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Documentário “Comer Animais” é lançado hoje nos Estados Unidos
“De onde vêm os nossos ovos, laticínios e carnes?”
O terceiro livro de Jonathan Safran Foer, “Eating Animals”, de 2009, que foi lançado no Brasil com o título “Comer Animais”, foi transformado em um documentário e lançado hoje nos Estados Unidos. Com direção e roteiro de Christopher Dillon Quinn e narração da atriz Natalie Portman, o filme é definido pela equipe de produção como “a história do início do fim da produção industrial”, e começa com a seguinte pergunta: “De onde vêm os nossos ovos, laticínios e carnes?
O filme traz argumentos contra a pecuária industrial e mostra imagens em que os animais são criados em pequenas, médias e grandes propriedades. Embora seja aberto a diferentes pontos de vista, o documentário é apontado como complacente com pequenos criadores de animais, já que a crítica se volta mais para a realidade da criação de animais em regime industrial, o que pode soar um tanto quanto problemático se você defende o veganismo abolicionista, não o reducionismo ou utilitarismo.
Porém, “Comer Animais” também deixa claro que apenas 1% dos animais criados para consumo na atualidade, pelo menos nos Estados Unidos, representam uma realidade diferente, “violenta, mas não tanto quanto a industrial”. Porém, denuncia que os outros 99% estão inseridos em uma realidade de confinamento que pode ser descrita como o holocausto animal.
O jornalista Ben Kenigsberg, do New York Times, assistiu ao documentário antes do lançamento e relatou que passou as últimas 36 horas pós-filme com dificuldade para consumir carne. Porém, como “Comer Animais” não aborda os animais que vivem no oceano, ele conseguiu comer um pouco de salmão defumado.
Na perspectiva de Kenigsberg, o filme convence reunindo uma mixórdia de filosofia, principalmente epistemologia, e economia. “As fazendas industriais podem permitir que mais pessoas sejam alimentadas, mas seus efeitos ambientais invalidam a sua eficiência. O filme nem sequer defende o vegetarianismo, mas parece impossível sair disso sem querer saber mais de onde vem a sua carne”, avalia o jornalista.
Outros espectadores compararam o filme, inspirado no livro homônimo de Jonathan Safran Foer, com documentários como “Food Inc.” de Robert Kenner, e livros como “O Dilema do Onívoro”, de Michael Pollan. Alguns veganos que assistiram ao filme o classificaram como uma oportunidade perdida de abordar o assunto de forma mais abrangente, inclusive discutindo o veganismo na atualidade e suas possíveis contribuições futuras. Como disse Safran Foer, a interpretação é livre. Então assista e tire suas próprias conclusões.
Um animal sem nome sem espécie
Único em seu gênero, repousa ao lado de uma macieira
Há um animal, sem nome sem espécie. Único em seu gênero, repousa ao lado de uma macieira. Um homem assiste. Parece boi? Porco também não. Frango, galinha? Menos ainda. É bonito, espadaúdo. Mais do que isso aos olhos do homem – carnoso, delicioso. A fome emana o que a gana encana.
Lindas e robustas maçãs caem entre as pernas do sujeito. Ele? As ignora. Não! “Quero ele”, balbucia roçando a ponta da língua no lábio superior. Desembainha a faca espigada e caminha até o animal que não corre – nem se move na inocência vituperada pela inexperiência.
O homem o abraça. Vra! Vra! Vra! Maçãs rolam ao seu encontro. Maçãs do amor, “caramelizadas” pelo sangue morno, basto. Brilham. O homem comemora diante do moribundo que não chora.
Por que só reconhecemos a exploração animal quando envolve violência explícita?
Imagine um mundo onde não déssemos a mínima para coisas
Imagine um mundo onde as pessoas não dessem a mínima para coisas, ou pelo menos não as exaltassem em demasia ou atribuíssem valor acima da vida, porque coisas são basicamente o que são – em muitos casos, produtos aos quais atribuímos mais valor pelo que nos custam, pela exceção, pelo distanciamento que existe entre elas e os outros, do que pelo que são em um sentido funcional ou mesmo hedonista.
A ausência de distinção baseada no poder econômico ou no “acúmulo de coisas que não são acessíveis para uma maioria” possivelmente exigiria um esforço intelectual para se destacar, levando em conta que platitudes como “o que eu tenho que você não tem” não chamaria mais a atenção, e simplesmente porque o ter, materialmente, talvez fosse relegado à insignificância, ou pelo menos à adiáfora.
E neste contexto o ser precisaria estar em constante evolução, ao contrário do ter, que não exige evolução moral de ninguém, caso a pessoa não queira. Prova disso são pessoas que nascem em um ambiente de grande poder econômico, e de repente, optam por não fazer nada no decorrer da vida a não ser gastar dinheiro para ocupar o tempo, desconsiderando todo o resto.
Há também pessoas com muito dinheiro que tendem a considerar seus chamados esforços, envolvam eles atividades ilícitas ou não, desrespeito ou não à vida e a dignidade humana e não humana, como sendo únicos, singulares, e por isso devem ser recompensados de forma dissemelhante, mesmo que isso signifique uma diferença do tipo: “O que você jamais ganhará a vida toda eu ganho em uma semana”. “Eu fiz o que você não seria capaz de fazer. Por isso estou onde deveria estar, onde não é o seu lugar.”
“Porque o meu esforço é muito maior que o seu, sou muito mais inteligente que você, então mereço, de fato, ganhar muito mais que você; e a você resta me servir, mesmo que para isso tenhamos que criar um simulacro de evolução para evitar que você ache que sua vida não está melhorando.” Em síntese, uma sutil estagnação oscilante. “Afinal, porque isso é o que cabe à sua limitada competência que está sempre longe de se igualar à minha”, diriam.
Muitas das mazelas que existem no mundo estão intrinsecamente relacionadas ao fato de que muitos daqueles que têm poder encaram sua força e distinção econômica como uma forma de certidão de superioridade, e o mundo diz que eles estão certos, por mais que leis que não valem na prática tentem informar o contrário. Porque leis são fundamentadas na plasticidade. Existem mais para parecer do que para ser.
Pesquisa revela que sete a cada dez consumidores desconhecem a real violência por trás da carne
Em uma pesquisa concluída esta semana pela World Animal Protection (WAP), sete a cada dez consumidores entrevistados, de um total de mais de dez mil de mais de dez países, informaram que se surpreenderam ao descobrir como os porcos são criados no sistema industrial. Eles classificaram a criação de animais para consumo como “perturbadora”, “errada” e chocante”. A pesquisa apresentou aos participantes detalhes da vida de animais que ainda muito cedo são enviados para os frigoríficos – como práticas em que porcas são mantidas em gaiolas, uso de antibióticos; e cortes de rabo, dentes e castração – às vezes sem anestesia.
Se por um lado, a pesquisa serviu para atender a interesses consideravelmente “bem-estaristas” em oposição à “violência excessiva” contra os animais criados nas chamadas fazendas industriais, exigindo “melhor tratamento” para os animais. Por outro, também serviu como alerta para o fato de que é muito comum as pessoas desconhecerem e não se preocuparem, de fato, com a cadeia de violência e crueldade contra seres não humanos criados para fins de consumo.
E como a maior parte da população mundial não tem condições de comprar os produtos de origem animal considerados “orgânicos” ou “menos antiéticos” por dois fatores – preço e área insuficiente para esse tipo de criação em escala mundial, a verdade é que o predomínio desse sistema é simplesmente um reflexo natural da alta demanda do mercado consumidor. Ou seja, quanto mais pessoas consumindo animais, maiores índices de violência e crueldade contra seres não humanos; já que a quantidade sempre favorece a permissividade.
Certamente, isso ajuda a endossar a ideia de que a mais promissora solução para a redução da violência contra seres de outras espécies que transformamos em alimentos e produtos é uma só – a abstenção desse consumo, não a sua redução ocasional ou sazonal; e menos ainda a busca de alternativas classificadas como “menos inclementes”, já que essas são, claramente, benéfica aos seres humanos (porque ameniza o peso na consciência), mas não aos não humanos que terão o mesmo implacável destino – a morte precoce.
Referências
Reflexões de um minuto – É justo colocar o paladar acima do direito à vida?
Tom Regan: “Chegará o dia em que bilhões [de pessoas] não comerão mais a carne de animais mortos nem vestirão suas peles”
“Nunca duvide que um pequeno grupo de pessoas conscientes e engajadas possa mudar o mundo. De fato, sempre foi assim que o mundo mudou”
Falecido em 17 de fevereiro de 2017, aos 78 anos, Tom Regan foi um importante filósofo moral da teoria dos direitos animais e professor de filosofia da Universidade Estadual da Carolina do Norte, onde lecionou por 34 anos. Conquistou prestígio internacional por sua produção prolífica voltada ao abolicionismo animal. Em 2006, Regan teve o seu livro “Empty Cages”, ou “Jaulas Vazias”, publicado no Brasil. Alguns anos depois, publicou um raro artigo em seu site “The Animals Voice”.
Intitulado “Vegan Choice”, no texto, Regan aborda a sua compreensão do veganismo e da importância das pessoas se absterem de consumir produtos de origem animal, e entenderem, de fato, que a luta pelos direitos animais também diz muito sobre quem somos e o que fazemos enquanto seres humanos. Talvez uma das mensagens mais importantes do artigo seja a de que “é pouco provável que consigamos o que queremos alcançar sem entender a natureza dos desafios que enfrentamos.” Ainda assim, “Vegan Choice” é um texto diverso – com passagens picarescas, realista, ponderado e ao mesmo tempo alentador – em que Regan deixa claro que a descrença não deve vencer quem luta por justiça pelos animais, e que é importante seguir em frente até o “último suspiro”:
No convite que me foi feito nesta ocasião, pediram que me ocupasse de abordar a escolha vegana. Agora, pelo menos na minha experiência, diferentes veganos entendem o veganismo de maneira distinta.
Alguns estão inclinados a pensar nisso como uma escolha alimentar: veganos são pessoas que não comem a carne de outros animais, nem os chamados produtos de origem animal, incluindo leite, queijo e ovos. Assim, os veganos não só seguem um estilo de vida que difere das pessoas que clamam por carne animal do McDonald’s e da KFC; eles também diferem dos vegetarianos que, assim como os veganos, se abstêm da “carne”, mas que, ao contrário dos veganos, consomem ovos ou produtos lácteos. Essa é uma maneira de entender o veganismo: é o nome de uma escolha alimentar.
A Vegan Society entende o veganismo de maneira diferente. Aqui está como eles definem o termo:
“A palavra ‘veganismo’ denota uma filosofia e um estilo de vida que procura excluir – na medida do possível e do praticável – todas as formas de exploração e crueldade contra os animais visando alimentos, roupas ou qualquer outra finalidade; e, por extensão, promove o desenvolvimento e o uso de alternativas livres de animais para o benefício de humanos, animais e meio ambiente. Em termos dietéticos, denota a prática de dispensar todos os produtos derivados parcialmente ou totalmente de animais.”
Observe como essa definição abrange “todas as formas de exploração e crueldade contra animais”, não só para “alimentação”, mas também para “roupas ou qualquer outro propósito”. A definição do veganismo da Vegan Society inclui, em termos dietéticos, “dispensar todos os produtos derivados total ou parcialmente de animais”. A definição inclui muito mais do que a escolha de uma pessoa do que comer. Ou não.
Então, nós nos reunimos aqui para pensar sobre a “escolha vegana”, e a primeira pergunta que temos a fazer é como entender essa escolha: estritamente (como uma escolha estrita a dieta apenas) ou abrangente (como uma escolha que inclui outros aspectos sobre como vivemos – que roupa usamos, por exemplo). Sempre estive inclinado a pensar sobre a ideia de forma estrita:
Veganismo é o nome de uma prática dietética. No entanto, devo admitir que é difícil para mim dizer que a Vegan Society, que pretende falar por veganos de todos os lugares, não entende a ideia para a qual foi nomeada. É por isso que sugiro, e espero que você concorde, que entendamos “escolha vegana” de maneira ampla [como defendido pela Vegan Society], o que significa que a escolha que estamos considerando é se devemos ou não adotar um modo de vida que procure remover nosso apoio, na medida do possível e praticável, de todas as formas de exploração e crueldade contra animais para qualquer propósito.
Entendida dessa maneira, “a escolha vegana” é indistinguível de outra ideia com a qual muitos (na verdade, provavelmente todos vocês) estão familiarizados: a ideia dos direitos animais ou, para ser mais preciso, a ideia de como seria o mundo se os direitos animais fossem reconhecidos e respeitados. Pois se eles fossem reconhecidos e respeitados, não por poucos, mas por todos, as pessoas não comeriam carne animal ou produtos de origem animal, assim como não usariam roupas feitas de peles ou lã. Por causa de como essas duas ideias (escolha vegana e direitos animais) se amalgamam, vou usá-las de forma intercambiável.
Agora, os veganos não são conhecidos por seu senso de humor. Isso é fato. Mesmo assim, ouvi algumas boas piadas veganas ao longo do caminho. Como:
Por que a galinha atravessou a estrada?
Porque ela estava sendo perseguida pelo Coronel Sanders [em referência ao fundador da KFC].
Ou algo como:
Por que o vegano atravessou a estrada?
Porque ele estava protegendo a galinha.
E tem:
Quantos veganos são necessários para trocar uma lâmpada?
Dois, um para trocá-la e outro para checar se há insumos de origem animal.
Mas também lembre-se:
Quantos vivisseccionistas são necessários para trocar uma lâmpada?
Nenhum, eles não querem que você veja o que eles estão fazendo.
Como o comediante estadunidense Bill Cosby observa: “Você já notou os clientes [veganos] em lojas de alimentos saudáveis? Eles são pálidos, magrelos e parecem meio mortos. Em uma steakhouse, você vê pessoas robustas e coradas – que estão morrendo, claro, mas, ei! eles parecem formidáveis!
Aqueles que me conhecem sabem disso: Se Tom Regan tem uma mensagem central e recorrente é essa: qualquer chance de realização dos defensores dos direitos animais depende do crescimento do movimento – e crescendo não um pouco, mas muito. O que quero dizer com muito? Não quero dizer centenas, milhares ou dezenas de milhares de novas pessoas abraçando os direitos animais. Nem quero dizer centenas de milhões. Não, o que quero dizer com muito é o que o astrônomo Carl Sagan era conhecido por dizer: Quero dizer bilhões e bilhões. Só se chegar o dia em que bilhões e bilhões de pessoas acreditarem e praticarem os ideais que definem o veganismo, amplamente concebido – só então teremos uma esperança realista de alcançar o que queremos alcançar.
Agora, pessoas diferentes podem ter reações diferentes à enormidade do desafio que encaramos. Uma vez que esse desafio é traçado em termos de números reais (e muito elevados), alguns defensores dos animais dirão (a grosso modo): “Meu Deus, a situação é desesperadora!” Alguns irão além e dirão: “A situação é tão desalentadora que estou jogando a tolha – desistindo – abandonando a causa.”
Entendo essas reações. Quem entre nós não olhou para o que está acontecendo com os animais (mais de 50 bilhões são abatidos no mundo todo anualmente, e isso sem contar a vida marinha) – quem entre nós não abriu os olhos para as dimensões incalculáveis do trágico destino que os animais devem suportar, e não se sentiu totalmente exaurido, completamente exausto, totalmente mitigado pelos desafios que enfrentamos? Sentir desespero diante das esmagadoras adversidades é uma resposta humana perfeitamente natural. Também não é muito útil. Nós não nos incluímos aos nossos números subtraindo-nos do total. Deixe me repetir isso porque é importante: Não nos incluímos aos nossos números subtraindo-nos do total.
Não, a esperança para os animais exige que permaneçamos no curso, enquanto pudermos – até o nosso último suspiro, na verdade. Isso é o mínimo que podemos fazer. E é uma promessa muito pequena quando comparada com o que os animais têm que suportar até o último suspiro.
Uma razão pela qual os desafios que enfrentamos parecem tão grandes é porque tentamos imaginar aqueles bilhões de pessoas se juntando às nossas fileiras, mas por outro lado permanecendo do mesmo jeito. Chegará o dia em que bilhões [de pessoas] não comerão mais a carne de animais mortos nem vestirão suas peles; não irão aos circos nem visitarão os parques marinhos; não comprarão cosméticos que foram testados em animais, e não doarão dinheiro para instituições de caridade que apoiam pesquisas com animais; eles não…bem, você pode adicionar à lista do que eles eliminam de suas vidas. Mas além dessas mudanças, muitos de nós parecem assumir que esses bilhões de pessoas são os mesmos que compõem a maioria da população atual. A única diferença é que eles têm que vir para o nosso lado quando se trata do veganismo ou dos direitos animais.
Quero sugerir que esse modo de pensar é simplista demais. Não estamos tentando apenas mudar alguns velhos hábitos sobre o que as pessoas comem ou vestem. Bilhões de pessoas abraçarão os direitos animais apenas se bilhões de pessoas mudarem de forma mais profunda, mais fundamental, e de forma mais revolucionária. O que quero dizer não é nada menos do que isso: Eles devem abraçá-lo e, em suas vidas, devem expressar uma nova compreensão do que significa ser humano. Como seria esse novo entendimento? Aqui (por meio de um esboço grosseiro) está a minha resposta:
Salve não apenas as baleias e o planeta, mas nós mesmos.
Como seria esse novo entendimento? Isso é o que tenho tentado explicar; é isso que a Geração Ti representa. Os desafios que enfrentamos, então, não podem ser reduzidos a convencer bilhões de pessoas a escolherem o veganismo; isso inclui a transformação de quem são as pessoas de hoje em quem elas podem ser amanhã. Não algumas delas. Muitas. Bilhões e bilhões.
A situação é desalentadora? Devemos abandonar a causa? Acho que não. Pelo menos não até que tenhamos feito sérios esforços para trazer o tipo de mudança revolucionária que tenho descrito. É pouco provável que consigamos o que queremos alcançar sem entender a natureza dos desafios que enfrentamos. Nunca vamos entender a natureza dos desafios que enfrentamos se pensarmos exclusivamente em ter bilhões e bilhões de pessoas abraçando o veganismo. Porque isso é apenas uma parte, não a totalidade da mudança que buscamos. Quanto às perspectivas do nosso sucesso? Encerro citando brevemente as palavras da imortal Margaret Mead: “Nunca duvide que um pequeno grupo de pessoas conscientes e engajadas possa mudar o mundo. De fato, sempre foi assim que o mundo mudou.”
Referência
Regan, Tom. Vegan Choice. The Animals Voice.