David Arioch – Jornalismo Cultural

Jornalismo Cultural

Archive for April, 2016

Quando Vico planejou a própria morte

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Vico não se movia. Continuou estatelado no chão morno com os olhos fechados, parcialmente cobertos

Na Avenida Lázaro Vieira, o gato continuou nos seguindo, indo de um lado para o outro e roçando o rabo entre as minhas pernas (Foto: David Arioch)

Na Avenida Lázaro Vieira, o siamês continuou nos seguindo, indo de um lado para o outro e roçando o rabo entre as minhas pernas (Foto: David Arioch)

Não me esqueço de um amigo que quando éramos adolescentes planejou a própria morte. Naquele tempo eu o chamava de Vico porque ele era fã do filósofo italiano Giambattista Vico. “A razão é a consciência do ser, não o conhecimento dele. A partir do nosso raciocínio, podemos ter conhecimento da nossa existência, mas não o conhecimento total de quem realmente somos”, dizia meu amigo inquiridor que cada vez mais parecia o filósofo que tanto admirava.

Vico, assim como seu mestre homônimo, levava uma vida frugal. Rendido ao desejo do saber, pouco se interessava em socializar. Era casto por natureza e da vida aspirava o entendimento do que definia como pequenas coisas existenciais. Quando andávamos pelas ruas com a simples motivação de respirar o mundo e sentir a vibração da vida que habita a singeleza, parávamos, sentávamos no meio-fio e fazíamos anotações.

No centro de Paranavaí, algumas pessoas riam e de longe zombavam do nosso comportamento julgado extemporâneo. E nós ríamos também, sem precisar abrir a boca e mostrar os dentes. Afinal, a fantasia é a memória dilatada e para sorvê-la é preciso convidá-la. E a nós estrambótica era a deletéria incompreensão, menos digno de zombaria e mais de comiseração. Escrevíamos sobre pessoas, animais, plantas e objetos. E todas as constatações eram discutidas livremente em um grupo pequeno que fundamos através da internet com o nome de Caballaria.

Principalmente nos finais de tarde, observar a vida ao longo de uma hora era um exercício recompensador, porque era o único período do dia em que nos tornávamos alheios a nós mesmos, nossas fragilidades, falhas e cegueiras. “Olha esses moleques à toa! No meu tempo, não tinha essa vagabundagem juvenil”, comentou um senhor engravatado de meia-idade levando a amante para almoçar em um restaurante na Rua Manoel Ribas.

Observávamos sem reagir às críticas e piadas que ouvíamos com certa frequência. Não faria sentido estar lá para intervir, mas tão somente inferir. Do contrário, tudo deixaria de ter um propósito. A maior lição subentendia a missão de nos tornarmos aquilo que nos furtava a atenção. Num primeiro momento, éramos como voyeurs. E creio que aos olhos que nos miravam, não passávamos disso, embora não nos incomodasse sobretudo. A verdade é que logo não existíamos apenas dentro de nós, mas também fora, não mais reduzidos aos ocos limites da nossa canhestra individualidade.

Em pouco tempo o barulho trivial e a movimentação rotineira de carros, motos, caminhões e pessoas não mais equacionavam nossa concentração. Sentados, ouvíamos tudo se perdendo em meio a um barulho tão difuso e pleonástico que o próprio som cotidiano se tornava irrelevante. Não exigia mais respostas dos nossos sentidos. E ficávamos lá, atentos ao que chamávamos de Orquestra do Mouco, nada mais que o silêncio que soava como o próprio rearranjo da natureza. E assim como as coisas mais simples e implícitas da vida, ele ganhava formas ocasionalmente pouco perceptíveis.

Lugares, pessoas, animais e objetos requeriam de nós um exercício diário de elucubração e compreensão. Eles mudavam diante de nós e nós mudávamos diante deles, provando que um olhar desatento poderia nos entorpecer. Acreditávamos que se tudo que víssemos a cada dia transparecesse comum ou ordinário era porque nos faltava habilidade para ir além. Em síntese, o pouco da percepção corria o risco de se confirmar como um danoso arquétipo da insipiência, isso porque ele nos empurrava para as armadilhas das nossas limitações.

Numa dessas longevas observações, uma vez um filhote de bem-te-vi caiu em cima da minha mochila posicionada na calçada, atrás das minhas costas. Não vi nem ouvi nada, mas senti a repentina aragem que tocou minha nuca como um sopro. Quando me virei, um gato siamês estava prestes a abocanhar o filhote. Consegui afastá-lo com as mãos apesar da sua ruidosa resistência. Percebendo que o passarinho não apresentava ferimento, escalei a árvore e o coloquei novamente no ninho antes de partir.

Depois, caminhando perto da Igreja São Sebastião, notei que o farto felino continuava nos acompanhando e se ocultando entre os arbustos. Só que era barulhento demais para passar despercebido. Perto da Sanepar, ele pendurou na minha mochila, fugindo de um cão grande e mestiço, com características de rottweiler, que tentou atacá-lo. Então o cachorro recuou assim que Vico lhe lançou um grande biscoito canino. Ele sempre carregava petiscos para animais dentro da mochila.

Na Avenida Lázaro Vieira, o siamês continuou nos seguindo, indo de um lado para o outro e roçando o rabo entre as minhas pernas. E o cachorro maior veio logo atrás, remansoso e mantendo os olhos em nossos passos. Mais adiante, outros cães e gatos endossaram a marcha. Contei doze animais. De repente, para minha surpresa, um jovem no quintal da própria casa arremessou com violência uma grande manga verde contra nossos seguidores. Errou o alvo e atingiu Vico na cabeça.

Ele caiu de frente com o corpo estendido sobre o asfalto e os braços abertos. Vico não se movia. Continuou estatelado no chão morno com os olhos fechados, parcialmente cobertos pelos cabelos castanhos, e as mãos e pernas levemente raladas. Os cães começaram a uivar e os gatos se esfregaram na cabeça e no dorso de Vico. Desesperado, o agressor adolescente levou as mãos à cabeça e correu para dentro de casa.

Me aproximei do portão, bati palmas e vi o rapaz escondido logo abaixo da janela. “Você matou meu amigo, cara! Sua brincadeira tirou a vida dele! Como você atira manga na cabeça das pessoas que passam perto da sua casa? Qual é o seu problema?”, questionei energicamente. Dois cães se aproximaram da grade, como se quisessem invadir a casa. O garoto não respondeu, mas ouvi seu choro suprimido e ele balbuciando consigo mesmo que seu pai iria matá-lo.

No chão e cercado por animais, Vico ainda não se mexia. O cão grande e mestiço tentou empurrá-lo em vão com o focinho. Alguns curiosos assistiam de longe, indecisos em se aproximar. Cinco minutos após a queda, ele se levantou e sorriu apesar das escoriações e do galo na cabeça. Dei uma gargalhada e seguimos nossa caminhada.

Atraídos pela ração e pelos petiscos que vazavam por um pequeno furo proposital no fundo da mochila, os animais começaram a se dispersar quando perceberam que já não restava mais alimento. Subindo a Avenida Distrito Federal, notamos que a turma se foi – ficou apenas a dupla. Chacoalhei a minha mochila também vazia, onde eu guardava o caderno em um compartimento menor, e sorri. “Amanhã eles voltam. Eles sempre voltam”, comentou Vico.

A recompensa e o medo da danação

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“E se as pessoas soubessem que não ganhariam nada por serem boas?”

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Representação do inferno criada pelo pintor italiano Sandro Botticelli

Ao longo da minha vida, tive contato com diversas religiões e algumas antagônicas em certos aspectos. Fiz catequese e participei de escolas dominicais na minha infância e nos primeiros anos da adolescência. Até para minha surpresa, eu costumava estar entre os melhores alunos, embora minhas dúvidas soassem acéticas ou dignas de um infiel para alguns ou muitos. Ainda assim, eu não hesitava em refletir profundamente sobre o que lia e ouvia. Mesmo pequeno, não tinha facilidade em absorver qualquer coisa como verdade inquestionável.

O comportamento humano já me intrigava naquele tempo porque para além das cortinas de fé eu percebia algo nas pessoas que me parecia estranho e paradoxal. “Seja um bom menino que mais cedo ou mais tarde a recompensa aparece”, me diziam muitos quando eu ainda era criança. E esse discurso se repetiu muitas outras vezes e das mais variadas formas. As palavras mudavam, mas não deixavam de transmitir a mesma mensagem. Até que um dia eu comecei a me questionar.

“E se as pessoas soubessem que não ganhariam nada por serem boas? Se descobrissem que se trata de um dever como ser humano e simplesmente isso? E se após a morte lhe fosse reservado um lugar ao lado daqueles que você considera descrentes, ruins e degenerados? Você ainda faria tudo que fez? Seria realmente a mesma pessoa? E se não houver recompensa, não há motivo para ser bom ou justo?”

Me deparo todos os dias com pessoas que sustentam a própria fé e a ideia de fazer o bem como uma moeda de troca para ser beneficiado no futuro ou no pós-morte, como se Deus tivesse assinado algum termo de responsabilidade ou de indenização pela vida terrena que muitos depreciam na ânsia pelo paraíso. Como não encarar isso como uma forma de mercantilização da bondade? Por que não ser bom porque é sensato e condiz com a natureza humana quando ela não é subtraída da própria essência?

Acredito de fato que o ser humano é naturalmente benevolente, quando não o é significa que em algum momento suas características naturais foram corrompidas. Também penso que o justo nem sempre é verdadeiramente justo por um senso moral, por um senso altruísta. Muitas vezes a bondade nasce do medo da punição, da danação, de ser relegado à escuridão eterna. “Foi tarde. Tá ardendo no inferno, no colo do capeta”, já ouvi copiosamente. E que autoridade tem alguém em afirmar isso? Ou até mesmo desejar o mal a alguém? Quem somos nós para definir o que as pessoas merecem?

Diversas religiões falam que o fiel, o bom, ganhará os céus. Mas ser devoto de uma religião não significa ser bom e vice-versa. A bondade, como a caridade, independe de religião. Ela precisa fluir sempre de dentro do ser humano para fora, e mesmo distante de uma igreja há quem faça ela prevalecer até mais do que a de um suposto fiel. Crer que é melhor por ter uma religião reafirma apenas uma posição de devoto de ocasião.

Muitas vezes também li e ouvi pessoas afirmando que Deus há de punir seus desafetos porque ninguém “mexe com um servo ou serva de Deus”. Aí então surge uma curiosa distorção de crenças em que o religioso se coloca numa posição de deidade enquanto a Deus é delegada a função de subserviência, como um servo que deve atender aos caprichos de alguém com uma visão distorcida e particularista de justiça. Assim há seres humanos que não apenas se veem como merecedores de recompensa, mas vão muito além – eles a exigem em retribuição à fé que afirmam possuir incondicionalmente.

Insane Clown Posse e a mitologia da violência nos guetos

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“Criamos o Dark Carnival para que as pessoas entendam o peso de suas ações”

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Shaggy 2 Dope e Violent J, criadores da mitologia Dark Carnival (Foto: Divulgação)

Fundado em 1989 por Violent J (Joseph Bruce) e Shaggy 2 Dope (Joseph Utsler), o duo de horrorcore Insane Clown Posse, de Detroit, nos Estados Unidos, se popularizou nos anos 1990 por misturar rock e hip-hop, criando um estilo autoral que influenciou músicos e bandas de vários gêneros dentro e fora dos EUA. O que mais chama atenção no trabalho do ICP é que eles são praticamente os únicos a difundirem o horrorcore além do cenário alternativo norte-americano.

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O Insane Clown Posse já lançou 13 álbuns ao longo da carreira (Foto: Divulgação)

A maior parte das músicas do Insane Clown Posse têm relação com o Dark Carnival, uma curiosa mitologia autoral que se baseia na ideia de que as almas das pessoas são enviadas ao limbo, onde aguardam seu destino: céu ou inferno. Para onde cada um vai é determinado pelas suas ações individuais. Entre as músicas apontadas como as mais clássicas do duo estão “The Great Milenko”, “Hokus Pokus”, “The Neden Game”, “Halls of Illusions”, “Boogie Woogie Wu”, “What is a Juggalo?” e “Tilt-A-Whirl”.

Em 2000, quando Violent J estava viajando de Cleveland para Detroit, ele parou em um posto de combustíveis e comprou uma fita K7 com a música “Let’s Go All the Way”, do duo de new wave Sly Fox, de Miami, na Flórida. Joseph Bruce gostou tanto do som que quis regravá-lo. E o resultado foi que a nova versão entrou para a lista de melhores do Insane Clown Posse. Disponibilizada no YouTube em 2007, ultrapassou mais de quatro milhões de visualizações e agradou até quem não simpatizava com o trabalho do ICP.

Ao longo da carreira, o duo já lançou 13 álbuns. O primeiro e que marcou a criação do Dark Carnival foi o “Carnival of Carnage” que usa a mitologia como uma representação da violência dentro dos guetos dos Estados Unidos. E não somente isso. A partir de satíricas críticas sociais, o duo criou um cenário de carnaval itinerante onde a brutal realidade da periferia também é levada para os bairros de classe alta, como desdobramento da miséria e da indiligência. Sendo assim, nas letras do ICP, a violência se desenvolve como prognóstico de um caos mais do que iminente e financiado pelas esferas mais altas do poder.

Duo criou um cenário de carnaval itinerante onde a brutal realidade da periferia também é levada para os bairros de classe alta (Foto: Divulgação)

Duo criou um cenário de carnaval itinerante onde a brutal realidade da periferia também é levada para os bairros de classe alta (Foto: Divulgação)

No início da década de 1990, Violent J e Shaggy 2 Dope desenvolveram um conceito intitulado “Joker’s Cards” que abrange os álbuns “Carnival of Carnage”, de 1992; “The Ringmaster”, de 1994; “The Riddle Box”, de 1995; “The Great Milenko”, de 1997; “The Amazing Jeckel Brothers”, de 1999; “Bang! Pow! Boom!”, de 2009; “The Mighty Death Pop!”, de 2012; e “The Marvelous Missing Link: Lost”, de 2015.

As cartas do Coringa (Joker’s Cards) são enviadas como aviso pelo Insane Clown Posse aos representantes das classes mais altas e também aos políticos que ignoram os apelos das classes baixas. “Nós a entregamos a quem ignora os gritos das cidades. Cada uma das nossas cartas têm um papel específico dentro do Dark Carnival. Falamos da maldade cotidiana para que as pessoas entendam a importância de salvar a alma humana”, explicam Bruce e Utsler.

O conteúdo pesado das letras já chamou a atenção de muitos jornalistas e críticos que apontaram o duo como um paradoxo em essência, já que o ICP tenta ser espiritualista ao mesmo tempo que aborda a violência sem ressalvas. “Sobre isso, só posso dizer que o mais importante é falar a língua das ruas. Tentamos soar interessante para o público, nos aproximando da realidade deles e ganhando sua confiança. Se você é uma pessoa das ruas, é claro que você tem que trilhar esse caminho. Criamos o Dark Carnival para que as pessoas entendam o peso de suas ações”, argumentam.

Conhecidos como juggalos, os fãs do Insane Clown Posse possuem expressões, gírias e costumes bem próprios, tanto na forma de agir quanto de se vestir, como se fizessem parte de uma tribo. E todos os anos milhares de fãs se reúnem no The Gathering, inicialmente sediado em Cave-In-Rock, Illinois, e atualmente em Thornville, Ohio. O evento realizado pelo duo através da Psychopathic Records tem o apoio de astros do rap e do cinema como Ice Cube, Coolio, Vanilla Ice, MC Hammer, Busta Rhymes e Charlie Sheen, além de bandas como Cypress Hill, Drowning Pool, Gwar, Fear Factory, Cannibal Corpse, Andrew W.K., Soulfly e Mushroomhead.

Cover que rendeu mais popularidade ao duo:

 

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Coentro X Salsinha

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Não é tão difícil diferenciar coentro de salsinha (Foto: Reprodução)

Não é tão difícil diferenciar coentro de salsinha (Foto: Reprodução)

Sempre vejo gente fazendo confusão entre coentro e salsinha. Para quem se incomoda com o fato de não saber diferenciar, segue uma sugestão que sempre usei como referência:

Além do aroma mais forte, o coentro parece uma árvore frondosa e de copa arredondada em miniatura. Já a salsinha, tem formas mais finas, é menor e me traz recordações dos pinheiros que eu desenhava na infância.

Written by David Arioch

April 12th, 2016 at 7:34 pm

Baikal, a reação soviética à Coca-Cola

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Uma das versões mais recomendadas pelos russos é a do fabricante Chernogolovka†(Foto: Divulgação)

Durante a Guerra Fria, não foi apenas no campo da espionagem e da fabricação de armas que a União Soviética desafiou os Estados Unidos, mas também na produção de alimentos e bebidas capazes de diminuir a influência estadunidense. Um exemplo é o refrigerante Baikal, desenvolvido para ser a reação soviética à Coca-Cola. A ideia não era transformá-lo em um produto de consumo mundial, mas sim de redução da penetração da bebida de origem norte-americana em território russo.

A maior diferença entre o Baikal e a Coca-Cola é que o refrigerante russo é baseado em ingredientes naturais, ervas típicas, e tem um sabor peculiar e original, com leve aroma de pinho. Excetuando alguns ingredientes que variam de acordo com o fabricante, a bebida que começou a ser comercializada em Moscou em 1976 traz louro, erva-de-são-joão, sementes de coentro e raiz de alcaçuz na sua composição. O Baikal também não é tão doce. Na realidade, contém pouco açúcar se comparado à Coca-Cola.

Outra curiosidade é que o nome da bebida de coloração castanha-escura é uma homenagem ao maior lago do mundo, situado na Sibéria. Com o tempo o Baikal se tornou tão popular em algumas regiões da Rússia quanto a vodka. Hoje há uma grande variedade de sabores, inclusive versões alemãs, como é o caso da bebida Vostok. O fotógrafo Joris Van Velzen que trabalhou durante anos em Moscou também criou um novo Baikal.

Há muito tempo no mercado, o refrigerante russo é considerado um bom tônico com propriedades restauradoras relacionadas à adição de Eleutherococcus senticosus, o ginseng siberiano. Embora o ritmo de produção tenha oscilado com o passar dos anos, o Baikal ainda ocupa posição de destaque entre as bebidas carbonatadas mais vendidas na Rússia. Ele só não é indicado para quem sofre de diabetes ou precisa manter um severo controle de ingestão de líquidos. Das versões tradicionais do Baikal, que não possui ingredientes de origem animal nem relação com testes em animais, a mais recomendada pelos russos é a fabricada em Chernogolovka, no óblast de Moscou.

O Baikal pode ser comprado no link abaixo:

http://www.russianfooddirect.com/food/beverage/water-kvas/baikal/

A chuva cativa sobre a colina

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Irritado, desci a colina gelado, numa torrente que se alongava e se dispersava por todo lado

Me vi em um final de tarde em um casarão de madeira no alto de uma colina (Arte: Gino Masini)

Me vi em um final de tarde em um casarão no alto de uma colina (Arte: Gino Masini)

Desde criança, tenho sonhos incomuns, abstratos e talvez absurdos para quem gosta de defini-los como sinais, revelações ou tormentos. Na noite passada, por exemplo, assim que dormi me vi em um final de tarde em um casarão de madeira no alto de uma colina. Perto de mim, uma bruma morna envolvia crianças e animais que celebravam o Dia de Cosme e Damião em um vilarejo livre de adultos.

Empolgadas, elas gritavam e corriam por todos os lados numa balbúrdia incessante que vinha de um ponto mais baixo, onde a grama tornada seca tinha aspecto embusteiro de palha dourada – e se movia como pés e mãos de espantalhos disformes que gargalhavam sem boca sob as formas do sopro do vento.

Praticamente imóvel, eu observava a movimentação em meio a uma miríade de ventarolas de papel que balouçavam presas às cordinhas de varal. As dezenas de crianças sorriam e giravam em grandes círculos. O ato era simulado por cães e gatos enquanto balas, pirulitos e outros tipos de doces caíam do céu como chuva paulatina. Os picolés derretiam antes de tocarem a grama, se desfazendo como suco embrulhado. Pincelavam os corpos e as cabeças dos pequenos que tentavam em vão agarrar os palitos nus. Era como creolina em roupa. Grudava, se fixava, temendo o próprio fim.

Eu não interagia. Continuava no mesmo lugar, na minha inércia, observando tudo, sóbrio, mas alheio à consciência do tempo e da minha própria condição existencial. Eu era como um nada que antes fluía inidentificável. Na realidade, eu era a chuva que presa e reduzida a um compartimento do telhado acabou privada de tocar o chão, substituída por uma infinidade de doces.

Era injusto comigo que nasci para sentir a terra, umedecê-la e vivificá-la. Ela sempre corava em minha presença. Amolecia, me abraçava e me deixava penetrar em suas entranhas, onde eu poderia desaparecer ou me enredar pelo lençol freático, correndo junto de águas caudalosas. Uma aventura em tanto! Ela me aquecia e eu a esfriava, e aquilo fazia de nossa relação a mais poética das simbioses.

Deixei de ser onipresente naquele Dia de Cosme e Damião, não sei se por unção ou punição a pagão. E isso também pouco importava para quem numa condição limitada somente ansiava, titubeava diante da torrente cálida do sol que o mundo das crianças inebriava. Havia aroma dulcificado por todos os lados, anestesiando até meus sentidos inominados.

De repente, um silêncio solene se instaurou. Todos se calaram para ouvir o som da terra que se intensificou. “O que será que vem agora?”, refleti em confinamento. Depois vi doces brotando do chão. Alguns eram expelidos enquanto outros se descolavam de galhos minúsculos e retraídos sobre caules diminutos.

A cena que se repetiu muitas vezes em vários pontos do vilarejo deixou as crianças ensandecidas. Corriam tresloucadas, atropelando as esculturas de Cosme e Damião que ficavam pelo caminho. Já não representavam a elas mais do que obstáculos. Enquanto digladiavam pelos doces, saltando e golpeando, arrancando com violência as plantinhas que se encolhiam e tremiam curvadas sobre o solo, os cacos de gesso dos irmãos gêmeos voavam pelo chão, formando um caminho encascalhado de profanação.

As brincadeiras findaram, e como selvagens as crianças no chão se debruçaram. Comiam, comiam e comiam sem pestanejar, até que passando mal começaram a soluçar. Mesmo os mais escanifrados ganharam barrigas esféricas como enormes balões. Não conseguiam caminhar, e rolavam e choravam sobre a terra cada vez mais calcinada que o dorso queimava. Alguns resistiam e tentavam correr sobre as pontas dos pés nus, sem direção ou propósito – fuga pela fuga ou échapper par la fuite, como dizem os franceses.

Infindáveis, doces continuavam brotando do chão. Logo centenas de abelhas se aproximaram para polinizar as pequenas plantas que cresciam vertiginosamente. O calor seguiu aumentando. Em estado líquido, eu nada sentia. As crianças sedentas, vencidas pela hiperglicemia, berravam e praguejavam porque não havia água em nenhum lugar de fácil acesso. Encolerizadas com a gritaria, as abelhas abandonaram a polinização para perseguir e atacar os pequenos.

Uma garotinha cercada pelo enxame ficou dourada como a grama queimada, parando de correr e até de se mover. Estática, não tinha ferida, mas parecia sem vida, e seus olhos lembravam bolinhas recheadas de mel que traziam na íris o talhe de um anel. Ouvi alguém batendo na porta do casarão que me abrigava, enquanto o chão, rendido pela mais severa estiagem, rachava.

“Por favor, deixa a gente entrar! Por favor!”, gritavam dezenas de crianças em uníssono. Sem mãos e pernas, o que eu poderia fazer? Não havia ninguém além de mim no casarão. Uma a uma, elas caíram no chão, vitimadas por calor, sede e torpor. Resfolegavam com dificuldade, até que consumido por agitação sobrenatural tentei me desprender da calha entupida. Não consegui e chorei, multiplicando minhas águas e arrastando comigo tudo que me segurava.

Irritado, desci a colina gelado, numa torrente que se alongava e se dispersava por todo lado. Assim que me lancei sobre as crianças, lavando o corpo e a face, elas despertaram e se levantaram. Observaram o céu desanuviado e reconheceram que o mormaço tinha se dissipado. Abriram a boca e beberam a água límpida e fresca que caía em forma de chuva comunesca. Sim, as abelhas também sumiram, e com elas o chão eivado e os doces. O que restava era a vida que resistia consorte e gentia.

Fargo, poesia audiovisual do absurdo

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Uma série de TV sangrenta com requinte satírico de tragédia grega

Billy Bob Thornton interpreta um mercenário enigmático, metódico, idealista e desdenhoso (Foto: Divulgação)

Billy Bob Thornton interpreta um mercenário enigmático, metódico, idealista e desdenhoso (Foto: Divulgação)

Para quem gosta de séries de anti-heróis, e que misturam drama, suspense e humor mórbido, vale a pena conhecer a série Fargo, da FX, que estreou em 2014. Melhor ainda para quem já assistiu ao filme homônimo dos Irmãos Coen, lançado nos Estados Unidos em 1996. Vale a pena investir algumas horas na série e no filme, já que como a storyline é diferente, assim como atores e personagens, um se soma ao outro nas suas mais diversas perspectivas.

Intrigante e envolvente, a primeira temporada da série tem como ponto alto um elenco composto por atores de séries como Sherlock, Breaking Bad e Dexter, além do tarimbado Billy Bob Thornton no papel de um mercenário enigmático, metódico, idealista e desdenhoso. Quem assiste ao primeiro episódio já fica na ânsia de acompanhar os demais.

Na segunda temporada, de 2015, Fargo recomeçou com um novo elenco e sem qualquer associação com o desenvolvimento da primeira temporada. Após um acidente fatal provocado pela esposa Peggy Blumquist (Kirsten Dunst), o incauto assistente de açougueiro Ed Blumquist (Jesse Plemons), o Todd de Breaking Bad, se vê às voltas com a máfia. Sem se dar conta das próprias ações, causa uma guerra entre mafiosos. A situação só não se torna pior do que já é porque tem como atenuante o policial Lou Solverson (Patrick Wilson) e o xerife Hank Larsson (Ted Danson).

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Na segunda temporada, Fargo recomeçou com um novo elenco e sem qualquer associação com o desenvolvimento da primeira (Foto: Divulgação)

Embora as histórias das duas temporadas sejam completamente distintas, alguns padrões são mantidos. Por exemplo, sempre há a moral, o imoral e o amoral, além de personagens que banalizam a vida e se colocam acima da lei para alcançar qualquer objetivo. Outras similaridades entre os personagens incluem prevaricação, comportamento sociopata e negação dos fatos e da realidade, além de anseios eversivos e autodestrutivos.

E o mais curioso é que tudo isso se mistura também à ingenuidade, irreflexão e descomedimento. Excessos de confiança e de profissionalismo também são apresentados como nocivos. São características que cegam os personagens para as falhas e vulnerabilidades percebidas apenas por quem não compõe aquele cenário ou contexto belicoso.

Um exemplo é a cena em que Hanzee Dent (Zahn McClarnon) planeja executar o casal Blumquist, crente de que, por serem pessoas comuns, eles não mostrariam nenhum tipo de resistência. É cômico reconhecer que a experiência também pode levar à tolice e à subestimação, e o que deveria ser uma vantagem se torna uma desvantagem.

Por pior que seja, a ideia da morte em Fargo não chega ao espectador de forma pesarosa, a não ser a de Betsy Solverson (Cristin Miloti), a esposa do oficial Solverson que sofre de câncer. No mais, o passamento parece inevitável e até incentivado como um recurso maior. Ele reforça os desdobramentos meândricos e tresloucados de uma obra cruenta com requinte satírico de tragédia grega.

A desgraça é apresentada em Fargo como uma poesia do absurdo, do tout est possible, mergulhada numa estética carmesim. E nela quase tudo de significante ou insignificante soa mais valoroso que a própria vida – quase relegada a recurso de figuração em meio a um caos de degenerescências.

Pequenas reflexões sobre a morte

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Ainda assim lutamos para preservar a convicção de que “somos eternos enquanto vivemos”

Pequenas reflexões sobre a morte

A morte não nos convida para uma partida de xadrez como a educada e ponderada Döden da obra Det Sjunde Inseglet (Foto: Reprodução)

É sempre difícil lidar com a morte sem questionar alguns valores que regem a vida. Conviver com a perda é imprescindível, é humano, assim como enfrentar esporádicas crises existenciais em momentos extremos; quando perdemos alguém, por exemplo. Há acontecimentos que fazem o ser humano se questionar, se autoavaliar diante de tudo aquilo que até então lhe parecia pleno porque ele julgava como inconcebível ou até impossível.

É um pensamento que remete à infância quando atribuímos aos nossos familiares e amigos um status de intangíveis, imortais. Queremos sempre que aqueles de quem gostamos sejam eternos, independente das mais estoicas adversidades. Alimentamos essa ilusão como verdade plausível, diuturnamente tangível, até quando na adolescência ou diante de situação inesperada a ideia da finitude nos arrebata pela experiência.

A morte consegue ser menos seletiva do que nossas escolhas. E ela pode ser aparentemente cruel com a nossa ingenuidade, fiel companheira capaz de alimentar e ao mesmo tempo diluir nossa realidade. Ainda assim lutamos para preservar a convicção de que “somos eternos enquanto vivemos”. Precisamos, de fato, tratar quem importa para nós como heróis, sempiternos, pois a morte não é dada a avisos muito claros. Não nos convida para uma partida de xadrez como a educada e ponderada Döden da obra Det Sjunde Inseglet (O Sétimo Selo), do sueco Ingmar Bergman.

É justo e sensato reconhecer que a vida também pode afastar os seres humanos enquanto a morte é capaz de promover uma grande união de reflexões entre pessoas de tantas gerações que se conhecem ou se desconhecem. Humanos das mais diferentes formas, estilos e perfis – que se complementam e se antagonizam. Pessoas são microcosmos como réplicas ou paródias do macrocosmo, dependendo da concepção em voga. Somos tudo ao mesmo tempo que não somos nada.

Mesmo reconhecendo nossa pequenez, não precisamos negar que o fim de quem quer que seja há de abalar o mundo, mesmo que seja um mundo pessoal, onde um diminuto fragmento, mesmo que invisível à maioria, surge sempre que alguém se vai. A morte deixa seus vestígios – uma talisca de luz, sim, ínfima, não geográfica, que resplandece vaporosa sobre quem tem aptidão para notá-la.

Temos a natural necessidade de vivificar quem se foi porque o tributo clama não somente pela paz dos que partiram, mas também por um algo inominado e indefinível que assegure a manutenção da vida e a sanidade dos que ficaram. Acredito também que a morte é um sopro de vida, uma aragem curta, fugaz, tímida e melindrosa que muitas vezes se esforça para ser reconhecida, principalmente quando a ignoramos.

Written by David Arioch

April 7th, 2016 at 4:27 pm

O Bardo e o Banjo, a força do bluegrass à brasileira

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“Não foi uma formação planejada, mas sim uma união de bêbados que deu muito certo”

As primeiras releituras de O Bardo e o Banjo foram de bandas como Lynyrd Skynyrd, The Beatles e Johnny Cash (Foto: Divulgação)

O Bardo e o Banjo começou fazendo releituras de Lynyrd Skynyrd, The Beatles e Johnny Cash (Foto: Divulgação)

Em 2012, quando o multi-instrumentista e compositor Wagner Creoruska Junior se apresentava nas ruas mais movimentadas de São Paulo, divulgando a cultura bluegrass como um homem-orquestra, ele conheceu o violinista Antonio de Souza. “A ideia de criar uma banda veio daí. E logo sugiram convites para participarmos de shows e festivais. Então pensamos na entrada do Marcus Zambelo como vocalista, visando preencher mais o som que fazíamos. Ele tocava em uma banda cover do Rush”, narra Wagner em referência ao início da banda O Bardo e o Banjo, de bluegrass e folk, criada no mesmo ano.

Com a popularidade do grupo, Maurício Pilczuk, que já integrava outras bandas e era professor de música, foi convidado a ingressar como baixista, dando mais corpo aos shows. “Todos acabamos nos conhecendo enquanto tocávamos por aí. É interessante porque não foi uma formação planejada, mas sim uma união de bêbados que deu muito certo”, conta Creoruska rindo.

As primeiras releituras de O Bardo e o Banjo foram de bandas como Lynyrd Skynyrd, The Beatles e Johnny Cash, com o diferencial de uma peculiar roupagem bluegrass, o que Wagner admite não ser uma novidade, já que nos anos 1970 o grupo Old and in the Way, de San Francisco, na Califórnia, fazia covers do The Rolling Stones.

A primeira música autoral do grupo foi "Sweetums", lançada no final de 2012 (Foto: Divulgação)

A primeira música autoral do grupo foi “Sweetums”, lançada no final de 2012 (Foto: Divulgação)

“O Hayseed Dixie também ficou muito conhecido fazendo isso. Adaptar arranjos é sempre um exercício de desconstrução e reconstrução musical. Para nós é legal porque tocamos do nosso jeito as músicas que adoramos, soando menos ‘agressivas’. É engraçado, por exemplo, tocar ‘Ace of Spades’, do Motörhead, e ver as crianças dançando como se fosse o show daquela galinha azul”, comenta às gargalhadas. Outro ponto positivo é que covers bem executados atraem bom público. Por isso a banda gosta de mesclar músicas autorais e releituras, tornando o show bastante interativo.

Influenciado pela música irlandesa e norte-americana desde a infância, Wagner ainda se recorda das tardes ouvindo os discos de Willie Nelson que pertenciam ao seu tio. “Ouvia também Beatles, Creedence e Rick Wakeman. Mas diria que todos viemos do rock e do metal, embora nossas maiores inspirações sejam Heyseed Dixie, Greensky Bluegrass, Old and in the Way e Bill Monroe, entre outros. Como o bluegrass é um tipo de música folclórica com raízes nas fiddle tunes irlandesas, no country e no blues, nos definimos com bluegrass e folk. Buscamos muito essa linguagem mais tradicional”, destaca.

A primeira música autoral do grupo foi “Sweetums”, lançada no final de 2012. Desde então a boa aceitação estimulou O Bardo e o Banjo a seguir em frente. “Não parei mais de compor e hoje temos cerca de 30 composições, incluindo gravadas e não gravadas”, revela Creoruska. Entre os temas das letras estão o cotidiano, relacionamentos, histórias fictícias e divagações.

De 2012 para cá, O Bardo e o Banjo passou por apenas uma mudança na formação (Foto: Divulgação)

De 2012 para cá, passaram por apenas uma mudança na formação (Foto: Divulgação)

Em 2013, a banda lançou o EP Sinergy, seguido pelo EP Lakeside, de 2014. No mesmo ano lançaram também o álbum Homepath e o CD ao vivo Folk n’ Roll que traz covers de Motörhead, Del and Dawg, Black Sababth, Lynyrd Skynyrd, Dire Straits, The Beatles, Ozzy Osbourne, Old Truck Revival, Johnny Cash e ZZ Top.

“O Homepath teve uma divulgação bem legal desde que foi lançado. Através dele conseguimos matérias em jornais e demos entrevistas para a TV. Inclusive tivemos uma das faixas tocadas em um episódio da novela ‘I Love Paraisópolis’, da Rede Globo”, explica Creoruska. Em síntese, o álbum se tornou uma ótima porta de entrada para os outros trabalhos da banda, também servindo como convite para que mais pessoas conheçam e se aventurem pelo universo do bluegrass.

De 2012 para cá, O Bardo e o Banjo passou por apenas uma mudança na formação. Em 2015, o violinista Antonio de Souza deixou a banda e foi substituído por Peter Harris. “Também fizemos alguns shows com o baixista Beto Grangeia que chegou a tocar baixo no clipe de ‘Homepath’. Tivemos ainda a participação do violinista Rik Dias em alguns shows antes da entrada do Peter”, enfatiza.

Em 2014, a banda lançou o álbum Homepath (Foto: Divulgação)

A banda lançou o álbum Homepath em 2014 (Foto: Divulgação)

O que também chama muita atenção no trabalho da banda é a qualidade dos vídeos, acima da média nacional. De acordo com Wagner, os clipes são sempre produzidos em parceria com produtoras e filmmakers aptos a captarem a essência de cada música. “Fizemos muitos vídeos a convite de produtoras com um portfólio incrível. E todos eles estão disponíveis no YouTube”, avisa.

Atualmente os integrantes estão trabalhando na produção do segundo álbum. Tudo indica que as gravações vão ser iniciadas nos próximos meses. “Quanto a instrumentos novos, estamos experimentando outros timbres. Por exemplo, um banjo feito de lata que uso em algumas músicas novas”, informa Creoruska.

O Bardo e o Banjo já fez shows em nove estados do Brasil. Ainda assim há muitas cidades onde a banda pretende se apresentar até o final do ano. “Agora vamos fazer uma pequena turnê pelo estado de São Paulo. Serão 15 shows em duas semanas. Possivelmente passaremos por Brasília no final de julho e também pela região Sul em agosto e setembro. Em novembro voltaremos a Maringá para participar da Virada Cultural”, anuncia.

“Tocar na rua é uma experiência única”

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Wagner Creoruska: “Fico bastante impressionado com a aceitação do público em geral” (Foto: Divulgação)

O fundador da banda O Bardo e o Banjo, Wagner Creoruska Junior conta que quando começou a tocar sozinho pelas ruas de São Paulo jamais imaginou que um dia as pessoas iriam se interessar tanto por bluegrass e folk. “Fico bastante impressionado com a aceitação do público em geral. Hoje temos muitas bandas de folk, muitos artistas tocando e começando pelas ruas. Acho incrível e apoio todos eles. Tocar na rua é uma experiência única”, admite.

E foi justamente a boa repercussão do trabalho que motivou Creoruska a fundar o projeto Redneck Murder que recentemente disponibilizou o EP No Road is Too Long no site SoundCloud. “É um som mais puxado para o rock e southern rock. Fica o convite para todos ouvirem!”, recomenda o multi-instrumentista que vê a internet como aliada e a considera fundamental na divulgação de sessions, vídeos e matérias sobre o trabalho da banda – publicadas principalmente em blogs. No entanto, defende que o contato com o público nas ruas é de suma importância e nunca deve ser subestimado. “O contato visual real, a música ao vivo ali na sua frente, causa um impacto muito maior do que um vídeo ou áudio na internet”, avalia.

Wagner Creoruska também reconhece o potencial dos sites de financiamento coletivo, ferramenta que tem ajudado a transformar boas ideias em realidade. “Para quem precisa de dinheiro para gravar um álbum ou clipe, o financiamento é uma grande solução. Porém, tem que ser bem pensado e estruturado para que você consiga convencer as pessoas a participarem do projeto”, argumenta.

“Agradecemos sempre aos nossos fãs. Eles são nossos principais parceiros e patrocinadores. Realmente, o Bardo e o Banjo não estaria onde está não fosse por eles” – Wagner Creoruska Junior.  

Formação Atual

Wagner Creoruska Junior – vocal, banjo e percussão

Marcus Zambelo – vocal, bandolim, percussão e sapateado

Maurício Pilcsuk – vocal e baixo acústico

Peter Harris – violino

Saiba Mais

 O Bardo e o Banjo continua aberto a convites de shows. Para entrar em contato, ligue para (11) 98863-2373 ou envie mensagem por WhatsApp. O e-mail da banda é obardoeobanjo@gmail.com. A agenda pode ser acompanhada pelo site www.obardoeobanjo.com

 O CD Homepath, camisetas, bonés e posters podem ser comprados na loja virtual da banda: http://www.obardoeobanjo.lojaintegrada.com.br

No mundo dos canibais da internet

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Um universo desconhecido pela maioria dos internautas, onde pessoas procuram carne humana

Canibalismo na internet foi trazido à tona pelo alemão Armin Meiwes (Kai Pfaffenbach/Reuters)

Canibalismo na internet foi trazido à tona pelo alemão Armin Meiwes (Kai Pfaffenbach/Reuters)

No dia 10 de março de 2001, o técnico em informática alemão Armin Meiwes matou e comeu o engenheiro Bernd Jürgen Brandes em sua fazenda em Rotemburgo, na Alemanha. À época, o crime teve repercussão internacional e Meiwes chegou a ser comparado a famosos assassinos em série como o estadunidense Jeffrey Dahmer – o canibal de Milwaukee. No entanto, para surpresa de todos que acompanharam o caso e participaram do julgamento do alemão, apelidado de Der Metzgermeister (O Açougueiro-Mestre), as investigações apontaram que o ato de canibalismo de Meiwes teve o consentimento da vítima que antes de falecer se alimentou de uma pequena parte do próprio corpo.

Para suportar a dor, Brandes engoliu 20 comprimidos para dormir e meia garrafa de aguardente antes de ter o pênis amputado por Meiwes. Mais tarde, os dois se alimentaram do pênis flambado da vítima que provavelmente sofria de distúrbios psicológicos e emocionais. Após o falecimento do engenheiro, o técnico continuou se alimentando de Brandes, chegando a consumir um total de 20 quilos de carne humana. Durante o julgamento, o canibal de Rotemburgo confidenciou que a carne era muito parecida com a suína, com a exceção de que era mais forte.

Contudo, Meiwes alegou que jamais teria matado ou se alimentado da vítima de forma não consentida, embora desejasse consumir carne humana desde a infância. O episódio desafiou a justiça alemã que não possuía legislação específica para lidar com casos de antropofagia envolvendo vítimas voluntárias. Apesar disso, Meiwes foi condenado a oito anos de prisão por homicídio.

Página inicial do Fórum Cannibal Cafe (Foto: Reprodução)

Página inicial do Fórum Cannibal Cafe (Foto: Reprodução)

Em 2006, após passar por nova análise psicológica, foi constatado que o Açougueiro-Mestre ainda tencionava se alimentar de carne, principalmente de jovens. Com a possibilidade de reincidência, um tribunal de Frankfurt o condenou à prisão perpétua. Mesmo com o veredicto, Meiwes se declarou como vegetariano em 2007 e foi eleito líder de um grupo de conscientização ambiental formado por pedófilos, traficantes e assassinos.

A história de Armin Meiwes chamou a atenção para uma realidade macabra e desconhecida da maior parte dos usuários da internet. O técnico em informática conheceu Bernd Jürgen Brandes no Cannibal Cafe, um fórum da Undernet que mantinha o seu conteúdo oculto, fora dos mecanismos de busca, e que só poderia ser acessado por pessoas com conhecimentos bem específicos.

Há alguns anos, eu tive acesso aos arquivos do fórum e entendi o que Meiwes quis dizer quando falou que ele não seria o primeiro nem o último a conhecer pessoas na internet com a intenção de praticar canibalismo. Segundo o Açougueiro-Mestre, há milhares de pessoas na internet dispostas a comerem carne humana e serem comidas. E uma prova disso era o Cannibal Cafe.

Perro Loco (à direita), fundador do fórum que atraía canibais e entusiastas (Foto: The Cannibal Cafe Forum)

Perro Loco (à direita), fundador do fórum que atraía canibais e entusiastas (Foto: The Cannibal Cafe Forum)

Fundado por um estadunidense de meia-idade conhecido como Perro Loco, o fórum exibia um alerta para pessoas que não gostam de fantasias politicamente incorretas. “Se você não tem esse tipo de fantasia, provavelmente você vai achar o nosso conteúdo chocante e ofensivo, o que significa que nosso site não é para você. Por favor, vá embora. O material que produzimos é fantasioso em muitos aspectos. Não há nada realista sobre o assunto. Nossos espectadores sabem disso. Longe de normalizar a violência, nós a relegamos ao reino da fantasia. Não é a presença de tais fantasias que levam pessoas a atos de violência, mas sim a ausência de uma consciência”, defendia Perro Loco na página de abertura.

O fórum era administrado por mais três operadores, pessoas da confiança do idealizador. Dois foram identificados pelos pseudônimos Fenestrated e Squeeze Toy. Na rede Undernet, acessada através do programa mIRC, o Cannibal Cafe também mantinha um canal chamado #snuffsex, onde eram compartilhadas imagens, informações e bizarras aspirações.

Na guia Livestock Application do Cannibal Cafe, os usuários podiam preencher uma ficha informando dados pessoais, experiências, habilidades sexuais e o tipo de morte desejada – ser assado vivo, decapitado, desmembrado e empalado, entre outras opções. As mulheres oferecidas no site, mediante pagamento ou não, eram classificadas como cows (vacas). Nathalia, uma jovem de 27 anos, apresentada como uma gótica bissexual neerlandesa, foi qualificada como em ótimo estado, com carne firme, magra e com bom tônus muscular. De acordo com as recomendações de Perro Loco, ela poderia ser colocada em suspensão, asfixiada e progressivamente desmembrada. Ao completar 30 anos, Nathalia deveria ser assada viva.

Chelsea, de 19 anos, anunciada como filha de Perro Loco, participava do fórum e dizia que queria se tornar uma atriz pornô de filmes extremos. Mas somente por curto período, até que eventualmente pudesse ser morta e eternizada no vídeo da sua própria execução, um snuff film. O Cannibal Cafe também disponibilizava uma seção sobre empalamento em que Perro Loco falava sobre as suas próprias experiências.

Nathalia, jovem neerlandesa oferecida para ser canibalizada no fórum (Foto: The Cannibal Cafe Forum)

Nathalia, jovem neerlandesa oferecida aos usuários do fórum (Foto: The Cannibal Cafe Forum)

“Há homens e mulheres emocionalmente vulneráveis o suficiente para serem seduzidos e permitirem que outras pessoas os matem por prazeres sexuais. São os verdadeiros masoquistas. Eu não vou entrar em detalhes, mas há sete anos fui atraído por uma jovem perturbada que vivia na área rural da Flórida. E sim, ela era suicida, submissa e masoquista. Um dia, ela abandonou os pais e fugiu de casa em busca da sua emoção final”, escreveu Perro Loco em 2001, na seção de perguntas mais frequentes do fórum.

E ele continuou: “Desde então, tenho a sorte de encontrar meninas e mulheres dispostas a realizarem essas fantasias. Comecei divulgando anúncios discretos na revista Fangoria e em um tabloide nacional que circula principalmente em supermercados. Fiz o mesmo em grupos da Usenet [através de fóruns]. No geral, o retorno aos meus anúncios foi muito maior do que eu poderia esperar nos meus sonhos mais selvagens.”

Analisando o conteúdo do Cannibal Cafe, que se manteve na ativa entre os anos de 1994 e 2002, não é difícil perceber que muitos dos usuários eram fãs de Dolcett, um tipo sinistro de desenhos fetichistas incluindo estupro, tortura, assassinato, canibalismo e incesto. Seus autores até hoje mantêm a identidade anônima. “Após a aceitação de uma nova ‘vaca’, ela recebe treinamento extensivo em todas as formas conhecidas de extrema escravidão e perversão. Ela passa por um processo de doutrinação psicológica completa, baseada em impulsos sexuais naturais, estimulando tendências submissas do subconsciente e eliminando as inibições sexuais e instintos de autopreservação”, escreveu Perro Loco na seção Cattle Training (Formação de Gado).

Os operadores e usuários do fórum davam a impressão de que a vida é um jogo e a morte um presente. Na seção Snuff Show Previews havia imagens reais de usuários e toscas montagens de rituais de tortura, empalamentos e antropofagia – algumas em forma de fichas pessoais. “Estamos treinando nossas ‘vacas’ para estrelarem nossos vídeos. Os shows ao vivo estão programados para saírem em breve. Acesse o nosso formulário de pedidos online para obter mais informações sobre nossos filmes snuff [com mortes e assassinatos reais]”, informou a administração do fórum.

No dia 28 de abril de 2001, a usuária Stephanie comentou que achou o trabalho de Perro Loco tão original quanto a chamada arte Dolcett. “Você fez um site como nenhum outro. É um mestre entre os mestres, um grande homem”, declarou. Dois dias depois, uma moça identificada como Cath criou um anúncio informando ter 1,75m, cabelos ruivos até o meio das costas e olhos azuis. “Posso render um bom presunto e uma boa alcatra. Como você gostaria de me cozinhar? E você poderia me marcar como um porco ou uma vaca?”, sugeriu.

Outro usuário, Franky, reconhecido como Armin Meiwes, o canibal de Rotemburgo, ingressou no fórum para conhecer homens com faixa etária de 18 a 30 anos. “Se você tiver um corpo normal, venha até mim. Eu vou lhe estripar e comer a sua carne. Me informe sua idade, altura, peso e encaminhe uma foto”, pediu.

Chelsea, que se apresentava como filha de Perro Loco, dizia que queria ser morta e eternizada no vídeo da sua própria execução (Foto: The Cannibal Cafe Forum)

Chelsea, que se apresentava como filha de Perro Loco, dizia que queria ser morta e eternizada no vídeo da sua própria execução (Foto: The Cannibal Cafe Forum)

As conversas no fórum quase sempre eram sobre pessoas querendo comer carne humana ou se oferecendo para serem comidas. Perro Loco justificava que não iam além da imaginação. Porém, o alemão Armin Meiwes é a maior prova de que fantasia e realidade se confundiam no Cannibal Cafe. Apesar da contestação, havia muitas outras publicações suspeitas.

“Sou um homem saudável de 27 anos e quero me submeter totalmente à sádica escravidão imposta por uma senhora ou um casal extremamente cruel. Quero desaparecer silenciosamente na total e permanente escuridão. Me sinto ansioso com a possibilidade de aparecer em um snuff movie para benefício comercial do meu dono. Posso me mudar de Nova York a qualquer hora. Desejo ser torturado, abatido e cozido para a sua total satisfação. Em particular, gostaria de ser mantido nu, acorrentado e enjaulado. Estou muito interessado em ser espetado como um porco. Isso é real e eu vou responder a todas as ofertas. Continuo aguardando o abate. Obrigado”, postou Alan em 28 de maio de 2001.

Para se ter uma ideia da abrangência do Cannibal Cafe, há publicações em outros idiomas. Em agosto de 2001, um brasileiro criou um tópico enfatizando seu desejo em praticar canibalismo. Não há dados tão precisos, mas acredita-se que milhares de pessoas de todos os continentes participaram do fórum entre 1994 e 2002. Nikolai, um dos usuários mais ativos no último ano do Cannibal Cafe, compartilhava receitas e arquivos sobre preparo de carne humana. Um deles, intitulado “Butchering the Human Carcass for Human Consumption”, foi escrito por um homem chamado Bob Arson.

“É um passo a passo sobre como quebrar o corpo humano de forma a garantir mais opções de corte. Como em qualquer campo, há uma série de métodos para a prática, e você pode ver isso como um conjunto de sugestões em vez de regras concretas”, explica a introdução do arquivo.

Quando o canibal Armin Meiwes confidenciou que frequentava o Cannibal Cafe, o fórum obteve popularidade assombrosa, o que não impediu que fosse desativado em 2001. Ainda assim, o fundador Perro Loco jamais foi responsabilizado por qualquer ação criminosa que tivesse como ponto de partida o seu fórum. Inclusive gozou de certo prestígio e fama junto aos fãs de pornografia extrema e subversão sexual.

Mais tarde, ainda morando na Califórnia em um regime de semi-aposentadoria, optou por uma vida mais pacata, trabalhando em uma loja de artigos de pesca. De fala mansa e ponderada, Perro Loco, que define a si mesmo como um homem privilegiado pelo bom nível cultural, jamais evitou entrevistas ou cogitou desaparecer. Muito pelo contrário, afirma que está sempre aberto ao diálogo.

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