Porém, quem analisa sob outra perspectiva, e aqui me refiro à reação genuína de estranhamento, pode se surpreender em reconhecer como estamos entorpecidos por uma realidade fragmentada que nos condiciona a viver não da forma mais adequada, justa ou saudável, mas da maneira que parece mais socialmente aceitável.

E quando falo em socialmente aceitável, quero dizer que até mesmo a saúde é relegada a segundo plano, ou nem mesmo é relegada a plano algum. Permita-me citar uma breve história que exemplifica tal raciocínio sobre condicionamento alimentar.

Passando em um restaurante para conversar brevemente com alguém, notei uma criança com, talvez, três anos resistindo em comer um pedaço de carne bovina ou “cadáver de boi”. A garotinha não fazia barulho, apenas lacrimejava enquanto se recusava a observar um bife em seu prato.

— Num gosdibife.
— Não precisa gostar. É só comer – disse o pai.
— Num quero.
— Coma…coma já esse bife – prosseguia o homem tentando não chamar a atenção.
— Não!
— Por favor, filhinha – insistia a mãe.
— Olhe nas outras mesas, todo mundo está comendo carne. Só você que não – continuou o pai.
— Deixa. Num sou eles. E eles não é eu.
— Aé? Então tá! — reagiu o pai.
O casal acabou cedendo, mas não desistiram de punir a criança.
— Tudo bem. Mas hoje não vai ter sobremesa.
— Num picisa.

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2,3 milhões de crianças são exploradas pela indústria do chocolate na Costa do Marfim e em Gana

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Foto: Slave Free Chocolate

Em 2017, de acordo com a ong Slave Free Chocolate, 2,3 milhões de crianças continuam trabalhando em regime análogo à escravidão na produção de cacau na Costa do Marfim e em Gana. A maior parte dos produtores ganha menos de um dólar por dia. Essa realidade é sustentada por fabricantes de chocolate que pagam uma miséria pelo cacau produzido.

Entre eles estão Hershey, Mars (que fabrica o Snickers), Nestlé, ADM Cocoa, Godiva, Fowler’s Chocolate e Kraft (que inclui Lacta, Trident e Oreo). Ou seja, ao comprarmos produtos desses fabricantes, contribuímos com essa escravidão moderna. Outro ponto a se considerar é que essas marcas também contribuem com a exploração de animais nesse mercado.

Referência

Slave Free Chocolate

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O que vem do bicho é do bicho

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Pintura: Child With Chicken, de Diego Rivera

Na escolinha, a professora Helena falou sobre a relação dos seres humanos com os animais e mostrou dezenas de figuras para os alunos.

— A brincadeira é formar duplas e montar as peças de acordo com o que cada animal oferece de bom para a gente, tudo bem?
— Siiiiiiiiiimmmmmm! – responderam.

Depois de distribuir os quadrinhos de madeira para as crianças, a professora percebeu que Rubinho preferiu ficar sentado em um canto.

— O que foi, Rubinho? Você está passando mal? Sentindo alguma dor?
— Não…
— O que houve?
— Estou triste só…não quero brincar.
— Mas por que não? Você sempre amou brincadeiras envolvendo animais.
— Dessa eu não gostei.
— O quê?
— Esse jogo é de enganar.
— Como?
— Ah, não fala a verdade e quase todo mundo acredita.
— Qual é a verdade?
— Enquanto a gente se diverte os animais sofrem, e quase ninguém liga.
— Como assim, Rubinho?
— Ah, tia. Você falou que o boi, o frango, o porco e o peixe dão a carne; que a vaca dá o leite, a galinha dá o ovo e a abelha dá o mel. Isso não é certo…
— Por que você acha isso?
— Porque eles não dão nada pra gente, tia. Eles morrem, ficam presos ou sofrem por causa disso. É errado. Um dia, o vovô quase matou uma galinha na nossa frente. Ela se balançava e tentava escapar, com as perninhas pro ar. Fazia um barulhinho tão triste com o bico. Eu e a Marcelinha choramos e o vovô soltou ela. O chão ficou forrado de pena. Tadinha, se escondeu no galinheiro e começou a fazer um sonzinho esquisito. Acho que ela tava chorando. Ele ia matar ela só pra fazer galinha ao molho.
— A vida deles é essa, Rubinho.
— Mas não precisa, né? Eu e a Marcelinha não comemos carne, a gente nem sente falta. Tô vivo aqui. Ela também.
— Tudo bem, Rubinho. Mas não tem problema em tomar leite e consumir os ovos da galinha e o mel da abelha.
— Acho que tem sim, tia. Até o ano passado, o leite da minha mãe era meu. Então o leite da vaca é do bezerrinho até acabar. Não acho certo tomar o leite que é dele.
— Mas e os ovos e o mel?
— Ah, tia, não como nada de bicho não. O que vem do bicho é do bicho. Acho que se fosse pra mim ele me oferecia.
— É, Rubinho. Não posso negar que você tem um bom argumento.
— A gente não precisa de nada disso. Tem tanta coisa gostosa pra gente comer sem judiar de ninguém.
— Eu acredito.
— Minha mãe faz bolo, torta, pão, sorvete, tudo isso sem nada dos bichinhos.
— Sério?
— É sim. Na semana que vem vou trazer um bolo bem fofinho pra todo mundo experimentar.
— Traga sim. Tenho certeza de que vamos adorar.

Rubinho desfez o semblante tristonho, sorriu, abriu o caderno e mostrou um desenho para a professora. Um homem idoso soltava um peixe em um rio. Ao seu lado, havia um cão, um boi, um porco, uma cabra e uma galinha.

— Quem é esse?
— É o vovô, ele não come mais carne.
— Que legal! Então você conseguiu mudar a cabeça do vovô?
— Sim…no ano passado.
— Isso é incrível! Você deve ter ficado muito feliz.
— Fiquei sim!
— Muito bom, Rubinho! Parabéns!
Ah, tia. Aquela hora eu falei que os animais não dão nada pra gente. Eles dão sim.
— O quê, Rubinho?
— Eles dão lição de vida.

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A criança e o sofrimento animal

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Crianças têm facilidade em reconhecer o valor da vida animal (Foto: Kellie Parry)

O fato de um ser humano sentir-se mal diante do sofrimento animal é uma reação natural e prova de que não nascemos para nos alimentarmos de seres sencientes.

E quando tal sofrimento não nos sensibiliza, isso é um reflexo da banalização da vida não humana, ou seja, de que nos afastamos da nossa vocação humana em decorrência de um condicionamento.

A criança é uma prova disso. Ainda muito pequena, antes de ser condicionada, levada a aceitar a naturalização da exploração animal, ela jamais verá com bons olhos a ideia de um ser vivo que morreu para tornar-se comida em seu prato. É por isso que a criança é mantida no obscurantismo até certa idade.

E se a criança perde essa característica natural, que é reconhecer a importância da vida independente de espécie, isso ocorre fatalmente por influência do meio, dos pais ou de outras pessoas. Assim, ensina-se que se os animais são comida, logo eles têm pouco valor.

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Written by David Arioch

June 29th, 2017 at 1:44 am