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Quando as pessoas se alimentam de animais…
Quando as pessoas se alimentam de animais, normalmente elas não consideram que estão se alimentando de algo que foi alguém; e este alguém teve olhos para testemunhar o mundo sob uma ótica não muito auspiciosa; um mundo que pode ser visceralmente injusto e violento com os mais vulneráveis…
“Sob a Pata do Boi”, novo documentário mostra o impacto da pecuária no desmatamento da Amazônia
Dirigido por Marcio Isensee e Sá, “Sob a Pata do Boi” é um documentário brasileiro de média-metragem que mostra o impacto da pecuária no desmatamento da Amazônia. De acordo com informações do filme que já entrou na programação de festivais na França e na Eslováquia, a Amazônia tem hoje 85 milhões de cabeças de gado, três para cada habitante humano. Entre alguns temas abordados pelo documentário estão “o boi clandestino”, “invasão biológica”, “indústria da carne” e “bancada ruralista”.
O documentário informa que na década de 1970 a floresta estava intacta e a quantidade de gado equivalia a um décimo do rebanho da atualidade. Hoje, encontramos uma área que pode ser comparada à extensão territorial da França desmatada. Desse total, 66% transformada em pasto.
“Sob a Pata do Boi” revela que essa transformação no cenário amazônico foi incentivada pelo próprio governo que motivou a chegada de milhares de fazendeiros de outras partes do país. “A pecuária tornou-se bandeira econômica e cultural da Amazônia, no processo, elegendo poderosos políticos para defender a atividade”, denuncia.
Mesmo com o Ministério Público “obrigando” os grandes frigoríficos da região a se tornarem responsáveis por monitorar as fazendas fornecedoras de gado, e não comprar daquelas que têm desmatamento ilegal, isso não significa que hoje a realidade seja auspiciosa.
O documentário é resultado de um trabalho de jornalismo investigado que completou dois anos, e que tem como eixo norteador as reportagens: “O procurador que laçou o desmatamento”, “Guerra e paz por trás de um bife”, “Os portões do desmatamento”, “Boi clandestino não morre de velho”, “O drible do gado: a parte invisível da cadeia da pecuária” e “Origem desconhecida”. “
Sob a Pata do Boi” tem 49 minutos e foi produzido pelo site ((o))eco, de jornalismo ambiental, e pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon).
A Páscoa e o dilema do consumo de carne
Para os cristãos, a Páscoa é uma data de extrema importância que celebra a ressurreição de Cristo três dias após a sua morte por crucificação. A Páscoa também é definida por teólogos do mundo todo como uma “esperança viva” atribuída por Deus. Ou seja, uma data propícia para a restauração da fé em um mundo mais auspicioso, justo e misericordioso.
É exatamente no período que antecede a Páscoa que os cristãos católicos se abstêm de “carne” – na realidade, quase sempre carne vermelha, e jejuam principalmente na Quarta-Feira de Cinzas e na Sexta-Feira Santa. No entanto, é usual o consumo de peixes. Mas não seria o peixe um ser carnoso? Assim como o boi, o porco, o frango?
De fato, e inclusive com níveis de senciência e consciência equiparáveis aos dos mamíferos, segundo o artigo “Fish Intelligence, Sentience and Ethics”, publicado na revista Animal Cognition em janeiro de 2015. Mas, claro, não precisamos de pesquisa alguma para concluir que um peixe sofre antes de morrer – basta testemunhá-lo se debatendo fora d’água enquanto é violentamente vitimado por asfixia.
Porém, é importante ressaltar tal fato porque exemplifica o equívoco da ideia de um “jejum de carne” nesse período – algo tão propalado por tanta gente que ignora o fato de que o peixe também é essencialmente um ser carnoso repleto de vida e interesse em não sofrer e morrer precocemente.
De acordo com o padre Paulo Ricardo, o jejum no período de Páscoa é uma prática plurissecular que mostra aos cristãos católicos a importância de uma vida de ascese. Ou seja, o jejum do consumo de animais, desconsiderando o peixe, é uma forma de se alcançar à virtude da temperança, “uma virtude moral que modera a atração pelos prazeres, assegura o domínio da vontade sobre os instintos e mantém os desejos dentro dos limites da honestidade.”
Mas se o “jejum de carne” representa algo em tão alta estima pelos cristãos, sendo apontado como uma grande virtude moral, por que não se abster completamente desse consumo, e não somente no período de Páscoa? Por que não incluir os peixes nessa abstenção fundamentada na virtude moral, já que eles também são animais? E como são sencientes, será que não inspiram a misericórdia da renovação da fé cristã? O exercício da violência contra outras espécies não é inclemente, em oposição ao desejo de um mundo justo e misericordioso?
Francisco de Assis, uma referência para milhões de católicos do mundo todo que se alimentam de animais, dizia que “todas as criaturas são nossos irmãos e irmãs”, e que eles não são seres com menos direito à vida do que os humanos – tanto que ele compartilhava suas pregações com pessoas e animais. Discursava que o seu amor por Deus se manifestava por meio de seu amor e respeito por criaturas humanas e não humanas.
Independente de seus hábitos alimentares, não seria uma mensagem de que não devemos endossar a violência contra outras espécies? Animais que domesticamos e tornamos vulneráveis para atender aos prazeres que não controlamos? À volúpia do paladar? Embora símbolo inquestionável do antropocentrismo no seio da civilização cristã ocidental, Tomás de Aquino escreveu na “Suma Teológica” que “o jejum [de ‘carne’] foi estabelecido pela Igreja para reprimir as concupiscências da carne, cujo objeto são os prazeres sensíveis da mesa.”
Mas não é isso que a maioria dos cristãos faz o ano todo, quando se alimentam desnecessariamente de animais? E, claro, para além da questão da virtude moral vaticinada pela Igreja Católica, sabemos que o consumo de carne não é essencial à vida; basta considerarmos a existência de veganos e vegetarianos saudáveis. Sendo assim, resta-nos uma conclusão – não há nada de nobre e equânime em comer animais, porque representa basicamente a primazia do paladar, ou seja, os “prazeres sensíveis da mesa”, que normalmente as pessoas não controlam por condicionamento, hábito e conveniência.
Quando uma pessoa decide se tornar vegana…
A contradição da realidade e o veganismo
A Consumers International publicou uma pesquisa informando que 80% da população brasileira ignora o impacto da alimentação em suas vidas. Ou seja, isso significa que temos 80% de uma população que não se preocupa, de fato, em se alimentar errado, caso esses dados sejam realmente precisos.
E para além disso, segundo a CI, apenas 12% da população brasileira acredita que a má alimentação é responsável por mais mortes humanas do que guerras, álcool, tabagismo e doenças como Aids e malária – o que, independente de percentual, é um fato, já que vivemos em um mundo em que lidamos copiosamente com dois tipos de morte frequente – pessoas que têm condições se alimentando mal o tempo todo (por opção) – logo contraindo graves doenças em decorrência desses maus hábitos, e vulneráveis ou desvalidos que não têm condições morrendo por não ter o que comer. Estúrdio, não?
Nesse contexto absurdo, de um mundo rico e ao mesmo tempo miserável com população mundial de 7,6 bilhões e que movimenta mais de 80 trilhões de dólares em Produto Mundial Bruto (PMB), temos também uma massa de pessoas com acesso à informação e condições de fazer alguma diferença no mundo que não entendem ou preferem não entender que o seu organismo funciona como uma máquina, e que se você negligenciar as necessidades dessa máquina, você vai comprometê-la mais cedo ou mais tarde. E muitas dessas pessoas, que por improvidência levam um estilo de vida censurável do ponto de vista nutricional, julgam como sendo impraticável ser vegano.
Ou seja, não tenho condições de ser vegetariano ou vegano, de consumir alimentos menos industrializados ou mais baratos do que alimentos de origem animal, mas tenho condições de consumir laticínios, carnes e alimentos baseados em calorias vazias. Afinal, tudo isso custa barato e calorias vazias são essenciais à nossa vida, não? Imagine se os maus alimentos que consumimos no cotidiano fossem substituídos por uma alimentação mais ética para nós e para os animais não humanos? Ou seja, que não custasse privação, sofrimento e morte de criaturas sencientes. Todos sairiam ganhando. Não digo que salvaríamos o mundo, mas já reduziríamos significativamente o nosso impacto.
Então, realmente, sou da opinião de que a rejeição ao veganismo por parte de quem tem acesso à informação parte basicamente da mesma premissa de sempre – o paladar e a primazia da conveniência. Quero dizer, pessoas morrem todos os dias em decorrência da fome ou da má alimentação voluntária, mas ser vegano continua sendo considerado ínvio por tanta gente que se recusa a ver que seus hábitos nunca foram seus, mas apenas resultado de um condicionamento industrioso e deletério que ultrapassa gerações.
Ademais, em um contexto mundial, esses hábitos significam a morte de mais de 60 bilhões de animais terrestres por ano. Isso não deveria exortar alguma reflexão? Para além da primacial questão ética, é importante ponderar também que pessoas não adoecem ou morrem por não se alimentarem de animais, mas sim por negligenciarem suas necessidades nutricionais. Afinal, se isso não fosse verdade, não teríamos pessoas se recusando a se alimentar de animais desde os tempos da Grécia Antiga, e até antes.
Diga não aos testes em animais
Reflexão sobre a importância de sermos contra a realização de testes em animais. Estamos em 2018 e há inúmeras alternativas que não envolvem exploração, sofrimento e morte de animais.
Sobre a crueldade na indústria de peles de animais
“Sobre a crueldade na indústria de peles de animais” é o meu novo vídeo. Nele, falo sobre a problemática do consumo de peles de animais, e cito as breeding farms, que são fazendas ou locais onde animais selvagens ou não são criados e forçados a procriarem para atender a demanda da indústria. Esses locais existem não apenas para “suprir” um mercado regional ou nacional, mas também demandas internacionais e intercontinentais. Nesses lugares, os animais são mantidos em cativeiro até o momento em que normalmente são mortos e têm suas peles arrancadas. Há inclusive registros de animais que, em decorrência do estresse, de graves problemas psicológicos e emocionais, perdem a identidade e chegam a praticar canibalismo.
Além de não usar peles de animais, é importante abdicarmos do consumo de produtos que estão inseridos no cotidiano comum, como couro, lã, seda animal, etc. Porque esses também reforçam a coisificação, a objetificação e a atribuição utilitária que damos aos animais. Opte por produtos sintéticos, são mais acessíveis, baratos e não contribuem com a exploração e a violência de animais.
Bob Comis, o relato de um ex-criador de porcos que abandonou a sua principal fonte de renda por respeito aos animais
São cinco horas da manhã, e temos quinze graus lá fora, e uma tempestade de neve que pode lançar até 16 polegadas sobre nós está a apenas algumas milhas de distância. Lá fora, nesta terra invernal, estão 250 porcos espalhados pelo campo e pelos celeiros da fazenda, aninhados calorosamente em grandes camadas de palha, dormindo profundamente como grandes pilhas suínas, compartilhando o calor do corpo e o conforto social do contato físico. Eles são porcos felizes. Eles são, talvez, tão felizes quanto a felicidade.
Afinal, tudo que eles poderiam querer ou desejar está bem à mão, ou casco, neste caso. Comida, abrigo, água, ar fresco, espaço para vagar, correr, brincar, se aquecer e se enterrar. Eles não desejam mais nada, mesmo no inverno. Ao percorrerem seus campos e celeiros, enfiando seus narizes na neve e ressurgindo do solo gelado, eles mantêm um fluxo constante de sons e grunhidos silenciosos que expressam contentamento, se comunicando com outros porcos no mesmo local onde estão. Os grunhidos silenciosos são partilhados pelos porcos o dia todo. São tão suaves quanto o som das cigarras nas noites de verão.
Alguns dos porcos, aqueles que estão no celeiro, onde é mais quente, e a palha é mais volumosa, pesam apenas 40 libras [18 quilos]. Outros pesam 150 libras [68 quilos]. Os maiores têm em torno de 300 libras [136 quilos]. Os porcos grandes são tão imunes ao frio que quando o dia está com 20 graus e ensolarado, eles mergulham suas cabeças no tanque de água apenas por diversão, tentando lambê-la enquanto desce pelos seus narizes. Suas várias expressões de contentamento, de felicidade, são contagiosas. Depois de cuidar de um grupo de porcos, nunca vou embora nem dirijo o trator sem sorrir ou, muitas vezes, rir em voz alta.
Dez desses maiores porcos vão morrer amanhã, não na minha mão, mas sob o meu pedido. Esta tarde, enquanto eles dormem, os prenderei no celeiro com uma série de painéis. Então retornarei com o trailer de reboque de gado e criarei uma espécie de rampa para arrebanhar os porcos e levá-los para o trailer. Eu levarei aqueles dez porcos, aqueles dez porcos felizes, para o matadouro, onde vou descarregá-los em uma área de confinamento pré-abate. Por causa da tempestade que está chegando, não posso deixá-los lá amanhã, o que eu preferiria. Em vez disso, esses porcos felizes terão que passar a última noite de suas vidas infelizes em uma estranha e malcheirosa prisão de concreto antes de serem reunidos um por um em um pequeno espaço onde serão mortos rapidamente.
Amanhã, antes das nove horas, no momento em que eu remover a neve para que eu possa alimentar e hidratar os porcos felizes, os dez porcos que deixei no matadouro estarão mortos. Eles terão sido baleados na cabeça com uma pistola pneumática que os deixará inconscientes. Então uma faca excepcionalmente afiada terá sido mergulhada em seus corações palpitantes, de forma a fazer toda a sua vida se esvair com o sangue que percorre suas veias e artérias, criando uma densa e dispersa camada vermelha carmesim no chão de concreto cinzento do matadouro.
Vinte minutos depois, eles estarão sem vida, divididos em duas metades e pendurados por cada perna traseira em longos ganchos brilhantes de aço inoxidável, e presos a um trilho por uma roldana, de modo que os porcos possam ser empurrados para dentro do frigorífico; para que seus corpos, suas carcaças ainda quentes das vidas que foram tiradas, estejam em temperatura abaixo de 40 graus para que possamos comer suas carnes, como determinado pelo USDA [Departamento de Agricultura dos Estados Unidos]. Seus olhos, seus olhos muito humanos que ao longo da vida olham para você com óbvia inteligência, estarão tão imóveis e vitrificados quanto o mármore.
Na atual conjuntura discursiva, os porcos felizes são a alternativa ideal para os porcos miseráveis e abusados que são criados nas fazendas industriais. Os porcos felizes se tornam carnes felizes, e a carne feliz é boa. Devemos nos sentir bem comendo carne feliz. Porcos felizes, sério? Sou assombrado pelos fantasmas de quase dois mil porcos.
(Há um mês, tive minha última crise consciência, em uma década de crises de consciência mais ou menos intensas. Tendo abandonado o último vestígio do que parecia ser a justificativa legítima, baseada na felicidade e na rápida morte indolor, me tornei vegetariano. Agora estou no começo do processo complicado de dar um fim à minha vida como criador de porcos.)
Bob Comis é um ex-criador de porcos que em 2014 abandonou a criação de animais para consumo. Suas histórias sobre as suas experiências que revelam a realidade da exploração animal sob a ótica de quem fez parte desse meio por muito tempo, e como ele percebeu que os animais são mais do que produtos ou meios para um fim, já chamaram a atenção de alguns dos mais importantes veículos de comunicação dos Estados Unidos.
Referência
Comis, Bob. Happy pigs make happy meat. The Dodo (fevereiro de 2014).
Como as redes de fast food contribuíram para a expansão da exploração animal
Sobre o mito das “vacas felizes” e das “galinhas felizes”